INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA — MESTRADO
PLÁCIDO ADRIANO DE MORAES NUNES
Como se computa a violência homofóbica no Brasil?
Dados, reconhecimento e visibilidade do movimento
LGBT em Maceió-AL
Maceió-AL
2018
PLÁCIDO ADRIANO DE MORAES NUNES
Como se computa a violência homofóbica no Brasil?
Dados, reconhecimento e visibilidade do movimento
LGBT em Maceió-AL
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Sociologia — PPGS , como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Orientador: Professor Doutor Emerson Oliveira do Nascimento
Maceió-AL
2018
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
N872c
Nunes, Plácido Adriano de Moraes.
Como se computa a violência homofóbica no Brasil? : dados, reconhecimento e visibilidade do movimento LGBT em Maceió-AL / Plácido Adriano
de Moraes Nunes. – 2018.
196 f. : il.
Orientador: Emerson Oliveira do Nascimento.
Dissertação (mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Alagoas.
Instituto de Ciências Sociais. Maceió, 2018.
Bibliografia: f. 150-164.
Anexos: f. 165-196.
1. Homofobia – Brasil – Homicídios. 2. Homossexuais – Violência.
3. Movimento LGBT – Brasil. 5. Teoria queer. I. Título.
CDU: 316.454.3-055.3(813.5)
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A todos aqueles que, sob o sol da razão, iluminaram o pensamento humano
para que, de algum modo, a vida e seus infinitos matizes tivessem sentidos, amplidão
e dignidade, bem como àqueles que lutaram pelos direitos de minorias vulneráreis, que
enfrentaram a homofobia e não se calaram ante a ameaça constante das violências,
da opressão, dos estigmas e dos preconceitos.
À minha amada mãe, Maria do Carmo de Moraes Nunes.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelos desafios e estorvos, pela complexidade de pensar-te, por duvidar
da tua existência criada e humanizada, por tua generosidade e bondade infindas;
À minha mãe, por ser quem me penso e sinto, pelo amor mor com que me amas
e com que a amo;
Aos meus irmãos, pelo amor e apoio, pelas diferenças e complexidades;
Ao meu orientador, Emerson Oliveira do Nascimento, sem o qual nada seria
mesmo possível, pelo amor símile que temos pelos mitos gregos, pela compatibilidade
de gênios, pelo grande e irreverente amigo que é;
À minha banca de qualificação, composta pelos professores João Batista de
Menezes Bittencourt e Nádia Elisa Meinerz que me abriram novos horizontes para a
pesquisa, pelo saber e competência compartilhados;
Aos professores pesquisadores Luiz Mott, Sérgio Carrara, Leandro Colling, Peter
Fry, Arim Soares do Bem, por toda ajuda e luzes;
Aos militantes e ativistas LGBT, Marcelo Nascimento, Jadson Andrade, Nildo
Correia, e todos os que fazem parte dos diversos grupos gays de Alagoas;
A Carmen Silvia Presotto, a amiga que amo e tanto fez por mim, incondicionalmente, que me presenteou com os primeiros livros para a elaboração do meu projeto
de pesquisa, por ter-me lançado como escritor;
A Alberto Lins Caldas, amigo amado, que me abriu os olhos para a pesquisa
científica;
Às amigas Elaine Pimentel e Anne Caroline, que tornaram, de algum modo, este
sonho possível;
A Bruno Bessa, pela amizade e pelas diversas contribuições;
Aos professores do mestrado, por toda a excelência do conhecimento compartilhado;
A Edna da Silva Gomes, pela dedicação e atenção dadas aos mestrandos;
À poesia, que tem tornado a minha vida ululantemente mais leve e alegre.
“Iustum et tenacem propositi virum
non civium ardor prava iubentium,
non vultus instantis tyranni
mente quatit solida.“
Quintus Horatius Flaccus.
RESUMO
Esta dissertação pretende compreender e explicar como os homicídios praticados contra os LGBT são computados no Brasil, especialmente, em Alagoas. Segundo
relatórios do Grupo Gay da Bahia (GGB), 343 LGBT foram assassinados no Brasil
em 2016, destes, 100 óbitos foram registrados no Nordeste. Em 2016, foram documentados 10 assassinatos de LGBT. Em 2017, apenas em Alagoas, foram 23 LGBT
assassinados e documentados. A metodologia que utilizada para a elaboração desta
pesquisa compreendeu o uso de técnicas qualitativas/explicativas, isto é, a aplicação
de entrevistas semiestruturadas com os ativistas do movimento LGBT em Maceió e
ligados ao Grupo Gay da Bahia, bem como outras lideranças LGBT maceioenses.
Para a coleta de dados foram usadas ainda as técnicas de visitação e observação.
Este trabalho compreende também uma pesquisa bibliográfica, isto é, uma síntese
geral sobre os principais trabalhos e estudos relacionados com os objetivos abordados,
apoiando-se em teóricos e pesquisadores relacionados com a problemática da violência
e da sexualidade. Bem como análise sistemática dos Boletins e Relatórios do Grupo
Gay da Bahia (1981-2017), acompanhamento de sites, redes sociais, jornais e revistas
que tratam da temática LGBT, bem como acompanhamento dos perfis em redes sociais
dos entrevistados. Tentando driblar a ausência de tipificação penal para os crimes
de violência homofóbica, os movimentos sociais LGBT no Brasil, sob a liderança do
Grupo Gay da Bahia, estruturaram uma rede complexa e sofisticada de produção de
informação. O processo de fluxo da mensuração destas informações acompanha o
processo de desenvolvimento e visibilidade do movimento LGBT brasileiro. No caso de
Alagoas, o processo de construção das questões de reconhecimento e visibilidade da
população LGBT estaria diretamente relacionada ao processo de constituição dessa
rede de informação inicializada a partir da década de 1990. Em linhas gerais, nossas
reflexões filiam-se às perspectivas já clássicas dos estudos sobre poder, sexualidade e
heteronormatividade, operacionalizando os conceitos de biopoder, campo/espaço de
possibilidades de Michel Foucault e aos conceitos de poder, dominação, dominação
masculina, violência simbólica, mudança e luta, espaço/campo das possibilidades, de
Pierre Bourdieu. Dentre os autores contemporâneos, nosso diálogo estabeleceu-se
diretamente com o paradigma de performatividade, próprio da teoria queer de Judith
Butler, bem como os seus conceitos de gênero, desejo, discurso, entre outros; e com
os conceitos de reconhecimento e reificação de Axel Honneth.
Palavras-chave: Homicídios Homofóbicos. Movimento LGBT. Reconhecimento.
Reificação. Teoria queer.
ABSTRACT
This dissertation intends to understand and explain how the homicides practiced
against LGBT are computed in Brazil, especially in Alagoas. According to reports from
the Gay Group of Bahia (GGB), 343 LGBT were murdered in Brazil in 2016, of these, 100
deaths were recorded in the Northeast. In 2016, 10 LGBT murders were documented.
In 2017, in Alagoas, 23 LGBT were murdered and documented. The methodology
used for the elaboration of this research included the use of qualitative / explanatory
techniques, that is, the application of semi-structured interviews with the activists of
the LGBT movement in Maceió and linked to the Gay Group of Bahia, as well as other
LGBT activists in Maceió. For the collection of data were also used the techniques of
visitation and observation. This work also includes a bibliographical research, that is, a
general synthesis on the main works and studies related to the proposed objectives,
relying on theoreticians and researchers related to the problem of violence and sexuality.
As well as systematic analysis of Bulletins and Reports of the Gay Group of Bahia
(1981-2017), monitoring of sites, social networks, newspapers and magazines that
deal with the LGBT theme, as well as monitoring the social networks profiles of the
interviewees. Trying to overcome the lack of criminalization for crimes of homophobic
violence, LGBT social movements in Brazil, under the leadership of the Gay Group of
Bahia, structured a complex and sophisticated network of information production. The
flow of the measurement of this information accompanies the process of development
and visibility of the Brazilian LGBT movement. In the case of Alagoas, the process of
building the issues of recognition and visibility of the LGBT population would be directly
related to the process of constitution of this information network initiated from the
1990s. In general terms, our reflections are based on the already classic perspectives
of the studies on power, sexuality and heteronormativity, operating the concepts of
biopower, field/space of possibilities of Michel Foucault and the concepts of power,
domination, masculine domination, symbolic violence, change and struggle, space/ field
of possibilities, of Pierre Bourdieu. Among contemporary authors, our dialogue was
established directly with the paradigm of performativity, proper to the queer theory of
Judith Butler, as well as its concepts of gender, desire, discourse, among others; and
with the concepts of recognition and reification of Axel Honneth.
Keywords: Homophobic homicides. LGBT movement. Recognition. Reification.
Queer theory.
RÉSUMÉ
Cette dissertation vise à comprendre et expliquer comment les homicides pratiqués contre les LGBT sont calculés au Brésil, notamment à Alagoas. Selon les rapports
du Groupe Gay de Bahia (GGB), 343 LGBT ont été assassinés au Brésil en 2016, dont
100 ont été enregistrés dans le Nord-Est. En 2016, 10 meurtres LGBT ont été documentés. En 2017, à Alagoas, 23 personnes LGBT ont été assassinées et documentées. La
méthodologie utilisée pour l’élaboration de cette recherche incluait l’utilisation de techniques qualitatives / explicatives, c’est-à-dire, l’application d’entretiens semi-structurés
avec les activistes du mouvement LGBT à Maceió et liés au Groupe Gay de Bahia, ainsi
que d’autres activistes LGBT à Maceió. Pour la collecte de données ont également
été utilisés les techniques de visite et d’observation. Ce travail comprend également
une recherche bibliographique, c’est-à-dire, une synthèse générale sur les principaux
travaux et études relatifs aux objectifs proposés, s’appuyant sur des théoriciens et des
chercheurs liés au problème de la violence et de la sexualité. En plus de l’analyse
systématique des Bulletins et Rapports du Groupe Gay de Bahia (1981-2017), avec la
surveillance des sites, des réseaux sociaux, des journaux et des magazines qui traitent
du thème LGBT, et avec une surveillance également des profils des réseaux sociaux
des interviewés. Essayant de surmonter le manque de criminalisation des crimes de
violence homophobe, les mouvements sociaux LGBT au Brésil, sous la direction du
Gay Group de Bahia, ont structuré un réseau complexe et sophistiqué de production de
l’information. Le flux de la mesure de cette information accompagne le processus de
développement et de visibilité du mouvement LGBT brésilien. Dans le cas d’Alagoas,
le processus de construction des questions de reconnaissance et de visibilité de la
population LGBT serait directement lié au processus de constitution de ce réseau
d’information initié à partir des années 1990. En termes généraux, nos réflexions se
basent sur les perspectives déjà classiques des études sur le pouvoir, la sexualité et
l’hétéronormativité, opérant les concepts de biopouvoir, champ / espace des possibles
de Michel Foucault et les concepts de pouvoir, domination, domination masculine,
violence symbolique, changement et lutte, espace / champ des possibles, de Pierre
Bourdieu. Parmi les auteurs contemporains, notre dialogue a été établi directement
avec le paradigme de la performativité, propre à la théorie queer de Judith Butler, ainsi
que ses concepts de genre, de désir, de discours, entre autres ; et avec les concepts de
reconnaissance et de réification d’Axel Honneth.
Mots-clés : Homicides homophobes. Mouvement LGBT. Reconnaissance. Réification. Théorie queer
RESUMEN
Esta disertación pretende comprender y explicar cómo los homicidios practicados contra los LGBT se computan en Brasil, especialmente en Alagoas. Según informes
del Grupo Gay de Bahía (GGB), 343 LGBT fueron asesinados en Brasil en 2016, de
éstos, 100 muertes fueron registradas en el Nordeste. En 2016, se documentaron 10
asesinatos de LGBT. En 2017, sólo en Alagoas, fueron 23 asesinados y documentados.
La metodología que se utilizó en esta investigación comprendió el uso de técnicas
cualitativas/explicativas, es decir, la aplicación de entrevistas semiestructuradas con los
activistas del movimiento LGBT en Maceió y ligados al GGB, así como otros líderes
LGBT maceioenses. Para la recolección de datos se utilizaron aún las técnicas de visitación y observación. Este trabajo comprende también una investigación bibliográfica,
es decir, una síntesis general sobre los principales trabajos y estudios relacionados con
los objetivos abordados, apoyándose en teóricos e investigadores relacionados con
la problemática de la violencia y de la sexualidad. Así se hizo un análisis sistemático
de los Boletines e Informes del GGB (1981-2017), acompañamiento de sitios, redes
sociales, periódicos y revistas que tratan de la temática LGBT, de los perfiles en redes
sociales de los entrevistados. Intentando driblar la ausencia de tipificación penal para
los crímenes de violencia homofóbica, los movimientos sociales LGBT en Brasil, bajo
el liderazgo del GGB, estructuraron una red compleja y sofisticada de producción de
información. El proceso de flujo de la medición de estas informaciones acompaña
el proceso de desarrollo y visibilidad del movimiento LGBT brasileño. En el caso de
Alagoas, el proceso de construcción de las cuestiones de reconocimiento y visibilidad
de la población LGBT estaría directamente relacionada al proceso de constitución
de esa red de información inicializada a partir de la década de 1990. En el caso de
Alagoas, el proceso de construcción de las cuestiones de reconocimiento y visibilidad
de la población LGBT estaría directamente relacionada al proceso de constitución de
esa red de información inicializada a partir de la década de 1990. En líneas generales,
nuestras reflexiones se afilian a las perspectivas ya clásicas de los estudios sobre
poder, sexualidad y heteronormatividad, operacionalizando los conceptos de biopoder,
campo/espacio de posibilidades de Michel Foucault y los conceptos de poder, dominación, dominación masculina, violencia simbólica, cambio y lucha, espacio / campo de
las posibilidades, de Pierre Bourdieu. De entre los autores contemporáneos, nuestro
diálogo se estableció directamente con el paradigma de performatividad, propio de la
teoría queer de Judith Butler, así como sus conceptos de género, deseo, discurso, entre
otros; y con los conceptos de reconocimiento y reificación de Axel Honneth.
Palabras clave: Homicidios Homofóbicos. Movimiento LGBT. Reconocimiento.
Reificación. Teoría queer.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – “Mamãe Alagoas”, a boneca gigante de 3 metros de altura, símbolo
máximo e representativo do bloco Filhinhos da Mamãe, o qual foi
fundado em 1983, fruto do desejo de atores e atrizes de brincar o
carnaval de rua em Maceió, inspirados no espetáculo de teatro “Estrela Radiosa”, de 1982, escrito por Ronaldo de Andrade e montado
pela Cia Teatral Comédia Alagoense. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 2 – Peça teatral Estrela Radiosa, encenada pela Associação Teatral
de Alagoas (ATA), em uma de suas reapresentações em 2008. O
espetáculo Estrela Radiosa estreou, no Teatro Deodoro, em 1982,
montado pela Cia. Teatral Comédia Alagoense, grupo anterior à ATA,
fundado por Linda Mascarenhas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 3 – Boate Havana Dance Club, em 2011. De acordo com o blog da boate,
à época, já há 05 anos em atividade. Atualmente, no mesmo local,
funciona a boate Joy Club. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 4 – Boate Joy Club, localizada na avenida Comendador Leão, 101, Jaraguá/Maceió - AL. Local de encontro LGBT, mas não só. Situa-se no
mesmo prédio onde havia a boate “Havana”. . . . . . . . . . . . . .
Figura 5 – Convite feito pelo Grupo Gay da Bahia, em 2011, para o lançamento
do livro que seria uma compilação integral de todos os boletins
produzidos pelo GGB de 1981 a 2005. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 6 – Cinema Ideal, localizado no bairro Levada, de Maceió/AL. Era especializado em exibir filmes pornográficos, nas décadas de 1980 e 1990,
atraindo para as suas salas os LGBT os quais faziam aí a “pegação”
e até mesmo prátocas sexuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 7 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 01) . . . . . . . . . . . .
Figura 8 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 02) . . . . . . . . . . . .
Figura 9 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 04) . . . . . . . . . . . .
167
167
168
169
169
170
171
172
173
Figura 10 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 05) . . . . . . . . . . . .
Figura 11 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 06) . . . . . . . . . . . .
Figura 12 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 07) . . . . . . . . . . . .
Figura 13 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 08) . . . . . . . . . . . .
Figura 14 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 09) . . . . . . . . . . . .
Figura 15 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 10) . . . . . . . . . . . .
Figura 16 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981.
Originalmente, era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o arquivo já fragilizado,
sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 11) . . . . . . . . . . .
Figura 17 – Reportagem da Gazeta de Alagoas, de 30/05/2008, em que se lê
que o Judiciário alagoano, através do Juiz Wlademir de Lira, profere
decisão inédita quanto aos direitos LGBT. . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 18 – Revista Somos (parte 1), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3,
de 2001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 19 – Revista Somos (parte 2), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3,
de 2001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 20 – Revista Somos (parte 3), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3,
de 2001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Figura 21 – Revista Somos (parte 4), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3,
de 2001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
174
175
176
177
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180
181
182
183
184
185
Figura 22 – Revista Somos (parte 5), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3,
de 2001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
Figura 23 – Matéria de O Jornal, de 29/06/2000 em que , por atuação do GGAL, divulgase a comemoração do Dia Municipal da Consciência Homossexual,
ocorrida no dia 28/06/2000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Figura 24 – Lei 4.677, de 23/11/1997, a primeira lei municipal maceioense em
defesa dos direitos LGBT, por atuação direta do GGAL, já no seu
primeiro ano de existência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
Figura 25 – Parte (1) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em
Alagoas, ano da criação do GGAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Figura 26 – Parte (2) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em
Alagoas, ano da criação do GGAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
Figura 27 – Parte (3) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em
Alagoas, ano da criação do GGAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
Figura 28 – Parte (4) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em
Alagoas, ano da criação do GGAL.Legenda . . . . . . . . . . . . . . 192
Figura 29 – Parte (5) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em
Alagoas, ano da criação do GGAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Figura 30 – Carta recebida (primeira folha), por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do Peru, em 1998, como forma de apoio e solidariedade
ante as ameaças de morte sofridas, por ter denunciado os assassinatos de LGBT praticados por policiais. . . . . . . . . . . . . . . . . 194
Figura 31 – Carta recebida (segunda folha), por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do Peru, em 1998, como forma de apoio e solidariedade
ante as ameaças de morte sofridas, por ter denunciado os assassinatos de LGBT praticados por policiais. . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Figura 32 – Carta recebida, por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do
Peru, em 1998, como forma de apoio e solidariedade ante as ameaças de morte sofridas, por ter denunciado os assassinatos de LGBT
praticados por policiais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
Figura 33 – Publicação oficial da Anistia Internacional, de setembro de 1997, em
que se constata denúncia feita, pelo órgão internacional, sobre os
assassinatos de LGBT por policiais, bem como evidenciam-se as
ameaças de morte sofridas por Marcelo Nascimento, então criador
do GGAL e seu primeiro presidente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Mortes LGBT Brasil Alagoas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
1.3
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
16
A LUTA POR VISIBILIDADE, RECONHECIMENTO E DIREITOS . .
A relação identidades - não-identidades . . . . . . . . . . . . . . .
A relação entre masculinidades, estigmas, preconceitos, violência simbólica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A relação entre masculinidade, homofobia, reificação e reconhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
24
24
39
57
2
2.1
2.2
O INÍCIO DO CÔMPUTO DA VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA NO BRASIL 78
A criação do GGB e o início de uma rede de relações e informações 78
Boletins e Relatórios: o cômputo dos homicídios homofóbicos
pelo GGB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
3
3.1
3.2
3.3
O CÔMPUTO DA VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA PELO MOVIMENTO
LGBT MACEIOENSE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A cena gay maceioense nos anos 90 e a criação do GGAL . . . .
A coleta de dados da violência homofóbica em Alagoas . . . . .
Os direitos conquistados e as novas demandas e batalhas . . .
4
CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
106
106
118
131
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
ANEXOS
166
16
INTRODUÇÃO
Toda pesquisa, ainda em fase sináptica, ainda mero desejo de vir à tona como
conhecimento científico, ainda vontade de poder compreender algo, para poder explicálo, à luz da razão, tem um porquê. Ninguém pesquisa, certamente, só porque deve
pesquisar, como um imperativo categórico. As pesquisas surgem porque a imaginação e o interesse sobre o desconhecido humanos andam, de algum modo, juntos,
amalgamados. Não seria destituído de razão afirmar que um pesquisador tem alguma
afinidade com o objeto de sua pesquisa. Ter afinidade com um objeto de pesquisa,
todavia, não significa abandonar os ditames da razão crítica, a objetividade científica,
quando se faz a sua análise, o seu estudo. São coisas distintas, decerto. Muitas vezes,
essa afinidade aparece por algum fato casual ou mesmo por um acontecimento. Ou
nada disso. Dá-se, às vezes, por um interesse íntimo. Desvendar os motivos desse
íntimo interesse é como querer descobrir o ignoto segredo das Μοῦσαι1 . No fundo,
talvez, nunca mesmo saibamos por que decidimos pesquisar alguma coisa. Todavia,
e isto parece ser incontestável, do ponto de vista sociológico, é o fato de o objeto
de pesquisa ter uma relevância sociológica, como se merecesse ser compreendido e
explicado, para que a realidade factual possa ser não só compreendida, mas acessível,
sob certa perspectiva.
De acordo com Weber (1956, p. 447), a ciência que se quer, aqui, promover,
é uma ciência da realidade, isto é, “queremos entender a realidade da vida que nos
rodeia e na qual estamos imersos, em sua especificidade”2 . Portanto, ao que parece,
não há como o pesquisador se isolar da esfera social da qual faz parte. O sociólogo,
enquanto pesquisador, é, simultaneamente, sujeito e objeto de seu labor científico,
analisando, assim, todo um cosmo repleto de sentidos e significados do qual faz mesmo
parte e com o qual interage, contribuindo para a constituição desses significados e
sentidos. Essa constatação é para dizer e confirmar que, ao escolher um objeto de
pesquisa, além da própria relevância social e sociológica que tal objeto nos apresenta,
parece haver uma empatia para com tal objeto, um interesse animado.
Tendo convivido com uma miríade de LGBT, durante a adolescência, e, muitas
vezes, ter presenciado amigos e conhecidos sofrerem algum tipo de violência devido à
orientação sexual que assumiam, ter colegas assassinados no bairro maceioense em
que vivo, e mesmo visto, em alguns casos, só por terem trejeitos e modos afeminados,
sem que fossem LGBT, serem agredidos verbalmente ou fisicamente, talvez, isso possa
ter pesado, para mim, enquanto pesquisador, na escolha do objeto. Juntem-se a isso
1
2
Μοῦσαι é, em grego antigo, “Musas”. Na Mitologia, são responsáveis, de algum modo, pela inspiração
dos poetas.
Tradução nossa
INTRODUÇÃO
17
as violações constantes de seus direitos noticiadas, com frequência, na mídia, as
constantes ofensas à dignidade humana que sofrem os LGBT, às recentes campanhas
para patologizá-los, enfim, todo um conjunto de fatores pesou na hora da escolha do
objeto.
Inicialmente, pensei em pesquisar os diversos tipos de violência contra os LGBT,
nas escolas públicas de ensino fundamental de Maceió-AL. Possivelmente, um trabalho
bastante extenso, cercado de grandes dificuldades não só técnicas, mas também
burocráticas. O tempo também seria outro fator limitante, já que, para um mestrado,
tem-se, praticamente, dois anos para a conclusão efetiva da pesquisa. A mudança de
objetivo veio com os diálogos com o orientador que me sugeriu, em vez de pesquisar
“os tipos de violência”, pesquisar como se dá o cômputo da violência letal praticada
contra os LGBT. Um novo horizonte, tanto epistemológico quanto ontológico, abriu-se,
tão multicolorido quanto as nuances do objeto em si. Estava dado o primo passo para
empreender uma dissertação sociológica.
Após pesquisa preliminar e determinação do tema, a primeira etapa consistiu em
uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a violência letal contra os LGBT e sobre
temas relacionados com reconhecimento, gênero e luta por direitos LGBT, utilizando,
principalmente, livros e periódicos, nacionais e internacionais. Este pesquisador quis
traçar bibliograficamente uma relação interligada entre autores nacionais e internacionais, para ficar atento ao que se produzia atualmente no mundo sobre o tema escolhido.
Para a obtenção de artigos, usei diversos sites de pesquisa, como o Dialnet, Gallica da Bibliothèque nationale de France, Scielo, Jstor, Google Acadêmico, entre muitos
outros. Mas não só! Através do professor Luiz Mott, tive acesso aos Boletins produzidos
pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), desde 1981. Mapeei sites e blogues que tratavam
especificamente da temática LGBT, bem como aqueles que, especificamente, tratavam
sobre o cômputo da violência letal praticada contra os LGBT, principalmente o site
“Quem a homofobia matou hoje?”, coordenado por Eduardo Michels, site este, parceiro
do GGB.
A seguir, definido o projeto em relação ao tema, deu-se início ao contato com
as lideranças do movimento LGBT em Maceió e na Bahia. Foram feitas entrevistas
gravadas, pessoalmente, com Jadson Andrade, atual Presidente do Conselho Municipal
de Direitos LGBT o qual se disponibilizou inteiramente a ajudar na pesquisa, no que for
necessário, marcando reuniões com as lideranças do movimento LGBT de Maceió bem
como as do estado de Alagoas; com Nildo Correia, Presidente atual do Grupo Gay de
Alagoas (GGAL), bem como a entrevista com um dos fundadores do GGAL, Marcelo
Nascimento; entrevista com Maria (Presidente do Dandara – Grupo de Lésbicas de
Alagoas), entre outras entrevistas tanto com ativistas quanto com LGBT não-ativistas,
pois eu queria reconstruir, de algum modo, a cena gay maceioense de 1990, período
INTRODUÇÃO
18
de surgimento do Grupo Gay de Alagoas (GGAL). A reconstrução dessa cena seria
importante para, sociologicamente, evidenciar quais fatores facilitaram, retardaram e/ou
contribuíram para a criação do GGAL.
Também foi estabelecido um contato com o Grupo Gay da Bahia o qual auxiliou
com a doação de material produzido por eles, através de Mott. O próprio Luiz Mott
enviou-me por e-mail todos os seus livros digitalizados bem como todos os boletins produzidos pelo GGB. Além do fato de que Mott foi entrevistado, via mídia, atestando que
sempre estaria à disposição para auxiliar no que fosse preciso. Entrevistei, via Skype,
com gravação do vídeo, o líder ativista Roberto Schneider Seitenfus, de um dos mais
importantes e pioneiros grupos gays do Brasil, o grupo Desobedeça, no Rio Grande
do Sul. Fiz esta entrevista para ter alguma noção, além do estado alagoano, de como
a rede de informações entre o GGB e os demais grupos gays se dava. Nesta fase,
a metodologia ainda não estava plenamente definida. Em um trabalho de pesquisa,
como este, a metodologia, muitas vezes, vai-se formando, se fundando, à medida que
a pesquisa avança, para que, então, se ajuste ao que se pretende explicar sistematicamente. Poderia ter feito outras entrevistas com outros líderes de grupos LGBT,
além-Alagoas, mas isso levaria bastante tempo e, de certo modo, poderia desviar-me
do objetivo principal.
Foram analisados todos os boletins do GGB bem como os relatórios anuais,
produzidos pelo GBB, sobre os homicídios de LGBT. A análise dos Boletins foi demais importante para a reconstrução sócio-histórica do movimento LGBT alagoano.
Mesmo se apresentando bastante simples, graficamente, e compreendendo edições
que variavam de 250 a 400 exemplares, sempre mimeografados, os boletins do GGB
representaram, certamente, a publicação homossexual (como à época se referia) brasileira e latino-americana de mais longa vida, abrangendo 25 anos, isto é, de 1981 a
2005, perfazendo um total de 44 edições. Não apresentava um período fixo de publicação, pois seus períodos variam de 2 meses até mesmo mais de 6 meses, entre uma
publicação e outra. Tais boletins tinham a sua criação direcionada, principalmente, à
divulgação de notícias sobre as atividades desenvolvidas pelo Grupo Gay da Bahia,
incluindo em todos os seus números, notícias sobre o MHB (Movimento Homossexual
Brasileiro), sobre as conquistas de direitos, de visibilidade e as múltiplas lutas de gays,
lésbicas e travestis no mundo, divulgando, desde o primeiro número, uma lista com os
nomes de homossexuais assassinados, bem como artigos relacionados à militância
gay. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma de proteger o
arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB3 .
Ressalte-se que professores como Sérgio Carrara (UFRJ), Peter Fry, Leandro
Colling (UFBA) foram contatados e, de algum modo, contribuíram com a pesquisa,
3
Ver Anexo: Figura 5.
INTRODUÇÃO
19
sanando dúvidas, concedendo entrevistas, ainda que por e-mail e facebook, ofertando
bibliografia, etc.
Ainda assim, pensei ser mesmo necessário estar mais em contato com o universo LGBT e, tal como um antropólogo, comecei a frequentar as boates LGBT maceioenses, como a antiga “Havana”4 , hoje, chamada de “Joy”5 , fazendo uma “roadetnografia”, tentando identificar, em campo, como eu poderia perceber a problemática
da visibilidade e do reconheceimento. E mais: comecei a acompanhar as páginas e
perfis, no Facebook, dos ativistas LGBT, de grupos gays do Brasil, para tentar compreender os mecanismos e a rede que se engendra na luta por visibilidade e direitos.
Precisava, claro, estar atento e sob os ditames racionais e de objetividade, para não
confundir pesquisa com militância. Neste sentido, procurei, inúmeras vezes, fazer reflexões reflexivas, em um verdadeiro esboço de auto-análise nos moldes bourdieusianos.
Eu não poderia deixar que um trabalho de pesquisa pudesse vir a ser confundido
com um panfleto de militância, ainda que admire e ache legítima a militância LGBT.
Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Secretária dos Direitos
Humanos da Presidência da República, de 2014, mostram que a cada hora um gay
sofre violência no Brasil6 . Dados do Disque 100 da Secretária dos Direitos Humanos
da Presidência da República expõem que Alagoas teve um aumento de 270,59% nas
denúncias relativas à violência contra os GLBT, de 2011 a 20127 . Segundo relatório
do Grupo Gay da Bahia (GGB), 445 LGBT foram assassinados no Brasil em 20178 .
Aparentemente, um número pouco significativo quando comparado com os homicídios
em geral cometidos somente na capital do estado no mesmo período. Entretanto,
quando comparado em nível mundial, por exemplo, chega a ser preocupante
Este trabalho pretende, portanto, compreender e explicar como os homicídios
praticados contra os LGBT são computados no Brasil, especialmente, em Alagoas.
Segundo dados do GGB, em Alagoas, no ano passado, ocorreram 23 homicídios
contra LGBT9 . Considerando que o cômputo desses dados se dá fora de uma estrutura
oficial de coleta, várias questões emergem, a saber: como e quando surgiram os
primeiros esforços de computação dos crimes sofridos pelo público LGBT no Brasil?
4
5
6
7
8
9
Ver: Anexo: Figura 3.
Ver Anexo: Figura 4.
Ver: http://www.sdh.gov.br/; Balanço anual da ouvidoria nacional de direitos humanos 2015: http://www.s
dh.gov.br/noticias/2016/janeiro/CARTILHADIGITALBALANODODISQUE1002015.pdf; Balanço anual da
ouvidoria nacional de direitos humanos 2016: http://www.sdh.gov.br/disque100/balancos-e-denuncias/ba
lanco-disque-100-2016-apresentacao-completa/
Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH/PR) (2012): http://www.mdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano2012
Ver: site “Quem a homofobia matou hoje” - Relatório 2017: https://homofobiamata.files.wordpress.com/2
017/12/relatorio-2081.pdf
Ver: site “Quem a homofobia matou hoje” - Relatório 2017: https://homofobiamata.files.wordpress.com/2
017/12/relatorio-2081.pdf
INTRODUÇÃO
20
Considerando que não há uma legislação específica que determine oficialmente o
que seria um crime homofóbico e um não homofóbico, quais os parâmetros utilizados
pelos ativistas LGBT para identificar o perfil homofóbico de um determinado crime?
Os ativistas consideram que a representação estadual destes dados é fidedigna à
violência sofrida pelos LGBT no estado de Alagoas? Como se dá o registro dos crimes
homofóbicos no estado de Alagoas por parte do GGAL? Como o GGAL lida com essa
produção, por que se e por que lhes importa essa produção? Essa produção de dados é
usada para promover visibilidade, reconhecimento e luta por direitos no plano estadual?
O registro das informações sobre violência homofóbica no Brasil dá-se através
da produção de relatórios nacionais anuais pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Em
decorrência disto, esta pesquisa está delimitada à compreensão da constituição desses
dados, em nível nacional, com destaque para a dinâmica da produção de tais dados no
estado de Alagoas. A delimitação temporal da pesquisa compreende o período que
cobre o primeiro relatório de registros de crimes homofóbicos produzido no Brasil, pelo
GGB, isto é, 1981, até o ano de 2017, quando foi lançado o último relatório. Devido
ao fato que esses relatórios nacionais são sistematizados pelo GGB em parceira
com os ativistas gays dos demais estados da federação, nossa pesquisa cobrirá,
necessariamente, atividades de campo junto ao GGB, mas também junto ao movimento
LGBT alagoano, com destaque para as lideranças e os atores diretamente relacionados
ao registro e ao cômputo dos crimes homofóbicos locais.
A ausência de uma legislação penal específica que determine oficialmente
o que seria um crime homofóbico e um não homofóbico tem levado o movimento
LGBT a construir sistematicamente estratégias em torno dessa problemática criminal,
para monitorar o que foge a essa ausência legislativa, traçando, assim, meios para a
elaboração de dados estatísticos que evidenciem a importância de criar uma lei capaz
de punir crimes homofóbicos. Aqui, destaca-se a contribuição do Grupo Gay da Bahia
e seu pioneirismo no registro e no cômputo dessas informações, em nível nacional,
tornando-se uma fonte de referência para o registro desse tipo de crime no país.
Assim, o nosso objeto de pesquisa não é narrar a história da luta por direitos
pelos LGBT, ainda que tal análise histórica apareça para destacar os momentos e
as personalidades importantes dessa luta. O nosso objeto é compreender como se
dá o processo de mensuração dos indicadores de violência contra os LGBT em dois
sentidos: primeiro, como ele se dá, de fato, como estes sujeitos driblam a ausência
de codificação penal para conseguir registrar e produzir indicadores sem o auxílio
das instituições estatais que patrocinam e produzem esse tipo de informação. Depois,
é entender como esses indicadores se travestem (para brincar com a referência ao
público queer) de uma ficção política encarnada. Como a produção desses sujeitos
interferem nas dinâmicas de reconhecimento de gênero da população queer e como
INTRODUÇÃO
21
isso é transposto para a arena política. Como objetivos, foram traçadas seguintes
metas:
• Compreender como são produzidos os dados sobre violência homofóbica pelo
Grupo Gay da Bahia e pelo movimento gay alagoano.
• Compreender através da computação dos dados sobre homicídios contra os
LGBT como o movimento LGBT maceioense usa tais dados para reconhecimento, visibilidade e luta por direitos;
• Identificar as motivações diretamente relacionadas às aspirações pessoais e
coletivas que orientam a produção de indicadores nacionais de produção de
violência homofóbica;
• Reconhecer como os ativistas LBGT alagoanos compreendem as características
gerais da violência homofóbica perpetrada no estado;
• Compreender as possibilidades de ações político-sociais em relação à dinâmica
identitária de gênero, em busca de novas e promissoras hipóteses para a
construção de saberes práticos capazes de valorizar a diversidade sexual e
social;
• Analisar a relação entre violência homofóbica e reconhecimento identitário entre
os ativistas LGBT do GGB e do GGAL;
• Problematizar a relação entre violência homofóbica, luta política e promoção de
política de reconhecimento no estado de Alagoas.
Este trabalho, como visto até então, revestiu-se de uma abordagem qualitativa,
isto é, foram utlizadas métodos e técnicas de pesquisa qualitativa. De acordo com Minayo, ao considerarmos uma pesquisa qualitativa, o objeto de estudo apresenta certas
características e especificidades, pois ele é: histórico, possui consciência histórica,
apresenta uma identidade com o sujeito, é extrinsicamente e intrinsicamente ideológico,
é essencialmente qualitativo, pois realidade social é bem mais rica em significados e
sentidos, em fatos do que as teorizações, análises, pontos de vista, conceitos e estudos
feitos sobre ela. Todavia, isso não exclui, de modo algum, a possibilidade do uso de
dados quantitativos.(MINAYO, 1994)
Em linhas gerais, nossas reflexões filiam-se às perspectivas já clássicas dos
estudos sobre poder, sexualidade e heteronormatividade, operacionalizando os conceitos de biopoder, dispositivos de sexualidade, campo/espaço de possibilidades de
Michel Foucault e aos conceitos de poder, dominação, dominação masculina, violência simbólica, mudança e luta, espaço/campo das possibilidades, de Pierre Bourdieu.
INTRODUÇÃO
22
Dentre os autores contemporâneos, nosso diálogo estabeleceu-se diretamente com
o paradigma de performatividade próprio da teoria queer de Judith Butler, bem como
os seus conceitos de gênero, desejo, discurso, vidas e corpos precários; e com os
conceitos de reconhecimento e reificação de Axel Honneth. As reflexões promovidas
por Foucault, Butler e Honneth se intercruzam, atuando como ferramentas analíticas
interessantes para esta pesquisa . Sabemos, par excellence, que a teoria não é um
adorno que entra no final da problematização do tipo: usarei “fulano” para compreender
este problema, a pesquisa usará “beltrano” para melhor explicar isso ou aquilo, etc. A
teoria é o que dá sustentação ao todo.
Refletimos analiticamente como estes autores se relacionaram com o problema
de pesquisa. Foucault não é simplesmente o autor que fala da questão do poder e
da disciplina, ele é o pensador que problematiza como o louco, o homossexual, o
queer, e outros “desviados” se transformaram em objeto do discurso médico-legal e
como os seus corpos foram sendo domesticados, controlados, estatizados a partir de
um discurso médico-legal do que seria a sanidade, a heteronormatividade, de como
deveria ser o corpo asséptico, inconspurcado, etc. Pensamos, assim, com Foucault
a ambiguidade e a contradição de um Estado que legisla e normatiza práticas da
intimidade, a ponto de considerar estas práticas criminosas, mas pouca ou nenhuma
importância parece dar à morte ou ao assassinato dessas pessoas. Por que interessa
tanto exercer poder sobre corpos cujas vidas parecem valer menos?
Da mesma forma, reflitimos que esses números não são também meros números: eles são objeto de lutas performáticas, logo, entram aí, em jogo, tanto a fluidez
dos discursos do gênero quanto a sua articulação em luta política, tendo em vista os
catecismos de guerrilha explícitos no Manual de Coleta de Dados, de Luiz Mott. Mas
será que a relação entre esses sujeitos é pacífica? A luta política pede a afirmação
de uma identidade essencialista, pois é preciso dar cor e corpo e voz aos sujeitos na
arena política . Todavia, parece, que a essencialidade não é a tônica do problema. A
teoria queer, como problematizada, a partir de Butler, aponta exatamente para uma
dimensão fluida. Neste sentido, analisamos, de algum modo, o quanto isso fortalece ou
dificulta a luta dos ativistas, dos movimentos LGBT.
É preciso, ainda, que se diga que, em diversas passagens, optou-se por citações
diretas, com o intuito de preservar o pensamento original do autor, principalmente,
quando os textos citados eram de língua estrangeira, sendo traduzidos pelo pesquisador.
Afirmar que as citações diretas poderiam causar uma interrupção em meu próprio
pensamento, dificultaria uma leitura mais corrente e fluida, é, de certo modo, destituída
de plausibilidade e coerência. Aqui, faz-se necessário citar, diretamente, como se fosse
ironicamente uma “prova”, um fragmento do excelente livro “Writing for social scientists”,
de Howard S. Becker. Neste sentido, Becker (2007, p. 55)afirma que
INTRODUÇÃO
23
Em resumo, quando chegamos a escrever algo, pensamos muito. Temos
um investimento em tudo o que já elaboramos que nos compromete
com um ponto de vista e uma maneira de lidar com o problema. Nós
provavelmente não poderíamos, mesmo se quiséssemos, lidar com o
problema de forma diferente do modo como iremos acabar lidando com
ele. Estamos comprometidos, não pela escolha de uma palavra, mas
pela análise que já fizemos. É por isso que não faz diferença como
começamos. Nós escolhemos o nosso caminho e destino muito antes.10
Logo, quando bem arquitetadas e interligadas, as citações diretas contribuem
bastante para a objetividade do texto, bem como para manter a fidelidade ao pensamento de um autor utilizado, como se estivéssemos a sair de um labirinto de sentidos e
significados, sem sermos conduzidos à falácia ou aos argumentos sub-reptícios, como
se fosse o fio de Ariadne. A fluidez, nestes casos, percebe-se pela conectividade entre
os argumentos, pela possibilidade de não distorcer aquilo que se quer, realmente, dizer
e precisa ser dito. Além de ser um fator estilístico, isto é, da escolha do pesquisador em
respeito e admiração aos autores citados e trabalhados sistematicamente, em nada,
pode-se perceber até, poderia afetar no cerne da pesquisa.
10
Tradução nossa.
24
1 A LUTA POR VISIBILIDADE, RECONHECIMENTO E DIREITOS
Para uma melhor compreensão deste capítulo, far-se-á uma subdivisão em
subtítulos, pois, de fato, eles facilitam a leitura, além de permitir ao leitor visualizar o
todo do argumento e observar as partes que, de certo modo, pretende-se pôr em articulação, em conexão, bem como a possibilidade de que a ideia argumentativa traçada
aqui não se dissipe. Inicialmente, tratar-se-á da importância da relação identidades não-identidades na construção, de certo modo, dos movimentos LGBT e como essas
identidades foram/são relevantes e fundamentais na luta por visibilidade, reconhecimento e direitos. Na seção seguinte, abordar-se-á a relação entre as masculinidades,
violência simbólica, estigmas e preconceitos. Na última seção, será abordada a relação
entre reconhecimento, reificação e a violência letal homofóbica. Deve-se ficar claro,
desde já, que tais eventos, assim postos, servem apenas para um estudo didático. Na
realidade factual, esses eventos ocorrem simultaneamente e engendram múltiplas e
complexas vias e consequências, podendo ser percebidos de diversas maneiras ou
mesmo não serem percebidos.
1.1
A relação identidades - não-identidades
Parece ser bastante viável analiticamente, associar, de algum modo, o desenvolvimento das identidades LGBT com o próprio desenvolvimento histórico-social das
lutas por visibilidade, reconhecimento e por direitos dos movimentos LGBT, visto que
tais identidades não foram construídas subitamente, de um modo único e ao mesmo
tempo.
De acordo com Spargo (2017, p. 32)
É relativamente fácil analisar, em termos foucaultianos, a mudança no
uso dos termos que representam as identidades predominantes - de
“homossexual” para “gay” e “lésbica, e daí para ”queer“ - e ver como
cada uma apresentava, tanto para os indivíduos quanto para a ação
política, possibilidades e problemas decorrentes da relação com os
discursos e saberes dominantes. As categorias sucederam uma à outra,
embora a história linear oculte algumas sobreposições significativas.
Além disso, é preciso, desde já, salientar que a relação identidade-luta por
direitos é complexa, visto que alguns segmentos dos movimentos LGBT parecem, de
certo modo, negar quaisquer tipos de identificações, não se vendo até mesmo como
movimento, como se as identidades fossem limitadoras. Todavia, nada os impede de
lutar por visibilidade, reconhecimento e por direitos. Segundo Fraser (2000, p. 61)
O que precisa de reconhecimento não é a identidade específica de
grupo, senão o status dos membros individuais de um grupo como
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
25
plenos participantes na interação social. A falta de reconhecimento,
portanto, não significa desprezo e deformação da identidade grupal,
mas subordinação social, na medida que impossibilidade de participar
como igual na vida social.1
Vários fatores estão implicados nesses constructos identitários em que as questões de gênero e a sexualidade desempenharam/desempenham importante papel,
não só para a formação/constituição dessas identidades (ou negação dessas identidades), mas também por torná-las mutáveis, variáveis, fluidas bem como para o
estabelecimento delas como um fator importante para as suas performatividades,
questionamentos, críticas, ações, práticas e discursos.
Quanto à sexualidade, Mottier (2012, pp. 25-26) afirma que
A sexualidade foi inventada. O termo “sexualidade”, em seu significado
contemporâneo de “posse de poderes sexuais, ou a capacidade de
sentimentos sexuais” foi introduzido primeiramente na língua inglesa
em 1879 de acordo com o Oxford English Dictionary (OED). A primeira
ocorrência comparável em francês é atribuída ao novelista um tanto
obscuro Péladan, que escreveu sobre a “embriaguez animal da sexualidade” (l’ivresse animale de la sexualité) em seu romance erótico Le
vice-suprême, publicado em 1884.2
Parece, sob certos aspectos, ter sido Foucault, influenciado por Nietzsche
e Freud, que engendrou uma “saída”, se assim puder ser dito, da relação fixa sujeitoidentidade-sexualidade, além de demonstrar que o conhecimento sobre a sexualidade
do outro implica, de algum modo, em relações de poder. De acordo com Foucault, vivemos presos a uma imensa curiosidade pelo sexo, com uma obstinação para questionálo, para ouvi-lo e para falar dele, como se fosse vital para podermos ter não apenas
prazer, mas também saber e todo aquele interlance entre o poder e o saber, isto
é, saber do prazer o mais possível, ter o prazer de saber o prazer como saber, um
prazer-saber amalgamado à possiblidade de engendrar poder: porque saber é poder,
e poder gera saber, em um círculo que não tende a fins somente, mas a não ter um
fim. (FOUCAULT, 2015b)
Numa passagem fundamental para o que se discute e argumenta nesta seção,
um pouco mais adiante, Foucault (idem, p. 86) afirma que
A questão sobre o que somos, em alguns séculos, uma certa corrente
nos levou a colocá-la em relação ao sexo. Nem tanto ao sexo-natureza
(elemento do sistema do ser vivo, objeto para uma abordagem biológica),
mas ao sexo-história, ao sexo-significação, ao sexo-discurso. Colocamonos, a nós mesmos, sob o signo do sexo, porém, de uma Lógica do sexo,
mais do que de uma Física. Não devemos enganar-nos: sob a grande
1
2
Tradução nossa.
Tradução nossa
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
26
série das oposições binárias (corpo-alma, carne-espírito, instinto-razão,
pulsões-consciência) que pareciam referir o sexo a uma pura mecânica
sem razão, o Ocidente conseguiu, não somente e nem tanto anexar o
sexo a um campo de racionalidade, o que sem dúvida nada teria de
extraordinário, tanto nos habituamos, desde os gregos a esse tipo de
“conquista”; mas sobretudo colocar-nos, inteiros — nós, nosso corpo,
nossa alma, nossa individualidade, nossa história — sob o signo de
uma lógica da concupiscência e do desejo.
Descobrir o que os corpos expressam e almejam, os seus desejos mais insólitos,
recônditos e ignotos, como fazer essa expressão aparecer em forma de discursos
e práticas, fez com que formas distintas de poder, como a médico-psicológica, a
relgiosa, através das confissões e a imposição do medo, do pecado e da salvação,
e a estatal policial, através da confissão e da inquisição interrogatória, passassem a
controlar sistematicamente esses corpos, como uma verdadeira ciência, que, segundo
Foucault, atuaria através de estratégias, criando sujeitos dóceis e submetidos à sujeição,
normalizando comportamentos e ditando o que é aceitável e tolerável, para atender
interesses e objetivos de ideologias dominantes.
Para Lopes (2017, p. 83)
Depois, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, discursos
historicamente imbuídos de poderes sobre a vida e sobre os corpos
(tanto individual, como coletivo) modifcaram os meios e as estratégias
de produzir e de garantir vidas ordenadamente desejadas, esquadrinhadas, com a tarefa de impedir a proliferação de tudo o que pudesse
possibilitar outros modos de vida. Saberes, discursos e práticas que
complexifcam as tecnologias políticas de poder, as relações saberpoder, suas estratégias e mecanismos, transpondo, assim, os modelos
disciplinares que objetivavam produzir corpos dóceis.
Segundo Freitas (2017, p. 63), para Foucault, “as paixões e os prazeres são
eventos e não traços dos sujeitos”. Assim, parece que Foucault, ao esvaziar do sujeitos
quaisquer traços de pathos, faz com que os sujeitos libertem-se de identidade rígidas
ou mesmo ter a possibilidade de negar quaisquer identidades. Esta possiblidade
o coloca como um dos pilares ou uma das fontes, sob certos aspectos, da teoria
queer. Símile a esta perspectiva, Louro (2009, p. 136), afirma que “é inegável que o
pensamento foucaultiano e a perspectiva queer estão enredados”. Fortalecendo o
argumento levantado, Lopes (2017, p.183) , diz que
No que diz respeito às conexões entre os estudos queer e as proposições de Foucault, devo ainda sublinhar os dispositivos da sexualidade,
as estratégias disciplinares anátomo-políticas e as preocupações/ temas/questões de uma biopolítica da população. Depois das questões e
refexões de Foucault, tornou-se possível desconfar das coerências e
concordâncias entre sexo-gênero-desejo.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
27
As questões e os problemas de gênero e a teoria queer ganharam relevância,
sobretudo, com os estudos feministas bem como através dos questionamentos levantados por Judith Butler em Gender Trouble. No tópico “Gender complexity and the limits
of identification”, Butler (2002b, p.90) assinala que a “condição imaginária do desejo
excede sempre o corpo físico pelo qual ou no qual ela atua”3 . Adiante, no mesmo livro,
Butler dará a sua famosa definição de gênero e fará a relação gênero-performatividade.
Pela relevância dessa passagem, faz-se necessária a sua completa exposição, qual
seja:
Gênero não deve ser construído como uma estável identidade ou locus
da agência do qual vários atos se seguem; em vez disso, o gênero
é uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído em um
espaço exterior através de uma repetição estilizada de atos. O efeito do
gênero é produzido através da estilização do corpo e, portanto, deve
ser entendido como o modo mundano em que gestos, movimentos e
estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanente marcado pelo gênero. Essa formulação move a concepção de
gênero da base de um modelo substancial de identidade para aquele
que requer uma concepção de gênero como uma temporalidade social
constituída. Significativamente, se o gênero é instituído por meio de
atos que são internamente descontínuos, então a aparência de substância é precisamente isso, uma identidade construída, uma realização
performativa na qual o público social mundano, incluindo os próprios
atores, passa a acreditar e a executar no modo de crença. O gênero é
também uma norma que nunca pode ser plenamente internalizada; “o
interno” é uma significação de superfície, e as normas de gênero são
finalmente fantasiosas, impossíveis de incorporar4
De acordo com Salih (2015, p. 84) , “Butler enfatiza que o sexo e o gênero
são o resultado do discurso e da lei”, isto é, são uma construção social sujeitas a
interferências e influências de toda a estrutura social. Salih, posteriormente, afirma
que, para Butler, “a homossexualidade é caracterizada como uma formação discursiva
secundária que é produzida para instituir a estabilidade da heterossexualidade. Essa
aparente contradição pode ser resultado de uma incompatibilidade entre a psicanálise
(que está preocupada com as origens da identidade) e a teoria foucaultiana (que não
está)5 Esta exposição feita por Salih é similar a que faz Pérez (2001, p. 102) , adiante,
quando trata da legitimação da identidade heterossexual6
Para Lopes (2017, pp. 173-174), “é possível afrmar que os estudos queer
identificam limites da política da identidade, ao mesmo tempo, repensam as construções
ontológicas de identidades políticas estáveis.” Então, se para Butler, sexo e gênero têm
relação íntima com discurso e lei, isso significa, por extensão conceitual, que gênero
3
4
5
6
tradução nossa
Tradução nossa. Idem; p. 179
Idem; p.86.
PÉREZ, 2001, p. 102. “los homosexuales, hasta antes de los años cincuenta, solamente tenían estigmas
legitimadores de la identidad heterosexual.“
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
28
e sexo mantêm relação e conexões negociáveis com as estruturas de poder. Louro
(2007, p. 211) , similarmente, afirma que “a argumentação que coloca os gêneros e as
sexualidades no âmbito da cultura e da história, leva a compreendê-los implicados com
o poder. Não apenas como campos nos quais o poder se reflete ou se reproduz, mas
campos nos quais o poder se exercita, por onde o poder passa e onde o poder se faz“.
Nesta mesma perspectiva Scott (1986, p. 1067), antes de Butler e Louro, disse que a
sua definição de gênero possui
Duas partes e vários subconjuntos. Eles estão inter-relacionados, mas
devem ser analiticamente distinguidos. O cerne da definição repousa
sobre uma conexão integral entre duas proposições: o gênero é um
elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças
percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder7
Em um outro artigo, Scott, Bourque e Conway (2000, p. 3) reforçam a relação
do gênero como constructo social relacionado com funções políticas, econômicas e
sociais, expressando que
As fronteiras do gênero, como as de classe, traçam-se para servir
uma vasta variedade de funções políticas, econômicas e sociais. Estas
fronteiras são muitas vezes móveis e negociáveis. Elas operam não só
sobre a base material da cultura, mas também no mundo imaginário
do artista criativo. As normas de gênero nem sempre estão claramente
enunciadas; muitas vezes, transmitem-se de modo implícito através da
linguagem e outros símbolos.8
Essas questões do gênero podem ser vistas e compreendidas como problemáticas e complexas, de certa maneira, por exemplo, através do reconhecimento oficial
pela New York City Commission on Human Rights de 31 tipos de identidades de gênero (FRUEHAN, 2016) e pelo reconhecimento, por parte do Facebook, de 71 tipos de
identidades de gênero (WILLIAMS, 2014).
É preciso salientar, também, que um dos fatores que terá importância na construção das identidades LGBT é o próprio estigma. Ao contrário de muitos outros grupos
estigmatizados, ao que parece, os movimentos LGBT transformaram os estigmas em
algo capaz de ser objeto de luta por direitos, numa reviravolta de contra-ataque, isto é,
usam o estigma como meio para denunciar as injustiças e discriminações sofridas.
De acordo com Pérez (2001, p. 102) , “os homossexuais, até antes dos anos
cinquenta, somente tinham estigmas legitimadores da identidade heterossexual”9 Esta
constatação sugere que através dos estigmas, preconceitos e discursos voltados contra
7
8
9
Tradução nossa.
Tradução nossa
Tradução nossa
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
29
os homossexuais, a identidade heterossexual estabelecia-se cada vez mais como
detentora de poderes, máxime, os jurídicos, médicos e religiosos. Ao condenar à
margem social os homossexuais, os discursos e práticas legitimadores da heterossexualidade agiam/agem a fim de anular quaisquer pretensões de legitimidade por parte
dos homossexuais.
Para Goffman, indivíduos podem ter identidades sociais virtual e real. Ele conceitua as informações sociais como uma representação social dos sujeitos, com as
suas respectivas características permanentes ou não, em oposição aos sentimentos,
ao pathos, aos estados de ânimo e à própria intenção de que o sujeito pode ter em
alguma circunstância específica, isto é, estes caracteres são os signos engendradores
de múltiplos significados que o sujeito transmite para o outro através das expressões
corporais , de práticas e também de discursos. Para (COFFMAN, 2001, p. 13)
Quando um indivíduo vem à presença de outros, estes comumente buscam adquirir informação sobre ele ou pôr em jogo a informação sobre
ele já tida. Eles estarão interessados em seu status socioeconômico
geral, o seu conceito de si mesmo, a sua atitude em relação a eles, a
sua competência, a sua integridade, etc. Embora algumas dessas informações pareçam ser procuradas quase como um fim em si, geralmente
existem razões muito práticas para adquiri-la. A informação sobre o
indivíduo ajuda a definir a situação, permitindo que outros conheçam
antecipadamente o que ele espera deles e o que eles podem esperar
dele. Assim informados, os outros saberão como melhor agir para obter
uma resposta determinada dele.10
Segundo Scheff (2013, pp. 661-662), “cada pessoa para Goffman se encontra
sempre desesperadamente preocupada com a sua imagem aos olhos dos outros,
tentando apresentar-se com a sua melhor aparência em frente ao outro.” Um pouco
mais adiante Scheff (idem, p. 662) constata que
Goffman também fez o ponto chave de sua sociologia ao redor do
constrangimento: ela surge do desprezo, real, antecipado, ou apenas
imaginado, NÃO IMPORTA QUÃO TRIVIAL possa parecer para um
observador externo. Todo mundo é extremamente sensível ao nuance
exato de deferência que recebe. Esta é a contribuição fundamental de
Goffman ao conhecimento das emoções.
De acordo com Martins (2011, p. 234)
Na avaliação de Thomas Scheff, ao privilegiar a ordem interacional
como o eixo integrador de seus trabalhos, Goffman não centrou seu
foco investigativo no indivíduo isolado, mas dirigiu sua atenção para o
complexo universo das interações sociais, tanto assim que, longe de
apoiar-se no terreno da psicologia social, suas análises ancoravam-se
no campo da sociologia. Salienta também que as análises de Goffman
10
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
30
conferiam grau relativo de liberdade ao indivíduo, mesmo tendo em
mente que o self em larga medida era constituído nos processos sociais.
Martins (idem, p. 235), adiante, afirma que
Na perspectiva de Scheff, parte significativa da obra de Goffman ressaltou o árduo trabalho desenvolvido pelos atores para preservar a imagem
social que eventualmente projetaram em determinada interação social.
Assim, uma vez que determinado indivíduo projeta certas características
sociais num processo interacional, espera moralmente que os demais
trate-o de acordo com o que as pessoas de sua condição social tem o
direito de esperar.
Goffman sustenta que a pessoa estigmatizada possui duas identidades sociais:
a real e a virtual. A identidade real seria o conjunto de categorias e atributos que uma
pessoa prova ter; e a identidade virtual é o conjunto de categorias e atributos que
as pessoas têm para com o outro com quem pode ou não ter alguma relação social.
Assim, uma dada característica pode ser um estigma desde que haja uma discordância
peculiar entre a identidade social real e a identidade social virtual. Conforme os dizeres
de Goffman (1990, p. 12)
Assim, as demandas que fazemos poderiam ser melhor chamadas de
demandas feitas “efetivamente”, e o caráter que imputamos ao indivíduo deve ser melhor visto como uma imputação feita em retrospecto
potencial - uma caracterização “efetiva”, uma identidade social virtual. A
categoria e os atributos que ele, de fato, poderá provar possuir, serão
chamados de sua identidade social real.11
A identidade homossexual, partindo-se dessa perspectiva, seria uma identidade
imposta pelos discursos e práticas heterossexuais, estigmatizada, caricata, que transitaria entre o desvio, a anormalidade, a doença e o crime, a depender de como e com que
finalidade os discursos e práticas detentores de poder/saber (aqui, conceitualmente,
em referência a Michel Foucault) pretendiam atuar. (FOUCAULT, 2015b).
É Foucault quem diz, ao pensar na mecânica do poder, que a pensa em sua
forma capilar de existir, justamente no ponto em que o poder difusamente encontra
o nível dos indivíduos e opera sobre eles, atingindo os seus corpos, inserindo-se e
impregnando os seus gestos, atos, dircursos, isto é, a sua existência enquanto indivíduo
em relação com os outros (FOUCAULT, 2015a, p. 215)
Para Foucault (1988, p. 15) , “o exercício de poder é um conjunto de ações possíveis e que opera sobre o campo de possibilidades ou se inscreve no comportamento
dos sujeitos atuantes“12 . Tal exercício se dá difusamente no corpo social e não sobre o
corpo social. ((FOUCAULT, 2015a, p. 215) e (FOUCAULT, 1988, p. 18) )
11
12
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Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
31
Isso é relevante porque, ainda segundo Foucault (idem, p. 18), “as múltiplas
formas de disparidade individual, de objetivos, de instrumentações dadas sobre nós e
os outros, de institucionalização mais ou menos setorial ou global, de organização mais
ou menos deliberada, definem distintas formas de poder”13 Adiante ( p. 20), ele afirma
que o exercício de poder se dá em “uma ação que reduz o outro à impotência total (uma
”vitória sobre o adversário substitui ao exercício de poder) ou em uma confrontação
com aqueles que são governados e em sua transformação em adversários. Em resumo:
toda estratégia de enfrentamento sonha com converter-se em uma relação de poder, e
toda relação de poder se inclina a converter-se em uma estratégia vitoriosa.“14
De acordo com Butler (2017a, pp. 106-107)
O poder em Foucault não consiste apenas na elaboração reiterada de
normas ou exigências interpeladoras, mas é formativo ou produtivo,
maleável, múltiplo, proliferativo e conflituoso. Além disso, em suas ressignificações, a própria lei é transmitida naquilo que se opõe aos seus
propósitos originais e os ultrapassa. Nesse sentido, para Foucault, o
discurso disciplinar não constitui unilateralmente o sujeito - ou melhor,
se ofaz, constiutui simultaneamente a condição para a desconstituição
do sujeito. O que é gerado pelo efeito performativo da exigência interpeladora é muito mais do que um ’sujeito“, pois o ”sujeito“ criado não é,
por esse motivo, fixado numa posição: ele se torna a ocasião para uma
feitura posterior.
A história da homossexualidade e, portanto, das identidades a ela relacionadas,
de alguma forma, ou seja, das identidades LGBT, está amalgamada à luta contra
determinados discursos e padrões ideológicos que procuravam/procuram relacionar a
homossexualidade ao desvio, à anomalia, à doença, ao crime, isto é, procuravam dar à
homossexualidade discursos e práticas politicamente ligados ao corpo, à genética, para,
consequentemente, tentar através de estereótipos, estigmas e preconceitos velados
ou não, reduzir o homossexual a um ser à margem da sociedade, um indivíduo que
precisaria ser tratado ou isolado, numa espécie de higiene social. Foucault (2015b, p.
111) afirma que esse conjunto de discursos e práticas normalizadores da homossexualidade, “possibilitou a constituição de um discurso ”de reação“15 : a homossexualidade
pôs-se a falar por si mesma, a revindicar sua legitimidade ou sua “naturalidade” e
muitas vezes dentro do vocabulário e com as categorias pelas quais era desqualificada
do ponto de vista médico.“
De acordo com Spargo (2017, p. 21), “é possível enxergar nesse modelo de
discurso a origem das pol´ticas identitárias. As pessoas que são expostas como sujeitos
13
14
15
Tradução nossa.
Tradução nossa.
De acordo com o editor do livro “Foucault e a teoria queer” (Argos/Autêntica, 2017 nota 4, pp. 20-21), de
Tamsin Spargo, atualmente prefere-se, em vez de “discurso de reação”, como tradução, um discurso de
troca, recíproco, de devolução, em retribuição, como o “talking back”, de Judith Butler, já que Foucault
usa uma expressão mais suave, isto é, “en retour”.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
32
aberrantes, ”homossexuais“, podem encontrar uma causa comum”.
Para escapar das regras sociais rígidas a eles impostas, os LGBT evitavam
expor-se. Na Inglaterra, por exemplo, segundo Linder (1995)
Sodomia (ou “buggery” (sexo anal) como era chamado à época) se
tornou uma crime civil, punível com a morte, em 1533, quando Henrique
VIII emitiu um decreto formal sobre o assunto, o Estatuto de 1533.
Exceto por um curto período nos anos de 1500, a sodomia permaneceu
como um crime capital na Inglaterra até 1828. Durante o restante do
século XIX, o ato de sodomia era um crime punível com prisão.16
As identidades LGBT transitavam entre o segredo e o silêncio, entre o anonimato
e o disfarce, entre a vergonha e o medo, entre os guetos e os redutos gays criados para
amenizar, de algum modo, as diferentes tensões que essas identidades implicavam
por si e por atributos advindos de discursos e práticas heteronormativos. Era a disputa
reflexiva entre ser algo e esconder esse algo, porque as identidades virtuais que a
sociedade heteronormativa impusera pesavam, sufocavam. Uma expressão passou
a vingar, como tantas outras, entre os LGBT: “sair do armário”. Era preciso “sair do
armário” para que a luta por uma identidade real também legítima iniciasse. Segundo Fry
e MacRae (1985, p. 81) , “enquanto a grande maioria evitava se expor de alguma forma,
temendo o desmascaramento e os efeitos terríveis disto, alguns homens e mulheres
lutaram publicamente contra esse preconceito”.
Para Foucault (2004, pp. 265-266.)
se a identidade é apenas um jogo, apenas um procedimento para
favorecer relações, relações sociais e as relações de prazer sexual
que criem novas amizades, então ela é útil. Mas se a identidade se
torna o problema mais importante da existência sexual, se as pessoas
pensam que elas devem “desvendar” sua “identidade própria” e que esta
identidade deva tornar-se a lei, o princípio, o código de sua existência,
se a questão que se coloca continuamente é: “Isso está de acordo com
minha identidade?”, então eu penso que fizeram um retorno a uma
forma de ética muito próxima à da heterossexualidade tradicional. Se
devemos nos posicionar em relação à questão da identidade, temos que
partir do fato de que somos seres únicos. Mas as relações que devemos
estabelecer conosco mesmos não são relações de identidade, elas
devem ser antes relações de diferenciação, de criação, de inovação.
Diversos fatos anteriores à década de cinquenta foram relevantes para a construção das identidades LGBT bem como para a luta de direitos desse grupo social, o que
parece, de algum modo, deixar explícito que, apesar de muitos LGBT ficarem, à socapa,
com medo da repressão, outros LGBT e mesmo pessoas que não se identificavam
como homossexuais, identificavam-se com a “causa homossexual”. Para Miskolci (2007,
p. 104)
16
Traduçaõ nossa
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
33
Tudo começou em 1869, quando, diante da iminente criminalização
das relações sexuais entre homens na Alemanha, o médico húngaro
Karoly Maria Benkert escreveu uma cartaprotesto na qual empregou
pela primeira vez o termo homossexual. No ano seguinte, o psiquiatra
alemão Carl Westphal publicou o texto As Sensações Sexuais Contrárias, no qual descrevia esta nova identidade social a partir da “inversão”
que definiria sua sexualidade e, a partir dela, seu comportamento e
caráter. Dessa forma, o homossexual passou a ser visto como uma
verdadeira “espécie” desviada e passível, portanto, de controle médicolegal. Em 1871 o código penal alemão condenou a homossexualidade e
outras formas de sexualidade consideradas “bestiais” em seu parágrafo
175 (Westphal, 1870).
O trabalho e o comportamento de artistas, escritores, pintores, poetas, como,
por exemplo, Oscar Wilde e Walt Whitman procuravam revelar a hipocrisia das sociedades inglesa e americana, respectivamente. Wilde pagou um preço caro, sendo
condenado à prisão, por dois anos, com trabalhos forçados, em 1895, após três julgamentos17 acusado de “cometer atos imorais com diversos rapazes”18 Lord Alfred
Douglas, amante de Wilde, referiu-se à homossexualidade como o “amor que não
ousava dizer o nome”19 (DOUGLAS, s/d) reflexo do alto controle social sobre a sexualidade dos indivíduos, principalmente sobre os homossexuais. Ousar, neste caso,
significaria expor-se, ficar à mercê das leis penais, dos castigos religiosos e das
prescrições médicas.
É relevante lembrar ainda que a primeira organização americana de direitos
homossexuais foi a Sociedade pelos Direitos Humanos, fundada em 1924, em Chicago,
por Henry Gerber. Dentro de um ano, Gerber foi preso e a sociedade foi desfeita. Ele
ainda perdeu o seu emprego nos Correios. (COUNCIL, 2014)
No Brasil, na década de 30, apesar de não haver criminalização no Código
Penal, de acordo com Fry e MacRae (1985, pp. 66-67)
Havia uma clara conivência entre a polícia e os médicos, pois os delinquentes “homossexuais” de uma certa classe social eram encaminhados
para o Laboratório de Antropologia Criminal do Instituto de Identificações de São Paulo, onde os médicos levaram adiante suas pesquisas
sobre as causas biológicas e sociais da homossexualidade, com ênfase
sobre os biotipos e ambiente social dos indivíduos em questão.
17
18
19
Sobre os detalhes dos três julgamentos de Oscar Wilde, ver: “Famous Trials” by Professor Douglas
Linder: http://www.famous-trials.com/wilde.
(Richard Miskolci, 2007). Ver nota de rodapé 4, na página 104: “uma história das leis contra a homossexualidade merece um estudo à parte. Leis contra a sodomia existem há séculos, mas após 1870 elas
passam a se referir explicitamente a “atos indecentes entre homens” como no Labouchere Amendment
de 1885 do Reino Unido, a mesma lei que foi usada para a condenação de Oscar Wilde dez anos
depois”.
Tradução nossa.(Alfred Douglas, ) “I am the love that dare not speak its name.’ Ver também: MOTT, Luiz.
“Homo-afetividade e direitos humanos”. In:____.Rev. Estud. Fem. vol.14 no.2 Florianópolis Mai/Set. 2006,
p. 511.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
34
Pode-se, a partir já desses relatos, deduzir que, para a vasta maioria de LGBT expor as suas identidades, as suas preferências sexuais, poderia ser, em todo ou em
parte, mesmo perigoso. Alguns, por estarem em certas posições sociais, terem específicos capitais sociais, culturais e econômicos, poderiam mais facilmente negociar essas
identidades, sendo “aceitos” em lugares públicos e privados, instituições e em grupos
tipicamente heteronormativos, aumentando, assim, os seus campos de possibilidade.
Estas considerações devem ser vistas através do conceito de Bourdieu de “espaço dos
possíveis”. Segundo Bourdieu (2005a, p. 55), “o espaço dos possíveis realiza-se nos
indivíduos que exercem uma ”atração“ ou uma ”repulsão“, a qual depende do ”peso“
deles no campo, isto é, de sua visibilidade, e da maior ou menor afinidade dos habitus
que leva a achar ”simpáticos“ ou ”antipáticos“ seu pensamento e sua ação.”
De acordo com Brandão (2010, p. 232)
As condições de acumulação de capital são proporcionais às oportunidades de jogo que os agentes encontram nos campos sociais. Essas
oportunidades, entretanto, não parecem ser circunstanciais ou aleatórias, pois estão normalmente balizadas pelo volume e pela estrutura de
capital dos agentes em relação às condições (de volume e estrutura
de capitais) dos demais agentes envolvidos no jogo em um campo
específico
A obtenção de novos saberes, conhecimentos científicos, de algum modo, amplia
o campo das possiblidades dos indivíduos, dos grupos e dos movimentos sociais .
Assim, pode-se dizer, que um grande passo foi dado pelos estudos de Kinsey os
quais evidenciaram que a sexualidade humana não poderia ficar restrita a dois tipos
de comportamentos estanques: homossexuais e heterossexuais. Assim, relata Fry e
MacRae (1985, p. 92)
A próxima marca importante deste percurso de lutas é a publicação
em 1948 nos Estados Unidos do livro O Comportamento Sexual do
Homem, de Alfred Kinsey (Relatório Kinsey). Este estudo detalhado e
cientificamente respeitável compilou informações estatísticas sobre um
total de 12.214 entrevistas de homens brancos. Mostrou que, em termos
de comportamento, os homens dos Estados Unidos não podem ser
divididos em dois grupos estanques : homossexuais e heterossexuais.
Kinsey descobriu que é melhor pensar em termos de um continuum que
se estende do comportamento exclusivamente heterossexual até o comportamento exclusivamente homossexual. A população masculina se
espalha entre esses dois polos. Assim, constatou que 37% dos homens
de seu país tinham tido pelo menos uma experiência homossexual que
levasse ao orgasmo . 18% tinham tido pelo menos tantas experiências
homossexuais quanto heterossexuais durante um período mínimo de
três anos, e 4% era exclusivamente homossexual
Em acordo com as afirmações de Fry e MacRae, Pérez (2001, p. 104) atesta
que “Kinsey não foi o primeiro cientista que observou que a sexualidade se manifestava
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
35
com diversas práticas, no entanto, a ajuda dos meios de comunicação para divulgar
seus relatórios - Kinsey - no início da segunda metade do século XX, serviu para jogar
pela janela os muitos tabus de gênero e sexualidade”20 Ainda, segundo Pérez (p.104),
as mulheres (durante a Segunda Guerra e no pós-guerra) e os hippies (que criticavam
as guerras e eram a favor da liberdade sexual) desempenharam um importante papel
no questionamento da cultura patriarcal, das opressões relacionadas a problemas
de gênero e sexualidade. Esses foram alguns fatos que, conjuntamente, atuaram, de
algum modo, para a formação de grupos de minorias organizados, capazes de lutar
por seus direitos, de pôr em visibilidades as suas identidades. Neste sentido, Pérez
(p.104) afirma que
Nesta efervescência dos movimentos sociais, surgiram outros que, de
igual modo, levantaram a sua voz com sérias críticas e questionamentos
para as instituições normatizavam aos indivíduos. Como as feministas
e os hippies, apareceram em cena as minorias raciais e os homossexuais, mostrando cada grupo os seus respectivos interesses sociais e
políticos. A dispersão pelo mundo dessas correntes de libertação e de
reconhecimento dos excluídos contextualizou dentro das décadas dos
anos cinquenta e, principalmente, dos anos sessenta, quando os meios
de comunicação ganharam força nas sociedades ocidentais.21
Porém, talvez, um dos mais significativos episódios para a construção das
identidades LGBT tenham sido as várias manifestações violentas e espontâneas de
membros da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia de Nova York que
ocorrera nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall
Inn, no bairro de Greenwich Village, Manhattan, Nova York. Essa data ficará conhecida
simbolicamente como o Dia do Orgulho Gay (FRY; MACRAE, 1985, p.97). Segundo
o Council (2014)
Em junho de 1969, uma incursão policial de rotina neste bar gay em
Greenwich Village resultou em resistência ativa, desencadeando cinco
dias de tumultos e manifestações, com gritos sem precedentes de
“orgulho gay” e “poder gay”. A revolta de Stonewall desencadeou a
próxima fase Do Movimento de Libertação Gay, que envolveu uma ação
política mais radical durante a década de 1970. Grupos como a Frente
de Libertação Gay, a Aliança de Ativistas Gays, Radicalésbicas, e a
Ação Revolucionária para Travestis de Rua foram organizados meses
depois da revolta.22
Deve ficar entendido que esses movimentos não se sucederam de forma linear,
um levando a outro. Mas, sim, que paralelamente, ações, práticas e discursos contra
a heteronormatividade e em defesa dos direitos LGBT ocorreram em diversas partes
do mundo, simultâneos ou não, alguns com maiores repercussões do que outros, mas
20
21
22
Tradução nossa
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
36
todos socialmente envolvidos na construção das identidades LGBT. Para Miskolci (2007,
p. 106)
Durante quase um século, predominou uma visão biológica e determinista sobre as relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo
sexo. A identidade homossexual essencializara e reduzira um grande espectro de vivências a uma categoria social patologizada e criminalizada.
Ao mesmo tempo, um movimento social crescentemente organizado
passou a demandar reconhecimento e aceitação, mas ainda enredado
nos termos que o depreciavam. Tratava-se de um discurso de réplica e,
portanto, com alcance limitado.
De algum modo, todavia, certo é que, após o episódio no Stonewall Inn, a palavra
“gay” passou a ser um marco identitário do movimento LGBT. Para Pérez (2001, p.
104) , “a palavra gay surgiu como um mecanismo de auto-atribuição dos homossexuais
para escapar das taxonomias pejorativas que, com tal finalidade, eram impostas a eles.
No entanto, desde o início ser homossexual não implicava ser gay, não obstante, ser
gay implicava ser homossexual.”23
Ao tomarem a palavra “gay” para auto-identificarem-se, os homossexuais envolvidos com movimentos sociais para a luta por direitos tinham consciência do seu
significado, isto é, alegre, brilhante, vistoso, festivo, vivaz, entre outros. O Oxford
(2017) diz que “gay significando ‘homossexual’ tornou-se estabelecido na década de 60
como o termo preferido pelos homens homossexuais para descreverem-se. É agora o
termo padrão aceito em todo o mundo de língua inglesa.”24 Segundo Giddens (1993, p.
23) , “foi assinalado pela popularização da autodenominação gay, um exemplo daquele
processo reflexivo em que um fenômeno social pode ser apropriado e transformado
através do compromisso coletivo.” Portanto, parece que a incorporação de uma palavra
que representava, no vernáculo, sentidos de alegria e liberdade daria, a partir daí,
às identidades LGBT uma característica marcante: a relação com o alegre, com o
colorido, com o festivo, características essas que ficariam mais evidentes, sobretudo,
nos transformistas, nas travestis e nos queers. Conforme Miskolci (2007, p. 106)
O termo gay se opunha ao psiquiátrico homossexual de forma irreverente, pois gay (alegre) aludia à moral duvidosa que a sociedade
atribuía a mulheres independentes, particularmente as viúvas. Assim,
o movimento se autodenominava ressaltando o que residia por trás do
estigma socialmente atribuído a seus membros: uma vida fora da ordem
sexual vigente.
Todavia, a apropriação de um termo não seria capaz por si de fazer com que os
LGBT pudessem ter direitos e mesmo se afastarem dos discursos e práticas heteronormativos que, predominantemente, impregnavam os tantos campos sociais, principal23
24
Tradução nossa.
Tradução Nossa. Ver: verbete: “gay”
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
37
mente, neste período, a esfera médico-psiquiátrica. Era preciso dar um basta nessa
posição heteronormativa que via a homossexualidade como uma patologia, inclusive
institucionalmente. Para Costa e Nardi (2013, p.130) , “George Weinberg publica, em
1972, Society and the Healthy Homossexual (A Sociedade e o Homossexual Saudável),
introduzindo o termo homofobia: “homofobia é o pavor de estar próximo a homossexuais
– e no caso dos próprios homossexuais, auto-aversão.” O livro popularizou o uso do
termo e consequentemente, foi um dos responsáveis pela apropriação do termo pelos
ativistas que lutavam pelos direitos dos gays.
Como visto anteriormente, para Giddens (1993, p. 44) , “a batalha para assegurar a tolerância pública à homossexualidade provocou o ”aparecimento“ de outras
organizações interessadas na promoção do pluralismo sexual”. Os movimentos LGBT,
os movimentos feministas, os movimentos contra as discriminações raciais, enfim,
todos os movimentos e grupos sociais que defendiam a igualdade de direitos e uma
maior liberdade sexual foram importantes para que em 1973, a American Psychiatric
Association retirasse, de vez, a homossexualidade da terceira edição do seu Manual
Diagnóstico de Doenças Mentais (DSM III). De acordo com Drescher (2015, p. 571)
Tendo chegado a esta nova definição de transtorno mental, o Comitê de
Nomenclatura concordou que a homossexualidade per se não era um
transtorno. Vários outros comitês da APA e órgãos deliberativos, em seguida, revisaram e aceitaram o seu trabalho e as suas recomendações.
Como resultado, em dezembro de 1973, o Conselho de Curadores da
APA (BOT) votou para remover a homossexualidade do DSM25
Esta medida foi de grande relevância para os movimentos LGBT, pois uma
influente instituição médica americana reconhecia que a homossexualidade não poderia
mais ser tratada como um distúrbio mental. Era uma conquista que serviria de alavanca
para outras. Apesar de ter-se dado em 1973 tal reconhecimento, somente em 1990
é que a Organização Mundial de Saúde retira a homossexualidade do Classificação
Internacional de Doenças. Conforme explicita Drescher (2015, p. 571)
A revisão diagnóstica de 1973 da APA foi o início do fim da participação
oficial da medicina organizada na estigmatização social da homossexualidade. Mudanças semelhantes ocorreram gradualmente na comunidade
internacional de saúde mental também. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde removeu a homossexualidade per se da Classificação
Internacional de Doenças.26
Partindo dessas considerações, é possível argumentar, de algum modo, que
os movimentos LGBT apresentam duas características identitárias, ou melhor, dois
tipos identitários segundo a classificação de Castells: identidade de resistência e
25
26
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
38
identidade projeto. Nos dizeres de Castells (2010, p. 8) , tem-se que a identidade de
resistência é a “gerada por aqueles atores que se encontram em posições/condições
desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica da dominação, de modo que constroem
trincheiras de resistência e sobrevivência baseando-se em princípios diferentes ou
opostos aos que impregnam as instituições da sociedade”27
Quanto à identidade projeto, Castells (2010, p. 8) assinala que esta se dá
“quando os atores sociais, com base nos materiais culturais que lhes são disponíveis,
constroem uma nova identidade que redefine a sua posição na sociedade e, ao fazê-lo,
buscam a transformação de toda a estrutura social.28 Neste sentido, Castells dialoga,
de alguma maneira, com o conceito bourdieusiano de “espaço dos possíveis“.
A expansão desses espaços engendrou a possiblidade de os movimentos
LGBT conquistar simpatizantes (ainda que também atraíssem os não simpáticos),
inclusive em campos tipicamente de poder, como o legislativo e o judiciário (vide a
aprovação da união estável e do casamento para os LGBT, por exemplo) e a mídia
jornalística a qual tem contribuído, de certo modo, na difusão das ações, práticas e discursos LGBT. Segundo Mott (2005, p. 101), “a mídia nacional, em pleno início de século,
também estimula a homofobia” e assim contribui para a difusão e o estabelecimento de
estigmas, preconceitos e violências contra os LGBT“.
Neste ponto, faz-se relevante apontar as mudanças na nomenclatura do próprio
movimento LGBT brasileiro, para compreender como através da mudança da sigla29 ,
há inclusão de novos atores sociais, novas demandas de interesses, valores e direitos, além de evidenciar, de algum modo, os conflitos existentes dentro do movimento,
explicitando, assim, uma multiplicidade de movimentos dentro de um movimento abrangido por um arranjo genérico de quatro letras. Nesta perspectiva, Facchini (2009, p.
140) constata que
Até 1993, o movimento aparece descrito predominantemente como
MHB (movimento homossexual brasileiro); depois de 1993, como MGL
(movimento de gays e lésbicas); após 1995, aparece primeiramente
como um movimento GLT (gays, lésbicas e travestis) e, posteriormente,
a partir de 1999, figura também como um movimento GLBT – de gays,
lésbicas, bissexuais e transgêneros, passando pelas variantes GLTB
ou LGBT, a partir de hierarquizações e estratégias de visibilização dos
segmentos. Em 2005, o XII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e
Transgêneros aprova o uso de GLBT, incluindo oficialmente o “B” de
bissexuais à sigla utilizada pelo movimento e convencionando que o
“T” refere-se a travestis, transexuais e transgêneros. Em 2008, nova
mudança ocorre a partir da Conferência Nacional GLBT: não sem alguma polêmica, aprova-se o uso da sigla LGBT para a denominação
27
28
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Tradução nossa.
Traduçaõ nossa.
Para uma melhor compreensão da produção e disputa das várias formulações da sigla e as suas relações
de poder, conflito e aliança, ver: FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e
produção de identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
39
do movimento, o que se justificaria pela necessidade de aumentar a
visibilidade do segmento de lésbicas.
A cada expansão corresponde o surgimento de novas identidades LGBT, identidades estas envoltas de tensões tanto entre as identidades heteronormativas bem
como entre as próprias identidades LGBT, visto que os movimentos e grupos LGBT não
são homogêneos e chegam até a lutar por distintos direitos e posições sociais. Possivelmente, na atualidade, uma característica comum a todos pode ser a luta contra a
dominação masculina e contra as diferentes formas de fobias, tais como a transfobia e
a homofobia. Para Louro (2008, p. 21)
Não podemos tomar de modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado,
alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação
da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus
produtos culturais, por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos
valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão
e violência física
1.2
A relação entre masculinidades, estigmas, preconceitos, violência simbólica
Algumas considerações sobre (e relações entre) masculinidades, estigma e
violência simbólica são importantes para compreensão dos processos de reificação
e reconhecimento, bem como para demonstrar como os diversos movimentos LGBT
podem negociar/trabalhar tais estigmas e preconceitos e como os usam para lutar por
visibilidade, reconhecimento e direitos.
De acordo com Ortiz-Hernández (2004, p. 179)
Os LGBT, como heterossexuais, crescem e vivem diariamente em uma
sociedade estruturada de acordo com os valores dominantes definidos
pelo sistema de gênero. Esta situação faz com que os LGBT internalizem os valores dominantes do sistema de gênero e a partir deles
percebam a si mesmos e em seu redor (outras pessoas, as relações
em que entram, os objetos, etc.). O principal problema que isso implica
é que a identidade sexual, e às vezes a identidade e o papel de gênero dos LGBT, entra em contradição com os valores dominantes que
aprenderam.30
Ora, as identidades LGBT praticamente estão à margem da sociedade ante a
dominação heteronormativa que, além de estigmatizá-las, ridicularizá-las, procuram,
de algum modo, excluí-las das esferas de poder, evitando outorgar-lhes direitos, postergando criminalizar especificamente os homicídios homofóbicos. E o que parece ser
30
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
40
o mais grave: torna a percepção dessas exclusões e violências como algo natural.
Para Ortiz-Hernández, Para entender, de forma sistemática, como os LGBT incorporam
a opressão, a própria dominação e os seus efeitos, em sua subjetividade, o conceito
de habitus bpourdesiano pode ser recuperado e posto como uma categoria analítica,
pois o habitus é um sistema de categorias de percepção, pensamento e ação, uma
estrutura estruturada e estruturante. Por ser estruturada, é um produto da socialização
dos valores dominantes. Por ser estruturante, define as formas pelas quais os indivíduos percebem, pensam e atuam em função desses valores. Ainda que possam a vir
questioná-los através de reflexões reflexivas.(ORTIZ-HERNÁNDEZ, 2004)
Neste sentido, Bourdieu (2014, p. 55) afirma que
A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor,
para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que eles têm em comum e que, não sendo mais que a forma
incorporada da relação de dominação, fazem parecer esta relação como
natural.31
A perspectiva de Bourdieu quando trata da dominação masculina, heteronormativa, androcêntrica, engendrada simbolicamente ou não, assemelha-se à lógica da
dominação explicitada (supracitada) por Castells. Isto é, para Bourdieu (1994, p. 185)
Os atos simbólicos supõem sempre atos de conhecimento e reconhecimento, atos cognitivos por parte daqueles que são os destinatários.
Para que uma troca simbólica funcione, ambas as partes devem ter categorias idênticas de percepção e apreciação. Isto é válido também para
os atos de dominação simbólica que, como visto, com clareza, no caso
da dominação masculina, são exercidos com a cumplicidade objetiva
dos dominados, na medida em que, para que tal forma de dominação se
instaure, é necessário que o dominado aplique aos atos do dominante
(e a todo o seu ser) as estruturas de percepção que sejam as mesmas
que as que o dominante emprega para produzir esses atos.32
Muitos desses atos simbólicos revestem-se de ações, discursos e práticas que
procuram, sob certos aspectos, reduzir os LGBT a estereótipos relacionados com a
feminilidade e a passividade (MISSE, 1979), com a promiscuidade e a vulgaridade,
delimitando esferas de trânsito social, com o intuito de diminuir os espaços de possibilidades, restringindo-os a certos campos, como os dos guetos e redutos gays e, desta
forma, procurando esvaziar quaisquer sentidos identitários que possam ter legitimidade
e aceitação. Conforme Bourdieu (2014, p. 165) , “tudo se passa efetivamente como se
os homossexuais que tiveram que lutar para passar da invisibilidade à visibilidade, para
31
32
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Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
41
deixar de ser excluídos e invisíveis, tenderam a voltar a ser invisíveis e de algum modo
neutros e neutralizados pela submissão à forma dominante.”33
Essa invisibilidade, pretendida pelas formas dominantes, deve-se, possivelmente, a uma preocupação excessiva e um inusitado medo dos grupos dominantes
heteronormativos de ver as suas tradições, crenças, padrões, instituições abalados
e, de certo modo, corrompidos. E até, pode-se pensar, devem ter medo de que as
suas próprias identidades alterem-se de modo significativo, ao ponto de não mais se
reconhecerem. Se se pode supor que, de algum modo, as identidades podem ser
engendradas a partir de uma reflexão reflexiva, nos moldes bourdieusianos, haveria sim
uma possiblidade de negação ou aceitação de tais identidades. Os teóricos queer parecem estar cientes dessa possibilidade, pois dizem que as identidades heterossexuais
e homossexuais são interdependentes.
Por isso Louro (2001, p. 549) explicita que “a afirmação da identidade implica
sempre a demarcação e a negação do seu oposto, que é constituído como sua diferença.
Esse ‘outro’ permanece, contudo, indispensável. A identidade negada é constitutiva
do sujeito, fornece-lhe o limite e a coerência e, ao mesmo tempo, assombra-o com a
instabilidade“.
Se há mesmo um continuum e uma relação interdependente entre homossexualidade e heterossexualidade, não há por que se espantar se for afirmado que o medo
que possam ter alguns heterossexuais de verem as suas identidades transmutadas
numa identidade homossexual, por reflexão reflexiva, viesse a ser, de certo modo, um
dos fatores do preconceito exacerbado ou mesmo da homofobia.
Fatores diversos podem estar implicados na manutenção de estigmas e preconceitos contra os LGBT. De acordo com Bourdieu (2014, p. 52) , “a visão androcêntrica é,
deste modo, continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina”.34 Portanto, parece que ao tornar os LGBT invisíveis, impotentes, isolados, reclusos em guetos
e à margem da sociedade, a forma dominante masculina (no sentido bourdieusiano)
poderia, assim, deixar as identidades LGBT sem força suficiente para lutar por reconhecimento, legitimidade e direitos. A expressão máxima dessa tentativa de anular as
identidades LGBT dá-se através do homícidio homofóbico.
O estigma, então, parece ser uma exigência moral em que padrões de normalidade e identidades sociais são exigidos para que haja certa aceitabilidade, certo
reconhecimento. No caso da homossexualidade, os estigmas têm uma relação particular não com um defeito anatômico, não com uma marca ou uma ferida, mas com
a associação dos homossexuais à passividade, à feminilidade, ao comportamento
que, de algum modo, foge aos padrões heteronormativos e à masculinidade exigida e
33
34
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Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
42
cobrada pela própria sociedade. Segundo Herek (2009, p. 72)
Para os heterossexuais, o estigma sexual tende a não ser saliente,
a menos que a orientação sexual se torne pessoalmente relevante,
como quando eles conhecem uma pessoa gay, lésbica ou bissexual ou
em situações onde a sua própria orientação sexual pode ser questionada. Nessas ocasiões, o estigma sentido pode motivá-los a garantir
que seu status não estigmatizado seja facilmente evidente para outros,
evitando a possibilidade de que eles seriam imprecisamente percebidos como estigmatizados (e, portanto, tornem-se um alvo de estigma
promulgado).35
Para se compreender melhor questões relacionadas com estigmas, homofobia
e violência letal homofóbica faz-se necessário estudar as masculinidades. De acordo
com Martín (2007, pp. 99-100)
Estudar a masculinidade ajuda os pesquisadores e professores especializados em Estudos das Mulheres a aprofundar o seu conhecimento
sobre o patriarcado, evitando assim excessos androfóbicos e contribuindo para o diálogo necessário. Em segundo lugar, o estudo da
masculinidade fortalece entre as gerações de mulheres mais novas a
ideia de que, longe de ter terminado, a luta feminista contra a opressão
patriarcal continua e é o objetivo também de homens pro-feministas,
aliados imprescindíveis na construção da igualdade de oportunidades.
Finalmente, e acima de todos os outros fatores, esta disciplina oferece
aos homens um instrumento poderoso para o autoexame, um passo
prévio para a construção de masculinidades livres das restrições e
inseguranças geradas pelo pernicioso sistema patriarcal.36
Exigir que comportamentos humanos adotem a perspectiva do masculino, do
viril, do macho, é, de fato, impor um tipo de padrão de aceitabilidade na esfera social.
Mas não apenas isso: ao impor que os homens sejam másculos, a masculinidade
compulsória, pensando com Butler, parece querer livrar de crítica e questionamento a
própria heterossexualidade, como se a homossexualidade é que devesse, por obrigação, ser questionada do ponto de vista da normalidade e da naturalidade, ou seja: a
homossexualidade ao se relacionar com o que é feminino, passivo, estaria condenada
a sofrer as objeções da heteronormatividade, porque, como escapa à “normalidade”,
não teria direito de questionar o que é tido como normal, tendo que, por isso, sujeitar-se
e ficar à margem.
Conforme Noriega (2016, p. 27)
Quando fazemos estudos de gênero dos homens e das masculinidades, estamos fazendo investigações que analisam como o sistema
sexo-gênero (esse sistema de ideologias e práticas, pessoais e institucionalizadas, que atuam sobre o corpo humano definindo o sexo, o
35
36
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Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
43
gênero e o desejo, bem como suas formas legítimas, naturais, morais,
saudáveis ou belas de existência) opera nos sujeitos definidos desde
seu nascimento como machos e nos que têm uma expectativa de comportamento masculino. O que nos interessa é, portanto, conhecer os
processos de significação que instituem o masculino, a masculinidade
e virilidade nas diversas esferas da vida dos sujeitos e da sociedade,
com a consequência de configurar identidades, subjetividades, práticas,
relações sociais diversas, incluindo relações de poder e resistência
entre as pessoas e em todo o corpo social.37
Segundo Albuquerque Júnior (2010, p. 27)
Nossa cultura sempre tratou mal o corpo, talvez por tê-lo associado
ao feminino e tratado mal o feminino por associá-lo ao corporal, numa
cultura onde o espírito, a alma e depois a razão sempre foram vistos
como a dimensão a ser valorizada no humano, sua dimensão superior,
que o aproximava, inclusive do divino, de Deus, este ser incorpóreo.
E, a seguir, JÚNIOR (idem, p. 29) constata que
A masculinidade soberana e poderosa não aceita nenhuma prática
ou modelo alternativo de comportamento para homens e mulheres.
Ela gera a infelicidade da maioria dos homens que são incapazes de
corresponder a seu modelo ideal. Todos os homens temem não ser e
no fundo acham que ainda não são homens o suficiente. A competição
entre os homens faz da masculinidade uma espécie de atributo que
para se ter deve-se retirar do outro. Para afirmar-se homem deve-se
sempre desqualificar, rebaixar, vencer, derrotar, feminilizar um outro
homem. Os homens estão sempre desconfiando da masculinidade uns
dos outros, colocando-a em suspeita, fragilizando assim esta identidade
que aparentemente parece ser tão inquestionável.
Ser macho, viril, sem quaisquer aspecto ou trejeito feminino exige dos homens
um comportamento, muitas vezes, perigoso e insalubre, pois impõe um modelo de
comportamento que, por exemplo, nos casos dos LGBT masculinos, atuaria de forma
perniciosa em suas consciências, levando-os, algumas vezes, a ter repugnância pelos
próprios atos, passando a controlar os seus comportamentos, mediante repressões e
censuras íntimas, podendo conduzi-los a possíveis quadros de ansiedade, depressão
e suicídio, por não se aceitarem e acharem que a heetronormatividade que lhes é
imposta é que é certa e normal. Mas esta pressão psicológica, essa socialização da
virilidade, da masculinidade também atuam sobre os heterossexuais de modo símile,
porque cobram deles atuar sempre sendo o macho, o que pode, o que comanda, o que
não pode chorar, o que não pode ceder. Essa opressão da masculinidade compulsória
pode engendrar, por repulsa e repúdio, atos e comportamentos violentos contra LGBT
e mulheres.
Para Noriega (2016, p. 26)
37
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
44
O termo “homem”, bem como “masculinidade”, referem-se, portanto, a
uma ficção cultural, a uma convenção de significado que produziu e
produz uma série de efeitos nos corpos, as subjetividades, as práticas,
as coisas e relações, isto é, que participa numa realidade concreta: a
realidade de uma sociedade em que essas concepções de gênero são
dominantes e constroem relações de distinção naturalizadas.38
Neste sentido, Welzer-Lang (2001, p. 465) argumenta que
O masculino, as relações entre homens são estruturadas na imagem
hierarquizada das relações homens/mulheres. Aqueles que não podem
provar que “têm” são ameaçados de serem desclassificados e considerados como os dominados, como as mulheres. Dir-se-á deles que
“eles são como elas” . É assim que na prisão um segmento particular
da casa-dos-homens, os jovens homens, os homens localizados ou designados como homossexuais (homens ditos afeminados, travestis. . . .),
homens que se recusam a lutar, ou também os que estupraram as
mulheres, dominadas, são tratados como mulheres, violentados sexualmente pelos “grandes homens” que são os chefões do tráfico, roubados,
violentados. Frequentemente, eles são apenas colocados na posição
da “empregada” e devem assumir o serviço daqueles que os controlam,
particularmente o trabalho doméstico (limpeza da célula, da roupa. . . ) e
os serviços sexuais.
As relações sociais de sexo se exercem de maneira transversal ao
conjunto da sociedade, fazendo com que homens e mulheres sejam
atravessados/as por elas.
Numa sociedade heteronormativa, a exigência de que homens sejam másculos,
machos, viris faz com que haja repulsa e ódio aos homossexuais e até mesmo
àqueles homens não homossexuais que apresentem traços de feminilidade, isto é, não
se admite que, sob diversos aspectos, homens heterossexuais venham a apresentar
algum traço de feminilidade. Ser feminino é estar relacionado à passividade, à vergonha,
à humilhação, aos estigmas e à exclusão.
Desde a Roma antiga, a passividade não era tolerada, precisava estar oculta,
praticada à socapa, enquanto que a homossexualidade ativa não se ocultava e, segundo
Veyne (1982, p. 27), “os que se dedicavam aos rapazes eram tão numerosos quanto os
que gostavam de mulheres”39 , pois o sexo não contava para nada, e o que contava era
não ser escravo e não ser passivo. De acordo com Welzer-Lang (2001, p. 468)
o heterocentrismo constitui categorias. Ele distingue os dominantes,
que são os homens ativos, penetrantes, e os outros, aquelas e aqueles
que são penetradas/ os, logo dominadas/os. E é claramente a homofobia que se aplica àqueles, homossexuais, bissexuais, transsexuais,
desvalorizando-os porque eles/elas não adotam, ou são suspeitos de
não adotar, configurações sexuais naturais.
38
39
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Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
45
Para Connell (2013b, p. 255), “a masculinidade de homens brancos não é só
construída em relação a mulheres brancas mas também em relação a homens negros”,
o que demonstra, sob determinados aspectos, que a construção da masculinidade mantém liames íntimos com questões de classe e raça.
Para Lang, Greig e Kimmel (2000, p. 3), “a masculinidade é uma maneira de
explicar os homens - mas há diferentes ideias obtidas com diferentes terminologias:
determinismo biológico ou essencialismo, construcionismo cultural ou social e masculinidade como discurso de poder.” 40 Segundo Connell (2013a, p. 326)
O estudo das masculinidades é importante para os estudos de gênero,
bem como para o pensamento feminista, sendo crucial para o entendimento do poder de gênero, os privilégios e as dinâmicas das relações
de gênero. Nas sociedades contemporâneas, as estruturas econômicas e de poder envolvem instituições de grande escala. Portanto, uma
parte chave do estudo de masculinidades, é pesquisar não somente
indivíduos, mas instituições inteiras, nas quais as masculinidades se
encontram incrustadas, e que possuem peso na escala social. Isso
inclui o estado, os serviços de segurança, corporações, os mercados de
capital e de commodities. O estudo das masculinidades administrativas
é uma chave para o entendimento do poder de gênero nas condições
modernas
De acordo com Kimmel, as masculinidades são históricas e socialmente construídas, mas não são criadas igualmente, e as definições de masculinidaddes também
não são valoradas igualmente na sociedade. Assim, Kimmel (1997, p. 49) considera
A masculinidade como um conjunto de significados em constante mudança, que construímos através de nossas relações com nós mesmos,
com os outros e com o nosso mundo. A virilidade não é estática nem
atemporal; é histórica; não é a manifestação de uma essência interior;
é construída socialmente; não vai à consciência desde nossos componentes biológicos; é criada na cultura. A virilidade significa coisas
diferentes em épocas diferentes para diferentes pessoas.41
Segundo Carrara e Saggese (2011, p. 220)
Para autores como Kimmel (2001)42 e Welzer-Lang (2001)43 , uma
maior incidência de intolerância homofóbica em relação aos homens
que não se adéquam às convenções de gênero (como explorado anteriormente nos dados dos surveys) poderia ser explicada pela necessidade
de desvalorização do feminino, característica marcante das sociedades
ocidentais. Se ser “homem” é historicamente sinônimo de dominação,
40
41
42
43
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Tradução nossa
Ver: KIMMEL, M. S. Masculinity as homophobia: fear, shame and silence in the construction of gender
identity. In: WHITEHEAD, S. & BARRETT, F. (Eds.). The Masculinities Reader. Cambridge: Polity Press,
2001.
Ver: WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista de
Estudos Feministas, 9(2): 460-482, 2001.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
46
tal poder não é simplesmente “dado” e, muitas vezes, o preço pago
por querer corresponder às expectativas associadas à construção de
uma identidade masculina positiva é alto. Além de ser objeto de cobranças sociais significativas (muitas vezes acompanhadas de pressões
familiares), ao homem cabe reafirmar constantemente sua masculinidade através de um árduo e longo trabalho de construção identitária,
permeado principalmente pela demonstração de superioridade física e
psicológica.
Para Connell (1995, p. 223) “a masculinidade é moldada em relação a uma estrutura geral de poder (a subordinação das mulheres aos homens) e em relação a uma
simbolização geral de diferença (a oposição da feminilidade à masculinidade)”44 Essa
simbolização geral de diferença faz com que haja, inclusive, uma cobrança de masculinidade entre os próprios homossexuais masculinos os quais precisariam se ajustar aos
modelos heteronormativos de virilidade, isto é, falar “grosso”, ser musculoso, não dar
“pinta”, evitar a quaisquer custos trejeitos femininos. Essa cobrança-vigilância entre os
gays, faz com que muitos permaneçam “no armário”, por medo de ser discriminados
inclusive pelos seus pares, podendo chegar ao ponto de uma homofobia internalizada
contra si mesmo, o que pode, sob certas circunstâncias, contribuir para suicídios.
Aqui, importante é o alerta que Connell e Messerschmidt (2013, p. 251) fazem
quanto às críticas ao conceito de masculinidade
Críticas ao conceito de masculinidade fazem mais sentido quando apontam uma tendência, tanto nas pesquisas como na literatura popular, de
dicotomizar as diferenças entre homens e mulheres. Como Brod precisamente observa, há uma tendência no campo de estudos sobre homens
de presumir “esferas separadas”, de proceder como se as mulheres
não fossem uma parte relevante da análise e, dessa forma, estudar as
masculinidades através do olhar exclusivo sobre os homens e sobre
as relações entre homens. Como Brod também argumenta, isso não é
inevitável. A cura reside em tomar uma abordagem consistentemente
relacional do gênero, não em abandonar os conceitos de gênero ou
masculinidade.
Para Sedgwick (2007, p. 26), “o armário é a estrutura definidora da opressão gay
no século XX.” Parece que, como forma de evitar a homofobia e as diversas formas de
preconceitos, os LGBT procuram identificar-se com certas masculinidades, entretanto,
nada garante que não serão estigmatizados ou rejeitados. Do mesmo modo que
LGBT menos efeminados ou mesmo “machudos e bombados” têm preconceitos contra
os LGBT mais efeminados, estes também, em certas ocasiões, criticam a posição
e identidades assumidas por aqueles, muitas vezes exigindo a “saída do armário”.
Sedgwick (idem, p. 51) constata que
Sob o tropo da inversão ou liminaridade, em contraste, homens gays
procuraram identificar-se com mulheres heteros (com base em que elas
44
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
47
são também “femininas” e também desejam homens); ou com lésbicas
(com base em que elas ocupam posição semelhante em termos de liminaridade); ao passo que as lésbicas, de maneira análoga, procuraram
identificar-se com homens gays, ou, embora esta última identificação
não seja forte a partir do feminismo da segunda onda, com homens
heteros (É óbvio que os resultados políticos de todas essas trajetórias
de identificação potencial foram radicalmente, e às vezes violentamente,
modificados por diferentes forças históricas, principalmente a homofobia
e o sexismo).
Percebe-se que, entre as múltiplas masculinidades, há aquela que exige do
homem, sob todos os aspectos de sua vida socail, demonstrar publicamente, e não só
na esfera privada, por que se é homem, por que é preciso ser viril, másculo, macho,
ter status, ter poder, dominar, exercer não só a sua força e poderio sobre as mulheres,
mas também sobre aqueles que apresentem traços de feminilidade, homossexuais ou
não. Essa masculinidade mantém liames estritos com as diferenças raciais (porque
parece querer que essas diferenças sejam acentuadas e vistas ) e de classe (porque
traz em si relações de dominação e exclusão). Connell e Kimmel denominam esse tipo
de masculinidade de hegemônica.45
De acordo com Kimmel (1997, p. 51)
A definição hegemônica de masculinidade é um homem no poder, um
homem com poder, e um homem de poder . Igualamos a masculinidade
com ser forte, exitoso, capaz, confiável, e ostentando controle. As próprias definições de masculinidade que desenvolvemos em nossa cultura
perpetuam o poder que alguns homens têm sobre outros homens, e
que os homens têm sobre as mulheres.
A definição de nossa cultura sobre a masculinidade implica, desta maneira, várias estórias ao mesmo tempo. Trata-se da busca do homem
individual para acumular aqueles símbolos culturais que denotam masculinidade, signos que são de fato obtidos. Trata-se dessas normas
que são usadas contra as mulheres para impedir sua inclusão na vida
pública e seu confinamento à desvalorizada esfera privada. Trata-se do
acesso diferenciado que diferentes tipos de homens têm a esses recursos culturais que conferem a masculinidade e de como cada um desses
grupos então desenvolve suas próprias modificações para preservar e
reivindicar a sua masculinidade. Trata-se do poder dessas definições
que servem para manter o poder efetivo que homens têm sobre as
mulheres e que alguns homens têm sobre outros homens.46
Conforme Ortiz-Hernández (2004, p. 176) “no desenvolvimento de sua identidade, os LGBT têm como referência esses símbolos culturais negativos, com os quais
45
46
Ver: KIMMEL, M. S. Homofobia, temor, vergüenza y silencio en la identidad masculina. In: . Masculinidad/es: poder y crisis. Santiago: ISIS-FLACSO, 1997; e CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. W.
Masculinidade hegemônica: repensando o conceito repensando o conceito. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241 – 282, 2013.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
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aprendem a ver-se de maneira negativa, o que resulta em sentimentos de culpa e baixa
auto-estima.“47 Adiante, Ortiz-Hernández (idem, p. 177) assevera que “
Os LGBT geralmente não são agredidos porque expressam afeto a
indivíduos do mesmo sexo, mas porque transgridem sistemas de gênero;
esta situação é especialmente verdadeira na infância e na adolescência.
Desta maneira, a violência verbal, física e sexual devido à homofobia
são formas de sanção ante a transgressão do sistema de gênero.48
Segundo Bourdieu (2012, p. 26)
O corpo tem sua frente, lugar da diferença sexual, e suas costas, sexualmente indiferenciadas e potencialmente femininas, ou seja, algo
passivo, submisso, como nos fazem lembrar, pelo gesto ou pela palavra,
os insultos mediterrâneos contra a homossexualidade (sobretudo o famoso “bras d’honneur”— “dar uma banana”); tem suas partes públicas,
face, fronte, olhos, bigode, boca, órgãos nobres da apresentação, nos
quais se condensa a identidade social, o ponto de honra, o nif, que
obriga a enfrentar ou a olhar os outros de frente, e suas partes privadas,
escondidas ou vergonhosas, que a honra manda dissimular.
Como a própria sociedade discrimina e faz estereótipos dos LGBT, estigmatizandoos, os homens heterossexuais, para não se assemelharem a esses comportamentos
tidos como desmoralizantes e vergonhosos, faz com que homens heterossexuais
performatizem também uma masculinidade viril e até mesmo agressiva, para serem
respeitados, admirados, aceitos. De acordo com Herek (1991),
Estereótipos negativos sobre lésbicas e homens gays, bem como aqueles sobre outros grupos de minorias, não resultam de processos cognitivos que ocorrem em um vácuo social. Em vez disso, eles são formados
por ideologias culturais desenvolvidas historicamente que justificam
a subjugação de minorias. Porque essas ideologias são ubiquas no
discurso popular (por exemplo, através da mídia de massa), estereótipos individuais são continuamente reforçados. Alguns estereótipos
refletem ideologias que são específicas a um particular grupo externo.
Homens gay, por exemplo, são presumidos para manifestar características que são culturalmente definidas como “femininas”, e lésbicas são
amplamente acreditadas a manifestar características “masculinas”.49
Os sinais que engendram os estigmas parecem substituir o ser em sua existência
plena, isto é, o todo é tomado pela parte. Para Goffman (1990, pp.12-13) , um estigma é
o cerne de uma identidade virtual e que pode, por isso, reduzir o ser ao próprio estigma,
assim
47
48
49
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Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
49
Ele é, portanto, reduzido em nossas mentes de uma pessoa inteira
e usual a um ser maculado, diminuído. Esse atributo é um estigma,
especialmente quando seu efeito de descrédito é muito extenso; Às
vezes, também é chamado de falha, uma deficiência, uma desvantagem.
Constitui uma discrepância especial entre a identidade social virtual e
real.50
Ao relacionar que um estigma confirma a normalidade do outro, Goffman parece
querer, segundo os seus próprios conceitos, legitimar a identidade real de uma pessoa
pela identidade virtual de outra, o que parece ser meio problemático, pois parte-se do
fato de que a normalidade do outro dependeria do reconhecimento do estigma por
ambas as partes, numa negociação entre estigmatizado e estigmatizante. (GOFFMAN,
1990). De acordo com Piccolo e Mendes (2012, p. 51)
Nesse contexto, faz todo sentido a afirmação de que o estigma deve
ser visto como uma etimologia que faz referência a um atributo profundamente depreciativo da pessoa, contudo, o mesmo atributo que
estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, na medida em que o estigma nada mais é do que um tipo especial de relação
entre atributo e estereótipo. O estigma, entendendo este como uma
marca que denota inferioridade moral, torna as pessoas desacreditadas
e desacreditáveis na constituição das interações sociais, portanto, interfere ativamente em sua constituição, aliás, mais do que isso, nega
a humanização plena das pessoas a que são conferidos os rótulos
depreciativos, posto que atravanque a possibilidade de apropriação do
patrimônio histórico-cultural da humanidade. Sob tal lógica não é de
se estranhar que os desviantes e estigmatizados são, na maioria das
vezes, vistos como pouco humanos ou humanamente inacabados.
Não se pode afirmar categoricamente, por exemplo, que o estigmatizante se veja
como normal porque há um estigmatizado. Padrões de normalidade tendem a existir
até mesmo antes de haver “anormalidades”. O distinto pode ser percebido porque há,
de algum modo, aqueles que se considerem iguais. Os estigmatizados podem assumir
um papel essencial na existência dos que se veem como normais, pois parecem, de
algum modo, colaborar para o estabelecimento de referências sócio-culturais entre
ambos e estabelecem diferenças e desigualdades na esfera social.
Para Goffman, os parâmetros do estigma são negociáveis e o self do indivíduo
se constrói a partir das interações sociais. Misse (1979, p. 44) , discorrendo sobre a
construção do conceito de estigma diz que
Parece que Goffman constrói o conceito de “estigma” não propriamente
sobre a existência de um atributo desacreditador, de um preconceito
ou estereótipo dominante, mas sobre diversas modalidades de relações sociais cujos atores, conscientemente, manipulam estes atributos,
mostram-no ou escondem-no em suas diversas manifestações. Dessa
forma, o estigma aparece não propriamente na linguagem de atributos,
mas na linguagem de relações em que tais atributos são manipulados.
50
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
50
Por isso ele afirma que um estigma confirma a normalidade do outro. Em sua
perspectiva, interressa saber a mecânica da ocultação, das negociações que ocorrem
na interação da relações sociais.
Certo, parece, é que o estigmatizante ao estigmatizar alguém está-lhe impondo,
de algum modo, uma distinção que pode ser pejorativa (na maior parte das vezes) ou
não, mas, não necessariamente, está a si mesmo assegurando uma identidade de
“normalidade” por causa do estigmatizado. Além disso, deve-se considerar o discurso
em que o estigma é apresentado. Neste ponto, Id., 1979, p. 9 postula que o “símbolo
de estigma representa uma relação de estigmatização que não existe nas relações
interpessoais, a não ser enquanto estas relações exprimem o discurso no qual aparece
o símbolo de estigma.”
GOFFMAN, op. cit., cita, em seu livro, a palavra homosexuality apenas três vezes , entretanto, a palavra homosexual aparece 27 vezes. Não aparece, em nenhum
momento, a palavra homophobia. Ele classifica o estigma com relação à homossexualidade como “manchas de caráter individual percebidas como vontade fraca, paixões
dominantes ou não naturais, crenças traiçoeiras e rígidas e desonestidade”52 . É preciso que se note que Goffman escreveu o seu livro ainda quando a homossexualidade
era tida como doença pela Associação Americana de Psiquiatria e pela Organização
Mundial de Saúde, bem como antes do incidente de Stonewall. Lemert (1997, p.
xxi) alerta sobre como ler Goffman, ao dizer que se deve “ler os escritos de Goffman,
hoje, com a expectativa de que seja pertinente para o presente, exige algum julgamento
estabelecido sobre os tempos em que ele começou a escrever e a relação desses
escritos com os tempos em que os lemos agora”.53 Lemert (idem, p. xviii) também
afirma que o mais famoso princípio geral de Goffman foi constatar que
51
“Os desviantes, que fazem suas ações desviantes com habilidade social consumada, operam necessariamente de acordo com as mesmas
regras sociais que os normais cujas normas são violadas tanto pela
ignorância estudada de suas próprias degradações encobertas dos
valores que defendem como por violência cometida contra eles, e suas
normas, pelos desviantes.”54
Para MISSE, op. cit., p. 26 , “Goffman está evidentemente preocupado com a
manipulação da identidade pelo indivíduo, com o “tato” e a “prudência” nas relações
interpessoais.“isto é, nas negociações que podem ser feitas entre o estigmatizado
e o estigmatizante. Goffman explora uma miríade de estratégias que os indivíduos
estigmatizados empregam para lidar com a rejeição e com a violência de outras
51
52
53
54
GOFFMAN, Erving. Op. cit.,14; 71; 170.
Tradução nossa. Ibid., p. 14.
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
51
pessoas, analisando também os complexos tipos de informações sobre si mesmos,
além do controle e uso que os estigmatizados têm dessas informações.
Em acréscimo, Id., 1979, diz que a informação social do estigma “é a linguagem
que permite distinguir o “normal” do “estigmatizado”. Comporta uma expectativa de
uma unidade contraditória, o eu-outro, e carrega sempre um componente normativo
em forma de estereótipo“ e, portanto, pode ser transmitida por qualquer símbolo.
Assim, pode-se entender, conforme o modelo de Goffman, o estigma na relação euoutro com um possível exemplo hipotético, entre vários: um “eu” (estigmatizado)
compartilha certa identidade social desqualificada, por comprar, de certo modo, a
ideia do “outro” (o estigmatizante), agindo, passo por passo, como por uma forma de
aceitação, sob a cartilha do indivíduo estigmatizante.
Segundo Piccolo e Mendes (2012, p. 49)
Partindo de um referencial ancorado claramente em Mead, Goffman
advoga a universalidade dos símbolos, posto que nada dito ou manifesto
deva ser encarado como absolutamente particular. O homem é visto
como produto da linguagem e de suas relações, na medida em que as
expressões dos indivíduos por meio de tais universais são orgânicas
quanto à constituição psíquica dos próprios sujeitos.
Importante notar que o movimento LGBT luta por visibilidade. Ora, parece, à
prima vista, contraditório para um grupo que é tido como carregador de um estigma
social querer estar às vistas, adquirir visibilidade ante uma sociedade estigmatizante.
De fato, neste caso, o estigmatizado pode lançar contra o estigmatizante o seu estigma,
escancará-lo, como se estivesse a desmascarar o próprio estigmatizante. Fry e MacRae
(1985, p.32) esclarece um ponto importante sobre esta questão quando diz que
Muita gente acredita que houve um aumento da homossexualidade,
mas não se pode confundir a existência de um fenômeno com a sua visibilidade social. Não há evidencia nenhuma de que a homossexualidade
aumentou. O que aconteceu, isto sim, é que com a gradual redução do
estigma social , ela se esconde menos e se assume mais.
Outro aspecto relevante quanto ao estigma da homossexualidade é o fato de
serem, geralmente, os mais estigmatizados os passivos, as bichas, as travestis e
transexuais (aqui, por parecer mais evidente, em relação às travestis e a(os) trans,
devido aos estorvos e às dificuldades quanto à obtenção de empregos e oportunidades, vale lembrar o que disse Herek (2009, p. 66), ou seja: “comparados aos não
estigmatizados, os indivíduos que vivenciam um papel estigmatizado gozam de menos
acesso a recursos valiosos, menos influência sobre os outros e menos controle sobre
seus próprios destinos”55 ) isto é, aqueles que demonstram uma característica de feminilidade, de diminuição ou perda de virilidade, no caso dos homossexuais masculinos,
55
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
52
e, no caso das mulheres homossexuais, aquelas que são tidas como machudas, isto é,
que diminuiram ou perderam trejeitos de feminilidade56
Neste ponto, vale lembrar que muitas religiões desempenharam/desempenham
um importante papel no estabelecimento e na perpetuação dos estigmas e preconceitos contra os LGBT. Como exemplos dessa influência, podem ser citados alguns
fatos recentes noticiados pela mídia jornalística, onde podem ser vistos os relatos dos
vários LGBT que foram (e ainda são) brutalmente assassinados por extremistas islâmicos57 bem como as manobras políticas feitas pela bancada evangélica, do Congresso
Nacional brasileiro, que, a todo custo, procura vetar, engavetar e/ou inibir quaisquer
projetos de lei ou propostas de emendas à Constituição quando o assunto tratado
refere-se aos LGBT.58
O estigma também pode ser revertido em vantagem. FRY; MACRAE, op. cit., p.
54 ) cita o exemplo do candomblé, onde “rapazes que chegaram a ser até expulsos
pelas suas famílias, seguiram suas carreiras dentro do candomblé e voltaram a ser
aceitos mais tarde pelos seus parentes devido ao grande prestígio religioso que conseguiram.”Outra vantagem parece ser o fato de o estigmatizado estar à margem dos
centros de poder e, por isso, ter possivelmente uma visão crítica das coisas.59
Bourdieu (2012, pp.145-146) também refere-se a essa reversão de estimatização em visibilidade e luta por reconhecimento e, assim, questiona e argumenta
Pode-se contentar com uma revolução simbólica capaz de dar visibilidade, conhecida e reconhecida, a esta construção, com conferir-lhe a
existência plena e total de uma categoria realizada, invertendo o sinal
de estigmatização para transformá-lo em emblema — como o faz o gay
pride em sua manifestação pública, pontual e extra-ordinária da existência coletiva do grupo invisível? Ainda mais porque, ao fazer ver que o
estatuto de “gay” ou de “lésbica” e uma construção social, uma ficção
coletiva da ordem “heteronormativa”, que se construiu, aliás, em parte
contra o homossexual, e lembrando a diversidade extrema de todos
os membros dessa categoria construída, o movimento tende (é uma
outra antinomia) a dissolver de certo modo suas próprias bases sociais,
aquelas mesmas que ele tem que construir para existir enquanto força
social capaz de reverter a ordem simbólica dominante e para dar força
à reivindicação de que é portador
56
57
58
59
Ver as importantes constatações feitas sobre o tema passivo/ativo - estigma/prestígio por Michel Misse
em seu livro “O estigma do passivo sexual”, p. 61.
Ver, por exemplo, as seguintes reportagens “The Islamic State’s shocking war on gays”, de 13 de junho
de 2016, em The Washington Post e “Gay and Marked for Death”, de 21 de agosto de 2015, em The
New Tork Times.
Ver, por exemplo, as seguintes reportagens: “Deputados tentam vetar uso de ‘nome social’ a LGBT”, de
27 de março de 2015, em Congresso em Foco; “Bancada evangélica é vitoriosa em questões de aborto
e gênero”, de 18 de fevereiro de 2016, em O Globo; “Deputado da ”cura gay“ volta a liderar bancada
evangélica”, de 24 de fevereiro de 2015, em Terra.
Em relação às bichas, afirmam Fry e MacRae: “as bichas são ambíguas por definição: têm um sexo
fisiológico e outro social , e como o estigma social os coloca fora dos centros formais de poder social,
elas ocupam uma posição estrutural às margens da sociedade da qual é pelo menos possível uma visão
crítica das coisas.“ (Ibid., 58)
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
53
Tendo sido expostas algumas considerações sobre estigmas, é necessário
salientar que, no caso específico dos LGBT, o estigma não se apresenta como uma
marca, um sinal corpóreos, feito uma cicatriz ou um defeito anatômico, mas, sim, de
certa forma, são-lhes atribuídos marcas e sinais comportamentais, que, por conexão
íntima, reverberam no corpo: olhares, trejeitos, fala, gestos, o deambular, o modo de
virar a face, de gesticular, de posicionar o cabelo, de sentar, de dançar e, como bem
expôs Misse, o fator “passividade”.60
Este fato específico do estigma dos LGBT é visto por Jesus (2003) como uma
forma de exclusão distinta de outras minorias, porque “o grupo constituído pelos
homossexuais é considerado como aquele que tem a “diferença invisível”, isto é,
homossexuais não podem ser tão objetivamente identificados como os membros de
outros grupos historicamente excluídos, entre eles os Negros e as Mulheres, porque a
diferença é psicossexual, não física.“
Butler (2002a, p. 90) , ao tratar da homossexualidade feminina, em relação à
penetração e à feminilidade, diz que
A imitação do masculino, que nunca se reabsorve no masculino, pode
fazer que a pretensão de originalidade do masculino resulte suspeita.
Na medida em que o masculino se baseia em uma proibição que proíbe
o espectro de uma semelhança lésbica, essa instituição masculinista e a homofobia falococêntrica que codifica - não é uma origem, mas é
apenas o efeito da própria proibição, que depende fundamentalmente
do que deveria ser excluído61
Bourdieu (2012, p. 31) relaciona o aspecto da atividade-passividade com a
dominação masculina, em muitas sociedades. Neste sentido, afirma que
Em inúmeras sociedades, a posse homossexual é vista como uma
manifestação de “potência”, um ato de dominação (exercido como tal,
em certos casos, para afirmar a superioridade “feminizando” o outro)
e que é a este título que, entre os gregos, ela leva aquele que a sofre
à desonra e à perda do estatuto de homem íntegro e de cidadão; ao
passo que, para um cidadão romano, a homossexualidade “passiva”
com um escravo é considerada algo “monstruoso”
O modelo de análise de Bourdieu é relacional, isto é, um jogo de interações
simbólicas, assim, importa tanto a realidade subjetiva quanto a realidade objetiva. Por
isso, para ele, quando se diz que algo é “violento” está-se a acusar também e não só
dizer que algo é “violento”; é uma representação. Por esta via, chega-se a ver que o
senso é símile ao consenso. Indo ainda por essa perspectiva , pode-se perceber que o
poder simbólico é um poder elaborativo, de construção da realidade, que procura, de
60
61
Ver os quadros/tabelas explicativos-comparativos feitos por Michel Misse em seu livro “O estigma do
passivo sexual”. Op. cit., 51; 54; 57; 67.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
54
certo modo, estabelecer um sistema epistemológico, isto é, os sentidos/significados da
esfera existencial humana pressupõem uma aceitação lógica, uma formulação uniforme
que faz com que, entre as inteligências e saberes, uma consonância seja possível.
Decerto, não reconhecível, mas que busca ser legitimado e que pode alcançar seus
objetivos praticamente do mesmo modo que outros poderes que se utilizam da força
física ou econômica.
Nesse sentido, Žižek (2014, p. 182) argumenta que “a violência simbólica, que
não é menos real por ser simbólica, cumpre a função de tornar possível a violência real.
Mais que isso, torna-a invisível.”
Para compreender melhor como Bourdieu aplica o conceito de dominação
masculina, faz-se necessário, neste momento, expor a explicação que dá Wacquant
(2013, p. 96)
Uma leitura cerrada de suas investigações sobre classe, poder e cultura
sugere que Pierre Bourdieu reformulou o clássico problema da dominação e da desigualdade ao questionar o status ontológico de grupos e
ao forjar ferramentas para revelar como essas são feitas e desfeitas praticamente na vida social pela inculcação de esquemas compartilhados
de percepção e apreciação e de seus usos contestados para esboçar,
vigiar ou desafiar fronteiras sociais.
Butler (2002a, p. 162) ao abordar a problemática do simbólico, em relação à
sexualidade, teoriza que
O simbólico se entende como a dimensão normativa da constituição
de sujeito sexuado dentro da linguagem. Consiste em uma série de demandas, tabus, sanções, mandatos, proibições, idealizações imposíveis
e ameças: atos performativos da fala, por assim dizer, que exercem o
poder de produzir o campo dos sujeitos sexuais culturalmente viáveis.
Para Butler, a realidade material das formas de violência (desde as simbólicas à
agressão física) não está separada substantivamente das maneiras de representação
e apresentação e, consequentemente, das formas de controle/regulação das interrelações dos afetos e das percepções sobre as vidas socialmente dignas ou indignas,
sobre as vidas que devem merecer cuidados e as vidas que não importam.
Os traços comportamentais dos LGBT podem ser distorcidos e tomados por
uma perspectiva desqualificante. Becker (2015, p. 43) constata que “a posse de um
traço desviante pode ter um valor simbólico generalizado, de modo que as pessoas
dão por certo que seu portador possui outros traços indesejáveis presumivelmente
associados a ele”.
Tais diferenças comportamentais parecem incomodar, infringir regras sociais
“virtuais” como que criadas especificamente para eles, porque os LGBT fogem ao
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
55
“padrão” convencionado por uma cultura que se quer firmar, por pressões várias e
interações de poder, androcêntrica a qual requer uma postura máscula, ativa, viril
do homem e passiva, feminina, da mulher. Cria-se a regra para que haja excluídos,
desviantes, antes mesmo de pessoas serem assim rotuladas, como resultado de um
empreendimento. BECKER, op. cit., p. 167 entende que
O desvio é também produto de empreendimento no mais estreito e
particular sentido. Depois que passou a existir, uma regra deve ser aplicada a pessoas particulares antes que a classe abstrata dos outsiders
criada pela regra se veja povoada. Infratores devem ser descobertos,
identificados, presos e condenados (ou notados como “diferentes” e
estigmatizados por sua não-conformidade
Peres (2011, p.76) , estudando as travestis, aborda o estigma quanto a padrões
estéticos e de relacionamentos, relacionando a forte influência que a mídia exerce
sobre essas questões. Para ele,
Há uma lógica estética oficial que é construída e difundida pela mídia
que determina a estética da moda, a indumentária fashion e as pessoas
certas para se ter relacionamentos. Qualquer tentativa de distanciamento dessas ordens é punida com estigmas e discriminações que
conferem a essas pessoas o lugar de cidadão de segunda categoria e
sem importância social
Diante dessa exigência estética e comportamental, a violência simbólica tende
a alastrar-se e a buscar uma legitimidade sub-reptícia, numa tentativa de estabelecer o
que deve ser certo, padronizado, aceitável socialmente. Magalhães e Sabatine (2011,
p. 135) argumentam que
Nesse tortuoso processo de adequação às exigências disciplinares
para a boa condução da vida, aos indivíduos que não se submetem
são atribuídos os estigmas que os tornam alvos de vários processos
de patologização. Esse procedimento revela um mal-estar que pode
acionar a crise e capturar o corpo por meio das técnicas de correção,
sem alterar as condições pelas quais se processa o desajuste social.
O estigmatizante dos LGBT vai justamente tentar se apropriar, à socapa, muitas
vezes, dessas características comportamentais para ridicularizá-los, atacá-los, intimidálos, envergonhá-los, humilhá-los, colocá-los à margem da sociedade, para, enfim,
reduzi-los ao próprio estigma e, em muitos casos, não os reconhecer como seres
humanos, negando-lhes a dignidade existencial. Neste ponto, o limite, entre o símbólico
(aqui, ainda entendido até os limites de uma comunicação mesmo gesticular) e os
controles sociais, pode deixar de existir, e, a depender de múltiplos e distintos fatores,
poderá levar a agressões corporais leves e à violência letal homofóbica.
Segundo Herek (2004, p. 15)
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
56
Se o estigma sexual significa o fato da antipatia da sociedade em relação ao que não é heterossexual, o heterossexismo pode ser usado para
se referir aos sistemas que fornecem a lógica e as instruções operacionais para essa antipatia. Esses sistemas incluem crenças sobre gênero,
moralidade e o perigo pelo qual a homossexualidade e as minorias
sexuais são definidas como desviantes, pecaminosas e ameaçadoras. A
hostilidade, a discriminação e a violência são, portanto, justificadas conforme apropriadas e até como necessárias. O heterossexismo prescreve
que o estigma sexual seja promulgado de várias maneiras, principalmente através da invisibilidade forçada de minorias sexuais e, quando
elas se tornam visíveis, através da hostilidade aberta.62
BOURDIEU, op. cit., p. 7 chama de violência simbólica a “violência suave,
insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias
puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do
desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.” Esse
tipo de violência vem acompanhada de um séquito de justificações éticas e morais que
se relacionam com as esferas de poder e sistemas de valores, pois uma ação baseada
em certos valores passa a ser problemática por diversos motivos. Que valores podem
ser, por exemplo, amplamente generalizados, universalizados? Assim, a estigmatização
comportamental dos LGBT tende a seguir um sistemas de valores o qual pode não ter
sido legitimado pela comunidade LGBT.
De acordo com Ortiz-Hernández (2004, p. 180)
Os LGBT internalizam a opressão quando incorporaram e aceitaram
como válidos os valores dominantes do sistema de gênero, que eles
usam para se avaliar e para perceber o seu entorno. A internalização
da opressão cumpre uma função social ao fazer com que as percepções, pensamentos e ações dos indivíduos apeguem-se aos valores
dominantes. Está-se ante um exemplo que Bourdieu denominou de
violência simbólica, que acontece quando os oprimidos reconhecem e
aceitam os instrumentos de conhecimento que os oprimem, adotando
assim a lógica do preconceito desfavorável e, assim, contribuindo para
a sua própria opressão. Essa violência simbólica não requer o uso da
força física, pois é produzida pelo trabalho prévio de socialização e da
transformação duradoura do corpo.63
BUTLER, op. cit., p. 334 diz que a homofobia opera atribuindo aos homossexuais
um estigma de um gênero fracassado, prejudicado, abjeto
Chamando aos homens gays “afeminados” e às lésbicas “machudas”,
e porque o terror homofóbico a realizar atos homosexuais, quando
se ocorre, frequentemente coincide com um horror a perder o gênero
apropriado (“Já não ser um verdadeiro homem ou um homem de fato e
direito“ ou ”deixar de ser uma verdadeira mulher ou uma mulher adequada“), parece fundamental ater-se a um aparato teórico que explique
62
63
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
57
como se regula a sexualidade mediante a vigilância e a humilhação do
gênero64
Faz-se importante, neste momento, citar o alerta que faz Segato (2003, p. 202)
Isto me ensinou a nunca me limitar ao nível do discurso enunciado ou a
supor que este representa linearmente a ideologia do grupo; aprendi
também a importância de diferenciar a consciência discursiva da consciência prática (Giddens, 1979, pp. 5 e 208). Logo adverti que, sem
conflito aparente, as pessoas reconhecem e aceitam os méritos e as
vantagens dos valores prevalecentes, porém, de alguma forma, não se
consideram atingidas por eles. Assim, não há culpa, aflição ou ressentimento devido à certeza de “estar errado”. Há apenas a precaução e a
prudência para esclarecer que as regras são conhecidas (embora não
se jogue com elas).
Por muitas razões, em sua maior parte referente à assimetria dos papéis
masculino e feminino, tal como concebidos pela ideologia dominante,
a homossexualidade não é um fenômeno totalmente equivalente em
homens e mulheres. Isto é claramente visto, por exemplo, no fato de
que, para os homens, existem alguns termos que reificam a preferência
sexual em uma identidade, isto é, existem certos conceitos indicativos da
identidade em relação à preferência sexual, enquanto que nas mulheres
não se aplica nenhuma noção deste tipo.65
Após essas considerações, percebe-se, de algum modo, uma estreita relação entre masculinidade, estigmas e violências simbólicas que, a depender das circunstâncias
e do grau com que se entrelaçam e atuam, podem engendrar graus variados de homofobia, desde as pequenas violências simbólicas, muitas vezes sutis e inquestionáveis,
tidas como brincadeiras de “mau gosto”, até o homicídio letal homofóbico.
1.3
A relação entre masculinidade, homofobia, reificação e reconhecimento
Não há como problematizar e discutir a questão da luta por direitos, sem antes abordar a questão da homofobia, pois na agenda desta luta, a criminalização da
homofobia é uma das batalhas mais árduas e aparentemente inalcançável, pois envolve o aparato estatal jurídico e legislativo, cujo cerne sempre foi heteronormativo e,
atualmente, abrange certas bancadas religiosas contrárias a quaisquer direitos LGBT.
No Brasil, de acordo com Carrara e Ramos (2006, p. 186) “a denúncia de
agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual ou sexualidade passou
a ser marco importante para a trajetória do movimento homossexual brasileiro, que
divulgou a expressão “homofobia” para caracterizar esse tipo de violência.“ Isso tem
vasta relevância para o que se pretende discutir nesta dissertação, porque ante a
caracterização de estigmas e violências simbólicas, à medida que o movimento LGBT
64
65
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
58
vai ganhando força e autonomia e, ao mesmo tempo, em que denúncias de variados
tipos de violência e discriminações são expostos, passa a haver uma rejeição consciente
desses estigmas e dessas violências.
De acordo com Almeida Neto (2003, p. 38), “a homofobia costuma estar associada ao machismo, à misoginia e ao fundamentalismo religioso, manifestando-se de
formas variadas, que vão das músicas e piadas reafirmadoras de estereótipos negativos
de gays, lésbicas e travestis, até explosões de violência física contra homossexuais”.
Na caracterização da homofobia, o Relatório sobre Violência Homofóbica no
Brasil Relatório. . . (2012, p. 10) , deixa explícito a relação que há entre homofobia,
estigmas e violência simbólica
A homofobia possui um caráter multifacetado que abrange muito mais
do que as violências tipificadas pelo código penal. Ela não se reduz à
rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais, pois também
é uma manifestação arbitrária que qualifica o outro como contrário,
inferior ou anormal. Devido à sua diferença, esse outro é alijado de sua
humanidade, dignidade e personalidade.
Segundo Almeida (2010, p. 1060)
A expressão homofobia foi criada em 197266 , descrevendo a aversão,
medo e sentimentos de desaprovação que levam ao preconceito e a discriminação contra os homossexuais, uma vez que, depois da revolução
sexual dos anos 1960, há a tomada de novos rumos no entendimento da
sexualidade, quando os homossexuais começaram a criar seus próprios
espaços e a expor sua sexualidade de forma mais evidenciada
Tal conceito sofreu várias modificações ao longo do tempo, não só mais representando um pavor de estar perto de homossexuais, mas, ao contrário, um pavor capaz
de anular os homossexuais, isto é, vendo-os como algo que se deve manter fora da
ordem social aceitável, podendo mesmo chegar ao extremo, isto é, ao homicídio de
pessoas homossexuais, com um grau elevado de violência e crueldade. Para Borrillo
(2015, p. 30) , “a homofobia é inconcebível sem que seja levada em consideração a
ordem sexual a partir da qual são organizadas as relações sociais entre os sexos e as
sexualidades.”
De acordo com Greig (2000, p. 28), “o significado da violência masculina deve
ser uma preocupação central do discurso e da prática de gênero e desenvolvimento.
Os valores e estruturas patriarcais são expressos e mantidos por “lutas de homens”,
em domínios públicos e privados.“67
66
67
Segundo Herek (2004, p. 8): “o primeiro uso publicado por Weinberg de homofobia ocorreu dois anos
depois, em um artigo de 19 de julho de 1971, ele escreveu para o jornal semanal de Nichols “Gay”.
Intitulado “Palavras para a Nova Cultura”, o ensaio definiu a homofobia c,omo “o medo de estar próximo
aos homossexuais - e no caso dos próprios homossexuais, de si mesmos”. Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
59
Segundo Efrem Filho (2016, p. 317), “quando os militantes dos movimentos
sociais pronunciam suas narrativas sobre o crime, todavia, essas falas são disputadas em outros sentidos. Por parte do Movimento LGBT, elas emergem na denúncia
da homofobia e da premência do acesso a direitos. Gestam uma intencionalidade
transformadora.”
Para Segato (2017), a primeira vítima da masculinidade “são os próprios homens, porém não se sabe por que eles não conseguem ver-se ou colocar-se como
vítima, porque seria a sua morte viril. O que chamo de mandato de masculinidade,
é o mandato de ter que se mostrar homem e não poder fazer isto por não ter os
meios.”68 De acordo com Herek (1991), “embora não geralmente discutido, o preconceito antigay também tem consequências negativas para os heterossexuais. Por
causa do estigma relacionado à homossexualidade, muitos heterossexuais restringem
o seu próprio comportamento a fim de evitar serem rotulados como gay.“69
Segundo Connell, o gênero dominante é, esmagadoramente, que mantém e
usa os meios de violência para firmar-se como legítimo. Para ela, haveria dois padrões
de violência: aquele em que muitos membros do grupo privilegiado usam a violência
para manter a sua dominação (ideologia da supremacia), e aquele em que a violência
torna-se importante na política de gênero entre homens, delimitando fronteiras e
exclusões. A violência faria parte de um sistema de dominação, mas, ao mesmo tempo,
seria a medida de sua própria imperfeição. De algum modo, a violência, de acordo
com tal padrão, poderia tornar-se um meio de reivindicar ou afirmar a masculinidade
(hegemônica) entre as lutas de grupos.(CONNELL, 2013b, p. 261)
Para Kimmel (1997, p. 56)
O desejo homoerótico rechaçado como desejo feminino, enquanto é o
desejo por outros homens. A homofobia é o esforço de suprimir esse
desejo, para purificar todas as relações com outros homens, com as
mulheres, com crianças, e para assegurar que ninguém possa alguma
vez confundi-lo com um homossexual. A fuga homofóbica da intimidade
com outros homens é o repúdio ao homossexual dentro de si – tarefa
que nunca é totalmente exitosa e que por isso é constantemente
revalidada em cada relacionamento homossocial.70
Conforme a perspectiva de Martín (2007, p. 99)
Grande parte da violência causada pelos homens não se deve à sua
posição de força no patriarcado, mas à frustração que sentem muitos
homens marginalizados por ter acreditado erroneamente que a masculinidade confere automaticamente o direito de dominar as outras pessoas.
68
69
70
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
60
Ao oferecer seus supostos subordinados (sobretudo mulheres e crianças) um grau ainda que seja ínfimo de resistência, esses homens usam
uma agressividade extrema para compensar o que eles percebem como
uma privação injustificada de seus direitos patriarcais, que para eles são
assim reivindicados, mesmo quando a violência chega ao seu próprio
suicídio.
A homofobia, além do caráter multifacetado, tem um caráter indistintivamente
ubíquo, pois está amalgamada, praticamente, em todos os setores da vida social,
desde a classe com menor grau de formação intelectual até às mais privilegiadas,
tanto financeiramente quanto intelectualmente. Butler (2006a, p. 360) dá um exemplo
sobre esta dispersão social da homofobia ao expor que a Associação Americana de
Psiquiatria tem inventado tipologias de saúde mental, especificamente o transtorno de
identidade de gênero, que, segundo Shannon Minter, “”é só outra forma de expressar a
homofobia”“71 . Isto também é percebido por Aliaga (2010) ao atestar que
A persistência da homofobia não é uma enteléquia senão real e durará
muitos anos ainda. É evidente nos insultos, na rua, nos insultos de
muitos machões de plantão, na esfera do futebol e do motociclismo e
da Fórmula I, nas reações jurídicas de alguns magistrados como os que
se negan a casar casais homossexuais, na linguagem, nas exclusões,
nas zombarias. . .
De acordo com Kimmel (1997, p. 59)
A homofobia está intimamente entrelaçada tanto com o sexismo quanto
com o racismo. O medo – às vezes consciente, outras não – de que
os outros possam nos perceber como homossexuais nos pressiona a
executar todo tipo de condutas e atitudes exageradamente masculinas,
para assegurar-nos de que ninguém possa formar uma ideia distorcida
sobre nós. Um dos pilares dessa masculinidade exagerada é rebaixar
as mulheres, tanto excluindo-as da esfera pública quanto com desqualificações cotidianas na linguagem e nas condutas que organizam a vida
diária do homem americano. As mulheres e os homens gays convertemse no outro contra os quais os homens heterossexuais projetam as suas
identidades, contra quem eles blefam de modo a competir em condições
que os assegurem ganhar, e, deste modo, ao suprimi-los, proclamar a
sua própria masculinidade.72
A homofobia parece ter, portanto, um componente de masculinidade exacerbada,
bem como um componente moralizante (o homofóbico parece querer impor aos demais
a sua própria moral, ainda que seja incapaz de exercê-la) e de ódio (componente que
se reflete na extrema violência com que os crimes letais contra LGBT são praticados),
mas, principalmente, um componente de reificação ou mesmo ser um tipo desta . Isso
faz com que se considere, sob certa perspectiva, que os atos homofóbicos possam
71
72
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
61
ser tidos como atos conscientes de violência (o agente tem consciência do seu pavor,
do seu ódio aos LGBT) através dos quais o agente homofóbico não chega a reconhecer
o outro (porque reconhecer um LGBT seria como reconhecer em si aquilo que tanto
abomina), e, desta forma, procura anulá-lo, instrumentalizando-o, tratando-o como um
mero meio, como coisa. Essa instrumentalização do outro, em seu grau máximo, pode
levar ao homicídio homofóbico, sempre praticado com grande violência e crueldade.
De acordo com Efrem Filho (2016, p. 329), “a homofobia é o que garante
inteligibilidade para os crimes”. isto é, o crime homofóbico, por ser altamente violento e
cruel, não tem, aparentemente, uma explicação lógica, parece estar no “domínio do
inexplicável” cuja explicação racional dá-se apenas pela homofobia, vinculando assim a
violência e a crueldade praticadas contra os LGBT com a sexualidade, uma sexualidade
que afronta a heteronormatividade e os seus ditames de coerção sócio-moral. Mas
não só: um componente de reificação garante, de alguma forma, o porquê de, nesses
crimes, cabeças serem esmagadas, órgãos genitais serem extirpados, corpos serem
brutalizados e destruídos.
Para Kimmel (1997, p. 57)
A homofobia é o medo a que outros homens nos desmascarem, nos
castrem, e nos revelem a nós mesmos e ao mundo que não conseguimos alçar a seus padrões, que não somos verdadeiros homens. Temos
temor de permitir que outros homens percebam esse medo. O medo
nos envergonha porque o seu reconhecimento em nós mesmos é uma
prova de que não somos tão viris como pretendemos ser.73
Esse grau de violência extrema e cruel, associado ao pavor pela orientação
sexual do outro, faz com que os crimes homofóbicos enquadrem-se na classificação de
crimes de ódio. Segundo Herek (2009, p. 69)
Além dos danos físicos, os crimes de ódio parecem causar maior trauma
psicológico às vítimas do que outros tipos de crimes violentos. Em um
estudo74 , homossexuais e lésbicas que sofreram um crime contra
sua pessoa com base em sua orientação sexual manifestaram níveis
significativamente maiores de ansiedade, raiva, sintomas depressivos
e sintomas de estresse traumático em comparação com lésbicas e
homens gays que sofreram crimes comparáveis durante a mesmo período de tempo e que não estavam relacionados com a sua orientação
sexual75
Segundo Carrara e Saggese (2011, p. 202), “homens que rompem com convenções sociais de gênero e sexualidade estão particularmente expostos a situações de
violência e discriminação“.
73
74
75
Tradução nossa.
Ver: Herek, G. M., Gillis, J. R., & Cogan, J. C. (1999). Psychological sequelae of hate-crime victimization
among lesbian, gay, and bisexual adults. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 67, 945–951.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
62
Mott (2000) constata que
podemos descrever os crimes homofóbicos como homicídios praticados
por autores não-homossexuais, ou eventualmente por homossexuais
ego-distônicos, contra vítimas com orientação sexual exclusiva ou predominantemente homoerótica, tendo como inspiração a ideologia machista
predominante em nossa sociedade heterossexista que vê e trata os
gays, lésbicas e transgêneros como minorias sexuais desprezíveis e
desprezadas, que por viverem suas práticas eróticas em sua maior
parte na clandestinidade, e por ostentarem comportamento andrógino
ou efeminado, são vistos pelos agressores como alvo mais fácil de
chantagem, extorsão e latrocínio.
Esse conceito de Mott, ao incluir os próprios homossexuais como capazes de
ser homofóbicos, coaduna-se com a constatação de Borrillo (2015, p. 102) de que
“em tal contexto de violência, não é surpreendente que os jovens homossexuais sejam
atingidos, em particular, por depressão, hospitalização psiquiátrica e tentativas de
suicídio”, como forma, de algum modo, de uma homofobia internalizada (pensando com
Herek)76 , como um habitus (pensando com Bourdieu)77 . Para Herek (2009, p. 73)
Para as minorias sexuais, o autoestigma envolve aceitar a avaliação
negativa da sociedade sobre a homossexualidade e consequentemente
abrigar atitudes negativas em relação a si próprio e aos próprios desejos
homossexuais. Tais atitudes podem manifestar-se como um desejo de
renunciar ao homossexualismo e tornar-se heterossexual.78
Percebe-se já, a priori, que a associação de um crime cometido com com extrema violência, sob os ditames do ódio, com recusa de reconhecimento e de aceitação
do outro, está ligada a diversos fatores cuja convergência dá-se numa espécie de
reificação, ou seja, na percepção negativa do outro como objeto, como coisa inútil,
tratando os indivíduos como mero meio, ao invés de tomá-los como um fim em si
mesmo nos moldes kantianos.
Segundo Vandenberghe (2017)
Literalmente, a reificação (Verdinglichung) refere-se à transformação
de propriedades, relações, processos, ações, conceitos, etc. humanos
em coisas. Como termo técnico, a palavra reificação surgiu na língua
inglesa na década de 1860, a partir da contração do verbo facere
(fazer) e do substantivo res (coisa), que pode se referir tanto a coisas
concretas e empiricamente observáveis (ens) quanto a coisas abstratas,
indeterminadas (aliquid). Como sinônimo de “thingification”, o inverso de
personificação, “reification” metaforicamente refere-se à transformação
de propriedades humanas, relações, processos, ações, conceitos, etc.
em res, em coisas que agem como pseudo-personas, dotado de uma
vida própria.
76
77
78
Neste sentido: Herek, G. M. (2009). Sexual stigma and sexual prejudice in the United States: A conceptual
framework.
Neste sentido, conforme em “La domination masculine” (Points/Éditions du Seuil, 2014)
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
63
Para que se compreenda, de alguma maneira, o conceito sistemático de reificação e a sua relação com a homofobia, é preciso que se engendre um esforço capaz de
perceber como Honneth, a partir de Lukács, desenvolve um conceito de reificação e o
amplia para um modelo mais complexo do que o de Lukács. Este foi o primeiro a usá-lo
de modo sistemático na obra “História e Consciência de Classe”, entretanto não foi o
primeiro a usar tal conceito79 .
De acordo com Beretta (2016, p. 223) “a primeira definição do conceito de reificação que Lukács elabora em seu estudo estabelece que se trata de uma relação entre
seres humanos que recebe um caráter que não lhe corresponde, o de coisidade.“80
Lukács usou o seu conceito para descrever uma situação na qual as relações
sociais parecem estar além do controle humano porque elas adquirem uma fixa e
imutável qualidade, quase como se elas fossem características naturais ao invés de
sociais. Para ele, a a reificação apresenta duas características principais, a experiência
de fragmentação e o comportamento contemplativo, e surge em sociedades capitalistas nas quais bens são produzidos para troca, não para uso imediato. Essas trocas
ocultariam as relações sociais envolvidas. (LUKÁCS, 1971).
Assim, Lukács (1971, p. 92) afirma que
O trabalhador também deve se apresentar como “proprietário” de sua
força de trabalho, como se ela fosse uma mercadoria. Sua situação
específica é definida pelo fato de que a sua força de trabalho é sua
única posse. Seu destino é típico da sociedade como um todo, na
medida em que essa auto-objetivação, essa transformação de uma
função humana em uma mercadoria revela em toda a sua seriedade a
função desumanizada e desumanizadora da relação de mercadoria.
Essa objetivação racional esconde acima de tudo o caráter imediato
- qualitativo e material - das coisas como coisas. Quando os valores
de uso aparecem universalmente como mercadorias, eles adquirem
uma nova objetividade, uma nova substancialidade que não possuíam
em uma época de troca episódica e que destrói sua substancialidade
original e autêntica.81
Sobre as considerações de Lukács, Vandenberghe (2017) expõe que
A universalidade da forma-mercadoria, concebida como o protótipo de
todas as formas de objetividade que aparentemente seguem suas próprias leis racionais e dissimulam os traços das relações humanas que
as subentendem, afeta a vida de todos, tanto em suas manifestações
objetivas quanto subjetivas. Objetivamente, os indivíduos são confrontados com uma segunda natureza de pseudocoisas contra a qual eles são
impotentes; subjetivamente, estão distanciados de sua própria atividade,
79
80
81
De acordo com Frédéric Vandenberghe (in: verbete “Reificação”; op. cit), “o conceito e a palavra já se
encontram nos trabalhos de Kant, Hegel, Nietzsche, Dilthey, Husserl, Heidegger, Simmel e Max Weber
para criticar as tendências desumanizadoras, racionalizadoras, calculistas e alienantes da modernidade.“
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
64
apreendendo os produtos de sua própria atividade de forma alienada “como se fossem algo mais do que produtos humanos”.
De acordo com Ray (2006, p. 503), “a reificação para Lukács envolve um
erro metodológico que gera uma fragmentada visão do mundo e a perda da visão da
totalidade dialética da sociedade capitalista.”82
Buscando superar o conceito de reificação em Lukács, Honneth (2008a, p.
69) diz que se propôs “a uma atualização do conceito de ”reificação“; contudo, neste
empreendimento” refere-se “sobretudo à teoria de Georg Lukács, que foi quem deu a
este conceito um sentido substancialmente mais claro e expressivo”. Adiante, Id., 2008a,
p. 71 afirma que tinha se orientado por uma das formulações de Lukács e que este “em
algumas passagens de seu texto, tinha equiparado a reificação com uma postura do
olhar não partícipe, da simples observação, de modo que pudesse surgir como a forma
originária, “intacta”, da relação humana com o mundo (menschliche Weltverhältnis),
uma postura da participação (Anteilnahme) existencial”. Mais à frente, Id., 2008a, p.
75 diz que se orientou outra vez por Lukács, entretanto, afirma que
Lukács apenas indica tangencialmente como ele compreende para si
próprio que os sujeitos poderiam perder uma forma de relação com
o mundo que também ele considera constitutiva para toda forma de
sociabilidade. Mas o cerne de sua sugestão, de ver como causa para
esta supressão o resultado duradouro de um determinado tipo de práxis
altamente unilateral, ainda me parece oferecer a chave correta: diferente
de Heidegger, que atribui vagamente a uma mudança anônima de
nossas imaginações básicas ontológicas o predomínio do esquema da
“existência” (Vorhandenheit), Lukács explica a propagação social da
reificação com as exigências de abstração que a participação contínua
na troca capitalista de mercadorias exige.
Honneth considera que, para Lukács, é no contexto da expansão e generalização da racionalidade capitalista que os indivíduos adotam uma conduta meramente
observadora, passiva ante a realidade social. Esse posicionamento advém de imposições de condutas anônimas do mercado capitalista que levam os sujeitos a adotar ante
os demais em sua volta uma postura apenas de reconhecimento e não de reconhecimento.(HONNETH, 2008b)
Segundo Honneth (2008a, 70)
Diferente da “instrumentalização”, a reificação pressupõe que nós nem
percebamos mais nas outras pessoas as suas características que as
tornam propriamente exemplares do gênero humano: tratar alguém
como uma “coisa” significa justamente tomá-la(o) como “algo”, despido
de quaisquer características ou habilidades humanas. Possivelmente
a equiparação do conceito “reificação” ao de “instrumentalização” só
82
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
65
ocorra com tanta frequência porque com “instrumentos” nós normalmente nos referimos a objetos materiais; mas isto leva a perder de
vista que aquilo que torna pessoas adequadas a serem utilizadas como
instrumentos para fins de terceiros geralmente são suas características
especificamente humanas
Neste sentido, a reificação, para Honneth (2008b) , deveria ser ultrapassada,
para que houvesse a construção de inter-relações humanas mutuamente reconhecíveis
e plenas na esfera social. Portanto, nesta perspectiva, Honneth (2008a, p.70) diz que
Com certeza, poderíamos simplesmente dizer que, por razões morais,
não se pode tratar pessoas como coisas, mas isto parece não fazer
realmente justiça ao peso sócio-ontológico do conceito de “reificação”:
alguém que reifica pessoas não atenta apenas contra uma norma,
mas comete um erro mais fundamental, porque ele atenta contra as
condições elementares que estão na própria base de nosso discurso
sobre a moral. Se quisermos nos ater ao significado literal, deveremos
portanto entender por “reificação”, no sentido negativo, um atentado
contra pressupostos necessários de nosso mundo socialmente vivido.
Ainda, de acordo com Honneth (2008a, p. 75) , na reificação,
O sujeito fere normas válidas de reconhecimento, mas atenta contra
a própria condição que as antecede ao não reconhecer nem tratar o
outro sequer como “próximo” (Mitmenschen). Na reificação é anulado
aquele reconhecimento elementar que geralmente faz com que nós
experimentemos cada pessoa existencialmente como o outro de nós
mesmos; queiramos ou não, nós concedemos a ele pré-pedicativamente
uma auto-relação que partilha com a nossa própria a característica de
estar voltada emocionalmente para a realização dos objetivos pessoais.
Se este reconhecimento prévio não se realizar, se não tomamos mais
parte existencialmente no outro, então nós o tratamos repentinamente
apenas como um objeto inanimado, uma simples coisa
Por isso, Souza (2012, p. 68) diz que “o interesse de Honneth, então, é o
desenvolvimento de uma ideia de reificação como forma de esquecimento das relações
interpessoais que sustentam o reconhecimento. Em outras palavras, para Honneth
é possível entender a reificação como um bloqueio do reconhecimento“, ou seja,
”uma negação do reconhecimento em favor de um estereótipo“; o que seria, assim, a
tendência de perceber e qualificar as pessoas como objetos insensíveis, sem dignidade,
tomando-as simplesmente como coisas, instrumentalizando-as como mero meio.
Para Beretta (2016, p. 224), Honneth
argumenta que na tese de Lukács há falhas categóricas, devido ao que
ele chama de uso ontologizador do conceito de reificação. Isso indica
que na primeira definição que Lukács apresenta, o argumento sustenta
que, a partir de um processo cognitivo, confere-se qualidade da coisa
a algo que, em si, não a possui. Nesse sentido, o primeiro aspecto do
fenômeno da reificação indicaria um erro cognitivo baseado em uma
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
66
qualificação ontológica que não corresponde à qualidade própria das
relações entre os seres humanos.83
Entretanto, Beretta apoia-se em Lukács e Echeverría84 , numa tentativa de afastar a crítica (isto é, de que a reificação “indicaria um erro cognitivo baseado numa
qualificação ontológica que não corresponde à qualidade própria das relações entre
seres humanoa“85 ) de Honneth sobre Lukács e para criar o seu próprio conceito de
reificação como uma “segunda natureza”86 o qual estabelece que o intercâmbio de
mercadorias influi na vida social das pessoas, engendrando um hábito social que encerra um comportamento rotineiro (não fica claro se este comportamento rotineiro é um
comportamento crítico frente ao mundo e se é ou não determinado, a priori, pelo fetiche
da mercadoria e as suas implicações) e um tipo de vinculação inter-humana.(BERETTA,
2016) . Para a nossa perspectiva, adiante, o conceito de Lukács não poderia ser empregado porque apresenta limitações epistemológicas importantes quando relacionado
à homofobia. Isso não significa que o conceito de reificação elaborado por Lukács não
seja relevante, pois como bem assinala Jütten (2011, p. 703)
A teoria da reificação de Lukács combina um relato explicativo de
por que a reificação ocorre com uma fenomenologia convincente de
seus efeitos. Como Axel Honneth apontou em um estudo recente, o
trabalho de Lukács continua a ser interessante para os teóricos críticos
modernos, porque ele geralmente amalgama os processos sociais de
forma fenomenologicamente correta87
Habermas também trabalha/operacionaliza o conceito de reificação. Segundo Vandenberghe (2017)
Em sua Teoria do Agir Comunicativo, Jürgen Habermas (1981), principal
representante da segunda geração da teoria crítica, reformula a teoria
da reificação em termos do paradigma da linguagem. Nessa perspectiva,
a reificação não está mais associada à racionalização como tal, como foi
o caso de Max Weber e da Escola de Frankfurt, mas reconceitualizada
em termos da “colonização do mundo da vida” pelos subsistemas da
economia e da administração. Quando os mecanismos de integração
sistêmica (dinheiro e poder) forçam as formas de integração social a
partir desses domínios que só podem ser integrados através da linguagem, segue-se uma reificação que leva a uma deformação patológica
do mundo da vida.
Habermas também exerce uma crítica ao conceito de reificação de Lukács.
Para Beretta (2016, p. 224)
83
84
85
86
87
Tradução nossa.
Ver: Echeverría, Bolívar (1995). Las ilusiones de la modernidad. México: UNAM-El Equilibrista.
In: El concepto de reificación en Lukács, una reconstrucción desde la Escuela de Frankfurt . Argumentos,
vol. 29, núm. 80, p. 225.
Idem, p. 225.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
67
A interpretação de Habermas, por um lado, concebe a forma de objetividade que Lukács revela como algo dominante, isto é, subordina
a outras formas de objetividade e, por outro, mostra que o primeiro
efeito dessa dominação é que prejudica o enfrentamento humano. Em
torno desse preconceito, Habermas considera que estaria presente o
problema que Lukács revela com sua noção de reificação.88
Para Beretta (idem, p. 224) “a reificação para Habermas não se esgotaria em um
problema cognitivo”. De acordo com Jütten (2011, p. 704), assim como Honneth, Habermas reconhece a importância do conceito elaborado por Lukács
No entanto, apesar de suas objeções a Lukács, Habermas continua
convencido da importância da reificação como conceito de crítica social;
daí a intenção de “retomar a problemática da reificação” e de “reformulála em termos de ação comunicativa, por um lado, e de formação de
subsistemas através de mídia diretiva, por outro” (TCA I, 399), isto é,
em termos de seu conceito de sociedade de dois níveis.89
Vê-se, portanto, que a reificação não é simplesmente a recusa de seguir uma
regra moral, religiosa ou legal. Ela está intimamente ligada à recusa de reconhecer o outro como pessoa humana, ou seja, como um meio que pode vir a ser instrumentalizado.
Assim, Melo (2010, p. 242) afirma que
Esse esquecimento de um reconhecimento precedente, que Honneth
pretende conceber como o núcleo de todos os processos de reificação,
também diz respeito à percepção reificada tanto do mundo objetivo
como da própria personalidade. No comportamento reificante, deixaríamos de respeitar no objeto todos os aspectos e significados particulares
que estavam presentes na percepção afetiva das atitudes das outras
pessoas. Em outras palavras, o reconhecimento da individualidade de
outras pessoas nos leva a perceber os objetos na particularidade de
outros possíveis aspectos que aquelas pessoas também lhes atribuiriam
no seu modo específico de vê-los.
Aqui, neste ponto, será preciso pontuar que a reificação começa antes mesmo
do discurso, ou seja: na própria linguagem, em cada signo empregado. Tanto é que
as palavras carregam em si vários significados que podem ser tomados de acordo
com a finalidade almejada. Como exemplo, basta citar as múltiplas denominações
que os homossexuais receberam no decurso do tempo, todas sempre depreciativas,
estigmatizantes e, muitas, sem dúvida, até mesmo reificantes. A partir daí, diversos
discursos tendem a legitimar a reificação, a anulação do outro, pois para que haja um
reconhecimento totalizante é necessário reciprocidade. A própria reificação impede
o reconhecimento totalizante antecipadamente, porque através da reificação não há
como ver o outro dignamente como pessoa, merecedora de existência, de vida plena.
Segundo HONNETH, op. cit., p. 78 ),
88
89
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
68
tanto no contexto da sexualidade como com o objetivo da intensificação
da barbárie conhecemos situações suficientes nas quais é gerada a
impressão de que o outro não seja outra coisa senão um objeto a ser
tratado ao bel prazer; mas tais variedades da reificação derivam sua
atratividade justamente do fato de que por baixo da superfície encenada
sempre permanece consciente a diferença ontológica existente entre
pessoa e objeto
Isso sugere que Honneth quer dizer que a reificação não é algo inconsciente,
mas que, ao contrário, trata-se de uma ação consciente. Assim, os atores reificantes
quando não reconhecem o outro e o tomam por objeto, fazem-no conscientemente.
Tal consideração é importante para questões penais, pois fica evidenciado um dolo
consciente quando da prática de homicídios homofóbicos. Butler, numa entrevista
para Tourjee (2015) , parece confirmar essa evidência, pois afirma que “matar é
um ato de poder, uma maneira de reafirmar a dominação, até mesmo um modo de
dizer: ”eu sou quem decide quem vive e morre. Assim matar estabelece o assassino
como soberano no momento em que ele mata, e essa é a forma mais tóxica que a
masculinidade pode tomar.“90
Honneth (2008b, p. 82) diz que deve haver um “déficit” no auto-reconhecimento
prévio, ou seja, uma falha na compreensão dos próprios desejos e intenções. Essa
“falha” levaria, possivelmente, à incapacidade de não reconhecer o outro ou esquecer,
de algum modo, o outro. Nesta perspectiva, ele afirma que tentou demonstrar que
mesmo a auto-relação do indivíduo pressupõe um tipo específico de
reconhecimento antecedente, porque uma relação adequada com o
próprio eu demanda que compreendamos nossos desejos e intenções
como partes de nós mesmos que requerem articulação. Creio que
uma tendência para a auto-reificação surge tão logo quanto (mais uma
vez) começamos a esquecer nossa autoafirmação prévia ao considerar
nossas sensações psíquicas como meros objetos, quer para ser observados ou produzidos. Portanto, é óbvio que devemos buscar as causas
do comportamento reificante nas práticas sociais que estão conectadas
com a auto-apresentação dos sujeitos no sentido mais amplo. Claro, é
verdade que toda ação social envolve necessariamente uma relação
com os próprios desejos e intenções91
Uma forma de reificação empregada, inclusive pelo Estado, era identificar os
homossexuais ou como pecadores, ou como criminosos, ou ainda como doentes, anormais. Assim, retirando-os da esfera pública dos seres humanos “normais” e relegandoos ao plano da coisa, do objeto, da mercadoria, da precariedade. De acordo com MELO,
op. cit., p. 243
Para Honneth, contudo, os homens podem adotar um comportamento
reificante na medida em que perdem de vista o reconhecimento precedente em função de duas causas: ao participarem em uma práxis
90
91
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
69
social na qual a mera observação do outro se tornou um fim em si
mesmo, extinguindo toda consciência do engajamento existencial da
socialização precedente, ou ao conduzirem suas ações por um sistema
ideológico de convicções reificante que os coage à negação posterior
do reconhecimento originário.
Esta perspectiva leva à percepção de que a compreensão da reificação transita,
de algum modo, pela área da psicanálise, pois, conforme BORRILLO, op. cit. , “enquanto fenômeno psicológico e social, a homofobia enraiza-se nas complexas relações
estabelecidas entre uma estrutura psíquica do tipo autoritário e uma organização social
que considera a heterossexualidade monogâmica como ideal no plano sexual e afetivo”. O psicanalista CALLIGARIS, op. cit. , em seu artigo “O moralizador”, afirma que
“quem esbraveja raivosamente contra ”veados“ e travestis está lidando (mal) com suas
fantasias homossexuais.” Isto é, o agente reificante, sob certo aspecto, parece querer
negar também no outro algum aspecto seu que lhe causa pavor, medo, ojeriza, com
ódio. O homicídio homofóbico é um crime de ódio, é um estágio final de um processo
de reificação.
Assim, o agente reificante esquecendo ou não-reconhecendo o outro, agindo
com extrema hostilidade, conscientemente, parece obter algum alívio ou prazer. Ao
impor a sua moral, a sua regra, o seu padrão, ele faz com que o outro nele não se
enquadre e seja visto como um mero meio, como um instrumento manipulável, como
coisa. Honneth (1999, p. 183) diz que
Os padrões morais que devem ser introduzidos como as formas de
reconhecimento, são obtidos a partir da determinação geral da função
da moral. Com a ideia de que a adoção da perspectiva moral serve à
proteção de feridas morais, é dada, precisamente, uma indicação da
particularidade e o número dos critérios correspondentes. Uma vez que
elas devem ser asseguradas, as condições intersubjetivas em que seres
humanos podem preservar sua integridade devem consistir em tantas
formas de reconhecimento como tipos de desrespeito moralmente ofensivo. O que os critérios morais devam assumir por ele mesmo o caráter
das formas de reconhecimento, está relacionado com a qualidade das
condições através das quais devem produzir em certa medida esses
critérios.92
Ora, o padrão moral-sexual mais relacionado com a homofobia é, possivelmente, o heterossexismo, imposto socialmente por grupos dominantes. Assim Mason
(1993) afirma que
O heterossexismo cultural é evidente nas instituições religiosas, legais,
médicas e de mídia ao longo da sociedade contemporânea e da história.
Numa multiplicidade de formas essas instituições sociais contribuíram
para um clima cultural onde a homossexualidade foi proibida e condenada ou tornada invisível ou problemática.93
92
93
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
70
Parece não haver dúvida de que há um liame íntimo entre homofobia e reificação.
Butler, em “Taking another’s view: ambivalent implications”94 , constata que
De fato, se olharmos para modos de raiva que buscam erradicar o outro,
isto é, prejudicar fisicamente e matar o outro, então temos um modo de
engajamento altamente afetivo que, de modo algum, procura afirmar
a existência do outro; em vez disso, procura erradicar a existência do
outro. Se aceitarmos a proposição de que estar afetivamente engajados
é afirmar a existência do outro, continuamos a não ter como explicar
realmente a agressão humana e isso significa que nossos relatos da
infância humana, mesmo do vínculo primário, imaginados como singulares, terão de evitar posições como a de Melanie Klein e até a de
Freud.
Claro, é sempre possível dizer que modos odiosos e agressivos de se
relacionar são uma consequência do modo observacional, ou que, por
mais afetivamente envolvido, o outro ainda está finalmente instrumentalizado, e isso é um sinal de reificação95
Podemos afirmar, de alguma maneira, que a homofobia é uma patologia social
(aqui, pensando com Honneth), pois ao negar ou anular o reconhecimento do indivíduo
homossexual, o agente homofóbico faz com que a ordem social seja afetada como um
todo. De acordo com Honneth, em uma entrevista para Rodas (2005, p. 284),
A qualidade social das sociedades se mede pelo grau em que podem
satisfazer as expectativas legítimas de reconhecimento expressas pelos
seus membros, na medida em que estou convencido de que a qualidade
da vida social se mede com o nível e a inclusão das relações sociais de
reconhecimento, surge como aspecto negativo a todas essas noções a
possibilidade de patologias sociais, ou seja, as condições de vida tão
lesionadas que as relações sociais já não são capazes de produzir esta
proporção necessária de relações de reconhecimento. Então, falaria de
patologias sociais; pode-se falar, é claro, também de injustiças sociais.96
Aparentemente, poder-se-ia pensar que haveria uma dificuldade de situar a
ideia de um reconhecimento prévio em relação à homossexualidade, entretanto, como
visto, Honneth distingue dois modelos a partir dos quais pode-se explicar o processo
de reificação: 1) ou se trata de uma unilateralização ou endurecimento da postura de
conhecimento em virtude da anomização das forças sociais no processo de crescente
mercadologização das relações sociais , ou 2) de uma negação do reconhecimento a
posteriori por decorrência da existência de estigmas, preconceitos e/ou estereótipos
prévios capazes de instrumentalizar os seres humanos. É a partir deste segundo
modelo que se operacionaliza, neste trabalho científico, o conceito de reificação. Porque,
parece que, somente a partir dessa distinção onto-epistemológica, é que Honneth pensa
94
95
96
In:______. HONNETH, Axel. Reification and recognition: a new look at an old idea (Oxford University
Press, 2008, pp. 103.104.)
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
71
estar em condições de transpor o conceito de reificação, do contexto original, para o
plano da explicação propriamente sociológica.
Se é certo que a homofobia tem em si um componente de reificação, uma das
formas de alcançar o reconhecimento pleno e mútuo do outro é ultrapassar essa reificação, é enxergar o outro como igual, merecedor de tolerância, afeto e respeito. Quando
por si só os homofóbicos não conseguem exercer tal atitute ante os homossexuais,
a lei penal, quando existe e é eficaz, parece amenizar os efeitos danosos de um ato
criminososo impregnado de ódio. Claro que essa medida por si só não é capaz de
eliminar a homofobia. Como visto, esta apresenta múltiplas causas e, indubitavelmente,
está internalizada nos homofóbicos, de algum modo, nas sociedades heteronormativas,
onde o patriarcado androcêntrico faz-se vigente e normatizador.
Para Colling (2011, p. 15)
Para combater a homofobia, apostamos quase exclusivamente na afirmação das identidades não-heterossexuais, o que gera impactos significativos para a comunidade LGBT, mas deixa a identidade heterossexual
no confortável discurso de que ela sim é natural, normal, determinada
pela biologia ou até por Deus. Para uma perspectiva queer, enquanto a
heterossexualidade não for problematizada como uma imposição, como
uma construção, a homofobia e a falta de respeito à diversidade sexual
e de gênero não vão acabar.
Quando os LGBT são vítimas de homicídio homofóbico, os estigmas vêm, à
tona, inclusive durante o processo investigativo. Como atesta Fontes (2014, p. 51)
comumente a homofobia é citada tão somente como uma possibilidade
a mais, entre muitas outras, de motivação do crime (homicídio, lesão
corporal, latrocínio etc.). Nas entrelinhas das entrevistas dos delegados, citam-se comportamentos que reiteram o enquadramento clássico
dado pelas notícias: as ideias de prostituição, no caso dos travestis e
transexuais, e de promiscuidade por parte dos homossexuais.
A história dos movimentos LGBT é marcada, em grande parte, por uma luta
incessante por visibilidade, por reconhecimento e por direitos, muitas vezes, travada
de forma violenta e desproporcional, dado que as sociedades são, em quase sua
totalidade, heteronormativas, muitos LGBT chegaram mesmo a ter desfechos graves, vítimas de estigmas, legislações discriminatórias e homofobia. A partir dessas
lutas, foram constituindo-se as suas diversas identidades. Para Honneth, as identidades dos indivíduos só são formadas, com plenitude, se eles forem reconhecidos
intersubjetivamente. (HONNETH, 2015)
De acordo com Honneth (2008a, p. 73)
Só podemos assumir a perspectiva do outro depois que previamente
reconhecemos no outro uma intencionalidade que nos é familiar – isto,
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
72
como tal, não é um ato racional, nem uma tomada qualquer de consciência de motivos, mas realização pré- cognitiva do ato de assumir uma
determinada postura.
Para Honneth, o reconhecimento precisa ser recíproco para ser totalizado, isto
é, a auto-realização do indivíduo apenas é possível quando, na experiência do amor,
haja autoconfiança; na experiência do direito, haja um auto-respeito e, na experiência
da solidariedade, haja a autoestima. Assim, ele tenta demonstrar que os indivíduos e
grupos sociais se inserem e mantêm inter-relações na sociedades modernas através
da luta por reconhecimento intersubjetivo e não mais apenas pela busca conflituosa de
autoconservação. (HONNETH, 2015)
Conforme Taylor (2009, p. 66)
Em épocas anteriores o reconhecimento nunca representou um problema, dado que o reconhecimento geral estava integrado na identidade
socialmente derivada, por virtude do fato mesmo de que se baseava
em categorias sociais que todos davam por estabelecidas. Porém a
identidade original, pessoal e internamente derivada, não goza deste
reconhecimento a priori. Deverá ganhar-se por meio de um intercâmbio,
e o intento pode fracassar. O que surgiu com a época moderna não é a
necessidade de reconhecimento senão a ponderação das condições
em que o intento de ser reconhecido pode fracassar.
Assim, pensando com Foucault, poder-se-ia dizer que uma das formas de
não reconhecer os indivíduos homossexuais foi engendrar práticas e discursos que
colocassem sobre os seus corpos estigmas capazes de torná-los classificados, seja
como anormais, pecadores, doentes ou criminosos, e ainda como portadores de
trejeitos femininos, de passividade, de desonra para os preceitos heteronormativos. O
corpo foi assim institucionalizado para demarcar áreas de poder, status e vigilância, de
exclusão e vergonha.
Segundo Honneth (2015, p. 215)
Toda tentativa de se apoderar do corpo de uma pessoa, empreendida
contra a sua vontade e com qualquer intenção que seja, provoca um
grau de humilhação que interfere destrutivamente na auto-relação prática de um ser humano, com mais profundidade do que outras formas
de desrespeito, pois a particularidade dos modos de lesão física, como
ocorrem na tortura ou na violação, não é constituída, como se sabe,
pela dor puramente corporal, mas por sua ligação com o sentimento de
estar sujeito a vontade de um outro, sem proteção, chegando a perda do
senso de realidade -, os maus-tratos físicos de um sujeito representam
um tipo de desrespeito que fere duradouramente a confiança, aprendida
através do amor, na capacidade de coordenação autônoma do próprio
corpo; daí a consequência ser também, com efeito, uma perda de confiança em si e no mundo, que se estende até as camadas corporais
do relacionamento prático com outros sujeitos, emparelhada com uma
espécie de vergonha social
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
73
A luta por reconhecimento pelos LGBT, de certo modo, foi marcada também
por uma luta pela despatologização dos seus corpos, pela desconstrução desses
saberes, práticas e discursos que levavam sub-repticiamente os LGBT à margem social,
à invisibilidade. Talvez, possa-se afirmar que seria uma “luta pela normalidade”, uma
luta para estar entre todos os demais indivíduos, sob os ditames da igualdade da
dignidade. Atualmente, grupos religiosos, como os deputados da bancada evangélica,
e extremistas tentam, a todo custo, retomar a patologização do corpo, produzindo
novas práticas, pseudosaberes, discursos que propagam ser a homossexualidade uma
doença e, assim, passível de “cura” a qual ficou conhecida na mídia como “cura gay”.97
Para Souza (2012, p. 73)
o que há de especificamente sociológico na teoria do reconhecimento
começa a aparecer no fato de que nela está esboçado um tipo de análise do conflito em que tanto a dimensão formativa individual quanto a
dimensão interativa da identidade se relacionam ao estabelecimento
de padrões normativos de socialização que, por sua vez, remetem à
relação entre estes processos. É possível perceber aqui uma espécie de
dialética positiva entre o reconhecimento e a diferenciação de identidades que leva àquela ampliação das relações de reconhecimento, isto é,
com a possibilidade de diferenciação individual possibilitada pela forma
de interação moderna, também aumenta a possibilidade de ampliação
das relações de reconhecimento
De acordo com Fraser (1995, p. 68), “lutas por reconhecimento ocorrem em
um mundo de exacerbada desigualdade material”98 Entretanto, é preciso expor que os
movimentos e os grupos sociais que surgiram e/ou reforçaram-se, a partir da década
de 80, no Brasil e no mundo, não só lutavam/lutam por questões estritamente materiais.
Conforme expõe Bem (2006, p. 1152)
Os novos movimentos sociais não se esgotaram em demandas somente
por inserção socioeconômica, mas pleitearam uma ampla reformulação
dos padrões culturais. Mulheres, homossexuais e negros, por exemplo,
passaram a formular diferentes estratégias para o desenvolvimento
de políticas da diferença, levantando uma nova ordem de demandas
relativas aos modernos direitos sociais, que impuseram o tema da
identidade como central nessas demandas.
A luta por reconhecimento implica, de algum modo, uma luta para afirmar
(por exemplo, identidades LGBT, de um modo geral) ou questionar e problematizar
identidades (práticas e discursos queer, por exemplo). Fraser (1995, p. 83) explica que
97
98
Ver as seguintes reportagens: “Evangélicos retomam debate da ‘cura gay”’ (Estadão; 16 de maio de
2015); “Deputado da ”cura gay“ volta a liderar bancada evangélica” (Portal Terra; 24 de fevereiro de
2015); “Projeto que libera ’cura gay’ está de volta à Câmara dos Deputados” (Diário de Pernambuco; 02
de março de 2017).
Tradução nossa.
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
74
A teoria queer, em contraste, trata a homossexualidade como um correlato construído e desvalorizado da heterossexualidade; ambas são
reificações da ambiguidade sexual e são co-definidas apenas em virtude de uma a outra. O objetivo transformativo não é consolidar uma
identidade gay, mas desconstruir a dicotomia homo-hétero para desestabilizar todas as identidades sexuais fixas. O ponto não é dissolver
toda a diferença sexual em uma identidade humana única e universal; é, em vez disso, manter um campo sexual de diferenças múltiplas,
não-binárias, fluidas, sempre em movimento.99
Com referência aos LGBT, as lutas por identidades mesclam-se com as lutas
por visiblidade. Tornar-se visível é um dos modos para alcançar o reconhecimento
almejado para as suas identidades. Outrora, as identidades homossexuais pareciam,
num paradoxo, apenas legitimar as identidades heterossexuais, como se a invisibilidade das identidades homossexuais servissem para a construção autorizada de uma
heteronormatividade dominante. Para FRASER, op. cit., p. 79 “certamente, uma característica importante da injustiça de gênero é o androcentrismo: a construção autorizada
de normas que privilegiam traços associados à masculinidade”100
Ao afirmarem ou questionarem tais identidades, conforme o caso, os LGBT
empreendem, desde já, uma luta por reconhecimento tanto em nível individual (inclusive o reconhecimento de si próprio) como coletivo. Para HONNETH, 2015, passim ,
para cada forma de reconhecimento (amor, direito e solidariedade), existe uma autorelação moral prática do sujeito. Quaisquer rupturas nessas auto-relações (bem como
nas inter-relações) devido a desrespeitos gera conflitos e lutas sociais. Consequentemente, quando não há reconhecimento pleno, total ou quando o reconhecimento é
fragmentado ou falso, ocorre uma luta em que os indivíduos não reconhecidos, postos à
margem social, invisibilizados, desejam as relações intersubjetivas capazes de dar-lhes
o reconhecimento pleno, total.
Qualquer luta por reconhecimento se dá através das experiências dos desrespeitos (seja ao amor, ao direito ou à solidariedade). Segundo Honneth (1999, p.
185)
No caso da forma de reconhecimento na qual é confirmada a autonomia moral do indivíduo, existem obrigações recíprocas de tratamento
igualitário universal. Todos os sujeitos têm reciprocamente o dever de
respeitar uns aos outros e tratar-se como indivíduos com a mesma
responsabilidade por seus atos. Finalmente, naquela forma de reconhecimento em que é afirmado o valor das capacidades individuais, existem
obrigações recíprocas de participação solidária que compreendem todos os membros da comunidade de valores correspondente.101
99
Tradução nossa.
Tradução nossa.
101
Tradução nossa.
100
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
75
Pode-se, aqui, ainda pensar com Honneth que as humilhações, os desrespeitos,
as discriminações, as violências físicas e simbólicas sofridas pelos LGBT deram-lhes,
no decurso do tempo, a força necessária para consolidar, reforçar, unir, de algum modo,
as suas identidades de grupo, de gênero, proporcionando ações, práticas, discursos que
inviabilizam/enfraquecem ou mesmo anulam as práticas e discursos mantendedores
de estigmas, discriminações, preconceitos e violências. Nesta perspectiva, HONNETH,
op. cit. afirma que
Nessas reações emocionais de vergonha, a experiência de desrespeito
pode tornar-se o impulso motivacional de uma luta por reconhecimento.
Pois a tensão afetiva em que o sofrimento de humilhações força o
indivíduo a entrar só pode ser dissolvida por ele na medida em que
reencontra a possibilidade da ação ativa; mas que essa práxis reaberta
seja capaz de assumir a forma de uma resistência política resulta das
possibilidades do discernimento moral que de maneira inquebrantável
estão embutidas naqueles sentimentos negativos, na qualidade de
conteúdos cognitivos. Simplesmente porque os sujeitos humanos não
podem reagir de modo emocionalmente neutro as ofensas sociais,
representadas pelos maus-tratos físicos, pela privação de direitos e
pela degradação, os padrões normativos do reconhecimento recíproco
têm uma certa possibilidade de realização no interior do mundo da vida
social em geral; pois toda reação emocional negativa que vai de par
com a experiência de um desrespeito de pretensões de reconhecimento
contém novamente em si a possibilidade de que a injustiça infligida
ao sujeito se lhe revele em termos cognitivos e se torne o motivo da
resistência política
Em um Estado democrático de direitos, espera-se que cada indivíduo seja
capaz de reconhecer a si mesmo e aos outros, ao menos, dentro da esfera do direito,
ou seja: sob a possível ameaça coercitiva da lei. Mas seria isso um reconhecimento
total, segundo Honneth? Não, certamente. O reconhecimento deveria ser espontâneo,
não coativo. Como se resolveria, partindo dessa perspectiva, a luta dos LGBT pela
criminalização da homofobia? Implicaria então na não-necessidade de reconhecimento
mútuo, mas, sim, apenas em uma luta para combater uma específica violência, como
se tem tentado combater legalmente todos os crimes contra a vida? Vê-se, de antemão,
que a esfera jurídica, por si só, não é capaz de pôr fim à homofobia.
Por isso Borrillo (2015, p. 106) afirma que
a homofobia constitui uma ameaça aos valores democráticos de compreensão e respeito por outrem, no sentido em que ela promove a
desigualdade entre os indivíduos em função de seus simples desejos,
incentiva a rigidez dos gêneros e favorece a hostilidade contra o outro.
Enquanto problema social, a homofobia deve ser considerada como
um delito suscetível de sanção jurídica; todavia, a dimensão repressora
é destituída de sentido se ela não for acompanhada por uma ação
preventiva.
E, no mesmo sentido, Masiero (2014, p. 131) constata que
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
76
A conclusão pela legitimidade da denominação da “violência homofóbica” não esgota o problema que envolve a questão da criminalização
da homofobia; devem-se, ainda, avaliar os instrumentos legais a serem
utilizados para esse fim e seus efeitos jurídicos-penais. Afinal, quando
se trata da utilização do Direito penal, deve-se ter ciência de que
“as fronteiras entre a virtude da lei e seu lado perverso são fáceis de
transpor.
Enquanto de um lado, alguns direitos são conquistados, os movimentos LGBT ganham força, organização e adeptos, de outro lado, o não reconhecimento de direitos, as
discriminações, as violências simbólica e física, principalmente a homicida homofóbica,
fazem com que as identidades LGBT mantenham-se num estado de tensão. Esta
tensão, todavia, parece mesmo dar impulso e força aos movimentos LGBT, pois estes,
ao que as evidências indicam, revertem estigmas, discriminações, preconceitos em
emblema e bandeira de luta. Para Fraser (2000, p. 57) “as lutas a favor do reconhecimento, adequadamente concebidas, podem contribuir para a redistribuição do poder e
da riqueza e podem promover a interação e a cooperação entre abismos de diferença.“
Isso fica evidenciado, de algum modo, pelas propostas militantes e ativistas dos
grupos e movimentos LGBT, encabeçados por Luiz Mott, fundador do GGB, que, em
diversos momentos, acadêmicos ou não, tenta traçar e sistematizar meios, discursos e
práticas capazes de conquistar garantias e direitos para os LGBT, como, por exemplo,
pode-se visualizar no artigo “A construção da cidadania homossexual no Brasil”, em
que ele propõe “quatro ações imediatas para erradicar a homofobia” no Brasil.
Uma das batalhas mais tensas e difíceis que o movimento LGBT têm travado
é para a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo102 Para Mott (2006,
p. 516), “a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo representa uma
conquista importantíssima para a liberação homossexual, uma verdadeira revolução
politicamente correta que deve ser abraçada por todos quantos defendam um mundo
igualitário regido pelo amor e não pelo ódio.” Após essa exposição, ele enumera dez
motivos para fundamentar a legalização do casamento entre pesoas do mesmo sexo.103
De algum modo, simbólico, no Dia Internacional da Mulher, de 2017, a Comissão
de Justiça do Senado aprova, por 17 votos contra uma abstenção, a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, com a possibilidade de conversão em casamento104 (CALGARO, 2017).
Para Rios (2006, p. 73) , em relação aos direitos que envolvem questões de
sexo, sexualidade e gênero é preciso
102
Para saber que países aprovaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo ver: “Gay Marriage
Around the World”: http://www.pewforum.org/2015/06/26/gay-marriage-around-the-world-2013/
103
Idem; pp. 516-518.
104
Para mais detalhes sobre o Projeto de Lei nº 612, de 2011, da autoria da Senadora Marta Suplicy ver: ht
tps://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102589
Capítulo 1. A luta por visibilidade, reconhecimento e direitos
77
Buscar princípios capazes de abarcar, simultaneamente, os grandes
eixos que têm estruturado o debate corrente sobre os direitos sexuais, a
saber, as questões identitárias vinculadas à expressão da sexualidade
(onde se inserem, principalmente, os temas das homossexualidades),
as relações sexuais propriamente ditas e suas consequências (campo
que alcança matérias diversas como consentimento, violência e aborto)
e a busca da fundamentação dos direitos sexuais (historicamente atada
à ideia de saúde sexual).
A construção dessa abordagem exige que se considere a relação entre
democracia, cidadania, direitos humanos e direitos sexuais, bases a
partir das quais será proposto um modelo de compreensão democrático
dos direitos sexuais, que denomino direito democrático da sexualidade.
De acordo com Fraser (2000, p. 62)
A falta de reconhecimento pode assumir diferentes formas. Nas sociedades complexas e diferenciadas de hoje, os valores que impedem a
igualdade são institucionalizados em diversos contextos institucionais
e em modos qualitativamente diferentes. Em alguns casos, a falta de
reconhecimento adquiriu forma jurídica, está expressamente codificada
em regras de classificação legal; em outros casos, foi institucionalizada
através de políticas governamentais, códigos administrativos ou práticas
profissionais. Também pode ser institucionalizada informalmente, em
modelos associativos, costumes estabelecidos há muito tempo ou práticas sociais sedimentadas da sociedade civil. Todavia, sejam quais forem
as diferenças na forma, o núcleo da injustiça segue sendo o mesmo:
trata-se em cada um dos casos de um modelo institucionalizado de
valor cultural que constitui a certos atores sociais como inferiores frente
aos membros de pleno direito da sociedade, impedindo-os de participar
como iguais.105
Assim, a luta por visibilidade, reconhecimento e direitos LGBT vem se alastrando,
cada vez mais, por vários lugares do mundo, por uma conscientização reflexiva dos
LGBT. Em 2016, várias propostas e moções foram aprovadas na 3ª Conferência
Nacional LGBT106 , produzindo resultados importantes para a ampliação e efetivação
de direitos da população LGBT. No dia 28 de Abril de 2016, a Presidenta Dilma Rousseff
assinou o Decreto N° 8.727, de 28 de Abril de 2016, o qual dispõe sobre o uso do
nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e
transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Uma reivindicação histórica do Movimento de Travestis e Transexuais.
105
106
Tradução nossa.
Ver: 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de LGBT (http://www.sdh.gov.br/assuntos/conferencia
sdh/3a-conferencia-nacional-lgbt)
78
2 O INÍCIO DO CÔMPUTO DA VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA NO BRASIL
Antes de adentar no cerne do capítulo, é necessário esclarecer que o título da
dissertação poderia trazer alguma confusão e levar os leitores a pensar e/ou acreditar
que se trata de um trabalho quantitativo, pois a palavra “cômputo” poderia, de algum
modo, conduzir a esta ambiguidade. Entretanto, esta pesquisa reveste-se de técnicas
qualitativas, mesmo e ainda que venha a trabalhar com dados quantitativos.
2.1
A criação do GGB e o início de uma rede de relações e informações
O estudo das redes que geram a produção de dados da violência homofóbica
homicida no Brasil e em Alagoas fez-se através de entrevistas com ativistas alagoanos
e com o criador do GGB Luiz Mott, e através de uma análise documental, tanto dos
boletins (desde 1981) produzidos pelo GGB quanto pelos relatórios anuais publicados
pelo GGB, com o auxílio/interação de grupos LGBT organizados ou não, de todo
território brasileiro. Aqui, vale registar o alerta de Crossley (2010, p. 29) que afirma que
A análise qualitativa também pode nos ajudar a agregar complexidade
à nossa compreensão da difusão e influência social nas redes porque
o que passa através de uma rede é sempre mediado pelo significado
que tem para os atores envolvidos e, de fato, o significado que eles têm,
respectivamente, um para o outro. E porque o significado é muito mais
fácil e obviamente acessado por meios qualitativos.1
Parece ser consenso entre os pesquisadores do movimento LGBT brasileiro
Carrara e Ramos (2006), Fry e MacRae (1985), Facchini (2011), Mott (2000), Mott
(2005), Green (2000) entre outros, que foi a partir da criação do Grupo Gay da Bahia
(GGB), pelo antropólogo Luiz Roberto de Barros Mott, que se deu o início do cômputo
da violência homofóbica no Brasil.
Assim, Masiero (2014, p. 50) afirma que
Desde o início da década de 1980, movimentos sociais LGBT no Brasil
(em iniciativa pioneira do Grupo Gay da Bahia) realizam um levantamento de notícias relacionadas a homicídios cometidos contra a população LGBT, no sentido de embasar estatísticas não oficiais sobre
homofobia no Brasil.
De fato, o Grupo Gay da Bahia, sob a coordenação do antropólogo e
fundador do Grupo, Luiz Mott, há mais de 30 anos recolhe informações
sobre homofobia no Brasil, a partir de notícias da mídia a respeito de
assassinatos de homossexuais, coletando aqueles em que se percebe
terem sido motivados pela homofobia.
1
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
79
Dada a relevância desta constação, fica evidente a necessidade de reconstruir,
de modo sistemático, com uma abordagem sociológica, a trajetória da criação do GGB,
situando-a dentro do movimento LGBT brasileiro e no contexto histórico em que se
encontrava o País nesse período, isto é, ainda sob os ditames perniciosos da ditadura
militar.
A seguir, tentar-se-á compreender e explicar como se dá o processo de mensuração dos indicadores da violência homicida homofóbica em duplo sentido: primeiro,
como se dá de fato, como estes sujeitos driblam sistematicamente a ausência de uma
codificação penal específica para conseguir registrar e produzir indicadores, sem o
auxílio das instituições estatais que, formalmente, patrocinam e produzem esse tipo
de informação estatística. Segundo, é preciso entender como esses indicadores se
travestem de uma ficção política encarnada, ou seja, como a produção desses sujeitos
interferem nas dinâmicas de visibilidade, reconhecimento e luta por direitos, na arena
política.
A década de setenta fora marcada pelo aparecimento de uma política fundada,
de alguma maneira, no conceito de identidade pessoal. Surgiram diversos movimentos
voltados para a resoução de problemas específicos, não coincidentes no todo, porém
havia um sentimento de igualdade e identificação entre os seus membros. Entre esses
movimentos, surge o movimento2 homossexual brasileiro, fortemente influenciado ainda
pelo movimento gay dos Estados Unidos. Seria uma forma alternativa de constestar a
ordem vigente, que era antidemocrática e repressora. Havia um clima de intolerância
engendrado pela repressão brutal e até mesmo desmedida exercida pelo regime militar,
através de órgãos censores. Nesse contexto, qualquer coisa poderia ser tomada como
subversiva e perigosa. (MACRAE, 1997)
No final dos anos setenta e começo dos anos 80, alguns fatos, entre tantos, são
marcantes para o movimento LGBT: as apresentações e performances dos cantores
Caetano Veloso (com os Dzi Croquettes) e Ney Matogrosso, questionando os limites
entre o masculino e o feminino, a criação do jornal Lampião da Esquina3 (1978), por
intelectuais, artistas e jornalistas cariocas, do SOMOS - Grupo de Afirmação Homossexual (1978), em São Paulo, e do Grupo Gay da Bahia - GGB4 (1980), pelo antropólogo
Luiz Mott. (FRY; MACRAE, 1985)
Mesmo no período da ditadura, esses movimentos sociais atuaram consideravelmente para a visibilidade do movimento LGBT, lutando por reconhecimento e direitos,
2
3
4
Aqui, sabemos tratar-se de múltiplos movimentos e da problemática de usar um nome singular, portanto,
conhecemos e consideramos a miríade e divrsidade de sujeitos, de lutas, de objetivos engendrados
nesses movimentos LGBT. Para uma melhor análise sobre este ponto, recomenda-se a leitura de
FACCHINI (2005), AGUIÃO (2014), FILHO (2016).
Para acesso às edições do jornal Lampião ver: http://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-es
quina/
Para acesso ao site do Grupo Gay da Bahia ver: http://www.ggb.org.br/ggb.html
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
80
enfretando ações, práticas e discursos preconceituosos e estigmáticos. Havia uma
vasta discriminação, e os preconceitos eram tanto velados quanto explícitos difusamente, sem que se pudesse, neste aspecto, apontar qual era o “inimigo” real. Passou-se
a racionalizar e a ver a opressão contra os homossexuais como análoga a dos negros,
das mulheres e dos trabalhadores. (MACRAE, 1997)
A mídia funcionava, muitas vezes, nessa época, como disseminadora de estereótipos e caricaturas, fazendo uma instrumentalização dos homossexuais que eram
postos ainda mais à marginalização social. O Lampião da Esquina surge, então, como
um possível portento capaz de auxiliar na desmistificação desses estereótipos e discriminações bem como para promover visibildade e reconhecimento do movimento
homossexual (SCHULTZ, 2011). Esse jornal gay vem com a proposta de formar alianças entre os homossexuais e as chamadas minorias, principalmente as feministas,
os negros e os índios. Seus artigos eram politizados, mas não exibiam fotos de nus,
conseguindo, inclusive, apoio de não homosexuais que se viam sensibilizados com a
causa gay. (MACRAE, 1997) Manteve-se ativo até 1981, perfazendo 38 edições. De
acordo com o Dignidade (s/d)
Em formato tabloide, o jornal tinha editoriais fixas como “Cartas na
Mesa”, onde as cartas dos leitores eram publicadas e respondidas,
“Esquina” onde eram reunidas notícias, “Reportagem”, onde sempre a
matéria de capa estava localizada, e a partir do número cinco a coluna
“Bixórdia”. Além dessas sempre havia espaço para informações culturais, como indicações de livros, exposições, shows e filmes; e também
para entrevistas. A produção do conteúdo era feita pelos conselheiros
editoriais e por convidados que variavam a cada edição.
Em São Paulo, em 1978, é fundado o Grupo SOMOS de Afirmação Homossexual, formado por muitos militantes homossexuais, sendo considerado mesmo até um
marco inicial da luta política dos homossexuais no Brasil. ((MACRAE, 1992); (GREEN,
2000); (TREVISAN, 2000); (FACCHINI, 2003))
Nesse mesmo período, surgem também 22 grupos pelo Brasil, influenciados
pelo movimento gay americano e europeu os quais buscavam a valorização da identidade homossexual, lutando contra as discriminações e os atentados contra os direitos
humanos. O Somos servia como um local de socialização, entretanto a noção de que
todos os homossexuais estão na mesma situação e deveriam se unir encontrava séria
resistência. Além disso, havia uma falta de objetivos claros o que tornava bastante
difícil criar uma frente unida dos homossexuais. Consequentemente, surgiram clivagens baseadas em diferenças de classe social e de orientação sexual, levando ao
esfacelamentos do Grupo Somos. Em meados de 1982, o movimento paulistano tinha
perdido seu impulso inicial. (MACRAE, 1997)
Neste contexto em que começa a enfraquecer-se ou mesmo a esfacelar-se o
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
81
Somos (1980 -1982) e a findar (1980 -1981) o Lampião da Esquina, surge o Grupo
Gay da Bahia (GGB), em 28 de fevereiro de 19805 , com uma proposta inovadora e
revolucionária. Segundo Carrara e Ramos (2006, p. 190)
Criado em 1980, o Grupo Gay da Bahia (GGB) antecipou o modelo que
seria adotado pela maioria das organizações homossexuais na década
seguinte. Juntamente com o grupo Triângulo Rosa, do Rio de Janeiro, o
GGB buscava uma militância mais pragmática, voltada para a conquista
de direitos e a denúncia de violências, já preocupada com o grau de
institucionalidade dos grupos.
Diferentemente de seus antecessores, o GGB buscava criar uma rede de interrelações com os demais grupos do movimento LGBT, visando manter uma coesão
sistemática para poder documentar e instrumentalizar dados referentes à violência
homofóbica. Se o movimento gay, no começo dos anos 1980, parecia esfacelar-se,
principalmente na região Sudeste, era a partir do movimento baiano, organizado por
Mott, que a causa LGBT parecia adquirir um fôlego que atravesaria toda essa década
e vingaria até o presente momento. Segundo Green (2000, p. 284),
A primeira vitória do Grupo Gay da Bahia foi o reconhecimento jurídico do grupo. A segunda campanha convenceu o Conselho Nacional
de Saúde a abolir a classificação que categorizava homossexualidade
como uma forma tratável de desvio sexual. Liderada por Mott, a campanha conseguiu o apoio de organizações profissionais importantes e
várias Assembleias Legislativas. Intelectuais e personalidades importantes assinaram um abaixo-assinado nacional exigindo a revogação
da classificação. Em fevereiro de 1985, o conselho removeu a homossexualidade da categoria de doenças tratáveis
Nota-se que o Estado, que negava os direitos aos LGBT, era ao mesmo tempo
procurado, de algum modo, para dar apoio ao movimento LGBT. Nesse sentido, Mott
buscou articular-se em todos os espaços de possiblidade (neste sentido, com (FOUCAULT, 1988) e (BOURDIEU, 2005b)), sejam públicos ou privados. Ele percebeu que,
para alcançar os seus objetivos enquanto militante da causa homossexual, seria imprescindível ter o apoio de vastos setores da sociedade, principalmente apoio político e
jurídico.
Em 18 de março de 1983, Mott registra a pessoa jurídica do GGB, com o CNPJ
13.220.876/0001-95. Este acontecimento exige diversas reflexões, entre as quais o
fato de que, a partir do registro, o GGB poderia receber doações, ajudas, patrocínios,
investimentos, tanto nacionais quanto internacionais, mas não só. Importante mais
seria o fato de que o próprio Estado, numa época ditatorial, reconhecia um grupo gay
5
No primeiro Boletim do GGB, de agosto de 1981, Luiz Mott assinalou que no dia 28 de fevereiro de 1981
comemorou um ano de existência do GGB.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
82
oficialmente. Esse reconhecimento jurídico proporcionaria, de certa forma, a possiblidade de manter-se diálogos, intercâmbios, negociações entre os LGBT e o Estado,
como se, a partir dali, uma entidade social repressentasse todos os LGBT.
Há uma relação ambígua e contraditória com o Estado, aqui, pensando com Foucault (2015b), que legisla ou normatiza práticas da intimidade, da sexualidade, da
orientação sexual, a ponto de considerar essas práticas mórbidas ou criminosas, todavia não dando relevância ou dando mínima importância ao assassinato desses
mesmos corpos, exercendo um poder-saber sobre corpos cujas vidas parecem valer
menos. A exposição dos assassinatos dos LGBT pelo GGB mostrava ao Estado a brutalidade com que tais vítimas eram tratadas. Neste ponto, em dois momentos distintos,
ficava evidente que não se tratava de vitimismo dos LGBT, assim Mott (2000) afirmara
que
A divulgação de tais denúncias não pode ser rotulada de “vitimismo” na
medida em que não consideramos as vítimas de tais homicídios como
mártires ou heróis, mas presas de uma ideologia machista e violenta
que há gerações vem repetindo a mesma sentença: “viado tem mais
é que morrer!” Assim sendo, ao denunciar e analisar o homicídio de
homossexuais, jamais os tratamos como “coitadinhos” ou incapazes de
enfrentar e superar tais violências. Pelo contrário: retratamos realisticamente a força e maldade da homofobia com vistas a sensibilizar não
só os donos do poder e a sociedade global, mas sobretudo as próprias
vítimas dessa guerra sangrenta, a fim de que, reagindo e evitando situações de risco, não se tornem mais um número a engrossar tão infeliz
estatística.
Adiante, confirmaria o que defendera anteriormente, com quase as mesmas
palavras
Ao denunciar e protestar contra o homicídio de homossexuais, jamais
tratamos gays, lésbicas e transgêneros como ‘coitadinhos’ incapazes
de enfrentar e superar tais violências. Pelo contrário, retratamos realisticamente a força da maldade da homofobia com vistas a sensibilizar não
só os donos do poder e a sociedade global, mas sobretudo as próprias
vítimas potenciais dessa guerra sangrenta, a fim de que, reagindo e evitando situações risco, saindo do imobilismo que infelizmente predomina
dentro desse segmento, não se tornem mais um número a engrossar
tão infeliz estatística e que se mobilizem para erradicar esta verdadeira
epidemia de ódio
Mott tinha consciência de que seria necessário documentar e explicitar os
assassinatos dos LGBT (MARIUZZO; NARDINI, 2016-2017). A explicitação dessas
violências será uma das estratégias políticas do movimento LGBT. (EFREM FILHO,
2016) Para que isso fosse possível, ele teria que enfrentar, como visto, as limitações
impostas pelo Estado e pela sociedade. No início dos anos 1980, a homossexualidade
ainda era tida como doença, inclusive pela própria Organização Mundial de Saúde
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
83
(OMS). Somente em 17 de maio de 1990, isto é, 10 anos após a criação do GGB, é
que a OMS retirou a homossexualidade do rol de doenças mentais. Esse dia ficará
marcado como o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. (WHO, 2017).
De acordo com Bourdieu (2016, p. 7), “é enquanto instrumentos estruturados
e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ”sistemas simbólicos“
cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da
dominação”, isto é, de alguma forma, legitima a violência simbólica.
Diante de exigências estéticas, comportamentais, a violência simbólica tende a
alastrar-se e a buscar uma legitimidade sub-reptícia, numa tentativa de estabelecer o
que deve ser certo, padronizado, heteronormatizado, aceitável socialmente. Magalhães
e Sabatine (2011, p. 135) argumentam que
Nesse tortuoso processo de adequação às exigências disciplinares
para a boa condução da vida, aos indivíduos que não se submetem
são atribuídos os estigmas que os tornam alvos de vários processos
de patologização. Esse procedimento revela um mal-estar que pode
acionar a crise e capturar o corpo por meio das técnicas de correção,
sem alterar as condições pelas quais se processa o desajuste social.
Esse tipo de violência vem acompanhada de um séquito de justificações éticas
e morais que se relacionam com as esferas de poder e sistemas de valores, pois
uma ação baseada em certos valores passa a ser problemática por diversos motivos.
Que valores podem ser, por exemplo, amplamente generalizados, universalizados?
Assim, a estigmatização comportamental dos LGBT tende a seguir um sistemas de
valores o qual pode não ter sido legitimado pela comunidade LGBT. Bourdieu (2012, p.
145) atesta que
o laço que une a sexualidade ao poder, e portanto à política (evocando,
por exemplo, o caráter monstruoso, porque duplamente “contra a natureza”, de que se reveste, em inúmeras sociedades, a homossexualidade
passiva com um dominado), que a análise da homossexualidade pode
levar a uma política (ou a uma utopia) da sexualidade visando a diferenciar radicalmente a relação sexual de uma relação de poder.
Isso tende a preencher moralmente o discurso “da maioria”. Em um Estado
democrático de direitos, as tidas minorias não podem deixar de ser ouvidas, o que
implica dizer: o seu sistema de valores também deve ser levado em conta. Essa
imposição de valores a determinados grupos é, geralmente, um empreendedorismo
moral. Calligaris (2008), descrevendo o moralizador, diz que “o padrão moral que ele
se impõe, mas não consegue respeitar, é considerado por ele como um padrão que
deveria valer para todos.”
Tais empreendedores morais tentam, para impor a sua moral, os seus valores,
agir institucionalmente, inclusive com o aparato da força estatal, seja limitando o
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
84
acesso a determinados direitos às pessoas estigmatizadas, pela produçaõ de leis, seja
através da força jurídico-policial, prendendo, condenando e encarcerando. Um exemplo
significativo é o fato de o legislador não ter conseguido aprovar, até a elaboração deste
artigo, o Projeto de Lei nº 122/20066
Ficava evidente que a relação entre os sujeitos envolvidos com a causa LGBT
não seria pacífica, sendo preciso, portanto, afirmar uma identidade, dar cor, corpo
e voz a sujeitos na arena política, uma identidade que precisaria romper os limites
da criminalidade e da doença, pois os discursos, as práticas e ações da cultura e da
ideologia dominantes que legitimavam e ainda legitimam esses discuros e práticas
excludentes, por já legitimarem classificações e distinções (aqui, pensando com
Bourdieu) e asseguravam/asseguram uma violência simbólica que colocava, através de
estigmas, estereótipos, leis e saberes médicos, os LGBT como seres sem importância
social. Isto é, pensando com Butler: era necessário trazer a público o quanto a vida
de qualquer grupo de minoria é vulnerável, tem uma vida precária, e estava sujeita a
diversos tipos de violência. De acordo com Butler (2006b, p. 46)
Além do fato de que as mulheres e as minorias, incluindo as minorias
sexuais, são, como comunidade, sujeitas à violência, expostas a sua
possibilidade ou a sua realização. Isto significa que, em parte, cada um
de nós se constitui politicamente em virtude da vulnerabilidade social de
nossos corpos - como lugar de desejo e de vulnerabilidade física, como
lugar público de afirmação e exposição –A perda e a vulnerabilidade
parecem ser a consequência de nossos corpos socialmente constituídos, sujeitos a outros, ameaçados pela perda, expostos a outros e
suscetíveis de violência por conta desta exposição.7
De ameaças à violência explícita, Mott teve que driblar e enfrentar esses estorvos
sociais. Assim, relatou que fora, em 1979, agredido fisicamente no Farol da Barra, em
Salvador, sendo este um dos motivos pelos quais resolveu fundar o GGB; (relato retirado
de entrvista concedida em 17 de dezembro de 2016). Refere ainda que em 1985, um
evangéico desferiu um murro em seu rosto; que, em 1991, ao divulgar a biografia
de Santos Dumont, apontando-o como homossexual, recebera diversos telefonemas
anônimos ameaçando-o de morte; que, em 1995, ao divulgar pistas históricas de que
Zumbi dos Palmares era gay, teve os vidros de seu carro quebrados e pixações nos
muros de sua casa com a mensagem “Zumbi vive”; que, em 1998/99, recebera várias
ameaças de morte na internet, inclusive pela Frente Negra Zumbi dos Palmares; que,
em 2000, no desfile de 02 de Julho, foi jogado no chão, onde levou chutes e sofreu
várias escoriações nos braços e perna. (MOTT, s/d)
6
7
Projeto de autoria da Deputada Iara Bernardi que altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio
de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) para definir os crimes resultantes de discriminação
ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Estabelece as tipificações e
delimita as responsabilidades do ato e dos agentes.
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
85
Esses acontecimentos parecem ter dado força e impulso para que Mott, com
um grupo de amigos, professores, estudantes e jornalistas8 , fundasse o GGB e mantivesse constantemente uma luta em defesa da causa LGBT. Como vítima de uma
violência escancarada, desmedida, o fundador do GGB viu a necessidade de analisá-la,
compreendê-la, computá-la, explicá-la e divulgá-la. Assim, ele precisou passar para
a sociedade o que era essa violência, nomeá-la, conceituá-la, tanto que a palavra
“homofobia” foi usada, pela primeira vez, em 1981, em um dos seus textos. (relato
retirado de entrevista concedida em 17 de dezembro de 2016)
Se de um lado havia práticas, ações e discursos que colocavam os homossexuais à margem social, Luiz Mott, por outro, conhecedor das ciências sociais, também,
como num contra-ataque, fazia uso de ações, discursos e práticas, ou seja, um podersaber, aqui, pensando com Foucault, capazes de sensibilizar e mobilizar os sujeitos
envolvidos com a causa homossexual. Assim, Mott passou, então, a publicar artigos,
textos, pesquisas com a temática LGBT com uma maior frequência, mantendo contatos
com outros estudiosos e defensores e simpatizantes do movimento LGBT. Mott (2005,
p. 101) fazia questão de dexar exposto que a homofobia era um crime de ódio e, assim,
conceituava-a:
“crime homofóbico” é motivado pela opinião preconceituosa dominante
em nossa sociedade machista, que vê e trata o homossexual como
presa frágil, efeminado, medroso, incapaz de reagir ou contar com o
apoio social quando agredido. Tais crimes são caracterizados por altas
doses de manifestação de ódio: muitos golpes, utilização de vários
instrumentos mortíferos, tortura prévia
Rose et al. (2010, p. 96), ao descrever a homofobia que se pratica no Brasil, diz
que ela é
legitimada por uma sociedade excludente que marginaliza as suas
minorias, entre elas os homossexuais. A matriz cultural que aqui se
estabeleceu construiu uma série de padrões de comportamento, sendo
que, todo aquele que não se adequar ao mesmo, pagará o preço da
exclusão e da “inferiorização”. É essa cultura que leva tantos brasileiros
a atentar, brutalmente, contra pessoas que, aos olhos do agressor, não
podem manifestar publicamente uma orientação sexual homoerótica.
Essa caracterização da homofobia como crime de ódio seria necessária para o
empreendimento engendrado pelo GGB em sua luta contra essa violência brutal. Como
crime de ódio, o homicídio homofóbico traduz-se por um grau elevado de violência.
Essa seria uma das características que o GGB e outros grupos LGBT tomariam como
marcador desse tipo de crime. Segundo Efrem Filho (2016, p. 326)
8
No Primeiro Boletim, de agosto de 1981, Mott afirmou que “fixos e atuantes o GGb tem uns 25 membros”.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
86
A brutalização dos sujeitos se correlaciona à brutalização dos corpos.
Na classificação de um determinado crime como homofóbico, a intensidade com que a violência é empregada e as marcas produzidas nos
corpos das vítimas preenchem alguns dos critérios classificatórios utilizados pelo Movimento LGBT. O grau de violência, portanto, dimensiona
a qualificação do crime e autoriza, em muitas ocasiões, a reivindicação
das mortes pelo Movimento.
Mott e Cerqueira (2001) fazem um relato impactante, pois dizem que, mesmo
entre homossexuais, pode estar enraizada a homofobia
Mesmo em crimes passionais entre homossexuais, na maioria destes
casos, a homofobia está subjacente em tais delitos, explorando o assassino a condição inferior e a fragilidade física ou social da vítima. Quando
um gay, lésbica ou transgênero é assassinado por um não-homossexual,
tendo como móvel ou inspiração do crime o fato da vítima pertencer a
uma minoria sexual socialmente estigmatizada e extremamente vulnerável, ou por ostentar um estilo de vida diferenciado, aí então não se
trata de um homicídio passional mas um crime homofóbico.
Para Mott, as raízes da homofobia estavam na tradição judaica-cristã9 que via
os homossexuais como ameaçadores, políticos e revolucionários. (MOTT, 2001) Portanto, o combate dessa violência teria, de algum modo, que ser político e mesmo
revolucionário. Não à toa, que, adiante, em 2000, lançaria o “Manual de Coleta de
Informações, Sistematização & Mobilização Política Contra Crimes Homofóbicos“, um
verdadeiro manual de guerrilha, onde o autor busca, peremptoriamente, conscientizar
os LGBT bem como dotá-los de saberes, práticas, ações e discursos capazes de
ajudá-los a preservar as próprias vidas e diminuir os efeitos da violência homofóbica.
Para Efrem Filho (2016, p. 325), “as imagens de brutalidades que cruelmente forjam o
Movimento LGBT se correlacionam a movimentos mais amplos em que as violências
são acionadas como uma contra-estratégia de luta.“
Mesmo descrevendo e mostrando os relatos dos assassinatos brutais que
ocorriam/ocorrem com os LGBT, uma evidência de que a luta por ampliação dos
campos dos possíveis não seria passiva, fácil, era sugerida pelas críticas, vindas de
diversos campos sociais, que acusam O GGB de não ter como provar que tais crimes
eram mesmo homofóbicos. Assim, Mott rebatia/rebate essas críticas
Sempre que nós divulgamos a relação dos assassinatos anuais de
LGBT, há questionamentos de que nem todos os crimes são homofóbicos. No meu livro “Manual de Coleta de Crimes Homofóbicos”, eu
discuto essa questão. . . O certo é que nós consideramos a condição
de vulnerável, de fragilidade social da população LGBT faz com que
9
Para uma abrangente explicação da origem judaica-cristã da homofobia ver o artigo “A revolução
homossexual: o poder de um mito”, de Luiz Mott, publicado em REVISTA USP, São Paulo, n.49, p. 40-59,
março/maio 2001.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
87
todos os crimes contra esses indivíduos possam ser caracterizados
como crimes baseados no preconceito, na intolerância, o que hoje chamamos de “LGBTfobia”. Por quê? Por exemplo:quando uma travesti é
assassinada por briga de droga ou na pista, por um desentendimento
com um cliente, eu pergunto: por que a travesti está na pista? Por que
ela está na margem da sociedade? Porque ela sofreu bullying na escola,
ela foi discriminada em casa, ela foi marginalizada; isso então faz com
que ela seja vítima do que nós chamaríamos de “homofobia cultural” ou
até de “homofobia governamental”, na medida em que as autoridades
não garantem a segurança dessas pessoas, de modo que todos os
crimes contra os homossexuais, inclusive os praticados por michês, por
amantes, entram numa categoria de crimes homofóbicos, LGBTfóbicos, na medida em que o componente “preconceito”, “discriminação”,
sempre está presente, e a condição do gay ou da travesti sempre é
uma situação de fragilidade, de vulnerabilidade social que pode ser
considerada vítima de um crime de ódio (Luiz Mott; entrevista concedida
em 17 de dezembro de 2016)
E, de acordo com o trecho da entrevista supracitado, no Manual, Mott (2000) assim se expressa
Assim como os demais crimes de ódio, o crime homofóbico é marcado
pela crueldade do modus operandi do autor ou dos autores, incluindo
muitas vezes tortura prévia da vítima, a utilização de diversos instrumentos mortíferos e elevado número de golpes. Como a homofobia permeia
todas as áreas culturais e esferas de nossa sociedade, inclusive e
particularmente o setor governamental, policial e judiciário, mesmo os
crimes mais hediondos contra homossexuais raramente despertam a
atenção e empenho das autoridades constituídas que, com indiferença,
minimizam a gravidade de tais homicídios ou atribuem à vítima parte da
responsabilidade do sinistro, seja por se expor a situações e contactos
de risco, seja por tentar “seduzir” o agressor. Devido a tais preconceitos, muitos dos homicídios tendo homossexuais como vítimas não são
rigorosamente investigados pela polícia, deixando de registrar, seja no
documento policial, seja na mídia, a homofobia como móvel do crime.
O GGB tornar-se-ia, de algum modo, em um reduto símile a um front onde
os militantes reunir-se-iam, discutiriam questões relevantes, coletariam os dados da
violência homofóbica, produziriam informação (inclusive, funcionando como gráfica)
e disseminariam essas informações em todas as possíveis esferas da sociedade. A
necessidade de documentar as mortes dos LGBT e divulgá-las é uma estratégia política,
como se verifica no Manual escrito por Mott. Isso será conseguido através de uma rede
heterogênea, assimétrica, mutável e ativa, dispersa nacionalmente, de militantes ou
simpatizanes da causa LGB. Conforme operacionaliza o conceito de “rede”, Strathern
(1996, p. 521) diz que
O conceito de rede evoca um emaranhado de elementos heterogêneos
que constituem tal objeto ou evento, ou uma série de circunstâncias,
mantidas unidas pelas interações sociais: é, em suma, um híbrido
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
88
imaginado em um estado socialmente estendido. O conceito de rede
oferece uma aquisição analítica sobre essas interações.10
Para Scherer-Warren (2006, p. 113) “a idéia de rede de movimento social é,
portanto, um conceito de referência que busca apreender o porvir ou o rumo das
ações de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas,
localizadas dos sujeitos/atores coletivos.“
De acordo com Giddens e Sutton (2016, p. 199), “a flexibilidade e a adaptabilidade inerentes às redes proporcionam vantagens imensas em relação aos antigos
tipos de organização.“ Mais adiante (idem, pp.199-200), completementm dizendo que “o
acesso à teia potencialmente abre toda uma série de conexões com outros nós (indivíduos, grupos ou organizações) que podem então ser usadas para conseguir vantagens.
As redes, portanto, consistem em conexões diretas e indiretas ligando uma pessoa
ou um grupo a outras pessoas ou grupos.” Aqui, parece ficar evidente a ação desempenhada pelo GGB, quando ao buscar dados e aos divulgá-los, engendrava uma
série de conexões estaduais, interestaduais e internacionais, tanto para sistematizar
as informações quanto para obter recursos e influências capazes de manter a rede
funcionantee efetiva.
Conforme Marteleto (2001, p. 73)
Nos espaços informais, as redes são iniciadas a partir da tomada de
consciência de uma comunidade de interesses e/ou de valores entre
seus participantes. Entre as motivações mais significativas para o desenvolvimento das redes estão os assuntos que relacionam os níveis
de organização social-global, nacional, regional, estadual, local, comunitário. Independentemente das questões que se busca resolver, muitas
vezes a participação em redes sociais envolve direitos, responsabilidades e vários níveis de tomada de decisões.
Segundo Abercrombie, Hill e Turner (2006, p. 267), a “análise de redes ilumina
a estrutura das relações sociais existentes atualmente, logo é uma ferramenta útil para
estudar o nível relacional de estrutura social mais extensa“11 e também “pode ser usada
na explicação das ações dos indivíduos”. Holton (2006, p. 415) explica que
O estudo das redes sociais emergiu pela primeira vez dentro da sociologia e antropologia do pós-guerra como forma de estudar as conexões
multicêntricas de nível micro entre os indivíduos. Desde então, a ideia
de rede expandiu o alcance e o significado como um meio de caracterizar as qualidades do nível macro das estruturais sociais e como meio
de ligar micro e macro níveis12
10
11
12
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
89
Para Crossley e Edwards (2016, p. 11)
O mundo social, enquanto ’social’, é constituído por interação, vínculos e, portanto, redes entre atores sociais, humanos e corporativos.
Além disso, os atores são eles mesmos formados e moldados nesse
processo (Crossley 2011). Tais conexões criam condições dentro das
quais podem surgir certos mecanismos relacionais que, por sua vez, engendrem mais resultados e eventos mais (ou menos) possíveis. Como
a própria interação social/simbólica, esses processos e mecanismos
dependem das percepções/concepções dos atores sociais envolvidos,
mas, na maioria dos casos, existem independentemente das percepções/concepções dos sociólogos, que, portanto, os abordam como
elementos de uma realidade externa, independentemente.13
Relevante já assinalar, neste momento, que apesar dos atores envolvidos na
interação/manutenção da rede fazer com que ela funcione e mantenha-se ativa e
eficiente, não quer dizer que não haja nenhum tipo de conflito ou contradição dentro
da própria rede ou em relação aos que não fazem parte dela. Neste sentido, SchererWarren (2006, p. 122) afirma que
As redes, assim como qualquer relação social, estão sempre impregnadas pelo poder, pelo conflito, bem como pelas possibilidades de
solidariedade, de reciprocidade e de compartilhamento. Portanto, o que
interessa é saber como se dá o equilíbrio entre essas tendências antagônicas do social e como possibilitam ou não a autonomia dos sujeitos
sociais, especialmente os mais excluídos e que, freqüentemente, são
as denominadas “populações-alvo” desses mediadores
De acordo com Giddens e Sutton (2016, p. 202), “Crossley afirma que as
propriedades estruturais da rede ajudam a explicar o próprio surgimento do movimento”.
Para Crossley (2010, p. 9)
As redes são estruturas em processo, evoluindo à medida que as relações dentro delas evoluem ativamente. Além disso, as interações que as
originam dão origem igualmente a outras interações, propriedades igualmente importantes e significativas. As convenções e distinções/limites
simbólicos tomam forma nas redes, não apenas em relação às díades,
mas em relação a grupos mais amplos, como nodos e núcleos. As
identidades coletivas e as definições situacionais institucionalizadas
emergem, moldando a forma como se comportam grupos inteiros de
atores. Os bens públicos emergem, adicionando os outros recursos,
materiais e simbólicos, que têm valor para os membros da rede e circulam ou se concentram nos pontos dentro dela. Além disso, as coisas
acontecem porque a rede é “sobre” algo; seus membros têm razões
para interagir. Há sempre uma história a contar sobre uma rede e seus
participantes14
13
14
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
90
Para Castells (1999, p. 20) os movimentos sociais “são ações coletivas com um
determinado propósito cujo resultado, tanto em caso de sucesso como de fracasso,
transforma os valores e as instituições da sociedade“ em que os constructos identitários
sempre ocorrem em um espaço social marcado por relações de poder, já que as
identidades podem se dar tanto com a internalização pelo ator de noções, práticas e
discursos advindos de instituições dominantes quanto pode constituir as “fontes de
significado para os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um
processo de individuação”
Logo, as descrições e as imagens postas nos boletins e relatórios do GGB
participam efetivamente, de algum modo, da construção dos sujeitos políticos do
movimento LGBT, inter-relacionando-os, visando ampliar os seus espaços de possibilidades. (STRATHERN, 1996; EFREM FILHO, 2016; ZANOLI, 2015)
Se havia assassinatos de LGBT e tais crimes não eram expostos, contabilizados
pelo Estado, então o Estado agia como que invisibilizando esses corpos. Mas não só.
Aceitar a invisibilidade era, também, aceitar que essa violência letal fosse “normal”,
tolerável, como se estivesse internalizada uma aceitação dessas mortes que eram tidas
como desimportantes. Essa forma de invisibilidade era revestida de um poder-saber
que ditava o que era a norma. De acordo com Foucault (2005, p.88), esse saber
Tem agora por característica não mais determinar se alguma coisa se
passou ou não, mas determinar se um indivíduo se conduz ou não
como deve, conforme ou não à regra, se progride ou não, etc. Esse
novo saber não se organiza mais em torno das questões “isto foi feito?
quem o fez?”; não se ordena em termos de presença ou ausência, de
existência ou não existência. Ele se ordena em torno da norma, em
termos do que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não
fazer
Ainda com Foucault, pode-se dizer, de alguma maneira, que há uma microfísica
do poder que engendra uma dominação, uma disciplina na qual o poder não é concebido como uma propriedade, mas que atua estrategicamente através de manobras,
táticas, técnicas e funcionamentos, com uma elevada racionalidade sobre vidas, sobre
corpos. (FOUCAULT, 1987; FOUCAULT, 1994)
Como afirma Louro (2016, p. 85), “é no corpo e através do corpo que os
processos de afirmação ou transgressão das normas regulatórias se realizam e se
expressam. Assim, os corpos são marcados social, simbólica e materialmente - pelo
próprio sujeito e pelos outros.“ Ora, se as existências desses corpos nada ou pouco
importam e se há uma internalização dessa aceitação da normalidade, parece que
ao invisibilizá-los, anulá-los, está-se também exercendo uma outra violência, agora
simbólica, contra aqueles que ainda estão vivos, como se dissesse: fora da norma,
tudo é invisível e, por isso, tudo deve ser normalizável, ser tornado normal e dócil.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
91
Dessa maneira, o Estado pretende para si um direito de vida e morte exercido
sobre essas “vidas precárias” (aqui, pensando conceitualmente com Butler). Para
Foucault , esse direito é assimétrico, político a ponto de gerir o destino de todos que
estão a eles submetidos, tendo duas formas: uma centrada no corpo como máquina
(através das disciplinas, isto é, uma anátomo-política do corpo) e outra centrada
no corpo como espécie (através de controles reguladores, isto é, uma biopolítica da
população). Consequentemente, é o fato desse poder encarregar-se biopoliticamente
da vida, mais do que a morte, que lhe dá acesso ao corpo, normatizando-o e/ou
invisibiliza-o, fazendo do poder-saber um agente de transformação da vida humana.
Desta feita, parece ficar evidente o porquê do descaso estatal ante os corpos vitimados
pelas violências contra os LGBT. (FOUCAULT, 2015b)
Essa análise foucaultiana, de certo modo, alerta para o fato de que, no Brasil,
até hoje não se criou nenhuma lei que criminalize a homofobia. Ou seja: as práticas, os discursos e as ações estão voltados para uma negação e uma invisibilidade
desse tipo de violência. Assim, corroborando com esta perspectiva, Foucault (1984, p.
326) argumenta que
“Não porque, tendo tentado erigir uma barreira demasiado rígida ou
demasiado geral contra a sexualidade, a sociedade só conseguiu criar
um surto perverso e uma longa patologia do instinto sexual. Em vez
disso, trata-se do tipo de poder que ela exerce sobre o corpo e sobre
o sexo. Na verdade, esse poder não tinha nem a forma da lei, nem os
efeitos do tabu. Pelo contrário, agiu pela multiplicação de sexualidades
singulares. Não estabeleceu fronteiras para a sexualidade; ampliou as
várias formas de sexualidade, perseguindo-as de acordo com linhas
de penetração indefinida. Não excluiu a sexualidade, mas incluiu-a no
corpo como um modo de especificação dos indivíduos. Não procurou
evitá-la; Atraiu as suas variedades por meio de espirais nas quais o
prazer e o poder se reforçavam mutuamente15
Esta constatação revela, a priori, e confirma, de certo modo, o que Bourdieu
chama de “internalização” e “naturalização”, porque condições de existência intoleráveis podem ser constantemente tidas como aceitáveis ou até mesmo como naturais.(BOURDIEU, 2014). Em um artigo chamado “La domination masculine“, Bourdieu
(1990, p. 11) afirma que
Todo poder comporta uma dimensão simbólica: ele deve obter dos
dominados uma forma de adesão que não repousa sobre a decisão
deliberada de uma consciência esclarecida, mas sobre a submissão
imediata e pré-reflexiva dos corpos socializados. Os dominados aplicam
a todas as coisas do mundo e, em particular, às relações de poder
em que estão imersos, às pessoas através das quais essas relações
são realizadas e, portanto, também a si mesmos, de esquemas de
pensamento irreflexivo que, sendo o produto da incorporação dessas
15
Tradução nossa
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
92
relações de poder sob a forma transformada de um conjunto de pares de
oposições (superior / inferior, grande / pequeno, etc.) funcionando como
categorias de percepção, constroem essas relações de poder do ponto
de vista mesmo daqueles que afirmam sua dominação, fazendo-as
parecer naturais.16
Muitos desses atos simbólicos revestem-se de ações, discursos e práticas que
procuram, sob certos aspectos, reduzir os LGBT a estereótipos relacionados com
a feminilidade e a passividade, com a promiscuidade e a vulgaridade, delimitando
esferas de trânsito social, com o intuito de diminuir os espaços de possibilidades,
restringindo-os a certos campos, como os dos guetos e redutos gays e, desta forma,
procurando esvaziar quaisquer sentidos identitários que possam ter legitimidade e
aceitação. Conforme Bourdieu (2014, p. 165), “tudo se passa efetivamente como se os
homossexuais que tiveram que lutar para passar da invisibilidade à visibilidade, para
deixar de ser excluídos e invisíveis, tenderam a voltar a ser invisíveis e de algum modo
neutros e neutralizados pela submissão à forma dominante.”17
Neste sentido, a violência homofóbica também pode ser entendida como uma
forma de dominação simbólica, ou seja, uma “dominação ao mesmo tempo sofrida sob
pressão e aceita através do reconhecimento ou da obediência” (BOURDIEU, 2008,
p. 8). Há uma semelhança conceitual importante entre o conceito de dominação de
Bourdieu e o conceito de poder em Foucault, conforme visto. Assim, entendem Chauviré
e Fontaine (2004, p. 34) quando argumentam que se pode “de alguma forma, comparar
essa noção com o conceito de poder em Foucault, especialmente porque a dominação
de Bourdieu exerce tanto quanto, senão mais, nos corpos do que nos espíritos (pensase nas ”técnicas disciplinares“ de Foucault feitas parar marcar e revestir os corpos)”.
Portanto, parece que ao tornar os LGBT invisíveis, impotentes, isolados, reclusos
em guetos e à margem da sociedade, a forma dominante masculina (no sentido
bourdieusiano) poderia, assim, deixar as identidades LGBT sem força suficiente para
lutar por reconhecimento, legitimidade e direitos. A expressão máxima dessa tentativa
de anular as identidades LGBT dá-se através do homicídio homofóbico. Era contra tudo
isso que se erguia o GGB.
Essa violência baseada em ódio tinha que ser mostrada, ser estatisticamente exposta, para fazer ruir a internalização de aceitá-la como normal. O GGB relatava/relata
e retratava/retrata a violência sofrida por esses corpos vulneráveis e precários. As
descrições e as imagens, de algum modo, chegavam a chocar inclusive aqueles que
tinham preconceitos, discriminações, repugnância contra os LGBT internalizados. O
GGB começou a buscar por uma descrição mais próxima da realidade. A exposição
desses mortos era a realidade. A brutalidade dessa violência era a realidade. Para Bu16
17
Tradução nossa
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
93
tler (2011, p. 28), “a exigência por uma imagem mais verdadeira, por mais imagens,
por imagens que comuniquem todo o terror e realidade do sofrimento tem seu lugar e
importância.“ E, um pouco mais adiante, ela completa dizendo que “a realidade não é
exprimida por aquilo que está representado no interior da imagem, mas sim por meio
do desafio à representação que a realidade entrega.“
Segundo Mott (2006, p. 514), “não se trata esses assassinatos de crimes
comuns, fruto de assalto ou bala perdida, nem de “crimes passionais” como as páginas
policiais costumam noticiar. São crimes de ódio, em que a condição homossexual da
vítima foi determinante no modus operandi do agressor.”
2.2
Boletins e Relatórios: o cômputo dos homicídios homofóbicos pelo GGB
O cômputo do registro dos dados de violência homofóbica não pode, portanto,
ser entendido como um registro de informação passiva; na verdade, ele deita raízes
com o próprio processo de reconhecimento da identidade LGBT, mas também se eleva
enquanto referencial performático da condição homossexual, utilizado como parâmetro
de luta pela cidadania LGBT. De acordo com Efrem Filho (2016, p. 316), “os mortos e
as violências integram o Movimento LGBT. Eles são ressuscitados, em discurso, para
legitimar a permanência da necessidade da política.”
O GGB devolvia, na mesma moeda, o descaso com que os LGBT eram tratados,
como se dissesse que a culpa desde sempre era do Estado, portanto, legislando
ou através de decisões judiciais, o Estado teria o dever de não se calar perante
tais violências. No fim da década de 1970 e começo da década de 1980, muitos
homicídios praticados contra os LGBT eram perpetrados por agentes estatais. De
acordo com Green (2000, p. 287)
A maioria desses assassinatos era cometida por indivíduos ou grupos
não identificados que nunca foram processados. Segundo o GGB, doze
grupos diferentes estiveram envolvidos em violência e assassinatos
contra homossexuais. Alguns esquadrões da morte que sobreviveram
na época da ditadura militar participaram nestas ações. Como a Lei
da Anistia de 1979 nunca puniu os grupos que torturaram e mataram
a oposição aos militares, nunca houve um debate nacional sobre esta
violência cometida por agentes do governo. Nos anos 80, esquadrões
da morte e grupo similares ainda operavam com impunidade.
O GGB passou a pesquisar e coletar dados sobre a violência homicida contra
os LGBT, sistematizando-os em forma de boletins e relatórios anuais, evidenciando
as características do homicídio homofóbico. Expondo os mortos, num contra-ataque,
visando mesmo incomodar aqueles que se mantinham inertes ante a homofobia assassina. Acertadamente, Efrem Filho (2016, p. 317) afirma que “no recurso às mortes, as
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
94
vidas dos mortos são esquadrinhadas em socorro às vidas dos vivos. Vidas e mortes,
assim, acham-se dialeticamente comprometidas”.
Através de uma busca constante e sistemática em jornais, revistas, boletins
policiais (rádio e tv), em delegacias, grupos gays (possivelmente, ainda em formação e organização, em outros estados), processos judiciais, O GGB passou, a partir
de 1980, a ser uma referência nacional tanto na coleta de dados dessa violência
quanto à propagação dessas informações acerca da violência homofóbica, articulando
consciente e reflexivamente uma rede interestadual que, além de tais procedimentos, procurava/procura conscientizar os grupos de LGBT da sua condição de minoria
estigmatizada, pondo-os para refletir sobre o que é ser gay, homossexual, num país
em que a violência homicida contra os LGBT salta aos olhos do mundo, sendo o
Brasil considerado o país onde mais se mata LGBT,18 onde havia/há certo descaso
nas investigações e soluções desses homícidios tipicamente perpetrados com extrema
violência, característica dos crimes de ódio. (MOTT, 2000)
Assim, Mott (2000) relata que
Para se obter dados que reflitam de forma mais próxima a triste realidade dos crimes homofóbicos, deve-se consultar regularmente as
páginas policiais do maior número possível de jornais locais, deixando
no “limbo”, em caráter de espera, aqueles crimes que embora não haja
identificação expressa de que a vítima era homossexual, por seu estilo
de vida, profissão, pela modalidade do crime ou outra característica sui
generis, levante a suspeita de que poderia se tratar de um homossexual.
Desde a sua criação, o GGB vem sistematizando tanto a coleta de dados
como a divulgação desses dados, mas não só. Assim Mott (idem) expõe que “toda
semana recebemos uma ou mais notícias de novos assassinatos, sendo a maior parte
deles enviada por correspondentes espalhados por todo o Brasil.” Parece que há uma
necessidade de criar uma rede, centralizada no GGB, pois, deste modo, fora dito, por
Mott (idem), que
A metodologia e cronograma da elaboração do relatório anual ou dossiê
relativo aos assassinatos e violação dos direitos humanos de homossexuais devem adaptar-se à situação específica da amostra documental
que se está trabalhando: de um lado aqueles grupos locais que coletam
e analisam apenas as informações de sua cidade ou estado; do outro,
um grupo único que centraliza a pesquisa e sistematização de todos os
crimes ocorridos no território nacional.
18
Ver as reportagens “Brazil Is Confronting an Epidemic of Anti-Gay Violence”, do The New York Times, de
05 de Julho de 2016. (a versão impressa é a do dia 06 de julho de 2016); “One LGBT person is killed
every 25 hours in Brazil“, do Pink News, de 28 de janeiro de 2017; ”Brazil: One of the Most Dangerous
Places to Live for the LGBTQ Community“, do Entity, de 16 de outubro de 2016; ’Anti-LGBT violence
increases in Brazil, 117 persons killed since start of 2017”, do Plus 55, de 17 de maio de 2017.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
95
Tal empreendimento propõe-se a ser capaz de não só sanar uma lacuna
legal, mas de fortalecer os diversos movimentos LGBT, com vistas a uma militância
política, grupal, que possa dar visibilidade aos interesses conjuntos, incentivando
práticas, discursos e ações estratégicas que levem os LGBT a ter reconhecimento
social bem como a conquistar diversos direitos e garantias fundamentais. Com símile
perspectiva, Mott (idem) explicitou que
Infelizmente não existem no Brasil e na maioria dos países latinoamericanos e em vias de desenvolvimento, estatísticas policiais relativas
a crimes de ódio em geral e crimes homofóbicos em particular, nem
arquivos especiais nas Secretarias de Segurança Pública relativos a
homicídios de gays, lésbicas e travestis. Compete, por conseguinte, ao
movimento homossexual organizado e aos grupos de direitos humanos
sanar tal lacuna, sem contudo deixar de pressionar o poder público para
que instale serviços confiáveis de levantamento estatístico sobre as
diferentes categorias de crimes de ódio.
O próprio “Manual de Coleta“, de 2000, é um protótipo, de certo modo,
semelhante a manuais de guerrilha, já que além das estratégias para a obtenção
de visibilidade, reconhecimento e conquistas de direitos, Mott preocupa-se com a
preservação das vidas dos LGBT, traçando, consequentemente, medidas educativas
que orientem a população LGBT como evitar ser vítima de crimes homofóbicos, como
visto nesta passagem:
Outra estratégia de mobilização política contra crimes homofóbicos é
divulgar depoimentos de homossexuais que foram vítimas de agressões,
escapando por pouco de serem assassinados. Revelar o modo de agir
dos agressores e a reação da vítima pode fornecer pistas e alertar os
próprios gays de como evitarem ser as próximas vítimas.
Nesse Manual, Mott deixa explícito que não é só a coleta de dados e
sua divulgação que importam, pois há toda uma estratégia feita para unir os diversos
movimentos LGBT, para estes atuarem politicamente em busca de visibilidade, reconhecimento e direitos. Constata-se isso, de certa maneira, através da afirmação de
Mott (idem) de que “a mobilização política, portanto, é passo fundamental para o êxito
de nosso projeto na construção de uma nova sociedade onde as discriminações e
homicídios homofóbicos se tornem peças do museu dos horrores”.
Essa mobilização engendrará uma rede de fluxos em que as informações
recebidas e, após processamento, são repassadas para alcançar o maior números
de atores sociais possíveis. Não um simples processar e repassar de informações.
Há um objetivo almejado, pois o GGB quer sensibilizar intencionalmente os demais
movimentos LGBT e também espaços sociais distintos, inclusive os dominantes, sejam
instituições estatais ou não. Pensando com Giddens, o GGB atuaria como um “centro”
enquanto os demais grupos LGBT estaduais funcionariam como “nós”.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
96
A funcionalidade de uma rede depende do espaço de fluxos que possui essa
rede. Portanto, de acordo com Crossley (2010, p. 18)
A estrutura de uma rede não tem efeitos necessários, determinados em
si mesmos porque os efeitos da estrutura são sempre mediados pelo
conteúdo de relações e interações específicas. Os efeitos estruturais
interagem com a forma como a estrutura é feita coletivamente pelos
membros da rede em suas interações. Uma rede não é simplesmente
um conjunto de atores mais um conjunto de laços, mas um “mundo” em
que emergem identidades, expectativas, rituais, sentimentos compartilhados e significados. O que eles engendram do jeito que eles fazem é
sem dúvida influenciado pela estrutura da rede, mas eles, por sua vez,
influenciam a estrutura da rede e medeiam os efeitos que ela tem sobre
os membros da rede19
Assim, ante as dificuldades materiais impostas pelo próprio sistema de comunicação existente à época, o GGB procurou arquitetar sistematicamente e intencionalmente uma rede que ultrapassava a sua sede física e mais: além das fronteiras
de Salvador. A interação entre os membros da rede criada pelo GGB foi capaz de
engendrar uma estrutura que se estendeu além dos limites de um bairro de Salvador. À
medida em que mais membros iam se agregando à causa do GGB, a rede influenciava as ações dos próprios membros, mas, ao mesmo, tempo eram as ações, práticas e
discursos desses membros que moldavam a estrutura da rede.
De acordo com Scherer-Warren (2006, pp. 115-116)
As redes, por serem multiformes, aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes tipos de
organizações –, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e
valores. Ainda que esse diálogo não seja isento de conflitos, o encontro
e o confronto das reivindicações e lutas referentes a diversos aspectos
da cidadania vêm permitindo aos movimentos sociais passarem da
defesa de um sujeito identitário único à defesa de um sujeito plural.
Expondo quais mecanismos podem atrair membros para as redes, Crossley
(2010, p. 24) diz que
Os principais mecanismos podem incluir a homofilia (os atores com
características semelhantes são mais propensos a se conectar), a
propinquidade (os atores cuja geografia os põe em contato e que,
portanto, se encontram com pouco esforço são mais propensos a se
conectar), a transitividade (atores que compartilham um alter comum
são mais prováveis para se conectar) ou liame preferencial (certos
atores se tornam alvos específicos para conexão, entre outros).20
19
20
Tradução nossa.
Tradução nossa.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
97
Deste modo, já no primeiro Boletim21 (1981), percebe-se tanto a intencionalidade
como a expansão dos campos dos possíveis (pensando com Bourdieu e Foucault),
alargando-os para níveis internacionais. O ativista Nestor Perlongher, neste primeiro Boletim, publica um artigo intitulado “Sexo Y espanto: o pesadelo de ser gay na Argentina”,
onde relata os horrores perpetrados pela ditadura argentina contra os homossexuais.
Por conseguinte, o GGB mantém contato e interação com outros ativistas de diversos
estados e países. O GGB não fica alheio à situação dos demais movimentos LGBT. O
relato dessa situação é impactante:
Um gigantesco aparato repressor – dois policiais em cada quarteirão,
patrulheiros, carros de assalto, controles militares até na praia (!) – faz
de Buenos Aires uma cidade ocupada, sustentada em disposições que
punem em até com 30 dias de prisão à homossexualidade, o travestismo, a prostituição, etc. A suspeita de pederastia é castigada com 90
dias de prisão, os enfermos venéreos internados obrigatoriamente e a
indumentária indecorosa (shorts, camisetas decotadas, minissaias, roupas hipys) punida. Se lançou com fúria à caça aos gays, com brilhantes
resultados: milhares de homossexuais, homens e mulheres, padeceram
detenções, espancamentos e torturas, somente porque o olho vigilante
da polícia, treinada especialmente ao extremo de reconhecer até as
lésbicas nas ruas – detectou neles algum sintoma de perversão. (MOTT,
2011, p. 21)
No mesmo Boletim, o GGB traz um tópico denominado “Notícias d’além mar. . . ”
onde expõe a situação do movimento LGBT na Finlândia e na Suécia. No segundo
Boletim (outubro/1981) , o GGB relata a visita do médico holandês Tjerk van der Berg,
membro do principal grupo homossexual da Dinamarca, o Forbundet-48, aos grupos
LGBT brasilieros e as interações mantidas nessa visita. Este aspecto de ampliação
dos espaços dá-se, principalmente, por causa da ampliação da rede de fluxos. Com o
avanço das tecnologias e dos meios de comunicação, a rede engendrada pelo GGB
alcançará, se assim puder ser dito, níveis globais, mundiais.
Com a intencionalidade de expandir a sua rede, o GGB também precisou obter
uma sistematização eficaz e cada vez mais técnica, afastando-se do modelo folhetim
mimeografado meramente descritivo, na coleta de dados da violência homofóbica. Essa
sistematização pretendida pelo GGB parece almejar um padrão científico rigoroso,
pois apesar de querer dar visibilidade às mortes por homofobia, Mott (2000) relata
a importância da precaução e do manejo que se deve ter com a coleta, a produção
e a divulgação desses dados: “toda atenção e extremo cuidado devem ser tomados
na redação e correção final do relatório, pois erros na contagem dos assassinatos,
duplicidade de nomes, tabelas incompletas, porcentagens erradas podem prejudicar a
credibilidade do dossiê e lançar por terra meses e meses de trabalho.”
Ainda, de acordo com Mott (2000)
21
Ver Anexo: Figuras 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
98
As principais fontes de informação sobre crimes homofóbicos são: jornais, revistas, noticiários de rádio e televisão, informação oral e por
carta, internet, delegacias de polícia, delegacia de homicídios, fórum,
arquivos públicos, arquivos de jornais, instituto médico-legal.
Destas fontes citadas, destacam-se os meios de comunicação e particularmente, as páginas de crimes dos jornais constituem o local privilegiado onde encontrar notícia sobre assassinatos, especialmente aqueles
jornais e revistas sensacionalistas especializados em crimes.
Sobre a importância da leitura constante e sistemática de jornais impressos (à
época), para detectar e localizar possíveis crimes homofóbicos, Mott (idem) diz que
Já que os jornais constituem a principal fonte de informações sobre
assassinatos de homossexuais, o ideal seria a leitura diária de todos os
jornais da cidade, estado ou país, dependendo a extensão do levantamento que se pretende realizar. Se houver alguma pessoa disponível
que possa realizar sistematicamente tal leitura e fotocópia do material
encontrado, ótimo! Bastaria alguém ir à Biblioteca Pública ou outra entidade que disponha de todos os jornais e realizar o trabalho. Como nem
sempre isto é possível, há três soluções: conseguir o compromisso de
pessoas que sejam leitores diários de diferentes jornais e revistas, para
que recortem ou avisem, no mesmo dia, toda notícia relativa a crimes
homofóbicos; outra solução é pagar alguma firma especializada em
clipping, a qual se encarregará de fazer a pesquisa e enviar diária ou
semanalmente tais notícias, seja com recortes de jornal, seja através
da internet; a terceira ideia é criar uma rede de leitores que se comprometam a enviar pelo correio recortes de matérias ou notícias destes
crimes.
Essa etapa é a coleta de dados que, por ser a inicial, tem vasta relevância. Mott
(idem) assim se expressa sobre ela:
A coleta de material é o passo inicial deste trabalho de documentação:
localizado num jornal ou revista o crime contra um homossexual, devese recortar cuidadosamente a notícia, deixando pequenina margem
dos lados. A identificação com o nome do periódico, sua data, número
da página onde a matéria foi publicada devem ser escritos, com letras
miúdas, na margem inferior do próprio recorte, ou a máquina, na parte
inferior da folha onde foi colado. Melhor ainda se colar no alto da página
o recorte com o nome do jornal tal qual aparece na primeira página.
Vê-se, por esses dois fragmentos supracitados, que não só a a obtenção do
dado é importante. O GGB está também preocupado coma criação de uma rede de
leitores e simpatizantes que possa contribuir em um continuum para a concientização
do movimento LGBT, bem como para a elaboração das futuras edições dos relatórios
anuais.
Após a obtenção dos dados da violência homofóbica, passa-se à etapa de
sistematização. Para Mott, a sistematização dos dados servirá, posteriormente, para a
sua divulgação e para que tais dados possam ser usados politicamente na luta contra
a homofobia. Assim, no Manual, ele recomenda que
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
99
A confecção de uma tabela feita numa folha ofício no sentido paisagem,
onde sejam transcritos, de forma resumida, os principais dados relativos
ao assassinato, a saber: local, data do crime, nome da vítima, cognome,
idade, cor, orientação sexual (gay/travesti/lésbica/transexual), profissão,
local do crime, causa mortis, nome do assassino, idade, cor, ocupação,
delegacia onde o caso foi registrado, jornais e data (MOTT, 2000)
As tabelas devem ser atualizadas com a entrada de novos casos. Sua função é
facilitar a visualização global dos crimes homofóbicos. Além da tabela, é sugerido, no
Manual, construir uma síntese de todos os crimes para a divulgação do relatório anual.
A metodologia visa a sistematização nacional, pois, de acordo com Mott (idem)
A metodologia e cronograma da elaboração do relatório anual ou dossiê
relativo aos assassinatos e violação dos direitos humanos de homossexuais devem adaptar-se à situação específica da amostra documental
que se está trabalhando: de um lado aqueles grupos locais que coletam
e analisam apenas as informações de sua cidade ou estado; do outro,
um grupo único que centraliza a pesquisa e sistematização de todos os
crimes ocorridos no território nacional.
Por fim, de modo sucinto, o dossiê anual deve ser constistuído de quatro partes:
1. Introdução onde se dá uma visão geral dos assassinatos e dos episódios
de discriminação e violação dos direitos humanos dos homossexuais, mostrando sua
evolução comparativamente ao ano anterior;
2. Transcrição numerada dos resumos de todos os crimes homofóbicos, apresentados e contabilizados mês por mês;
3. Apresentação de tabelas sobre as principais tendências sócio-demográficas
dos crimes homofóbicos e sua interpretação qualitativa;
4. Transcrição dos resumos dos casos de discriminação homofóbica.(MOTT,
2000)
Em todo o Manual de Coleta de Dados, Mott atua como um estrategista consciente da causa que quer defender. Ele percebe a importância da colaboração dos
diversos atores engajados nos movimentos sociais e não só no movimento LGBT. Não
descarta, de modo algum, as esferas da sociedade que parecem ser indiferentes à
causa LGBT, pois até para elas os relatórios serão enviados. A sua atuação sistemática
é símile a de guerrilha. Quanto mais aliados, mais a possibilidade de expandir os
campos dos possíveis, maior também a possibilidade de conscientização não só dos
LGBT.
Em entrevista, Mott relata que ao fundar o GGB, com o apoio de 17 colegas, de
Salvador, percebeu que
Era importante documentar a violência contra os homossexuais. Na
época, não existia ainda, no Brasil, a palavra ’homofobia“ e fui eu quem
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
100
a introduzi, por volta de 1982. Eu então comecei a coletar informações
sobre assassinatos de gays, travestis e lésbicas porque eu considerei
que era importante divulgar essas informações pra mostrar que nós
homossexuais estávamos sendo violentados na rua, discriminados em
todos os locais públicos, na escola, no trabalho, nas igrejas. . . Mas a
principal discriminação era e continua sendo os assassinatos. Então,
primeiro eu fiz uma coleta no jornal O lampião, que era o principal jornal
gay no momento; daí começamos a solicitar aos grupos existentes
no Brasil e aos amigos que nos enviassem matérias (na época, não
tinha nem xerox e nem internet!. . . E tudo era enviado pelo Correio
ou, então, eventualmente, alguma informação oral ou por telefone de
crimes contra homossexuais, de modo que a finalidade, a função foi
documentar, comprovar a crueldade dos assassinatos de homossexuais
no Brasil ( Luiz Mott, entrevista concedida em 17 de dezembro de
2016)
O primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia foi de agosto de 1981, um ano e
meio após a criação do GGB. De acordo com o seu conteúdo, foi uma publicação mimeografada, bimestral, cujo objetivo principal era divulgar as atividades desenvolvidas
pelo GGB, mas abria “espaço para pequenos artigos e matérias de reflexão sobre
a questão homossexual”. Mott e seus colaboradores deixavam claro a ambição do
projeto: “Voamos alto; o GGB falando para a Bahia, para o Brasil e para o Mundo”. E
mais importante: o viés político de luta. O GGB conclama os LGBT para que entrem
na luta, uma luta pela libertação, símile ao Marx do Manifesto, sob certo aspecto. Fez
referência a outros movimentos de minorias, principalmente ao feminista, ao qual dirige
as seguintes palavras: “companheiras de sofrimento e de luta nesta sociedade machista
e patriarcal”. Já neste primeiro exemplar, uma característica marcante do movimento
LGBT fazia-se presente: a irreverência, a ousadia, a liberdade de expressão, pois assim
se referia à luta LGBT: “temos lutado pra caralho. Ou melhor, temos lutado pela bunda,
pela rola, pela chota, pelo beijo livre, pelo tesão sem tabus, pelo carinho sem fronteiras.
Por uma sociedade em que a sexualidade seja livre, gostosa, alegre. Sem repressão.
Onde o único limite do prazer seja liberdade do outro.”(MOTT, 2011)
Para Mott (2011, p. 17), é preciso “revelar a verdade sobre o modo violento
como nos tratam. A verdade sobre os homossexuais quem sabe somo nós”. Esta
afirmação deixa explícita a constatação de que ante a impotência intecional do Estado
em não revelar a verdade sobre a violência homofóbica, resta ao movimento LGBT
fazê-lo, por compreender que sobre os homossexuais quem sabe são eles mesmos,
vítimas constantes de práticas, ações e discursos estigmatizantes, invisibilizantes e
preconceituosos.
Louro (2003, pp. 139-140) ao comentar sobre os mitos que colocam a heterossexualidade no polo positivo das dicotomias, afirma que estes relegam
a homossexualidade ao lado doente, anormal, impróprio, nocivo, e le-
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
101
vando, conseqüentemente, aqueles e aquelas que se identificam como
homossexuais a se refugiar no segredo e no silêncio. Ao conceber a
identidade heterossexual como normal e natural, nega-se que toda e
qualquer identidade (sexual, étnica, de classe ou de gênero) seja uma
construção social, que toda identidade esteja sempre em processo, portanto nunca acabada, pronta, ou fixa. Pretende-se que as identidades
sejam — em algum momento mágico — congeladas.
Para Butler, a realidade material das formas de violência (desde as simbólicas à
agressão física) não está separada substantivamente das maneiras de representação
e apresentação e, consequentemente, das formas de controle/regulação das interrelações dos afetos e das percepções sobre as vidas socialmente dignas ou indignas,
sobre as vidas que devem merecer cuidados e as vidas que não importam.(BUTLER,
2002a)
Os traços comportamentais dos LGBT podem ser distorcidos e tomados por
uma perspectiva desqualificante. Becker (2015, p. 43) constata que “a posse de um
traço desviante pode ter um valor simbólico generalizado, de modo que as pessoas
dão por certo que seu portador possui outros traços indesejáveis presumivelmente
associados a ele.”
Tais diferenças comportamentais parecem incomodar, infringir regras sociais
“virtuais” como que criadas especificamente para eles, porque os LGBT fogem ao
“padrão” convencionado por uma cultura que se quer firmar, por pressões várias e
interações de poder, androcêntrica a qual requer uma postura máscula, ativa, viril
do homem e passiva, feminina, da mulher. Cria-se a regra para que haja excluídos,
desviantes, antes mesmo de pessoas serem assim rotuladas, como resultado de um
empreendimento. Becker (idem, p. 167 ) entende que
O desvio é também produto de empreendimento no mais estreito e
particular sentido. Depois que passou a existir, uma regra deve ser aplicada a pessoas particulares antes que a classe abstrata dos outsiders
criada pela regra se veja povoada. Infratores devem ser descobertos,
identificados, presos e condenados (ou notados como “diferentes” e
estigmatizados por sua não-conformidade.
Essa exclusão se dava em plenitude à medida em que o Estado não se importava
com essas vidas precárias, ao não agir legalmente criminalizando a homofobia e mais
ainda: por não computar os dados da violência homofóbica. Nesta perspectiva de luta, o
GGB passou a expor não só a quantidade de mortos (corpos que importam, pensando
com Butler) vítimas da homofobia, mas quem são esses corpos, isto é, tirá-los da
invisibilidade, dar-lhes posição, nome, identidade.
Segundo Mott (2011, p.11),
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
102
Destinado prioritariamente à divulgação de notícias sobre as atividades
desenvolvidas pelo Grupo Gay da Bahia, o Boletim do GGB incluía em
todos seus números, notícias sobre o MHB (Movimento Homossexual
Brasileiro), sobre as conquistas e destaques de gays, lésbicas e travestis
no mundo, divulgando desde o primeiro numero lista com os nomes de
homossexuais assassinados e artigos relacionados à nossa militância.
Essa preocupação em relatar os nomes das vítimas e a forma com que elas
eram assasisinadas tornar-se-ia um símbolo de luta do GGB e, de algum modo, do
movimento LGBT. Distinto fator que veio trazer uma certa coesão ao movimento LGBT
foi o advento da AIDS no Brasil e a sua repercussão midiática, que, de cordo com Mott
(idem), o Boletim do GGB estava em sua terceira edição. Outro dado importante é
que o Boletim foi a primeira publicação brasileira a usar o termo “homofobia”, já em
1981.Ibid.
Para Colaço (2011, p. 10 ) “uma das importantes ações empreendidas pelo GGB
através do Boletim será a divulgação sistemática da compilação dos assassinatos de
homossexuais noticiados pelos veículos de imprensa. Iniciativa que, entretanto, será
alvo de muita crítica e incompreensão por parte dos próprios homossexuais“.
Tais críticas, de algum modo, podem ter advindo do fato da exposição dos
nomes das vítimas e do fato de que algumas informações serem feitas pelo anonimato.
Entretanto, naquele momento, expor os mortos era também uma forma política de “sair
do armário”, uma forma de lutar contra estigmas, preconceitos, violências simbólicas.
Neste sentido, as identidades homossexuais transitavam entre o segredo e o silêncio,
entre o anonimato e o disfarce, entre a vergonha e o medo, entre os guetos e os
redutos gays criados para amenizar, de algum modo, as diferentes tensões que as
identidades LGBT implicavam por si e por atributos advindos de discursos e práticas
heteronormativos.
Era a disputa reflexiva entre ser algo e esconder esse algo, porque as identidades virtuais que a sociedade heteronormativa impusera pesavam, sufocavam. Era
preciso “sair do armário” para que a luta por uma identidade real também legítima
iniciasse. Segundo Fry e MacRae (1985, p. 81) “enquanto a grande maioria evitava
se expor de alguma forma, temendo o desmascaramento e os efeitos terríveis disto,
alguns homens e mulheres lutaram publicamente contra esse preconceito”. Um desses
atores, certamente, era Luiz Mott.
Para Giddens (1993, p. 44), “a batalha para assegurar a tolerância pública à
homossexualidade provocou o ”aparecimento“ de outras organizações interessadas
na promoção do pluralismo sexual.” Por isso, Mott afirma que os boletins do GGB
constituíam importantes instrumentos estratégicos para a ampliação do movimento
LGBT bem como a sua rede de apoiadores, não só do movimento LGBT e simpatizantes,
mas atores de outros movimentos sociais, como os do movimento feminista.
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
103
De acordo com Mott, os Boletins tiveram diversas importâncias na luta por
visibilidade e reconhecimento do movimento LGBT, desde a traçar, de certo modo,
uma identidade gay, consciente, liberta e ousada, com uma linguagem própria e
anti-estigmática, defendendo, com dinamismo e engajamento, a independência do
movimento face a partidos políticos, denuciando o descaso estatal ante a problemática
da AIDS e a brutalidade da violência sofrida pelos LGBT, inclusive por agentes policiais,
bem como múltiplas formas veladas e explícitas de apresentação da homofobia nas
diversas esferas sociais. Assim Mott (2011, p. 7) afirma que
o Boletim do GGB reflete a linguagem de sua época, quando era corrente o uso de termos hoje considerados politicamente incorretos, tais
como homossexualismo, opção sexual, travesti no masculino, aidético.
Em seu pioneirismo, foi, contudo, o Grupo Gay da Bahia quem protagonizou diversas destas mudanças conceituais, liderando em 1985
a campanha nacional que substituiu homossexualismo por homossexualidade; pleiteando, juntamente com o extinto grupo Triângulo Rosa
fundado pelo primeiro decano do MHB, João Antonio Mascarenhas, de
saudosa memória, a inclusão da “orientação sexual” na Constituição
Federal; propondo a adoção do feminino para designar “as travestis”
Segundo Masiero (2014, p. 32), uma das formas de violência contra os LGBT
“decorre da cultura homofóbica que permeia as sociedades e que foi construída socialmente a partir de discursos heterossexistas - que tornam a heterossexualidade uma
norma social, política, econômica e jurídica”, ou seja, inclusive amalgamada na esfera
estatal. Claro está que tamanha “ambição” pretendida pelo GGB, conforme descrita
anteriormente, frente a um aparato estatal normativo, desinteressado, heteronormativo
e androcêntrico, precisaria estar apoiada por/com outros movimentos sociais que, de
certa maneira, lutavam por direitos semelhantes e por maior visibilidade, entre os quais
o movimento negro, o feminista, o indígena, o ecológico.
Assim, explicita Mott (2011, pp. 7-8) que fora importante “o intercâmbio do GGB
com demais movimentos libertários – notadamente o Movimento Negro Unificado, o
Brasil Mulher, a Associação Nacional de Apoio ao Índio, e precocemente, o movimento
ecológico, além das associações LGBT internacionais, como ILGA, IGLHRC.“. Ora, essa
busca por ampliação dos campos das possibilidades se amalgama com a explicação
bourdeusiana, vista no ensaio ”Um mundo à parte“, de que ”a margem de liberdade
concedida às estratégias dependerá da estrutura do campo, caracterizada, por exemplo,
por um grau mais ou menos elevado de concentração do capital“22 (BOURDIEU, 2010,
p. 129)
Já no primeiro Boletim, de 1981, era noticiado o assassinato de 20 homossexuais, de diversas cidades, em sua maioria no Rio de Janeiro. Os relatos explicitavam
22
Tradução nossa
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
104
o nome ou apelido, data de nascimento, a violência praticada. Interessante notar que
Mott, quando se tratava de homicídio de travestis, colocava que se tratava de uma delas.
No segundo Boletim, de 1981, constava a lista de mais 7 homossexuais assassinados.
(MOTT, 2011) Assim, sucessivamente, passou a ter importância essa sistematização dos mortos, mas não só. O GGB explicitava, como estratégia, a exuberância da
violência com que tais crimes eram cometidos.
À medida que o tempo passava, mais apoio recebia o GGB de outros grupos
LGBT e simpatizantes e, consequente, mais promissora e mais eficaz ia-se tornando
a obtenção das informações sobre os homicídios homofóbicos. Uma rede de informação ia-se tecendo cujo centro de chegada era a sede do GGB. A divulgação, tanto
nacional quanto internacional, do cômputo da violência homofóbica, proporcionava
ao GGB apoio financeiro o qual era, assim, empregado para melhoria e qualificação
da obtenção e sistematização dos dados. Segundo Mott, o Grupo Gay da Bahia
realizou o levantamento e divulgação do assassinato de homossexuais, contando com
o apoio financeiro advindo de diversas entidades, entre as quais podem ser citadas:
“European Foundation for Human Rights; Norwegian Foundation for Human Rights,
International Gay and Lesbian Human Rights Comission, Threshold Foundation, Kimeta Society, Henrich Boll Foundation/ISER, Banco Mundial/Bird, Ministério da Saúde,
Unesco.“ (MOTT, 2000)
Resistindo às barreiras impostas pela época, da Ditadura, pelo próprio Estado,
pela sociedade heteronormativa, à dificuldade intrínseca à própria obtenção de dados
referentes à violência homofóbica, ante a ausência de legislação que criminaliza a
homofobia, o GGB continua ativo, publicando anualmente os seus relatórios cujo último
número relata os dados da violência homofóbica de 2017. Todos os relatórios do
GGB são publicados online no site “Quem a homofobia matou hoje?”23 , coordenado
pelo ativista LGBT Eduardo Michels. Recentemente, o site recebeu um prêmio24 do
Ministério Público Federal, pelo trabalho desenvolvido ao computar e divulgar os dados
dos homicídios homofóbicos.
Conectando o GGB ao movimento LGBT alagoano é interessante notar que,
segundo entrevistas com ativistas LGBT alagoanos25 , o movimento LGBT alagoano,
organizado, surgiu em meados dos anos 1990. Entretanto, em nossa entrevista, Marcelo
Nascimento, criador do GGAL, afirmou que nos anos 1940-1950, existia um movimento
homossexual alagoano organizado, talvez, inclusive, pioneiro no Brasil, que se chamava
UVA (União do Veados de Alagoas). Segundo o relato, a União dos Vereados de
23
24
25
Ver: https://homofobiamata.wordpress.com/estatisticas/relatorios/
Ver: https://grupogaydabahia.com.br/2017/04/28/ggb-ganha-premio-republica-de-valorizacao-do-minist
erio-publico-federal/
Nossas entrevistas realizadas com os ativistas LGBT alagoanos Marcelo Nascimento (criador do GGAL),
Nildo Correia (atual Presidente do GGAL), Maria (Presidente do Dandara), Jadson Andrade Grupo
Afinidades e Presidente do Conselho Municipal LGBT)
Capítulo 2. O início do cômputo da violência homofóbica no Brasil
105
Alagoas, que se chamava, também, à época, UVA, para não ter o seu nome relacionado
ao movimento homossexual, alterou a sigla, ainda vigente, para UVAL, demonstrando,
sob certo aspecto, como os homossexuais eram bastante estigmatizados. Todavia, os
registros são raros (o que merecia uma pesquisa profunda, neste sentido). Aceita-se,
entre os ativistas, o período da década de 90 como o início do movimento LGBT
alagoano. Curiosamente, contrastando com essa data, o Terceiro Boletim do GGB
(abril/1982) traz, numa de suas partes, um pequeno relato que é intitulado “Maceió grita
por socoooooooooooooro!!!” em que há o relato de que “homossexuais de Alagoas
pedem liberdade gay“, constando numa cartilha em que um ”gay local“ enumera
diversas violências sofridas pelo homossexuais maceioenses, explicitando até mesmo
dois assassinatos (que já aparecem no cômputo do GGB com os números 28 e 36).
Apesar de ser um relato raro sobre o movimento LGBT alagoano, nesse período, o
Boletim não se refere a movimento ou grupo, mas apenas a um contato isolado de um
ativista não identificado.
106
3 O CÔMPUTO DA VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA PELO MOVIMENTO LGBT MACEIOENSE
Analisar sistematicamente a produção de dados da violência homicida contra os
LGBT em Alagoas significa, de algum modo, tentar reconstruir histórica e sociologicamente a história do movimento LGBT alagoano e também, de certo modo, a história da
violência no estado alagoano.
De acordo com Mills (1965, p. 232), “certo conhecimento da história é indispensável ao sociólogo; nem tal conhecimento, não importando o que mais saiba, estará
simplesmente inválido.” A análise sociológica, portanto, não pode descartar os acontecimentos históricos, vistos que estes servem também de alicerce para uma melhor
compreensão do estudo do objeto e dos fenômenos a ele relacionados. Para Freitas
(2002, p. 26)
Os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva sócio-histórica, ao
valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem
focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando
compreender os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender
também o contexto
3.1
A cena gay maceioense nos anos 90 e a criação do GGAL
Ao se comparar a formação e organização do movimento LGBT alagoano com
os movimentos LGBT nordestinos, por exemplo, pode-se notar um certo atraso na sua
estruturação enquanto movimento organizado e considerar, assim, sob certo aspecto,
um movimento tardio, pois o Grupo Gay da Bahia inicia os seus trabalhos já em 1980, e
o Dialogay, de Aracaju/SE, já aparece citado em um Boletim do GGB de dezembro de
1982, ambos pioneiros movimentos de LGBT no Nordeste. No Boletim de junho de 1983
já consta a presença do grupo Nós Também, coordenado por Henrique Magalhães, em
João Pessoa/PB, e o grupo GATHO, coordenado por José Albuquerque, em Olinda/PE.
No Boletim de junho de 1985, aparece um novo grupo baiano, o Grupo Ade-Dudu.
No Boletim de outubro de 1986, são citados, como existentes e atuantes, os grupos
Movimento Homossexual de Sergipe e a Comunidade Fratriarcal em Salvador. No
Boletim do GGB, de junho de 1989, aparece pela primeira vez a indicação de um grupo
organizado, em Teresina/PI, chamado Grupo Free. Já no Boletim, de maio de 1991,
faz-se menção, pela primeira vez, a um grupo organizado LGBT em Fortaleza/CE, o
grupo Resistência Asa Branca. Como visto até aqui, não há na década de 80 e nem
mesmo no começo da década de 90 nenhuma referência a um grupo ou movimento
organizado LGBT em Alagoas. Entre 1991/1992, os Boletins fazem referência ainda
um outro grupo gay surgido em Recife, o Movimento Antonio Peixoto. No Boletim
de novembro de 1992, aparece uma referência a um outro grupo gay paraibano, o
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
107
chamado Comunidade dos Pequenos Servos. Neste mesmo Boletim, aparecem, pela
primeira vez, os grupos Comunidade Fratriarcal, e o Sinta, coordenado por Marcos
Santos, em Natal/RN. Em agosto de 1993, aparecem citados o grupo GOLH, também
de Natal/RN, o grupo GRAB, de Fortaleza/CE. Aparece, pela primeira vez, no Boletim
de julho de 1995, o grupo baiano ATRAS, um dos pioneiros em relação à organização
de travestis e transformistas. (MOTT, 2011)
Somente no Boletim n. 33, de março de 1999, há, pela prima vez, uma referência
explícita ao Grupo Gay de Alagoas:
31. GRUPO GAY DE ALAGOAS QUESTIONA PRISÃO DE HOMOSSEXUAL (AL)
O presidente do Grupo Gay de Alagoas, Marcelo Nascimento, declarouse surpreso com a manutenção na cadeia de Penedo do cabeleireiro
José Everaldo de Lima, acusado de ter mantido relação sexual com 8
menores, embora o único a prestar queixa, numa primeira instância,
tenha negado tal relação. (A Gazeta de Alagoas, 10-7-98)
Nota-se que, apesar de apenas aparecer em um Boletim do GGB de 1999, o
texto supracitado foi retirado de uma reportagem de A Gazeta de Alagoas, de 1998,
ou seja, certamente o Grupo Gay de Alagoas (GGAL), em 1998, já existia, mesmo
que não constasse na relação de grupos gays que era exposta todos os anos pelos
Boletins/GGB. Esse dado é importante por alguns motivos, pois dá apoio ao relato
colhido em entrevista feita com o seu fundador, Marcelo Nascimento, o qual diz que
o GGAL surgiu oficialmente em 1996, apesar de que entre 1993 e 1995 já havia uma
movimentação e conscientização entre os militantes LGBT alagoanos para fundar um
grupo gay em Alagoas. Assim, expõe Marcelo Nascimento, fundador do GGAL:
“Quando eu retornei do seminário salesiano, quando eu estava me
preparando para ser padre católico, no início da década de 1990, retornando para Maceió, comecei a verificar que dos estados do Nordeste, o
único estado em que ainda não existia um movimento organizado LGBT
era Alagoas. Na época, no início da década de 1990, o movimento estava numa fase de efervescência no país todo e no mundo, então, aqui,
ocorriam muitos assassinatos de travestis, de gays, e os noticiários das
páginas policiais dos jornais, todo final de semana, toda semana tinha
um crime com requinte de crueldade, ou na própria residência ou nas
vias públicas, de forma que se fazia necessário a comunidade LGBT,
que na época, se chamava ”comunidade homossexual“, ”GLS“, ter uma
organização de articulação e representação política da população LGBT.
Foi quando iniciamos algumas conversas nos ambientes de socialização
LGBT, bares. . . ” (Marcelo Nascimento, entrevista concedida em 26 de
maio de 2017)
Segundo Viana (2016b, p. 45)
Um movimento social surge quando uma determinada situação gera
insatisfação para um grupo social e isso, por sua vez, gera um senso
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
108
de pertencimento e objetivo que provoca mobilização. Logo, o objetivo é a meta, a razão de ser do movimento social e que justifica a
mobilização. Ele existe para trabalhar com a situação geradora de insatisfação visando transformá-la. Logo, o objetivo visa uma transformação
situacional.
A década de 1990 marcaria, de forma significativa, os novos movimentos sociais no Brasil, entre os quais o movimento LGBT. Nesta perspectiva, Gohn (2011, p.
343) constata que
Grupos de mulheres foram organizados nos anos 1990 em função de
sua atuação na política, criando redes de conscientização de seus direitos e frentes de lutas contra as discriminações. O movimento dos
homossexuais também ganhou impulso e as ruas, organizando passeatas, atos de protestos e grandes marchas anuais. Numa sociedade
marcada pelo machismo, isso também é uma novidade histórica.
Ainda que somente na década de 1990 o movimento LGBT tornou-se organizado,
alguns LGBT manifestavam, em épocas anteriores, a vontade de formar um grupo gay
nos moldes do GGB. No Boletim de setembro de 1982, na seção Opinião do Leitor, o
indivíduo identificado por E.H.S., de Maceió, diz “olha, aquele artigo sobre a violência
aos gays em Maceió é pura verdade. Se os gays aqui fundassem um grupo, eu topava
a guerra”.
Parece, portanto, que havia uma conscientização de que era preciso criar, fundar
um grupo gay capaz de não só lutar por visibilidade e direitos, mas denunciar os abusos
e as violências sofridos pelos LGBT, principalmente por braços estatais, como a polícia.
No Boletim de abril de 19821 , há o relato que “um gay local enunciou uma série
de violências que as bichas locais vêm sofrendo por parte da polícia”. Importante
salientar que, na década de 1980, os homossexuais eram tidos como doentes, inclusive
pela Organização Mundial de Saúde, como já explicitado. Descaso do Estado para
reconhecer esses corpos brutalizados e precários aliado à normatização imposta por
órgãos que determinam o que é saudável e o que é doente contribuíram, de forma
significativa, para que os LGBT alagoanos sofressem as mais diversas formas de
violência, uma violência, sob certo aspecto, legitimada pelo poder estatal, que não
parecia intervir ante tais violações de direitos e de dignidade.
Ainda, de acordo com o Boletim de abril de 19822 , em outubro de 1981, o GGB
visitou Maceió e conversou com “dezenas de gays que reclamavam amargamente das
violências policiais”. Nesse contexto, o GGB então propõe que os leitores dos Boletins
escrevam uma carta ao Secretário de Segurança Pública, denunciando “o tratamento
desumano que os homossexuais alagoanos vêm recebendo da Polícia, como já é de
conhecimento geral no Brasil.”
1
2
Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005; p. 56.
Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005; p. 57.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
109
Parece bastante evidente que o GGB queria fazer uma rede nacional com
os movimentos LGBT brasileiros, estimulando cada estado a criar um grupo gay,
para a organização do movimento LGBT. Ainda no Boletim de abril de 19823 , há uma
referência explícita a tal ação política do GGB, pois conclama as bichas e sapatões de
Maceió a fundar um grupo gay alagoano, dizendo: “bichas e sapatões de Maceió, o
que estão esperando para se organizarem e ir à luta? Escrevam-nos solicitando ”Como
organizar um grupo gay“ e teremos o maior prazer em lhes mandar esse documento.”
Interessante fazer referência a um aspecto da violência alagoana, lato sensu,
das décadas de 1980 e 1990, pois, se nesse período, os LGBT eram vítimas de
violências praticadas por policiais, vale lembrar que, nesse mesmo intervalo temporal,
surgiam em Alagoas os grupos de extermínios como a Gangue Fardada e os Ninjas de
União. De acordo com Nascimento (2017, p. 478)
A partir da década de 1980, o incremento da participação policial junto
ao sistema de pistolagem redefiniu mais uma vez as estruturas das
organizações criminais no estado de Alagoas, transformando o que
antes era um sindicato em uma espécie de quartel da pistolagem. Daí
emergiriam dois dos principais grupos de extermínio em Alagoas com
forte atuação nas décadas de 1980 e 1990: a Gangue Fardada e os
Ninjas de União.
Todavia não há estudos ou relatos que façam quaisquer correlações entre esses
grupos de extermínio e os assassinatos de LGBT, ainda que pesem sobre tais grupos as
acusações de extermínio de sujeitos reputados “perigosos”, “indesejáveis”, aqueles que
“não eram tolerados socialmente”, que eram postos violentamente, inclusive pelo Estado,
à margem da sociedade maceioense.
De acordo com Marcelo Nascimento, em sua entrevista, constata-se que a
violência homicida cometida contra os LGBT era praticada, principalmente, por policiais.
Assim, ele afirma que
“Um dos casos mais emblemáticos que chamou mais a atenção da
comunidade nacional e internacional foi quando 2 ou 3 travestis foram
encontradas, os corpos na praia da Avenida. E, aí, imediatamente, nós
pedimos uma audiência com o Secretário de Segurança Pública, se
não me engano era wilson Perpétuo, se não me falha a memória era
Coronel Amaral. . . Wilson Perpétuo é depois do Coronel Amaral! E,
para surpresa nossa, nós fomos também informados extra-oficialmente
que haveria policiais envolvidos nesses crimes. Aí, quando nós formalizamos a denúncia, pedindo a Secretaria de Segurança Pública
celeridade nas investigações etc, imediatamente, eu recebo uma ligação, no meu telefone, de um policial civil relatando que um grupo de
policiais militares, possivelmente envolvidos, que, na época, se chamava
”crime organizado“ aqui, ”sindicato do crime“, era ”crime organizado“”,
estavam orquestrando o meu assassinato e o do advogado Pedro Montenegro. Então, imediatamente, a Anistia Internacional, foi um organismo
3
Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005; p. 71.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
110
que a gente se vinculou na época, fez uma campanha internacional
pela integridade física, pedindo segurança etc, a ponto de um cartaz
vinculado pela Anistia Internacional circular por vários países da Europa,
e o Secretário, o Coronel Amaral, na época, me chamar no gabinete
dele para mostrar um volume de cartas que tinha chegado, que tomou
toda a mesa de reuniões, cartas do mundo todo, pedindo segurança,
proteção, resolução dos casos de assassinatos aqui e preservar a nossa
integridade física“ (Marcelo Nascimento; entrevista concedida em 26 de
maio de 2017)
Em reportagem4 publicada pela Anistia Internacional, de setembro de 1997,
cujo título era “Homossexuais podem ter sido executados por policiais”, encontra-se o
seguinte relato:
A Anistia Internacional teme pela segurança dos homossexuais masculinos que se prostituem em Maceió, capital do estado de Alagoas, após
ter recebido denúncias indicando que alguns membros deste grupo
foram vítimas de execuções extrajudiciais e de torturas nas mãos de policiais civis. A organização também está preocupada com a impunidade
quase que total desfrutada pelos responsáveis por essas violações.
No dia 06 de junho de 1997, um travesti e dois homossexuais foram
executados com tiros na cabeça no centro de Maceió, onde exerciam a
prostituição. Seus cadáveres foram encontrados na Zona do Pontal da
Barra.5
Neste mesmo impresso, da Anistia, consta o fato de que Marcelo Nascimento,
então Presidente do GGAL e Pedro Montenegro, membro da direção do Foro Permanente contra a Violência em Alagoas estavam sendo vítimas de ameaça de morte6 ,
devido as denúncias que vinham fazendo contra os policiais militares e civis, acusados
de extermínio de LGBT em Maceió.
Logo, ficava evidente, de algum modo, a necessidade dos LGBT alagoanos
organizarem-se, engendrando um movimento capaz de integrar e mobilizar forças, com
o intuito de lutar por direitos, principalmente, naquele momento, pelo direito à vida e à
dignidade. De acordo com Gohn (2011, p. 336)
Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que
agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social. Constituem e desenvolvem o chamado empowerment de atores da sociedade
civil organizada à medida que criam sujeitos sociais para essa atuação
em rede. Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais
4
5
6
Ver: Anexo: Figura 33.
Reportagem “Homossexuais podem ter sido executados por policiais”, do impresso Jornal da Anistia
Internacional, de setembro de 1997- Ano 27 - n°9. Arquivo gentilmente cedido pelo ativista/militante
Marcelo Nascimento.
Ver: Anexo: Figuras 30, 31, 32.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
111
têm construído representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas. Criam identidades para grupos antes dispersos e
desorganizados,
Se de um lado, o Estado era omisso e, ao mesmo tempo, perigoso, por outro
ainda pesava o estigma de ser os homossexuais uma categoria tipificada no CID como
doentes até meados dos anos 90. Não bastasse isto, havia ainda o estigma cruel da
AIDS7 , que ficou conhecida como “a doença dos gays”.
No período conturbado e altamente discriminatório da AIDS, pode-se verificar,
com certo sentido e perspectiva, o que Foucault chama de scientia sexualis. De acordo
com Perlongher (1997, 69) , referindo-se ao período da AIDS e sobre a atuação do
poder exercido pelos médicos, influenciado por Foucault, diz que
Além da confissão, o arsenal médico dispõe de recursos menos subjetivos, de tecnologias cada vez mais sofisticadas. A relação entre o médico
e o paciente se despersonaliza, se torna anônima. Em compensação, a
relação entre a doença e a instituição médica, passando por cima do
desejo ou do entendimento daquele que sofre, se intensifica, amarrada
por fios profundíssimos e complexas aparelhagens.
O olhar médico não se limita a intervir no orgânico, mas abrange o
regime de vida do sujeito atendido.
Na década de 90, os LGBT maceioenses procuravam encontrar-se em lugares
reservados, “tipicamente” gays, como bares, casas de amigos, cinema, praia, os conhecidos redutos gays ou guetos gays, entre os quais a boate Single, localizada nas
proximidades da praça Sinimbu, e o cinema Ideal8 , no bairro da Levada, onde as bichas
faziam a “pegação”9 . Durante o carnaval, havia o bloco “Filhinhos da Mamãe” , que
foi criado em 198310 , surgindo da vontade coletiva de um grupo de atores e atrizes
de brincar, entre amigos e convidados, o carnaval de rua maceioense, com base no
espetáculo teatral “Estrela Radiosa11 “, de 1982, que tinha sido escrito por Ronaldo
de Andrade e montado pela Cia Teatral Comédia Alagoense, um grupo derivado da
Associação Teatral de Alagoas (ATA). O nome dado foi um modo de protestar irreverentemente contra o bloco “Filhinhos de Papai”, composto por jovens de classe média alta
7
8
9
10
11
Para maiores informações sobre a problemática da AIDS e o movimento LGBT, ver PERLONGHER,
Nestor. O que é AIDS?. Coleção Primeiros Passos n°197. São Paulo: Brasiliense, 1997 (Primeira edição
em 1987).
Ver Anexo: Figura 6.
Ver a importante dissertação de mestrado em Sociologia (UFAL) “O avesso da(s) identidade(s) “homoerótica(s)” masculinas nos espaços homofóbicos na terra dos marechais (Maceió-AL): lugares e
não-lugares”, de Flávio Santos da Silva, cuja pesquisa de campo incluiu a observação nos espaços
de “pegação” e “caçação”, em Maceió, procurando compreender como esses sujeitos se autodefiniam
e como vivenciavam as suas identidades nesses espaços, bem como a sua relação com a violência
homofóbica: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/2556
Ver: Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas: “Filhinhos da Mamãe”: http://www.cultura.al.gov.br/poli
ticas-e-acoes/mapeamento-cultural/ciclos-culturais/blocos-carnavalescos/bloco-carnavalesco-filhinhosda-mamae
Ver: Anexo: Figura 2.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
112
que faziam questão de ostentar toda a riqueza dos pais, naquela época. Contando com
intelectuais e artistas, o bloco tinha um viés LGBT12 , ainda que na época, não fosse
explicitamente percebido, entretanto, alguns dos seus fundadores e componentes eram
LGBT.
Ao fazer uso do termo gueto gay, quer-se, neste sentido, estar dialogando com
que Perlongher (1987, p. 66) afirma em “O negócio do michê”, ao argumentar que
Ao pensar o termo gueto gay, então, estaremos nos referindo, de um
modo geral, aos sujeitos envolvidos no sistema de trocas do “mercado
homossexual” (Hooker) e os locais onde as atividades relacionadas com
sua prática sexual (e geralmente existencial) se exercitam com frequência consuetudinária. Nosso uso da expressão ghetto vai abranger, em
primeira instância, a área estudada - mas seu campo de ressonância
poder-se-á estender o deslocamento das populações que o constituem.
Havia ainda, como ponto de “pegação”13 , as pedras do Alagoinha. Outro local de
reunião, para a “fechação”14 e paquera, era em frente ao cinema São Luiz, onde havia
uma barraquinha de venda de sorvetes e picolés, localizada no Centro de Maceió. As
travestis concentravam-se, principalmente, na praia da Avenida.Também havia o bar
da Rosa Mossoró onde as bichas e as sapatões15 frequentavam com assiduidade.
Na praia e em eventos como o Maceió Fest havia ainda a barraca Fruta Gogoya16 ,
do Geo, ponto de grande movimentação e encontros entre os LGBT e os michês.
Contra a masculinidade compulsória e a heteronormatividade, na praia de Pajuçara
existia o “vôlei gay”, cujos suportes para a rede eram pintados de rosa, e, ali, as bichas
assumidas e que eram tidas como “fechosas” jogavam quase que diariamente. Também
havia a boate Number One, na rua do Uruguai, quase em frente a uma boate/cabaré
para heterossexuais masculinos. A sauna Eros surgiu, na época, na rua Silvério Reis,
próximo da praça Sinimbu, só depois indo para o local que, atualmente, se localiza.
Em entrevista, José Geoberto Santos, o Geo, relata que
12
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15
16
Ver: Anexo: Figura 1.
“Pegação” é um termo usado pelos LGBT, mas não só por eles, para fazer referência à paquera,
geralmente, com intuito de manter relação sexual. Para uma mais ampla visão dos termos e gírias LGBT
ver o site: “iblogay”: De A – Z: Conheça as gírias e termos do mundo gay“: https://iblogay.wordpress.com
/2013/02/19/conheca-as-girias-do-mundo-gay/
“Fechação” é um termo usado, principalmente, pelos LGBT, para se referir às performatividades exuberantes, exóticas e bastante femininas. Tem uma relação muito íntima com os desfiles de moda, sendo
acompanhadas de gritos, ditos alegres, algaravias, batidas de palmas, movimentos de cabeça e cabelo,
caras e bocas, como se fosse um momento de apoteose e glória. Quando se diz que “uma bicha é
fechosa”, diz-se, de algum modo, que ela arrasa, que ela brilhe, que ela triunfa.
O uso de “bicha” e “sapatão”, nesta parte da dissertação, faz parte da própria metodologia da pesquisa,
como lance de romper a normatização e para dar memória ao tratamento irônico e irreverente que os
frequentadores dos locais citados davam uns aos outros, com liberdade e alegria, nos encontros.
Ver: Bolg Diversidade: “Maceió Verão 2018 terá barraca LGBTI+”: http://diversidade.blogsdagazetaweb.c
om/2017/12/29/maceio-verao-2018-tera-barraca-lgbti/
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
113
“A barraca surgiu em 1998. Eu fui o primeiro cara que começou a vender
sanduíche e salada de frutas na praia, antes de inaugurar a barraca.
Ela ficava atrás do quiosque do Alan, na frente do Hotel Ponta Verde,
antes da reforma do Hotel Ponta Verde, antes de aumentarem-no. Ela
era frequentada por todas as tribos, não só para a comunidade LGBT,
que na época chamavam de GLS. Mas tinha uma preferência LGBT.
A população hétero frequentava sem preconceito, sem haver briga,
inclusive o pessoal do reggae frequentava! As pessoas se respeitavam.
Até Mano, na época, Governador do Estado, chegou a frequentar a
barraca! Tinha boa música, as bichas fechavam. Não havia violência lá!
As gírias da época surgiam ali. Vinha gente de todo mundo, da Europa,
da Argentina. A bandeira do arco-íris foi colocada em um coqueiro.
Ninguém sabia direito o que significava aquela bandeira. No começo, eu
dizia que era de um país da África, por causa do colorido da bandeira,
que era bastante tropical. Então, a baiana, que tinha uma barraca ali,
que me fornecia até energia, cismou com a bandeira porque foram dizer
a ela que a bandeira era a bandeira gay. De madrugada, um dia, ela
mandou tirar a bandeira do coqueiro. Então, o pessoal revoltado colocou
uma bandeira bem maior em cima do coqueiro, o menino subiu e pôs
a bandeira lá. A praia toda aplaudiu. No Maceió Fest, a barraca era o
point.” (Geo Santos; entrevista concedida em 14/01/2018)
A década de 90 parece trazer luz aos movimentos sociais, principalmente, para
o movimento LGBT. A problemática e a estigmatização em relação à AIDS parece, de
algum modo, devido aos novos saberes científicos e à mobilização de ativistas gays,
ter diminuído, amenizando as relações na esfera sociopolítica. A militância engendra
outras estratégias de luta e de reivindicações, ante o pluralismo de demandas e de
sujeitos políticos envolvidos na causa LGBT. Segundo França (2006, p. 104),
A década de 1990, além da expansão deste circuito – então também já
conhecido como GLS – trouxe consigo uma configuração diferente do
“gueto” homossexual de outrora: os espaços de consumo e sociabilidade
passaram a incorporar em certa medida o discurso político do orgulho
e da visibilidade, explicitando o seu direcionamento a um público de
orientação sexual determinada e incorporando símbolos popularizados
pelos militantes, como a bandeira do arco-íris.
Era nesses lugares que informações eram trocadas, prantos compartilhados,
alegrias rememoradas, amizades eram feitas, círculos LGBT iam-se formando, pouco
a pouco. Muitos dos LGBT maceioenses assumiam uma postura máscula ou viril,
sob a socialização da heteronormatividade que, como norma, tinha imposto uma
masculinidade compulsória (pensando com Butler) como meio de aceitabilidade social.
Era, enfim, uma luta contra a reclusão, contra a invisibilidade, contra o gueto, contra
a heteronormatividade, contra as violências várias que o movimento LGBT alagoano
estava se formando. De alguma forma, paradoxalmente até, contra o Estado.
Entrevistando um frequentador desses lugares, não surpreende, de algum
modo, os dizeres quanto a ter que assumirem uma posição mais máscula e viril, sem
fechações, tendo que se comportarem discretamente. No relato abaixo, pode-se notar
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
114
até um certo desconforto e estigma em relação às bichas mais afetadas, femininas,
assumidas:
“Acho que a Singles foi um dos primeiros lugares abertamente gay que
frequentei. . . E me lembro de ter visto pela primeira vez 2 homens se
beijarem. . . Foi um choque pra mim, na época! Tinha a barraca do Gel. . .
Que vendia salada de frutas e sucos, em frente ao Hotel Ponta Verde.
Na barraca tinha a banheira gay. E eu jogava vôlei na quadra da Ponta
Verde. Não no vôlei gay da Pajuçara, onde as bichas fechavam. A gente
era coagido a não ser assumido. . . A ser mais contido/reservado. . .
Acho que porque representávamos o estado no vôlei. . . Patrocínios e
tal. . . Mas tinha também dos colegas de quadra ainda quando entrei na
seleção e a jogar no CRB. Depois que o time era composto de uns 4
héteros. . . Daí éramos a maioria e ficamos mais à vontade. Mas mesmo
assim éramos assumidos só entre a gente. . . E poucos outros amigos
íntimos. . . Mas todos falavam que era um time de gays.” (Jamerson
Rogério; entrevista concedida em 7 de janeiro de 2018)
Se de um lado, a masculinização das bichas se dava, incorporando as normas
da heterossexualidade e da masculinidade compulsória, promovendo o surgimento
dos gays malhados, as barbies,17 quase sempre ridicularizadas pelas bichas mais
efeminadas e fechosas, por outro lado, essa “masculinização” também era, de algum
modo, uma crítica aos padrões heteronormativos, porque os LGBT podiam performatizar
o sujeito heterossexual. Era como se dissessem que entre os héteros havia também
gays. Essa complexidade da performatividade evidencia-se, sob certa perspectiva, no
fato de que as travestis, quando atuantes na prostituição, fazerem mais o papel ativo
do que o papel passivo.
Desde o começo do movimento LGBT alagoano, este estava intimamente ligado
ao Estado, já que se originou dentro de uma célula de um partido político. Talvez,
por isso, as demandas, também, tivessem atreladas às demandas do partido. Tanto é
possível essa argumentação que muitas das conquistas do GGAL, na esfera legislativa
municipal, deram-se através de propostas de um político do Partido dos Trabalhadores,
Paulão. Para Viana (2016a, p. 102),
A relação do aparato estatal com os movimentos sociais é complexa.
A princípio ele parece externo aos movimentos sociais, sendo apenas
o palco das reivindicações. No entanto, o Estado realiza o processo
de regularização dos movimentos sociais. No caso das organizações
mobilizadoras, elas estão submetidas à legislação e outras formas de
controle estatal.
O Estado vingava ambíguo: como inimigo e, ao mesmo tempo, como a estrutura
capaz de oferecer a segurança necessária para a manutenção das vidas precárias
17
Para mais aprofundamento, nos primórdios dessa mudança comportamental, da questão da masculinização heteronormativa dos LGBT: PERLONGHER, N. O negócio do michê: a prostituição viril em São
Paulo. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, pp. 82-82.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
115
e vulneráveis dos LGBT. Tudo dependia então do interesse estatal que, por sua vez,
dependia dos interesses da classe política dominante e da sociedade heteronormativa.
Uma gangorra que pendia, quase sempre, para o lado da repressão e da omissão. De
acordo com Viana (2016a, p. 105),
A outra forma de relação comum do aparato estatal com os movimentos
sociais é a repressão. A repressão é a forma como se usa o aparato
repressivo (exército, polícia, etc.) para combater os movimentos sociais.
Ela é realizada tanto de forma preventiva, indo desde “investigação” até
violência antes mesmo de qualquer ação supostamente “ilegal”, quanto
em relação a determinadas ações dos movimentos sociais.
O movimento LGBT, todavia, tem uma formação peculiar, pois surge dentro de
um partido político, o Partido dos Trabalhadores. O seu fundador, Marcelo Nascimento,
era filiado ao PT, e, segundo os seus relatos, os outros militantes, à época, eram
também filiados ao mesmo partido. Assim, dentro de um espaço partidário, com viés de
esquerda, sintonizado com outros movimentos sociais, o movimento LGBT alagoano
vai emergindo.
“Na verdade, existia antes da formalização de uma entidade LGBT, o
GGAL, essa discussão já permeava alguns espaços especificamente o
do Partido dos Trabalhadores, aqui, em Alagoas, do qual sou filiado há
25 anos. Então nós iniciamos esse debate praticamente nas entranhas
do Partido dos Trabalhadores, entre filiados. . . Não necessariamente.
Todos os dirigentes iniciais eram filiados ao PT. Mas esse debate se iniciou nas entranhas do PT de Alagoas.“ (Marcelo Nascimento, entrevista
concedida em 26 de maio de 2017)
É no Boletim de abril de 198218 que aparecem, pela primeira vez, o relato
computado de assassinatos de LGBT alagoanos. Neste Boletim, o GGB expõe uma
lista de gays assassinados, entre os quais há
EVERARDO LUIS DOS SANTOS, 23 anos, enfermeiro, Maceió +23/12/1979:
esfaqueado e encontrado numa praia coberto de pancadas e varado de
tiros.
JOÃO JOSÉ SANTANA, 23 anos, Penedo (Alagoas), +2/11/1981, socos
e pancadas.
É importante entender a estratégia19 (pensando com Foucault) posta em pratica
pelo GGB, ao nomear os seus mortos, retirando-os da invisibilidade, e ao expor como
18
19
Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005; p. 55.
Para Foucault, estratégia (stratégie) possui 3 sentidos. Emprega-se, aqui, no sentido de “estratégia de
poder”, ou seja, um conjunto de meios usados para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de
poder, bem como os mecanismos usados nas relações de poder, significando práticas, discursos e
ações que viabilizam liberdade e luta. Ver o verbete “estratégia” em CASTRO, Edgardo. Vocabulário de
Foucault. Tradução de Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, pp. 151-152.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
116
eles foram assassinados, evidenciando o alto grau de violência e crueldade com o qual
foram exterminados, para que tanto a sociedade civil quanto o Estado percebessem
que os crimes praticados contra os LGBT eram crimes de ódio, crimes de discrimação
contra a comunidade LGBT. Era, então, devolvendo em forma de exposição e relatos
dessa violência homofóbica, que o GGB praticamente “jogava à face” de todos os seus
descasos, as suas omissões, a sua conivência e a sua participação efetiva nessas
mortes.
Neste sentido, Efrem Filho (2016, p. 316) afirma que “as imagens de brutalidade
trazidas aos relatórios, mas também os relatórios propriamente ditos, participam da
construção do sujeito político do Movimento. Imagens e documentos condensam
relações sociais e disputas políticas e funcionam, reciprocamente, como “atores” nessas
relações e disputas.“
Neste mesmo sentido, Butler (2011, p. 24) argumenta que
Quando consideramos as formas comuns de que nos valemos para
pensar sobre humanização e desumanização, deparamo-nos com a
suposição de que aqueles que ganham representação, especialmente
autorepresentação, detêm melhor chance de serem humanizados. Já
aqueles que não têm oportunidade de representar a si mesmos correm
grande risco de ser tratados como menos que humanos, de serem
vistos como menos humanos ou, de fato, nem serem mesmo vistos.
Logo, se os mortos LGBT são invibilizados pelo Estado e pela sociedade civil,
parece restar ao próprio movimento LGBT retirá-los da vala do olvido, nomeá-los,
dar-lhes sentido e vida, mesmo na morte, restaurando a sua dignidade, o seu aspecto
humano, isto é, afastando os processos de reificação e de falta de reconhecimento
que fazem com que esses corpos sejam brutalizados (pensando com Efrem Filho) e
vulneráveis e precários (em acordo com Butler). Expor seus mortos é estrategicamente
uma ação política contra a estigmatização desses corpos, contra a coisificação desses
indivíduos. Enquanto discurso de revolta e luta, a contabilização dos assassinatos com
os detalhes cruéis que lhes são peculiares devolvem, de algum modo, paradoxalmente,
a violência àqueles que não se comprazem com essas mortes. De acordo com Efrem Filho (2016, p. 326), “em algum sentido, a exposição de cabeças esmagadas, órgãos
genitais decepados e corpos crucificados ”humaniza“ as mortes pranteadas, os corpos
destroçados e as vidas pelas quais o Movimento LGBT existe.”
Os movimentos LGBT fizeram/fazem o que não é feito pelos homofóbicos e pelo
Estado: dar aos seus mortos um reconhecimento pleno.
Para Butler (2006b, p. 72)
Quando reconhecemos o outro ou quando pedimos para ser reconhecido, não estamos procurando por um outro que nos veja como somos,
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
117
como já somos, como sempre fomos, como estávamos constituídos
antes do encontro mesmo. Em vez disso, no pedido, na demanda, nos
tornamos já algo novo, desde o momento em que nos constituímos a
causa do chamado - uma necessidade e um desejo do Outro que tem
lugar na linguagem, no sentido mais amplo , sem o qual não poderíamos existir. Pedir o reconhecimento ou oferecê-lo não significa pedir o
reconhecimento do que já é. Significa invocar uma mudança, instigando
uma transformação, exigir um futuro sempre em relação com o Outro.
Também significa pôr em jogo o próprio ser e persistir nele, na luta pelo
reconhecimento.20
Era, então, sob certos aspectos, com essa configuração social que a cena LGBT
maceioense se apresentava quando foi fundado o Grupo Gay de Alagoas. Mas um
outro fato foi relevante para a organização do movimento LGBT alagoano: a criação do
Fórum Contra a Violência. De acordo com Vasconcelos (2006, p. 33),
No ano de 1992, foi criado o Fórum Permanente Contra a Violência
em Alagoas21 , a partir da articulação de dezenas de entidades civis e
políticas, com representatividade e inserção na vida política local que,
mesmo representando interesses heterogêneos, uniram-se em torno
de uma temática comum - a violência e a vida, com um contraponto à
violência institucionalizada e ao crime organizado que vinham atuando
no Estado sem qualquer forma de resistência organizada.
Marcelo Nascimento, entrevistado, relata que
“Aqui, em Alagoas, nós tínhamos uma organização da sociedade civil
chamada Fórum Contra a Violência em Alagoas, entendendo que o fenômeno da violência é um fenômeno que não só atinge a população LGBT,
como a população em geral, principalmente os grupos mais vulneráveis,
mulheres, LGBT, crianças e adolescentes, etc. . . Nós iniciamos um debate no sentido do GGAL se filiar ao Fórum Contra a Violência que era
um fórum com várias organizações. . . Nós nos filiamos e, com pouco
tempo, ocupamos uma das cordenações do Fórum Contra a Violência e
começamos a funcionar na rua Manaus, na sede do Fórum Contra a
Violência; na época, a sede foi cedida pela Pastoral da Terra, de forma
que o Fórum Contra a Violência22 abriu uma janela para esse debate
sobre a questão da homofobia e a LGBTfobia no interior do Fórum.“
(Marcelo Nascimento; entrevista concedida em 26 de maio de 2017)
Segundo Vasconcelos (2006, p. 45)
O Fórum estabeleceu uma pauta específica, orientada para a luta contra a violência às minorias, onde faz asseguintes recomendações ao
Governo do Estado:
20
21
22
Tradução nossa.
Para mais considerações sobre o Fórum Permanente Contra a Aviolência em Alagoas, ver o Capítulo
2 “O Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas: uma rede de movimentos da sociedade civil
alagoana”, do livro “O ’reverso da moeda’: a rede de movimentos sociais contra a violência em Alagoas”
(Edufal, 2006), de Ruth Vasconcelos.
Ver: Anexo: Figuras 25, 26, 27, 28, 29.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
118
“1) que investigue rigorosamente todos os assassinatos de gays, lésbicas e travestis, bem como qualquer tipode violência; 2) que apóie as
delegacias de mulheres, fornecendo recursos para a expansão das mesmas em todo o Estado, e que respondam também a crimes perpetrados
contra minorias sexuais; 3) que sejam oferecidos cursos de Educação
Sexual em todos os níveis escolares, divulgando-se informações corretas e atualizadas sobre a livre orientação sexual e os direitos humanos
das minorias sexuais; 4) que seja apresentado projeto de emenda à
Constituição do Estado de Alagoas proibindo discriminação em virtude
de orientação sexual; 5) que estabeleça relações de parceria com o
Movimento Homossexual, reforçando a criação de novos grupos e auxiliando a manutenção dos já existentes, solidarizando-se e denunciando
as violações dos direitos humanos dos homossexuais.” (Dossiê, 1998;
41)
Faz-se necessário, aqui, expor uma relevante constatação. Como visto, o Fórum
foi criado em 1992, antes mesmo da criação do GGAL, o qual só surge como grupo
organizado em 1996, adquirindo o CNPJ 02318140/0001-38 em 04 de dezembro de
1997, com sede na rua Barão de Atalaia, n. 75, sala 204, no Centro de Maceió23 . O
GGAL, assim como o GGB, tinha uma publicação trimestral, a Revista Somos24 , onde
assuntos ligados à temática LGBT eram publicados, desde moda à luta por direitos.
Apesar de ser criado em 1992, o Fórum não impediu, em 10 de março de 1993,
o assassinato bárbaro do vereador, de Coqueiro Seco, homossexual assumido, Renildo
José dos Santos, o qual foi seqüestrado, torturado, esquartejado e decepado.25 O
descaso com este crime cruel, de repercussão nacional, fez com que, somente após
22 anos, a justiça mandasse prender os culpados. Também, faz-se notória a participação do GGB cobrando uma atitude do Estado na resolução desse crime. Como
neste período ainda não havia um grupo gay organizado em Alagoas, é interessante
vislumbrar a atividade da rede engendrada pelo GGB na obtenção de informações
sobre as mortes dos LGBT em Alagoas. O assassinato de Renildo foi tão impactante
para o GGB que, de acordo com o Boletim de março de 1993, o grupo promoveu um
ato público e classificou “a morte do vereador como o caso mais grave de discriminação
homossexual ocorrido no Brasil nos últimos anos”26
3.2
A coleta de dados da violência homofóbica em Alagoas
Possivelmente, até 1996, os dados da violência homicida homofóbica de Alagoas não eram repassados para o GGB pelo GGAL ainda. De 1981 a 1995, esses
23
24
25
26
Ver: http://www.econodata.com.br/lista-empresas/ALAGOAS/MACEIO/G/02318140000138-GRUPO-G
AY-DE-ALAGOAS
Ver: Anexo: Figuras 18, 19, 20, 21, 22.
Ver a reportagem “Fazendeiro é julgado pela morte de vereador José Renildo“. In:_____.http://www.al
agoas24horas.com.br/845320/fazendeiro-e-julgado-pela-morte-de-vereador-jose-renildo/. Acesso em
16/07/2016.
Boletim do Grupo Gay da Bahia 1981-2005; pp. 459 e 461.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
119
dados eram colhidos pelo próprio GGB, através de reportagens em jornais escritos e
nos noticiários da televisão, bem como através de militantes que liam os Boletins e escreviam para o GGB. Essa rede de informação era estimulada a cada nova edição dos
Boletins. Entretanto, devido à precariedade dos meios de comunicação, muitos dados
chegavam com certo atraso, ao ponto de que, por exemplo, no Boletim de abril de 1982,
aparecerem dois homicídios computados; um que ocorrera em 23/12/1979 (Everardo
Luis dos Santos) e outro em 02/11/1981 (João José Santana). Essa característica da
sistematização dos homicídios coletados pelo GGB é importante porque os Relatórios
anuais são sempre atualizados, isto é, não têm um caráter fixo e definitivo.
Assim, os dados dos homicídios contra os LGBT alagoanos que estão disponíveis no site Quem a Homofobia Matou Hoje? e no site do Grupo Gay da Bahia
até 1996 foram, possivelmente, fruto do trabalho da rede de informação engendrada
pelos ativistas baianos do GGB, sem a contribuição efetiva de um movimento LGBT
organizado em Alagoas.
O Gráfico, abaixo, mostra, de modo sistemático, o cômputo dos homicídios
contra os LGBT, em Alagoas e no Brasil, de 1981 a 2017:
Gráfico 1 – Mortes LGBT Brasil Alagoas
Fonte: Grupo Gay da Bahia - http://www.ggb.org.br/ e Quem a Homofobia Matou Hoje - https://homofobi
amata.wordpress.com/
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
120
Faz-se necessário pontuar, ano a ano, o cômputo para que se perceba como
ainda havia um certo déficit na obtenção desses dados ante a ausência de um grupo
gay organizado no estado de Alagoas. Não se quer, aqui, analisar o porquê de tais
homicídios computados, não é esta a finalidade central desta pesquisa. Ao expor os
dados de forma pontual, corrida, ano após ano, está-se, tentando, de algum modo,
evidenciar os diversos fatores que contribuíram tanto para a criação de um grupo gay
em Alagoas bem como evidenciar a provável subnotificação que ocorria de forma mais
expressiva antes dos avanços tecnológicos e comunicativos. De forma simplificada, tais
dados brutos (número total de LGBT assasinados) até 1996 podem ser assim expostos
e analisados.
1981 (Brasil: 34; Alagoas: não há relatos de assassinatos, segundo os Boletins
do GGB. Porém, em Boletim de 1982 aparece um homicídio que ocorrera em 1981,
como já exposto);
1982 (Brasil: 53; Alagoas: no Boletim de abril de 1982, aparecem 02 alagoanos
assasinados, entretanto, os anos das mortes são 1979 e 1981)
1983 (Brasil: 46; Alagoas: não constam assassinatos nos Boletins do GGB)
1984 (Brasil: 44; Alagoas: consta 01 homicídio no Boletim de junho de 1984)
1985 (Brasil: 34; Alagoas: constam 02 homicídios segundo o Boletim de junho
de 1985)
1986 (Brasil: 63; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1987 (Brasil: 77; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1988 (Brasil: 57; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1989 (Brasil: 64; Alagoas: 01 homicídio nos Boletins do GGB)
1990 (Brasil: 134; Alagoas: consta 01 homicídio no Boletim de fevereiro de
1990, mas refere-se a um assassinato corrido em 08/11/1989, noticiado pelo Jornal de
Alagoas de 08/11/1989)
1991 (Brasil: 153; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1992 (Brasil: 83; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1993 (Brasil: 149; Alagoas: no Boletim de março de 1993, consta 01 homicídio,
o do vereador homossexual assumido Renildo José dos Santos)
1994 (Brasil: 97; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1995 (Brasil: 99; Alagoas: não constam homicídios nos Boletins do GGB)
1996 (Brasil: 126; Alagoas: 3)
A exposição desses dados supracitada é importante do ponto de vista analítico,
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
121
tanto por oferecer um aspecto da rede de informações engendrada pelo GGB quanto
pela importância da atuação do GGAL na contabilização de seus mortos adiante, pois
a partir de 1997, o GGAL passa a informar para o GGB os assassinatos de LGBT em
Alagoas. Se de 1981 a 1996, o número máximo de mortos informados referentes ao
Estado de Alagoas não passava de 03 (três), a partir de 1997, esse número passa a
ser um crescente. Mas não se pode dizer que essa “crescente” é devido ao aumento do
número de mortes, como um aspecto do aumento da violência. Com o estabeleciemnto
do GGAL, a partir de 1996, também ocorrem as melhoras tecnológicas, como os
avanços da Internet e dos demais meios de comunicação. Esses fatores somados,
ainda assim, não conseguem evitar a subnotificação.
Conforme Nildo Correia, Presidente atual do GGAL,
“Esse trabalho, na verdade, aqui, no estado de Alagoas, começou em
97, a ser catalogado por mim, através da minha pessoa, assim que eu
cheguei no Grupo Gay de Alagoas. Umas das primeiras ações que eu
peguei como objetivo, começar a fazer esse mapeamento. Mas muito antes, eu acredito que o Grupo Gay da Bahia já fazia esse trabalho. Tanto
é que mesmo iniciando em 97, nós temos alguns casos de 93, de 90, de
79, de assassinatos de travestis, transexuais, homossexuais e lésbicas,
aqui, no estado de Alagoas. . . Esse trabalho começou com o objetivo
de se ter o relatório, principalmente para se ter o perfil dessas vítimas:
quantas lésbicas, quantos gays, quantas travestis, quantas transexuais
estavam sendo assassinados anualmente, o perfil socioeconômico, se
morava com a família, se morava só, onde foi assassinada, qual o tipo
de arma utilizada, quem era o algoz. . . Tudo isso para montar o perfil
desses assassinatos. . . Inclusive, hoje, é utilizado pela Secretaria de
Segurança Pública, para medidas de implantação de políticas públicas.”
(Nildo Correia; entrevista concedida dia 26 de maio de 2017)
Então, a partir de 1997, com a sistematização das mortes dos LGBT alagoanos
pelo Grupo Gay de Alagoas, os relatórios do GGB passam a refletir, de algum modo,
um pouco mais, a realidade da violência homicida contra LGBT no Brasil como um todo.
Talvez, o retardo em começar o movimento organizado LGBT, no estado de Alagoas,
enquanto os outros estados nordestinos já tinham os seus grupo gays, pode ter contribuído para a própria experiência do grupo, tendo em vista como funcionavam os outros
grupos e quais dificuldades tinham enfrentado. Todavia, essse mesmo retardo em
começar trouxe uma certa resistência à aceitabilidade do movimento LGBT alagoano
por parte de alguns setores da sociedade maceioense, principalmente aqueles amalgamados por questões religiosas e tradicionais, que viam no Grupo Gay de Alagoas
um atentado contra os costumes, a fé cristã e a moralidade. Neste sentido, Marcelo
Nascimento relata algumas dificuldades e batalhas enfrentadas no começo da atuação
do GGAL:
“Um engenheiro civil, na época, ambiental, se não me engano, Marcos
Carnaúba, que cordenava o Instituto do Meio Ambiente, do estado,
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
122
escreveu um artigo na Gazeta de Alagoas criticando a nossa atuação,
inclusive com palavras. . . hum. . . chamando os homossexuais de ”animais cervídeos“, ”veados cervídeos“, usando comparações pejorativas.
O arcebispo metropolitano, de Maceió, Dom Edvaldo Gonçalves do
Amaral, depois de uma entrevista que nós demos, defendendo a união
civil, projeto da Marta Suplicy, na época, deu uma declaração dizendo
”com todo respeito aos cahorros, isso é uma cachorrada¡‘. Nós tivemos
que representar o arcebispo perante o Ministério Público. Enfim, vários
fatos. . . Nós tivemos grandes enfrentamentos com setores evangélicos
fundamentalistas. O pastor Ildo Rafael espalhou outdoors na cidade, na
época, dizendo que ”o homossexualismo é pecado“. . . Vários outdoors
na cidade! Eu desafiei o pastor para um debate, para uma emissora de
televisão, a antiga TV Alagoas, e também, por conta da minha formação
católica sacerdotal, pude, na avaliação de algumas pessoas, ter um
desempenho razoável, fazendo um debate da exegese bíblica. . . Enfim,
são vários fatos que demonstram que vários setores da sociedade se
sentiam incomodados com o avanço dessa pauta na sociedade alagoana.” (Marcelo Nascimento; entrevista concedida em 26 de maio de
2017)
Diante desses relatos, pode-se dizer que a instituição do Grupo Gay de Alagoas
passou a ser vista por vários setores da sociedade, até mesmo, em certos aspectos,
pelo Estado, como indesejável e algo incômodo. De um lado, por ter que lutar pela
visibilidade daqueles corpos que o Estado e a sociedade faziam, de certo modo,
questão de olvidar, porque tais corpos representariam a desfuncionalidade, o desvio,
a precariedade do Estado e da sociedade, pois deveria ser necessário manter a
heteronormatividade como norma e padrão compulsórios. Por outro lado, a exposição
de seus mortos pelo GGAL e a sua contabilização pareciam ultrajar a estrutura estatal,
evidenciando a sua incompetência para gerir políticas públicas capazes de retirar do
âmbito da vulnerabilidade e da precariedade as vidas vistas e tidas como marginais,
indesejáveis. Pensando com Foucault, poder-se-ia argumentar que enquanto há o poder
estatal, difuso, normatizador, paradoxalmente inclusivo e excludente, há a resistência
exercida pelos movimentos sociais.
Segundo Castro (2016, p. 387),
Para Foucault, a resistência ao poder não pode vir de fora do poder;
ela é contemporânea e integrável às estratégias de poder. Desde essa
perspectiva, as possiblidades reais de resistência começam quando
deixamos de nos perguntar se o poder é bom ou mau, legítimo ou
ilegítimo e o interrogamos ao nível de suas condições de existência. O
que implica, em primeiro lugar, despojar o poder de suas sobrecargas
morais ou jurídicas.
Ora, partindo dessa perspectiva, poder-se-ia então argumentar que resistir ao
poder, paradoxalmente, é uma característica do próprio poder, por isso, para ele se
manter, dita as suas normas, distingue, classifica, separa, persegue, censura, oprime,
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
123
inscreve-se nos corpos, marca-os, produz normalidades e a-normalidades criminaliza, reduz os espaços de possiblidade, e, ao mesmo tempo, pretende proteger, criar
políticas públicas, patrocinar eventos, fazer campanhas, editar leis, formalmente instituir
a igualdade, até o ponto de não ser ameaçado enquanto estrutura complexa, enquanto
poder. Este estar dentro do poder, ser parte dele é estar dentro da situação, estar ciente
das estratégias do poder. Assim, argumenta Foucault (2004, p. 267)
O que quero dizer quando falo de relações de poder é que estamos, uns
em relação aos outros, em uma situação estratégica. Por sermos homossexuais, por exemplo, estamos em luta com o governo e o governo
em luta conosco. Quando temos negócios com o governo a luta, é claro,
não é simétrica, a situação de poder não é a mesma, mas participamos
ao mesmo tempo dessa luta. Basta que qualquer um de nós se eleve
sobre o outro, e o prolongamento dessa situação pode determinar a
conduta a seguir, influenciar a conduta ou a não-conduta de outro. Não
somos presos, então. Acontece que estamos sempre de acordo com a
situação.
Por que interessa demasiado ao Estado exercer poder sobre corpos cujas
vidas e mortes parecem valer menos ou nada valer? Assim, quando o Grupo Gay de
Alagoas contabiliza e expõe os seus mortos, de algum modo, performatiza - reitera
atos e normas - toda a problemática que envolve o sexo, a sexualidade, o gênero,
expondo a própria normatização e a compulsoriedade que estão amalgamadas nos
constructos sociais dessas categorias, ou como argumenta Butler: como esses sujeitos
são construídos de forma a ser invisibilizados e precarizados através de estratégias
(no sentido foucaultiano) de poder. Desta forma, Butler (2002a, p. 34) argumenta que
A performatividade não é pois um “ato” singular, porque sempre é a
reiteração de uma norma ou um conjunto de normas e, na medida
em que adquire a condição de ato no presente, oculta ou dissimula
as convenções das que é uma repetição. Ademais, este ato não é
primariamente teatral; em realidade, a sua aparente teatralidade se
produz na medida em que permaneça dissimulada a sua historicidade
(e, inversamente, a sua teatralidade adquire certo caráter inevitável pela
impossibilidade de revelar plenamente a sua historicidade).27
Portanto, pensar sobre como e para que finalidade esses corpos são construídos,
se para vingar invibilizados e desumanizados ou se para se constituírem sujeitos
de resistência e luta, envolve pensar, de algum modo, a materialdade das normas,
a funcionalidade da hegemonia heterossexual, a viabilidade dos corpos e sobre a
precariedade dessas vidas. Neste sentido, pensando com Butler, a performatividade
passa a ser entendida como o exercício de liberdade, na esfera pública, que vem atado
a uma miríade de riscos e que tende a expor esses corpos, essas vidas a uma condição
de precariedade. Desta forma, Butler (2017b, p. 43) afirma que
27
Tradução nossa.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
124
Protestar, assumir, aparecer em público e transformar a própria esfera
pública é parte do que é necessário para uma política democrática
radical. E isso significa também transformar a distinção do que é privado e do que é público. É importante que possamos nos comportar
em privado como desejamos, mas isso não é suficiente. Não haverá
uma proteção do domínio privado sem uma radical transformação das
normas públicas. Essas normas estão invariavelmente ligadas àquelas
normas que governam a inteligibilidade do corpo no espaço e no tempo.
Com esta perspectiva, o movimento LGBT alagoano tem aparecido em público,
tem demostrado resistência e luta desde a sua inicial organização, para ampliar os espaços/campos de possibilidade. A sua resistência ganha força justamente por combater
o que combate: a lgbtfobia e todas as suas consequências nocivas e desumanizantes. Foucault (2004, p. 269) argumenta que “ a resistência é um elemento das relações
estratégicas nas quais se constitui o poder. A resistência se apoia, na realidade, sobre
a situação a qual combate.”
Uma das suas ações políticas, neste sentido, é justamente contabilizar e expor
os seus mortos. Expô-los é uma forma de resistência, mas não só: é uma forma de
cartilha para os que ainda permanecem vivos, um alerta para aqueles que estão sujeitos
(aqui, no sentido de “sujeição” que Butler (2017a, p. 30) emprega em “A vida psíquica
do poder”, isto é, “a sujeição explora o desejo de existência, sendo a existência sempre
outorgada de outro lugar; para existir, ela assinala uma vulnerabilidade primária para
com o Outro.” Logo, essa vulnerabilidade, segundo Butler, qualifica o sujeito como um
ser possível de ser explorado, abusado, como se tivesse que pagar um alto preço para
ter a existência humanizada, validada e visível.) às mais variadas formas de violência
por serem quem são.
Para Foucault (2004, p. 268)
se não há resistência, não há relações de poder. Porque tudo seria
simplesmente uma questão de obediência. A partir do momento que
o indivíduo está em uma situação de não fazer o que quer, ele deve
utilizar as relações de poder. A resistência vem em primeiro lugar, e ela
permanece superior a todas as forças do processo, seu efeito obriga a
mudarem as relações de poder.
A resistência, talvez, seja o primo sentido do existir um movimento social. Outro
fator, possivelmente, após a organização dos sujeitos envolvidos que, necessariamente,
não precisa ser homogênea in totum e nem mesmo ter uma agenda fixa de luta, pode,
através das inter-relações com outros sujeitos, engendrar uma rede, principalmente,
para a circulação de informações e recursos. Resistência, organização e agenda
parecem, de algum modo, dar voz e vitalidade a um movimento social o qual interagindo
com o Estado, a sociedade civil e outros movimerntos sociais podem engendrar diversos
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
125
tipos de redes. Daí a necessidade de se estudar as redes, para uma melhor compreenão
de tais movimentos. De acordo com Marteleto (2001, 72)
O estudo das redes coloca assim em evidência um dado da realidade
social contemporânea que ainda está sendo pouco explorado, ou seja,
de que os indivíduos, dotados de recursos e capacidades propositivas,
organizam suas ações nos próprios espaços políticos em função de
socializações e mobilizações suscitadas pelo próprio desenvolvimento
das redes. Mesmo nascendo em uma esfera informal de relações sociais, os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas
interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas.
A resistência do GGAL se deu, sob certa perspectiva, graças a um sistema
de redes, tanto nacional (cujo núcleo é representado pelo GGB e, até mesmo pelo
Estado, ainda que pareça paradoxal) quanto internacional (como o apoio recebido pela
Anistia Internacional). Essas redes criadas não só fortaleceram o movimento LGBT
alagoano, como impulsionaram, de algum modo, a escolha e os direcionamentos
de metas, objetivos, agenda, ações políticas, ou seja, contribuíram, sobremaneira,
para a elaboração de estratégias de poder, com o intuito de ampliar os campos de
possibilidades. Isso não quer dizer que não haja conflitos internos disseminados na rede
ou mesmo no movimento. Todas esses fenômenos estão intimamente amalgamados a
relações e exercícios de poder.
Segundo Foucault (1988, p. 20)
Entre uma relação de poder e uma estratégia de luta, há um chamamento recíproco, uma cadeia indefinida e uma inversão perpétua. A
cada instante, a relação de poder pode converter-se e, em certos pontos,
converte-se em um enfrentamento entre adversários. A cada instante,
também, as relações de adversidade, numa sociedade, dão lugar ao
estabelecimento de mecanismos de poder. Essa instabilidade dá origem
lugar ao fato de que os mesmos processos, os mesmos acontecimentos
e as mesmas transformações podem ser decifrados tanto no interior de
uma história de lutas quanto nas das relações e dos dispositivos de
poder.28
Dentro das redes, para além do movimento social em si, os conflitos parecem
ser mais perceptíveis, quando, por exemplo, as informações não são conseguidas
como esperado (ou sequer são obtidas!), quando a luta por direitos parece assumir,
de variados graus, aspectos e interesses distintos, ainda que, aparentemente, exista
uma unidade, uma identidade. Assim como as identidades individuais e coletivas (que
tendem a ser fluidas) que compõem um determinado movimento social, estes também
apresentam um caráter dinâmico, fluido, pois , de certo modo, assumem caracteres,
discursos, ações e práticas de acordo com as demandas da realidade social.
28
Tradução nossa.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
126
A produção dos dados da violência homicida homofóbica pelo GGAL segue, de
algum modo, esse formato dinâmico de liames que, através de ações e práticas, tende a
traçar um porvir almejado coletivamente, com o intuito de transformar a realidade social,
através da aproximação heterogênea de atores sociais, possibilitando diálogos múltiplos,
ainda que os interesses e os valores possam ser, em determinados pontos, distintos.
Ao ser perguntado como é feita essa produção, Nildo Correia atestou que
“Esses dados. . . Ele é feito da mesma forma que é feito pelo Grupo Gay
da Bahia e outros grupos, através do que saiu na imprensa. Aqui, no
estado de Alagoas, estamos usando outros mecanismos, na verdade,
através das redes sociais. Como a grande parte da população sabe que
o Grupo Gay de Alagoas faz a coleta desses assassinatos, às vezes, o
assassinato ainda nem saiu na imprensa, mas já encaminharam para o
GGAL, via whatsapp, via facebook, pelo próprio telefone social. . . Entendeu? Interessante é que a sociedade acaba se mobilizando. Então,
por exemplo, com essa ajuda da sociedade, a gente está conseguindo
alcançar o que nós não conseguimos alcançar, como muitos assassinatos no interior que nem a imprensa cobria, e a gente acabava não
tendo o conhecimento. Hoje é mais fácil, mas acreditamos que outros
assassinatos acabam caindo no anonimato.” (Nildo Correia; entrevista
concedida em 26 de maio de 2017)
Pelo relato supracitado fica evidente que, mesmo com a instituição de uma
rede dinâmica de informação e relações, os dados obtidos sobre a violência homicida
contra os LGBT não refletem a realidade do fenômeno, pois alguns fatores devem ser
considerados, entre os quais a subnotificação, que pode ser decorrente do fato de que
muitos homicídios de LGBT não são conhecidos, a ponto de não ser divulgados pelas
mídias e pelos grupos e/ou militantes; às vezes, o homicídio é conhecido, mas paira
dúvidas sobre a orientação sexual da vítima; em outros casos, o homicídio é conhecido
e a vítima é reconhecida como LGBT, mas a família proíbe ou nega tal informação;
outras vezes, a vítima é LGBT assumida, mas o seu sumiço passa a ser irrelevante e
não investigado. Apesar dessas dificuldades, a contribuição dada pelo GGAL, a partir
de 1997, ao GGB foi/é tão importante, que o próprio Luiz Mott, em entrevista, confirma
tal assertiva ao relatar que
“Nós tivemos algumas colaborações importantes ao longo desses 36
anos de existência do banco de dados sobre assassinatos, sobretudo recebendo informações dos grupos de Alagoas e Sergipe, dois pequenos
estados, mas com militantes atentos, que registraram esses assassinatos desde a década de 90.” (Luiz Mott; entrevista concedida dia 17 de
dezembro de 2016)
Uma característica importante do movimento LGBT alagoano é que ele não
é centralizado, no sentido de apenas haver um único grupo LGBT organizador e
responsável por lutar pelas demandas dos diversos setores da comunidade LGBT.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
127
Atualmente, há no estado de Alagoas 23 grupos LGBT os quais, até o presente
momento em que esta dissertação está sendo redigida, podem ser assim nomeados:
1. Construção Jovem (Maceió); 2. Shomos (Arapiraca); 3. Afinidades (Maceió); 4.
Arco-íris (Paripueira); 5. ASTTAL- Associação das Travestis e Transexuais de Alagoas
(Maceió); 6. ACCTRANS-Associação Cultural de Travestis e Transexuais de Alagoas
(Maceió); 7. Grupo Gay de Penedo (Penedo); 8. Grupo Gay de Maceió (Maceió); 9.
ABL Alagoas (Maceió); 10. Grupo Gay de Alagoas-GGAL (Maceió); 11. Grupo Amor
à Vida (Maceió); 12. Grupo de Lésbicas Dandara (Maceió); 13. Grupo Direito à Vida
(Maceió); 14. Grupo Gay do Tabuleiro (Maceió); 15. Grupo Gay de Coruripe/Grupo
Iguais (Coruripe); 16. Grupo Gay do Pilar (Pilar ); 17. Grupo de Lésbicas Gland (Delmiro
Gouveia); 18. Grupo Gay Afrodescendentes Filhos do Axé (Maceió ); 19. AHBENTES Associação Homossexual do Benedito Bentes (Maceió); 20. Grupo Gay de Porto Calvo
(Porto Calvo); 21. Provida (Maceió); 22. Grupo Metamorfose (Santa Luzia do Norte);
23. Grupo Gay de Matriz (Matriz de Camaragibe)
Dos 23 grupos supracitados, 14 localizam-se em Maceió. Assim, pode-se dizer,
de algum modo, que a atuação maior do movimento LGBT alagoano concentra-se na
capital, tendo em vista, principalmente a atuação do GGAL. Pode-se argumentar ainda
que essa disposição espacial abrange um número maior de grupos quando se conta o
número de grupos pertencentes à região metropolitana, isto é, 18. O Sertão Alagoano
possui apenas 01 grupo (em Delmiro Gouveia) e a microrregião Agreste Alagoano
possui 01 grupo (em Arapiraca). A microrregião Leste Alagoano possui 02 (um em
Coruripe e outro em Matriz de Camaragibe). A partir, daí, alguns questionamentos e
argumentações surgem: por que apenas 01 grupo gay no Sertão Alagoano? A mera
distância da capital ou por que, no sertão, vive-se sob a masculinidade do sertanejo, do
“cabra macho”, das rédeas castrantes e limitantes do coronelismo, até certo ponto, ainda
vigentes sob diversas e novas “roupagens”, onde o preconceito e os estigmas contra
os LGBT parecem vingar com mais força? É sabido que tal microrregião é a menos
populosa do estado, tendo inclusive uma densidade demográfica baixa29 . Por que,
outros municípios mais populosos, como Palmeira dos Índios (o município constava, em
2017, com população estimada em 74.208 habitantes30 ) e São Miguel dos Campos
(em 2017, com população estimada em 61.827 habitantes31 ), ambos com certo grau
de desenvolvimento econômico não possuem grupos gays organizados?
Com esses grupos interligados através do facebook e do whatsapp, praticamente, apenas pequena parte do estado de Alagoas parece estar conectada (se vista
como municípios individualizados, já que Alagoas possui 102 municípios e apenas
29
30
31
Ver: Mesorregião do Sertão Alagoano: http://geogeral.com/h/m/b/bralst.htm e também: Mesorregiões do
Estado de Alagoas: http://dados.al.gov.br/dataset/mesorregioes-do-estado-de-alagoas
Ver: IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/al/palmeira-dos-indios/panorama)
VEr: IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/al/sao-miguel-dos-campos/panorama)
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
128
23 grupos atuantes!) a uma rede de informações, interesses, valores e de relações
LGBT que se mobiliza ativamente não apenas para contabilizar os seus mortos, mas
que também disputa capitais sociais e espaços de possiblidades (aqui, pensando com
Bourdieu) na esfera público-política. Acompanhando alguns desses ativistas/militantes
pelo facebook, através de suas páginas e perfis pessoais, pode-se ter, de algum modo,
uma certa visão de como os discursos, as ações e as práticas são engendrados para
ampliar tais espaços de possiblidades da comunidade LGBT alagoana.
Também pode ser percebida a mobilização quanto a avisos, cuidados, alertas,
chamamentos, conquistas. Como exemplos, podem ser citados: no perfil de Nildo Correia, Presidente do GGAL, em 05/01/2018, há a reportagem publicada, em 03/08/2017,
no jornal Alagoas 24 Horas “Presidente do GGAL cobra elucidação de crimes contra
LGBT e quer lei de inclusão”32 ; “Discriminação: GGAL registra BO contra empresa de
eventos”, reportagem de 04 de janeiro de 2018 (nos sites Cada Minuto e Boa Informação33 ). Em 04 de janeiro de 2018, Nildo Correia faz a seguinte postagem: “Calar-se e
baixar a cabeça para a LGBTFOBIA é pior, desta forma o GGAL formalizará um B. O.
contra a empresa Branco Promoções e Eventos, responsável pela realização do Maceió
Verão. . . ” Até mesmo a criação de um grupo de whatsapp direcionado ao público LGBT
pode ser visto e divulgado em seu perfil, em postagem de 29 de dezembro de 2017:
“Grupo no whatsapp direcionado às pessoas que irão ao Maceió Verão 2018, e curtirão
a barraca Fruta Gogoya, o point mais diversificado do festival de música“. Estas e outras
postagens, quase sempre direcionadas ao público LGBT, como as de divulgação de
casamentos coletivos, conquistas de direitos, ações na Justiça, divulgação dos seus
mortos (expondo nomes e fotos) e cobrança de elucidação dos assassinatos e exigindo
Justiça, demonstram que a vida pessoal desses ativistas se confunde in totum com a
causa LGBT, visto que, para muitos, é também uma questão de orgulho, honra e mais:
de sobrevivência.
Essa mobilização tende atingir vastos setores da sociedade e, também, o Estado.
Principalmente quanto à necessidade de contabilizar os seus mortos e devolvê-los
à sociedade e ao Estado, não só como um dado numérico, mas como uma morte
plena de vida, visibilizada, que, através do choque, da violência exposta, tende a
cooptar apoios e recursos para a causa LGBT. Como relatou Nildo Correia, “hoje,
a sociedade. . . Às vezes, não são nem pessoas do movimento, mas são pessoas
que sabem do levantamento e acabam repassando esses casos”. Paradoxalmente, a
mesma sociedade que invisibiliza os LGBT em vida, de algum modo, parece sensiblizarse com a dor e o pranto daqueles que velam e acolhem os seus mortos.
Neste ponto, pairaria o questionamento de que, pelo fato de os próprios ativistas
32
33
Ver: reportagem do dia 03/08/2017: http://www.alagoas24horas.com.br/1080569/presidente-ggal-cobraelucidacao-de-crimes-contra-lgbts-e-quer-lei-de-inclusao/
Ver: https://boainformacao.com.br/2018/01/discriminacao-ggal-registra-bo-contra-empresa-de-eventos/
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
129
coletarem e resgatarem os seus mortos e produzirem esses dados estatísticos, se
haveria algum interesse espúrio ou se esses dados seriam confiáveis. Em entrevista,
Jadson Andrade, Presidente do Conselho de Direitos LGBT de Maceió/AL e Presidente
do Grupo Afinidades, argumenta que
“Quem coleta esses dados são pessoas idôneas e que estão no movimento há muitos anos e que fazem esse trabalho. Por exemplo, o NIldo
Correia, ele tem um painel bem definido, ele fica pegando todas as
informações policiais, recortes de jornais, e a gente vai fazendo essa
minúncia. Há uma confiabilidade sim! Eu não posso te dizer que não
poderia ser um número maior. . . Porque eu falo do que a sociedade
esconde embaixo do tapete. . . A gente sabe que existem alguns crimes, mas a gente não pode dizer que esse crime foi um homossexual,
se a família diz que não. . . Mas o homossexual tá morto ali! Então a
gente só coloca aqueles dados. São Pessoas idôneas! Cada grupo tem
uma pessoa responsável pra fazer esse cruzamento de informações.“
(Jadson Andrade; entrevista concedida dia 11 de novembro de 2016)
Dadas as considerações acima, o período de atuação do GGAL entre 1996-1997
promove uma alavancada, se assim puder ser dito, no movimento LGBT brasileiro, não
só pelo início da contabilização sistemática dos assassinatos dos LGBT pelo GGAL,
mas, também, pelas conquistas e lutas travadas na esfera política, por seus ativistas,
principalmente Marcelo Nascimento.
Após a atuação do GGAL, na contagem dos homicídios contra os LGBT alagoanos, os dados passaram, de algum modo, a refletir com mais precisão a violência
sofrida pelos LGBT em Alagoas. Todavia, em determinados casos, pela ausência de
dados e pelo número reduzido de homicídios, pode-se argumentar que houve uma subnotificação por parte do GGAL. Assim, de 1997 a 2017, os assassinatos computados
foram divulgados com os seguintes dados:
1997 (Brasil: 130; Alagoas: 09)
1998 (Brasil: 116; Alagoas: 06)
1999 (Brasil: 169; Alagoas: 08)
2000 (Brasil: 130; Alagoas: 13)
2001 (Brasil: 132; Alagoas: 04)
2002 (Brasil: 126; Alagoas: 05)
2003 (Brasil: 125; Alagoas: não há entre os dados divulgados pelo GGB nenhum
dado referente a assassinatos de LGBT alagoanos neste período)
2004 (Brasil: 158; Alagoas: consta apenas 01 relato de um homicídio em
17/06/2004. A vítima conhecida como “Marquesa” foi assassinada a tiros e teve os
olhos arrancados)
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
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2005 (Brasil: 135; Alagoas: apenas 01 relatode homicídio nos arquivos do GGB.
Maurílio Ferreira da Silva, assassinado em 12/04/2005, com uma facada pelas costas)
2006 (Brasil: 112; Alagoas: 03)
2007 (Brasil: 142; Alagoas: 07)
2008 (Brasil: 187; Alagoas: 08)
2009 (Brasil: 198; Alagoas: 11)
2010 (Brasil: 260; Alagoas: 24)
2011 (Brasil: 272; Alagoas: 21)*34
2012 (Brasil: 338; Alagoas: 18)*
2013 (Brasil: 312; Alagoas: 13)*
2014 (Brasil: 326; Alagoas: 12)
2015 (Brasil: 318; Alagoas: 12)
2016 (Brasil: 343: Alagoas: 10)
2017 (Brasil: 445; Alagoas: 23)35
Esses dados que, de algum modo, representam os mortos do movimento LGBT
se traduzem em estratégias de luta cujo objetivo mor, talvez, seja dar dignidade a esses
corpos precarizados e invisibilizados. Ao reclamar por seus mortos, ao identificá-los
como seus, o movimento LGBT conclama a todos - e não só militantes, ativistas e
LGBT - para que esses cadáveres renascidos sejam lembrados. O cômputo numérico
não é uma mera ferramenta estatística, nesse sentido, pois ao contabilizar esses
assassinatos, o movimento LGBT além do “número”, traz à tona a vida desses sujeitos,
refaz, de algum modo, a sua vida, diz quem são eles, nome, profissão, escolaridade, etc,
expõe o corpo violentamente agredido e, quase sempre, ao lado, aquele corpo intacto,
como se dissesse: “eles não estão mortos!”. Essa estratégia avança na esfera política,
entre conflitos e estorvos, e engendra os seus efeitos: visibilidade, reconhecimento e
direitos.
De acordo com Nildo Correia, quanto à construção do relatório anual e quanto
ao uso desses dados para lutas e conquistas, na esfera pública política
34
35
* Nos anos de 2011, 2012 e 2013, além dos dados divulgados pelo Grupo Gay da Bahia, houve a
elaboração de um Relatório de Violência Homofóbica, da Secretaria Especial de Direitos Humanos
do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos cujos dados estatísticos são
símiles aos do GGB. O grupo formado, então, para analisar esses dados era compostos, entre os seus
participantes, pelo próprio Luiz Mott, bem como pesquisadores sobre a violência LGBT, como o professor
Sérgio Carrara e a professora Miriam Abramovay, entre outros.
Todos esses dados constam nos arquivos do GGB os quais podem ser encontrados no site “Quem a
Homofobia Matou Hoje?” e no site oficial do Grupo Gay da Bahia.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
131
“No final de junho para o começo de julho, sai sempre a primeira fase,
do primeiro bimestre do ano, e no final de dezembro geralmente ou
então é nomeado até a segunda semana da primeira quinzena de janeiro do próximo ano, sai o do ano anterior. E, aí, esses dados também
são repassados para o interior (do estado), para o Disque 100 e para a
Secretaria de Segurança Pública, para o Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos onde esses dados são utilizados, na verdade,
como ferramentas para a montagem de políticas públicas, para ver a
questão dessa problemática, por que essa população está sendo assassinada. . . Por exemplo, nós temos, aqui, mas alguns estados não têm,
o estado de Alagoas tem o cuidado, ao longo do ano, de saber quais
foram os casos que foram elucidados, quais foram os casos em que não
existe réu, nem suspeita de quem foi o assassino. . . Entendeu? Quanto
mais o réu confesso! Então, nós fazemos esse levantamento, inclusive
pra saber, por exemplo, qual a delegacia que está acompanhando, o
porquê, a gente sempre está colocando nesses relatórios essas observações para saber, inclusive, se há falha da segurança pública, se há
falha de alguns profissionais, e como tá sendo feito. . . Na verdade, esse
relatório é feito com o objetivo de se ter uma ferramenta de implantação
de políticas públicas voltadas para essa população, em pró do combate
à LGBTfobia no estado de Alagoas.” (Nildo Correia; entrevista concedia
em 26 de maio de 2017)
3.3
Os direitos conquistados e as novas demandas e batalhas
A partir de 1996, tanto no Brasil quanto em Alagoas, uma diversidade de conquistas para a comunidade LGBT foram tidas. Não é intenção, nesta seção, traçar uma
linha temporal capaz de abranger todas essas conquistas, todavia, faz-se necessário
evidenciar alguns marcos importantes na luta contra a LGBTfobia. Um evento que lança
novas formas de mobilização e questionamentos é a Parada do Orgulho LGBT. Essas
paradas tiveram o seu início em 28 de junho de 1970, em New York, como uma forma
de protestar contra o que ocorrera na boate Stonewall Inn, em 1969.
No Brasil, com bastante atraso, as paradas do orgulho LGBT, com a configuração
das atuais paradas, só começaram em 1995, sendo a primeira realizada no Rio de
Janeiro, em 25 de junho de 199536 , para comemorar o fim da 17ª Convenção Mundial
da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, terminando com uma pequena marcha
na praia de Copacabana. Em 1996, um ato na praça Roosevelt, em São Paulo, reuniu
aproximadamente 500 pessoas, reivindicando direitos para comunidade LGBT. Esses
dois eventos marcam o início das paradas do orgulho LGBT no Brasil.
Em Alagoas, a primeira Parada do Orgulho LGBT ocorreu somente em 2001,
com localização específica na capital Maceió/AL. Entretanto, com a pretensão de
36
Ver: JESUS, Jaqueline Gomes de. ” Alegria momentânea: paradas do orgulho de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais”. In:____. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1),
jan - jun, 2013, 54-70. Ver também:
Jornal Nexo: “A trajetória e as conquistas do movimento LGBT brasileiro”In: https://www.nexojornal.com.
br/explicado/2017/06/17/A-trajet%C3%B3ria-e-as-conquistas-do-movimento-LGBT-brasileiro.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
132
expandir os campos de possiblidade, pensando com Bourdieu e Foucault, em 2004,
sob a coordenação do GGAL, as paradas do orgulho LGBT alcançam o interior do
estado. De acordo com Silva e Caldas Júnior (2007, pp. 241-242)
É diante dessa efervescência, que este movimento vai se expandindo
nesses municípios alagoanos, tendo sua primeira realização ocorrida na
cidade de Penedo (06/05); a segunda em União dos Palmares (16/07);
a terceira em São Luiz do Quitunde (20/07); a quarta em Porto Calvo
(20/08); a quinta em Delmiro Gouveia (27/08), sediando a I Parada Gay
do Sertão de Alagoas; a sexta em Coruripe com a I Parada do Orgulho
GLBT (03/09), a sétima com a realização da II Parada de Santa Luzia do
Norte (10/09), a oitava foi a I Parada da Diversidade Sexual de Viçosa
(17/09) e finalizando o circuito com a I Parada do Orgulho GLBT do
Agreste de Alagoas, em Arapiraca (22/09).
A cada ano, as paradas do orgulho LGBT alagoanas eram/são organizadas de
acordo com as demandas e as estratégias de luta. Ao combinar irreverência, festa e
exibição de múltiplas identidades, as paradas atuam como um agente independente,
como se fossem um grupo único, como se fossem um movimento genuíno que se
formara para aquele dia, para aquele evento, para aquela agenda, denunciando os
preconceitos, os estigmas, as violências várias.
Para Jesus (2013, p. 57)
As paradas têm um caráter reivindicatório, ao mesmo tempo em que
dramatizam e exacerbam as diferenças internas entre os LGBT, e em
relação à população em geral.
As paradas se definem, assim, como ritos, ao romperem temporariamente com a rotina e realizarem performances de identidades e papéis
sociais.
Um dos papéis, se assim puder ser dito, das paradas é justamente interligar
as diversas faces do movimento, mas não só: é amalgamar-se à sociedade como um
todo, para vencer a barreira da invisibilidade, para romper os limites da indiferença e da
separação. Ao afrontar a normatização, a heteronormatividade, com atos performáticos,
aqui, pensando com Butler, os atores sociais passam a desestabilizar a ordem que se
quer mantida, já que, pensando com Foucault, o poder é sempre produtivo e difuso:
primeiro porque os eventos são autorizados pelo próprio Estado, como se legitimasse
tudo que ali ocorre. Segundo, porque entre os participantes das paradas não há apenas
LGBT.
Em 2017, ocorrera a 16ª Parada do Orgulho LGBT, em Maceió/AL, cuja demanda
principal era aproveitar o fato de Maceió ser uma cidade turística, para incentivar o
turismo LGBT, apresentando a cidade como um local “gay-friendly”, com o intuito de
romper com o estigma de que a capital alagoana é violenta e um lugar inóspito para
os LGBT. Nesta perspectiva, o tema da Parada foi “Turismo LGBTI+ Pela Cidadania
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
133
e Desenvolvimento Econômico de Alagoas”.37 Mas durante a Parada, outros temas
foram abordados, principalmente, de forma paradoxal, o da violência, pois 23 LGBT
foram assassinados, em 2017, em Alagoas. Além disso, houve protesto contra a Cura
Gay e contra a manifestação de um vereador maceioense, médico, Ronaldo Luz que,
durante uma sessão na Câmara dos Vereadores disse que a “homossexualidade é uma
doença”38 .
Em nível nacional, a partir de 1996, o Estado brasileiro passou a reconhecer
publicamente direitos aos LGBT, todos vinculados à perpsectiva dos direitos humanos, criando Programas, Planos de Ação e Secretarias específicas sobre a temática
LGBT. Conforme atesta Facchini (2009, p. 136)
O primeiro documento oficial do Brasil a reconhecer publicamente homossexuais no campo da promoção dos direitos humanos é o Plano
Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado em 1996. Com a
criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD),
em 2001, e a elaboração do PNDH II, em 2002, são incluídas algumas
ações direcionadas a LGBT. A partir de 2003, a articulação entre LGBT
e direitos humanos ganha novo impulso: 1) com a criação da Secretaria
Especial de Direitos Humanos (SEDH), que passa a ter status de ministério e incorpora o CNCD, como instância de participação e controle
social; e 2) com a designação de um grupo de trabalho para elaborar
um plano de combate à homofobia, que deu origem ao “Brasil Sem
Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual” em seu formato
interministerial
Com a criação do programa “Brasil sem Homofobia”, em 2004, parece haver, em
uma prima visão, pelo Estado, o reconhecimento de que existe homofobia e de que ela
mata, entretanto, perguntar-se-ia, então, por que se há esse reconhecimento estatal
já em 2004, por que até 2017 não há uma lei federal que criminalize a homofobia?
Faz-se também importante notar que o GGAL participou da elaboração do Programa.
Paradoxalmente, em 2003, antes do Programa ser instituído, o número de LGBT
assasinados no Brasil foi de 125. Em Alagoas, não houve dados. Em 2004, o número
de LGBT assassinados no Brasil sobe para 158! Em Alagoas, consta o relato de 01
homicídio. Aparece, na “Justificativa”, do Programa Brasil (2004, p. 16), a seguinte
passagem, a qual além de reafirmar que existe homofobia, no Brasil, constata que os
dados produzidos sobre a violência homofóbica são feitos por segmentos organizados
da sociedade civil, e não pelo Estado:
A violência letal contra homossexuais - e mais especialmente contra
travestis e transgêneros - é, sem dúvida, uma das faces mais trágicas
37
38
Ver: Blog Diversidade: “Divulgada programação das atividades que antecederão a 16ª Parada LGBTI+
de Maceió”. In: http://diversidade.blogsdagazetaweb.com/category/paradas-lgbt/
Ver a reportagem, de 12/10/2017, da Gazeta de Alagoas: ““Homossexualidade é uma doença”, afirma
vereador”. In: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=313654.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
134
da discriminação por orientação sexual ou homofobia no Brasil. Tal
violência tem sido denunciada com bastante veemência pelo Movimento
GLTB, por pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e pelas
organizações da sociedade civil, que têm procurado produzir dados de
qualidade sobre essa situação.
Essa relação Estado-movimento social não é harmônica e sequer lógica, mas,
sim, imprevisível e quase sempre tendendo à universalização de demandas, como
se um “pacote” de ações políticas pudesse servir para todo um movimento que, em
si, abrange uma diversidade múltipla de outros movimentos. Além disso, pensando
com Foucault, a relação com o Estado chega a ser, de certo modo, mesmo perigosa,
no sentido de que as ações e práticas do movimento ficariam sob um controle, uma
vigilância contínua, com o Estado sendo, por legitimidade ainda que contestável, capaz
de ditar normas, inclusive jurídicas, para manter laços de dependência, ou mesmo
manter à margem e invisibilizar os sujeitos individuais e coletivos. Esse controle passa
a ser exercido, inclusive , no âmbito da linguagem, determinando o que é ser minoria,
vulnerável, necessitado, marginalizado. A ditar o que é direito e o que não é.
Conforme Facchini (2009, p. 143)
Toda a valorização das estratégias de incidência política ou advocacy
(que se assenta sobre as dificuldades de avançar no campo legislativo
e a possibilidade de dar suporte a políticas públicas a partir do apoio do
legislativo) colabora para uma aproximação entre a linguagem ativista
e aquela própria da política praticada no âmbito do Estado. Essas
mudanças, no entanto, implicam uma ameaça: que os ativistas – e,
consequentemente, o movimento – estejam cada vez mais aptos a
dialogar com o Estado e com atores no cenário internacional, mas mais
distantes de sua “base”.
Parece que, para diversos segmentos do movimento LGBT, há uma única e
aparente saída, para que haja uma relação de igualdade entre todos, LGBT ou não:
a lei formal. Neste sentido, buscam, de diversas formas, propor leis, no sentido lato
sensu, com o intuito de garantir, ao menos formalmente, o reconhecimento que lhe é
negado socialmente, além de direitos que, de algum modo, já deveriam existir, já que a
Constituição Federal de 1988 considera todos os brasileiros iguais perante a Lei. Com
este sentido e esta perspectiva, Nildo Correia diz que
“Por incrível que pareça, infelizmente a sociedade, ela não busca saber,
mas o estado de Alagoas, é um dos estados que mais conquistou
(direitos) juridicamente através de portarias, decretos e leis voltadas
para a questão da população LGBT. Aqui, no estado de Alagoas, nós
temos a lei que criou o Conselho Municipal e Estadual LGBT, que foi
proposta pelo Grupo Gay de Alagoas, a lei que criou o Dia Municipal
de Combate à Homofobia, que foi proposta do Grupo Gay de Alagoas
também, a lei que proíbe a questão a questão da violação de direitos
voltados para a população LGBT, que foi uma conquista do Grupo Gay
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
135
de Alagoas também. Conseguimos através de Projeto de Lei, incluir a
Parada do Orgulho LGBT, em Maceió, no calendário turístico e cultural
do estado de Alagoas, proposta também pelo Grupo Gay de Alagoas.
A questão do nome social, voltado para a questão das travestis em
nível de estado, na rede pública estadual, foi proposta pelo Grupo gay
de Alagoas. Agora, através do Conselho Estadual, nós conseguimos
ampliar essa questão do uso do nome social na rede pública não só
na Educação, mas na Saúde, entre outros. Já se discute também a
questão da Portaria Nacional. . . Mas o estado de Alagoas já se utilizava
da Lei. A lei que torna a praça Rayol, um point LGBT, foi proposta do
Grupo Gay de Alagoas, entre outros que, na grande maioria das vezes,
a população LGBT não sabe¡‘ (Nildo Correia; entrevista concedida em
26 de maio de 2017)
O próprio movimento LGBT parece estar consciente de que, apesar de haver
algumas leis que concedem direitos à comunidade LGBT, nem todos os LGBT têm
noção da existência dessas leis. Outro problema decorrente disto, certamente, é a
eficácia social dessas leis que, possivelmente, pode ser bastante baixa. Em um estado
que é tido como violento para a população LGBT, a lei formal parece proteger pouco
a vida e a dignidade desses sujeitos vulneráveis. Apesar de serem necessárias, do
ponto de vista sóciojurídico, não se pode dizer que elas venham resolver in totum a
problemática do preconceito, do estigma, da violência contra os LGBT.
Expor, cronologicamente, as conquistas de certos direitos através de leis e
outros dispositivos jurídicos poderia ser, de algum modo, maçante, entretanto, para vias
de análise de constituição de um movimento LGBT organizado e para que sejam mais
facilmente percebidas os embates e as lutas, como se deram essas conquistas, optouse, aqui, por fazer tal descrição. Claro está que a simples presença e vigência de uma
lei não garantem, de modo algum, a eficácia social, todavia, isso não deixa de ser uma
conquista engendrada pelo movimento LGBT. Também não se quer comentar e analisar
juridicamente cada lei, pois seria desnecessário sociologicamente, e desvencilhar-nosíamos, certamente, da meta da pesquisa.
Já, em 23/12/1997, foi sancionada a Lei Municipal n. 4.667/199739 a qual
estabelece sanções às práticas discriminatórias à livre orientação sexual, determinando
punições para os estabelecimentos comerciais, indústrias, prestadoras de serviços e
órgãos públicos que praticarem atos discriminatórios contra os sujeitos da comunidade
LGBT.
Ainda, em 11/07/1997, é aprovada Emenda à Lei Orgânica do Município de
Maceió40 , a qual estabelece, no artigo 6°, inciso II, que o município de Maceió deve
proporcionar idênticas oportunidades a todos os cidadãos, sem distinção de orientação
39
40
Ver: Lei Municipal 4.667/97: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/01/04/image7655.pdf. Ver: Anexo:
Figura 24.
Ver: Lei Orgânica do Município de Maceió: http://www.dhnet.org.br/direitos/municipais/a_pdf/lei_organica
_al_maceio.pdf
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
136
sexual
Em 09/11/1999, foi sancionada a Lei Municipal 4.920/1999 a qual considera de
Utilidade Pública Municipal o Grupo Gay de Alagoas41 .
Em 09/11/1999, foi sancionada a Lei Municipal 4.898/1999 que institui o Dia
Municipal da Consciência Homossexual, sendo este o dia 28 de junho.42
Importante relatar que em 29/06/2000, saiu uma reportagem em “O Jornal”43 ,
com o título “GGAL divulga Dia Municipal da Consciência Homossexual”. De acordo
com a reportagem, o então Presidente do GGAL, Marcelo Nascimento, afirma que a
divulgação através da mídia jornalística faz-se necessária porque muitos homossexuais
desconhecem a data. A campanha, ainda segundo a reportagem, foi lançada na sede
da OAB/AL. Nesta mesma reportagem, fica-se sabendo que o GGAL publicava um
Informativo trimestral chamado “Somos” que era gratuitamente distribuído. De acordo
com entrevistas e documentos analisados, esse informativo chegou a ser publicado
até 2001. Na mesma reportagem, consta informação sobre a exposição. “O amor
que ousa mostrar a cara”, que reuniu fotos sobre a homossexualidade, de autoria do
fotógrafo paulista Régis Moreira. Tal exposição ocorrera em 28 de junho de 2000.
Em 22/08/2001, a Emenda Constitucional n. 23 altera o inciso I, do artigo 2°da
Constituição do Estado de Alagoas, incluindo os seguintes termos:
“Assegurar a dignidade da pessoa humana, mediante a preservação
dos direitos invioláveis a ela inerentes, de modo a proporcionar idênticas
oportunidades a todos os cidadãos, sem distinção de sexo, orientação sexual, origem, raça, cor, credo ou convicção política e filosófica e
qualquer outra particularidade ou condição discriminatória, objetivando a consecução do bem comum.“ 44
Em 31/05/2005, foi sancionada a Lei Municipal 5.439/2005 que considera o
Grupo Gay Afro-Descendente Filhos do Axé de Utilidade Pública.45
Em 20/02/2009, foi sancionada a Lei Municipal 5.752/2009 que institui o Dia
da Visibilidade Lésbica a ser comemorado em 29 de agosto.46
41
42
43
44
45
46
Ver: Lei nº 4920 de 1999: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/09/13/imageSEPARAR3490.pdf_part
e2.pdf
Ver: Lei Municipal 4.898/99: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/15/11/image3552.pdf
Recorte de jornal pertencente ao arquivo pessoal do ativista militante Marcelo Nascimento, gentilmente
cedido para a pesquisa. Ver; Anexo: Figura 23.
Grifos nossos. Ver em: Emenda Constitucional n. 23: http://gcs.sefaz.al.gov.br/sfz-gcs-web/docume
ntos/visualizarDocumento.action?key=Mv43AmgMbQw%3D. Ver também: Constituição do Estado de
Alagoas: http://gcs.sefaz.al.gov.br/sfz-gcs-web/paginas/administrativo/documento/consultarGabinete.jsf#
Ver: Lei Municipal 5.439/2005: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/01/15/imageSEPARAR4267.pdf
_parte10.pdf
Ver: Lei Municipal 5.752/2009: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/15/00/image2268.pdf
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
137
Em 24/04/2009, foi sancionada a Lei Municipal 5.771/2009 que cria o Dia
Municipal Contra a Homofobia: 17 de maio.47
De acordo com Junqueira (2012, p. 9)
É preciso, então, considerar a existência de um variado e dinâmico
arsenal de normas, injunções disciplinadoras e disposições de controle
voltadas a estabelecer e a impor padrões e imposições normalizantes
no que concerne a corpo, gênero, sexualidade e a tudo o que lhes diz
respeito, direta ou indiretamente. A homofobia, nesse sentido, transcende tanto aspectos de ordem psicológica quanto a hostilidade e a
violência contra pessoas homossexuais (gays e lésbicas), bissexuais,
transgêneros (especialmente travestis e transexuais) etc. Ela, inclusive,
diz respeito a valores, mecanismos de exclusão, disposições e estruturas hierarquizantes, relações de poder, sistemas de crenças e de
representação, padrões relacionais e identitários, todos eles voltados
a naturalizar, impor, sancionar e legitimar uma única sequência sexogênero-sexualidade, centrada na heterossexualidade e rigorosamente
regulada pelas normas de gênero.
Em 24/04/2009, foi sancionada a Lei Municipal 5.773/2009 que torna de Utilidade
Pública Municipal a Associação de Gays, Transexuais, Heterossexuais, Bissexuais,
Travestis, Transformistas e Transexuais - Pró Valorizaçãodos Doentes/AIDS - PRÓ
VIDA.48
Em 11/11/2009, foi sancionada a Lei Municipal 5.831/2009 que estabelece o Dia
Municipal do Orgulho LGBT: 28 de junho.49
Em 11/12/2009, é lançada a Cartilha “Maceió sem Homofobia” um guia prático
para utilização Lei nº 4.667/97, regulamentada pelo Decreto nº 7.034/09, contendo o
texto integral de ambos, explicita, didaticamente, para a população LGBT e em geral, os
conceitos de orientação sexual e de discriminação por orientação sexual; elencando as
condutas típicas que configuram atos discriminatórios, as sanções aplicáveis e os
procedimentos para denúncia dos atos discriminatórios. O reconhecimento, por parte
do Estado, da homofobia poderá, talvez, adiante, servir de pressuposto para justificar,
em nível nacional, a criação de uma lei que a criminalize, mas, também, ao contrário,
pode levar a um protelamento da criação dessa lei, por estratégia de poder e docilização.
Essa relação estreita entre o movimento LGBT e o Estado, visível, por exemplo,
nas importantes conquistas vistas no ano de 2009, traz à tona o questionamento se as
estratégias de luta, isto é, a eleição dos meios empregados para conseguir fins, como
estratégias de poder, a maneira em que se trata de ter vantagens sobre o outro e o
meios destinados a obter vitórias, concentram-se e devem se concentrar, conforme
47
48
49
Ver: ’Viva e deixe os outros viverem’: Campanha de Maceió quer acabar os ’mas’ da homofobia: http://www.huffpostbrasil.com/2017/05/17/viva-e-deixe-os-outros-viverem-campanha-de-maceio-q
uer-acabar_a_22095773/
Ver: http://camarademaceio.al.gov.br/leis?laws_category_id=1&year=&subject=
Ver: http://camarademaceio.al.gov.br/leis?laws_category_id=1&year=&subject=
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
138
argumenta Foucault, no Estado, que é o mais importante lugar de exercício de poder,
produzindo assim, uma estatização contínua de poder.(FOUCAULT, 1988) Neste sentido, a própria conquista pareceria ser uma forma de docilização, de domestificação, de
controle. Nesta perspectiva, Foucault (1988, p. 20) afirma que
Para uma relação de poder, a estratégia de luta constitui também uma
fronteira: a linha onde a indução calculada das condutas dos outros
não poder ir mais além da réplica à sua própria ação. como não pode
haver relações de poder sem pontos de rebeldia que por definição se
escapam, toda intensificação, toda extensão das relações de poder para
submetê-los, não podem senão conduzir aos limites do exercício de
poder. Este encontra então o seu ponto de colisão em um tipo de ação
que reduz o outro à impotência total.50
Em 2011, em Maceió, o casal Luciana Limae Viviane Rodrigues oficializou a
união estável homoafetiva entre mulheres, a primeira em Alagoase uma das primeiras
do país, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que aprovou a união homoafetiva
em cartório.51
Em 17/01/2012, a Justiça alagoana, através do juiz da 26° Vara da Família,
Wlademir Paes de Lira, realiza o primeiro casamento homossexual judicial no estado52 ,
talvez, um dos primeiros em todo o Brasil, antes mesmo da decisão da Resolução n°
17553 , de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, sobre a habilitação, celebração de
casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de
mesmo sexo, obrigando54 os cartórios a realizarem a união civil, quando desejada
pelos casais LGBT. Antes, em 200855 , o mesmo juiz já havia concedido direitos aos
LGBT que eram até então apenas concedidos a heterossexuais. Do ponto de vista
sociojurídico, esta decisão do juiz Wlademir abriu uma nova perspectiva quanto a certas
conquistas de direitos pela população LGBT, não apenas na esfera jurídica. Em 27 de
maio de 2013, Maceió já registrava mais de 10 casamentos LGBT.56
Considerando a importância das decisões judiciais para o movimento LGBT, Alberna e Kauss (2015, p. 560) argumentam que
50
51
52
53
54
55
56
Tradução nossa.
Ver a reportagem, do dia 12/07/2011, site Athos GLS, “União de cantora e enfermeira é o primeiro
casamento gay de Alagoas”: http://www.athosgls.com.br/noticias_visualiza.php?contcod=31626
Ver a reportagem, do dia 18/01/2012, da Gazeta de Alagoas: “Casal gay oficializa união de 25 anos na
Justiça”: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=195189
Ver a Resolução Nº 175, de 14/05/2013, do CNJ: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=250
4.
Ver a reportagem, de 14/05/2014, de G1-Globo: “Decisão do CNJ obriga cartórios a fazer casamento
homossexual”: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/05/apos-uniao-estavel-gay-podera-casar-em-c
artorio-decide-cnj.html
Ver Anexo: Figura 14.
Ver a reportagem, de 27/05/2013, do site Almanaque Alagoas: “Maceió já registra mais de 10 casamentos
gays”: http://www.almanaquealagoas.com.br/noticias/?vCod=7735.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
139
O poder jurisdicional tem se antecipado diante da falta de legalidade e de
políticas públicas com meios efetivos de realização, o que é um ganho,
pois a sensibilização judicial é uma importante arma na efetivação de
direitos e políticas públicas que sem isso ficariam apenas no papel,
mas é um ganho relativo, pois está condicionado ao acesso de cada
interessado, com todos os custos que isso implica, na esfera judicial
para efetivar sua condição social e pessoal. Mas, as ações judiciais têm
dado visibilidade às causas LGBT e apontado para uma legitimação
estatal das demandas das pessoas desse grupo. E aí, o Judiciário tem
sido estratégico para as pessoas LGBT, e o protagonismo dessa esfera
do poder estatal tem sido evocada para “puxar” a elaboração de leis e
de políticas públicas. Saliente-se, porém, que não se tem a pretensão
nesta constatação de encerrar a justiça na lei, principalmente quando
essa se tornou, por si só, insuficiente para solucionar as dissonâncias
em sociedades multiculturais, como a brasileira.
Essa possibilidade de realizar casamentos LGBT permitida e legitimada pela
Justiça serviu de ponte para o Grupo Gay de Alagoas promover casamentos coletivos57 .
Além de divulgar publicamente e chamar os LGBT para o casamento coletivo, essa
ação do GGAL era, ao mesmo tempo, uma forma de dar visibilidade ao movimento,
à causa LGBT, ampliando os espaços de atuação, mas, principalmente, o fato de
que casais gays agora não precisariam estar vivendo uma relação conjugal à socapa,
intimidada pela heteronormatividade e pela homofobia. Essa visibilidade conjugal, na
esfera pública, refletia a necessidade urgente de romper com as amarras do gueto.
Em 02/12/2013, foi sancionada a Lei Municipal 6.284/2013 que cria o Conselho
Municipal de Direitos da Cidadania LGBT.58 A criação desse Conselho também apresenta uma ambiguidade política, pois mais uma vez há um estreitamento dos laços com
o Estado. As ações e práticas pretendidas e desenvolvidas pelo movimento, de algum
modo, ficam à mercê da chancela do poder estatal que, como um vigia autorizador,
sabe de cada passo dado por seus subordinados, criando esses sujeitos e a sujeição
(aqui, pensando com Butler e Foucault)59 outorgando legitimidade apenas àqueles
atos que não entrem em conflito e não violem os seus interesses, isto é, exercendo
um controle sobre vidas e corpos que são, em geral, para o Estado, sem importância.
Todavia, essa ambiguidade complexa não se poderia resolver apenas nessa visão de
dependência e cerceamento. De algum modo, ao ser criado o Conselho, o movimento
LGBT parece ter aberto um canal direto de comunicação, de interrelação com o Estado: o Estado também, de algum modo, parece reconhecer que a comunidade LGBT
57
58
59
Ver a reportagem, do dia 07/12/2015, do G1-Globo: “Homossexuais celebram união em 1º casamento
coletivo gay em Alagoas”: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2015/12/homossexuais-celebram-uniao
-em-1-casamento-coletivo-gay-em-alagoas.html. E também a reportagem, do dia 06/12/2017, do site
Alagoas 24 horas: “udiciário e Grupo Gay de Alagoas promovem casamento coletivo LGBT na próxima
segunda (11)”: http://www.alagoas24horas.com.br/1113617/%EF%BB%BFjudiciario-e-grupo-gay-de-al
agoas-promovem-casamento-coletivo-lgbt-na-proxima-segunda-11/.
Ver: Lei Municipal 6.284/2013: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/08/09/image1523.pdf
Para mais aprofundamento sobre a questão da sujeição em Butler e Foucault, ver o capítulo “Sujeição,
resistência, ressignificação” em BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. 1. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017. Tradução de Rogério Bettoni, pp. 89-112.
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
140
não deve ficar invisibilizada e sem apoio político, entretanto, esses sujeitos precisam,
pensando com Foucault, ser dóceis e estar sujeitos ao poder.
Para Foucault, o poder só existe em ato e não é uma espécie de consentimento.
Também não é uma renúncia a uma liberdade, transferência de direitos. A violência é
permitida apenas como um recurso último. O exercício do poder se dá na forma difusa
de ação sobre ação, isto é, um modo de ação de alguns sobre alguns outros, apoiandose sobre estruturas permanentes. Neste sentido, há dois elementos da relação de
poder: que o outro seja totalmente reconhecido e que se mantenha como sujeito de
ação e que se abra todo um campo de respostas, reações, efeitos e possíveis invenções,
ou seja; o poder é criativo, produtivo, operando sobre o campo de possibilidades ou se
inscrevendo no comportamento dos sujeitos atuantes.(FOUCAULT, 1988)
De acordo com Butler (2017a, p. 101), “o sujeito foucaultiano nunca está totalmente constituído na sujeição, mas nela se constitui repetidamente; e é na possibilidade
de uma repetição que se repete contra sua origem que a sujeição adquire seu poder
involuntariamente habilitador.“
Em 19/06/2013, foi sancionada a Lei Municipal 6.214/2013 que proíbe a contratação com recursos públicos de espetáculos musicais ou de outra natureza que
estimulem a violência ou submetam a imagem da mulher a discriminações ou situações
degradantes ou contenham preconceitos homofóbicos.60
Em 30/04/2015, foi sancionada a Lei Municipal 6.413/2015 que estabelece o
direito ao uso e tratamento pelo nome social aos travestis, e transexuais, no âmbito
dos Poderes Executivo e Legislativo Municipal.61 Por decisão do STJ, atualmente, os
transexuais têm direito à alteração do gênero no registro civil, mesmo sem realização
de cirurgia de mudança de sexo. A 4ª Turma entendeu que a mudança do documento
não pode ser condicionada apenas à realização de cirurgia, mas que devem ser
considerados os aspectos físicos, sociais e psicológicos.62
Em 06/04/2015, foi sancionada a Lei Municipal 6.665/2015 que estabelece o
direito das pessoas que mantenham união homoafetiva à inscrição, como entidade
familiar, nos programas de habitação populares.63
Em 07/05/2015, foi sancionada a Lei Municipal 6.429/2015 que inclui no calen60
61
62
63
Ver: Lei Municipal 6.214/2013: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/03/13/image1765.pdf
Ver:
Lei
Municipal
6.413/2015:
http://camarademaceio.al.gov.br/leis?laws_category_id=1
&year=&subject=nome+social. Ver também a reportagem “Travestis e transexuais podem usar
nomes sociais em órgãos de Maceió”, de 30/04/2015, em G1-Globo: http://g1.globo.com/al/alagoas/noti
cia/2015/04/travestis-e-transexuais-podem-usar-nomes-sociais-em-orgaos-de-maceio.html
Ver a reportagem, do dia 11/05/2017, da Agência Brasil; “STJ decide que transexual pode alterar gênero
na carteira de identidade”:http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-05/stj-decide-qu
e-transexual-pode-alterar-genero-na-carteira-de.
Ver: Lei Municipal 6.665/2015: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/07/06/image0196.pdf
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
141
dário turístico de Maceió a Parada do Orgulho das Diversidades, em setembro.64
Em 10/04/2017, é publicada, no Diário Oficial do Município de Maceió, a Resolução COMED/Maceió n°01/2017 que dispõe sobre a inclusão do nome social de
travestis e transexuais nos registros escolares internos da Rede Municipal de Ensino
de Maceió.65
Claro está que, aqui, não está traçada toda a miríade de conquistas de direitos.
Todavia, ao expor essas conquistas legislativas e jurídicas, de forma cronológica, poderse-á, de algum modo, evidenciar as distintas demandas em diferentes momentos, bem
como as demandas específicas de determinados segmentos do movimento LGBT. O
que impressiona é que, em pleno século 21, muitos desses direitos conquistados
continuam ameaçados, não bastasse o fato de que não precisariam sequer ser conquistados, tendo em vista as disposições referentes à igualdade existentes na Constituição
Federal de 1988.
Neste sentido, Rios (2003, p. 162) argumenta que
É evidente que a discriminação por orientação sexual é uma espécie
de discriminação por motivo de sexo. Não faz mal que venha uma
emenda constitucional e acrescente isso. Inclusive já existem projetos no
Congresso Nacional nesse sentido. Servirá para reforçar. É realmente
necessário? Do ponto de vista estritamente jurídico, não. Basta que a
Constituição seja aplicada e interpretada adequadamente
No Brasil, a Constituição Federal parece não ser respeitada, nem mesmo pelo
Judiciário onde juízes, em vários momentos, julgam de acordo com as suas próprias
convicções e ideologias, frequentemente quando se referem a direitos relacionados
à sexualidade e, principalmente, relacionados aos LGBT. Muitos juízes, inclusive, se
revestem de convicções religiosas para negar direitos já juridicamente conquistados.66
De acordo com Mello, Avelar e Maroja (2012, p. 294)
Em particular, no que diz respeito às políticas públicas no campo da
sexualidade, convém ainda destacar que elas são permeadas de peculiaridades, já que o ponto de partida para sua formulação e implementação é basicamente a necessidade de mudança de crenças, valores
e tradições há muito prevalecentes no imaginário coletivo. O projeto
de uma sociedade sem sexismo, machismo e homofobia, capaz de
64
65
66
Ver: Lei Municipal 6.429/2015: http://camarademaceio.al.gov.br/uploads/08/08/image0086.pdf
Ver: Diário Oficial do Município de Maceió, de 10/04/2017: http://www.maceio.al.gov.br/wp-content/uploa
ds/2017/04/pdf/2017/04/Diario_Oficial_10_04_17_PDF.pdf
Ver a reportagem, do dia 15/08/2011, do site Migalhas: “Juiz nega conversão de união estável homoafetiva em casamento”: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI139300,21048-Juiz+nega+convers
ao+de+uniao+estavel+homoafetiva+em+casamento. Ver também a reportagem, do dia 18/09/2017,
do G1-Globo: “Juiz federal do DF libera tratamento para ’cura gay’ e diz que homossexualidade
é doença”:https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/juiz-federal-do-df-libera-tratamento-de-homoss
exualidade-como-doenca.ghtml
Capítulo 3. O cômputo da violência homofóbica pelo movimento LGBT maceioense
142
incluir pessoas que hoje são marginalizadas e perseguidas por não se
conformarem ao pensamento majoritário, tem também suas próprias
contradições, sendo uma das principais o risco de a assimilação implicar
a própria descaracterização ou desintegração identitária das pessoas e
grupos LGBT.
Para Fraser (2007, p. 113)
Tratar o reconhecimento como uma questão de justiça tem também uma
segunda vantagem. Concebendo o não reconhecimento como subordinação de status, ele localiza o equívoco nas relações sociais, e não
na psicologia individual ou interpessoal. Ser falsamente reconhecido,
nessa perspectiva, não é apenas ser desmerecido ou desvalorizado
nas atitudes conscientes ou crenças dos outros. Signifi ca, ao invés,
ter negada a condição de parceiro integral na interação social e ser
impedido de participar como um par na vida social, como conseqüência
de padrões institucionalizados de valoração cultural que estabelecem
alguém como desmerecedor de respeito e estima. Quando tais padrões
de desrespeito e desestima são institucionalizados, eles impedem a
paridade de participação, assim como certamente também o fazem as
desigualdades distributivas
Na arena política, quando se é vulnerável, quando se encontra invisibilizado, à
margem, quaisquer formas de reconhecimento e visibilidade parecem ser, de algum
modo, necessárias para que outras conquistas sejam possíveis. A exigência formal
de reconhecimentos e direitos parece ser urgente, já que o não reconhecimento ou
o reconhecimento deficitário, incompleto podem gerar danos à existência de sujeitos
cujas vidas parecem mesmo importar menos. Há um sério perigo de se institucionalizar
esse não-reconhecimento quando se vê, cada vez mais, os espaços de poder serem
ocupados por fundamentalistas e homofóbicos que já não escondem os seus discursos
de ódio e preconceitos. Se o poder, conforme Foucault, é difuso, as violências, ao
que parece, também são, muitas das quais legitimadas até pelo próprio Estado. Eis o
complexo paradoxo!
143
4 CONCLUSÃO
Por que uma identidade LGBT parece incomodar? Por que o movimento LGBT
orgulhosamente contabiliza os seus mortos? Por que se identificam tanto com eles?
Parece que, de algum modo, ser algo sempre é um desafio perigoso, ainda mais quando
esse “ser” não está dentro dos limites do que se convencionou chamar de “normal”,
“natural”. A partir desses e de outros questionamentos, no decurso dessa pesquisa
sociológica, é possível dizer que o conceito sociológico de identidade distingue-se
plenamente do seu conceito etimológico e semântico, sendo até mesmo contrários.
Foi partindo dessa relação identidades/não-identidades que um campo de conceitos e
perspectivas se abriu para dar impulso racional ao que se pesquisou, analisou e tentou
compreender no decorrer dessa dissertação de mestrado. As identidades têm como
principais características a fluidez, a possibilidade de serem reflexivas, a pluralidade,
a alternância, a variabilidade, a performatividade, a transitoriedade, a adaptabilidade, e
podem ser ainda negociáveis, aceitas ou negadas pelo próprio sujeito como por outros
indivíduos. Todas essas características podem ser observadas, sob determinados
aspectos e condições, nas identidades LGBT.
Ao se trabalhar com as múltiplas identidades LGBT, não se está, a priori, excluindo aqueles que não se identificam com os esquemas binários ou mesmo com os
esquemas que a sigla LGBT tenta abarcar, está-se, sim, a admitir que o movimento
LGBT é múltiplo, plural, e que abrange outros movimentos dentro desse que, por
questões didáticas, foi representado pela sigla LGBT. Neste sentido, como exposto,
os queers, ainda que problematizem os gêneros e as identidades LGBT, de algum
modo, identificam-se com o movimento LGBT. Dizer-se queer é também uma forma de
identificar-se, como demonstrado foi ao longo da dissertação, ainda que possa atacar
quaisquer formas de normatização, padrão. Pode-se afirmar, portanto, que o mundo
LGBT é mais dinâmico e mais múltiplo do que um movimento único que tente abarcar
toda uma problemática sobre sexo, sexualidade e gênero.
Com o avanço dos estudos sobre sexo, sexualidade, gênero, muitos tabus, crenças, mitos, preconceitos, pseudociências têm sido, de certa maneira, combatidos e até
mesmo afastados, todavia nunca sem haver novos conflitos, novas lutas. Essa dinâmica
contínua para estar na esfera pública dos atos, práticas e discursos, sob a proteção
formal da lei ou mesmo sob os alicerces das estratégias de poder, tem evidenciado
que, para ampliar os campos de possiblidades, é preciso, para os sujeitos envolvidos,
sempre estar atentos às novas astutas tentativas de medicalização, domestificação,
controle, repressão, retiradas de direitos, criminalizações. A patologização do comportamento LGBT parece que não foi definitivamente extinta, ainda que tenha sido
decretada desumana, ilógica e anticientífica por órgãos importantes, como a Organi-
Capítulo 4. CONCLUSÃO
144
zação Mundial de Saúde e a Associação Americana de Psiquiatria. Para os grupos
extremistas e fundamentalistas, esses acontecimentos parecem não importar: para
eles a homossexualidade é pecado, aberração da natureza, doença ou crime.
Durante a história dos movimentos LGBT, estigmas, preconceitos, estereótipos,
discriminações, injustiças foram tomados pelos próprios LGBT não apenas como
institutos capazes de anular as suas identidades, mas, ao contrário, também, como
meios e estratégias de poder para reforçá-las, fortalecê-las, tomá-las como símbolo de
luta e resistência, engendrando motivos, práticas, ações, discursos capazes de fazer
com que os movimentos LGBT viessem a ser visíveis, reconhecidos, legitimados, ainda
que a sua relação com o Estado seja ambígua, paradoxal e, sob certo aspecto, até
mesmo perigosa.
Atualmente, é bastante difícil definir, com precisão, o que é ser um LGBT. As
múltiplas identidades de gênero vão além dos próprios conceitos de gênero, sexualidade, sexo e de identidade. A vida dos LGBT tem se tornado, em alguns lugares do
mundo, mais tranquila e agradável, quando se parte da perspectiva de conquistas de
direitos, como o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a
criminalização da homofobia. Entretanto, em outros países, mesmo desenvolvidos, o
preconceito, a discriminação, o ódio, as violências múltiplas e variadas ainda persistem.
Em dez países, a homossexualidade ainda é punida com a pena de morte: Mauritânia,
Nigéria, Sudão, Somália, Yemen, Qatar, Arábia Saudita, Irã, Afeganistão e Emirados
Árabes Unidos, demonstrando uma forte relação com a religião islâmica e com um
baixo índice de desenvolvimento cultural, científico e social nesses países.
A negociação estigmatizante-estigmatizado, no caso específico dos homossexuais, deve ser repensada, e não tomada apenas como um fator de aceitação no
convívio social e de adaptabilidade, porque os estigmas lançados sobre os LGBT não
são corpóreos no sentido de marca, ferida, defeito anatômico. São comportamentais,
em essência e magnitude, ainda que inscritos nos corpos, na linguagem, no simbólico.
É justamento os comportamentos dos LGBT que lhes são típicos e, para eles, muitas vezes, não são mais encarados como uma “mancha”, uma “mácula” social, mas
sim uma identidade colorida, leve, alegre, irreverente pela qual se luta, reconhece-se,
orgulha-se.
As novas considerações sobre gênero, sexualidade, sexo, poder, os questionamentos lançados, principalmente, por Foucault, Judith Butler, os teóricos queer, as
teorias feministas, as tantas teorias e trabalhos produzidos academicamente, as novas
concepções estéticas e éticas, os avanços da medicina quanto à cirurgia de mudança
de sexo, as novas concepções de família, os novos avanços do Direito quanto à mudança de nome e direitos civil e previdenciário, o crescimento dos movimentos sociais
LGBT, as ações estatais de proteção aos LGBT, tudo isso deve ser levado, atualmente,
Capítulo 4. CONCLUSÃO
145
em conta, quando tratar-se de estigma referente ao LGBT. Porque, se havia uma negociação na relação estigmatizante-estigmatizado, essa negociação era hierarquizada.
Hoje, ela tende a atender outros anseios, novas configurações, tendendo para uma
horizontalidade plural, mas jamais unidirecional, determinada, rígida. Entretanto, isso
não significa que a violência contra os LGBT tenha diminuído.
A violência contra os LGBT tem muitos aspectos, apresenta-se de múltiplas e
complexas formas, desde a simbólica, invisível, até ao ápice, isto é, a violência letal.
Não se pode compreender, de modo algum, a violência letal homofóbica, sem adentrar
na esfera dos estigmas e da violência simbólica. São os sinais iniciais de uma possível
futura violência maior. A máxima de que “violência gera violência” serve, aqui, de
alerta: a observação do descaso e a subestimação de pequenas brincadeiras, piadas,
trejeitos, gozações, discretas exclusões, têm levado a estorvos de convivência, ao
bullying, a depressões, a suicídios que, em maior parte das vezes, quando se é LGBT,
passam mesmo despercebidos, não são notados como uma violência, parecendo
ser esta mesmo aceitável, socializada como normal, já que essas vidas são tidas
como precárias e sem importância. Parece sempre haver uma maneira perniciosa e
estratégica de culpar a violência praticada contra os LGBT: culpando os próprios LGBT.
O empreendedorismo moral responsável, de algum modo, por “engendrar” moralizadores, pessoas que querem, a todo custo, impor uma moral que eles mesmos não
exercem tem ganhado força com a penetração do setor religioso na esfera política. A
religião sempre manteve relações estreitas com a discriminação dos LGBT, perpetrando,
ao longo da História, uma miríade de violências. A condenação imposta pela religião
contra os LGBT está fundamentada na interpretação de certas passagens da Bíblia,
principalmente. Tal interpretação baseia-se no fato de um homem aproximar-se do
que é feminino, de querer tornar-se símile a uma mulher, e apresentar comportamento
delicado, frágil, efeminado ou comportar-se, durante o ato sexual, passivamente, além
da questão reprodutiva também baseada em passagens bíblicas. O estigma do passivo
sexual procura marcar fervorosamente os LGBT.
De outro lado, vê-se também uma abertura para os LGBT em determinadas igrejas, muitas, porém, estigmatizadas e até banidas e condenadas pelo circuito religioso
tradicional. O exemplo da religião serve para demonstrar que o estigma da homossexualidade é um problema culturalmente forte, de dominação, com mecanismos de
poder bastante estruturados. Tanto é que se mata LGBT por ódio a LGBT, e o crime
não é ainda sequer tipificado como crime de ódio específico contra um LGBT. Todas
as tentativas de legislação da crimalização da homofobia têm sido ou engavetadas ou
barradas no Congresso Nacional, principalmente devido à influência forte da bancada
religiosa.
O mundo que se pretende mais padronizado, de acordo com valores dominantes
Capítulo 4. CONCLUSÃO
146
e inegociáves, apresenta-se, assim, mais normatizado, como fonte inesgotável de
estigmas. Tudo então para os estigmatizados parece obedecer à lógica de uma regra
prévia, criada exclusivamente para eles. Ou seja: esses sujeitos vulneráveis e invisíveis
são criados sujeitos normatizados e amalgamados a uma sujeição heteronormativa
que exige desses sujeitos uma postuta máscula, viril, para serem tolerados. Tolerá-los,
ao que parece, não significa reconhecê-los e aceitá-los. Entretanto, essa mesma sujeição engendra nesses sujeitos dominados, vulnerabilizados, sujeitados, brutalizados,
estratégias de resistência e de luta.
Uma das características da violência letal homofóbica é a violência brutal,
extrema, com requintes de crueldade praticada contra os LGBT, consequência do ódio
e da reificação que o homicida homofóbico engendra e alimenta dentro de si contra os
LGBT. Uma das imensas dificuldades para investigar os crimes praticados contra os
LGBT é própria estigmatização e, consequentemente, as discriminações e violências,
muitas vezes, até físicas, que os LGBT sofrem quando vão a delegacias, prestarem
queixas. Quanto aos homicídios, além da falta de estatísticas estatais oficiais, é a
deficiência de informações básicas sobre o próprio crime que impedem, de algum modo,
uma acurácia, uma sistematização e classificação desses crimes como homofóbicos.
Tendo em vista a vulnerabilidade dessas vidas e a vasta discriminação que
sofrem, muitos teóricos têm defendido que, enquanto não houver critérios amplamente
científicos e jurídicos para definir o que é um crime homofóbico, todos os homicídios
praticado contra os LGBT devem ser considerados homofóbicos. Ainda que houvesse
tais critérios, ainda assim nada garantiria que eles seriam computados como homofóbicos, pois, possivelmente, aumentaria uma tensão entre um Estado, que é em sua
gênese e, a priori, heteronormativo, e a comunidade LGBT. Além do fato de não haver
legislação específica que puna os crimes homofóbicos que também precisaria ser
racionalmente bem estruturada tanto tecnicamente como socialmente, para não punir
crimes não homofóbicos como homofóbicos.
A lei em si também não garante que haverá eficácia social e nem garante que
os crimes contra os LGBT serão diminuídos, tendo em vista os múltiplos fatores que
delimitam a homofobia. Talvez, como inovação teórica, lançamos a importância do
reconhecimento e da reificação na caracterização da homofobia. Certamente, material
para futuras pesquisas mais específicas em um doutorado.
Quanto à autoridade policial que, quase sempre, é o primeiro braço estatal a
tomar ciência do crime e ir ao local, e que poderia, de algum modo, afirmar ou negar a
homofobia, no caso concreto, já que não há critérios bem definidos que digam se um
crime é ou não homofóbico, deve-se ter certas reservas, até porque muitas violações
praticadas contra LGBT são feitas por policiais. Isso causa uma fragilidade imensa nas
notificações, que já não são oficiais. Por isso, é preciso que pesquisas sejam feitas
Capítulo 4. CONCLUSÃO
147
para se saber como é possível descobrir e classificar os homicídios praticados contra
os LGBT como especificamente crimes homofóbicos, como quantificá-los, para se
conhecer e compreender, com maior amplitude, a dinâmica dessa violência letal, para
tornar o cômputo racionalmente eficaz.
Aqui, uma pergunta ficaria: será mesmo necessário que o Estado compute os
mortos dos LGBT para que esses corpos passem a ter um visibilidade, dignidade?
Não se está bem certo disso. Há mais de 35 anos, o GGB e demais grupos LGBT
vêm sistematizando e produzindo as estatísticas dos seus mortos. Mas não só os
computando como números em uma tabela ou gráfico: é uma questão de resistência,
estratégia, de luta, de orgulho, de vida.
Ainda que pesem acusações de que nem todo crime computado foi por ódio ao
LGBT, pesa ainda mais sobre essa acusação, a violência cruel e extrema com que tais
crimes são perpetrados, pesa a precariedades dessa vidas que não foram em muitos
casos pranteadas dignamente, pesa o horror diário com que a expectativa de vida baixa
grita para muitos LGBT, principalmente as travestis e as (os) transexuais que arriscam
as suas vidas na escuridão das esquinas, avenidas e praias, tentando sobreviver à
hipocrisia social, ao descaso estatal, à intolerância contínua e nefasta daqueles que
não suportam a performatividade e a existência dos que lhes são diferentes.
Vê-se, a partir das considerações tecidas ao longo da dissertação e dos
argumentos apresentados, que a homofobia parece ter um componente de reificação
ou mesmo ser um tipo desta. Isso faz com que os atos homofóbicos sejam considerados
atos conscientes nos quais o agente homofóbico não reconhece o outro, anulandoo, instrumentalizando-o, tratando o LGBT como um mero meio, como coisa. Essa
instrumentalização do outro, em seu grau máximo, pode levar ao homicídio homofóbico,
sempre praticado com grande violência e crueldade.
Por ser uma forma de reificação ou ter um componente de reificação, a homofobia não é simplesmente uma violação a uma regra legal, uma violação a uma regra
moral ou social. Ainda, por ter múltiplas causas, por apresentar-se enraizada socialmente, por ter suporte nas sociedades heteronormativas, androcêntricas, dominantes,
que, de algum modo, parecem legitimar e/ou não se importar com as minorias (neste
caso, os LGBT), a homofobia continua a computar vítimas.
Fica evidente, como exposto, que o reconhecimento, no caso da homofobia, já
não se dá desde o início, pois a fase do amor parece não poder ser alcançada, porque
há um desrespeito à integridade psíquica do indivíduo LGBT. Ao lidarmos com minorias
com sexualidade negada, desprezada, estamos diante de discriminações negativas que,
de alguma maneira, precisariam ser solucionadas ou melhor compreendidas a partir
de abordagens interdisciplinares, pois a problemática de gênero é um paradigma de
coletividade bivalente, isto é, necessitam de ações que envolvam tanto reconhecimento
Capítulo 4. CONCLUSÃO
148
como redistribuição.
Se é verdadeiro que o homofóbico é, então, incapaz, desde o início, de reconhecer um indivíduo LGBT, isto é, já nega o reconhecimento desde a fase do amor,
resta, a priori, para, ao menos, manter o respeito mínimo, as ações na esfera do direito
- onde uma lei que criminaliza a homofobia passaria a ter uma relevância significativa,
ainda que reservas possam ser feitas, obviamente, como já levantadas quanto a uma
lei qualquer - e na esfera da solidariedade - em que a sociedade, através de ações,
práticas e discursos que condenem quaisquer tipos de discriminações e preconceitos,
passaria, em dada medida, a diminuir ou amenizar os efeitos danosos da homofobia.
A intenção de abordar a homofobia, via Honneth, a partir do conceito de reificação parece ser bastante rica e inovadora, ao que parece, e, de certo modo, promissora.
Por isso, para que se fizesse visível o esforço sistemático de Honneth para desenvolver
este conceito e ampliá-lo para um modelo mais complexo do que o de Lukács, do qual
Honneth é parte, foi fundamental ter feito também uma análise genético-reconstrutiva
de modo a identificar o núcleo significativo da reflexão honnethiana a ponto de poder determinar as particularidades do conceito, para, então, proceder à aplicação sociológica
deste em relação ao objeto de pesquisa.
A aparente dificuldade de situar a ideia de um reconhecimento prévio em relação
à homossexualidade poderia levar a uma abordagem conflitante do conceito em relação
ao objeto da pesquisa, todavia, o próprio Honneth, como explicitado, distingue dois
modelos a partir dos quais se poderia explicar, com mais racionalidade e sociologicamente, o processo de reificação de modo a superar também as limitações de Lukács,
ou seja: preferiu-se abordar a partir de uma negação do reconhecimento a posteriori
por decorrência da existência de preconceitos, estigmas e estereótipos prévios.
Como demonstrado e compreendido, o registro das informações sobre violência
homofóbica no Brasil dá-se através da produção de relatórios nacionais anuais pelo
Grupo Gay da Bahia (GGB). Em decorrência disto, analisou-se a constituição desses
dados, em nível nacional, com destaque para a dinâmica da produção de tais dados
no estado de Alagoas. Como delimitação temporal da pesquisa compreendeu-se o
período que cobre o primeiro relatório de registros de crimes homofóbicos produzido no
Brasil, pelo GGB, isto é, 1981, até o ano de 2017, quando foi lançado o último relatório.
Devido ao fato de que esses relatórios nacionais são sistematizados pelo GGB em
parceira com os ativistas LGBT dos demais estados da federação, esta pesquisa cobriu,
de algum modo, atividades de campo junto ao GGB, mas, principalmente, junto ao
movimento LGBT alagoano, com destaque para as lideranças e os atores diretamente
relacionados ao registro e ao cômputo dos crimes homofóbicos locais.
Constatou-se que tentando driblar a ausência de uma tipificação penal para os
crimes de violência homofóbica, os movimentos sociais LGBT, no Brasil, sob a liderança
Capítulo 4. CONCLUSÃO
149
do Grupo Gay da Bahia, estruturaram uma rede complexa e sofisticada de produção de
informação. Essa rede de relações, interesses e informações formada a partir dos anos
80 não pode ser considerada homogênea, harmônica, plenamente eficaz e sistemática,
pois nem todos os estados da federação contribuem, de forma plena e eficaz, para
alimentar os dados do GGB, e alguns até se esquivam, de algum modo, de computar e
enviar os dados da violência letal homofóbica, restando ao próprio GGB a tarefa de
fazer essa coleta além das fronteiras da Bahia, como fazia, no seu começo de grupo
gay organizado, lá nos primórdios dos anos 80, ou seja: através de notícias em jornais,
rádio, cartas de miltantes isolados que, vez ou outra, sensibilizados com a causa LGBT,
escreviam para o GGB.
Entretanto, o processo de fluxo da mensuração destas informações acompanha
o processo de desenvolvimento e visibilidade do movimento LGBT brasileiro. No caso
de Alagoas, o processo de construção das questões de reconhecimento e visibilidade
da população LGBT estaria diretamente relacionada ao processo de constituição dessa
rede de informação inicializada a partir da década de 1990, tendo forte ligação com
o Partido dos Trabalhadores, por ser os fundadores do GGAL ligados à militância
partidária petista.
A produção desses dados, como demonstrado, além de servir como estratégia
de poder e luta, para a obtenção de políticas públicas, serve como ferramenta para
visibilização do próprio movimento LGBT enquanto agente mobilizador organizado que,
explicitamente, reinvidica os seus mortos para dar-lhes dignidade e reconhecimento,
de forma a criar estratégicas de combate à homofobia.
Fora reflitindo como, principalmente, Foucault, Butler e Honneth se relacionam
com o problema da pesquisa que, de algum modo, foi possível encontrar em cada um
deles a interrelação necessária para explicação da relação sexualidade-gênero-poder,
estratégia-reconhecimento e luta por direitos, e perceber como estes conceitos se
interpenetram. Foucault não é simplesmente o teórico que argumenta sobre a questão
do poder e da disciplina, ele é o autor que problematiza como o louco, o homossexual,
o queer, e outros “desviados” se transformaram em objeto do discurso médico legal e
como os seus corpos foram sendo domesticados, controlados, estatizados a partir de
um discurso médico-legal do que seria a sanidade, a heteronormatividade, de como
deveria ser o corpo asséptico, inconspurcado, etc.
Foi também pensando, com Foucault, que ficaram mais evidentes a ambiguidade
e a contradição de um Estado que legisla e normatiza, ações, discursos e práticas da
intimidade, a ponto de considerar essas práticas mesmo criminosas, mas outorgando
pouca ou nenhuma importância à morte ou ao assassinato desses sujeitos precários e
vulneráveis. Paradoxalmente, ao Estado interessa tanto exercer poder sobre corpos
cujas vidas parecem valer menos, porque é um modo racional-legal de controlá-los e,
Capítulo 4. CONCLUSÃO
150
mesmo, invisibilizá-los, pondo-os à margem social e tendo, como sempre, reiteradamente, meios de exercer o seu poder sobre esses corpos tidos como indesejáveis.
Da mesma forma, foi reflitindo como esses números não são meros números
estatísticos, que ficou mais claro e perceptível que tais dados são objeto de lutas performáticas. Butler, neste sentido, bem como os teóricos queer e as teorias feministas,
tiveram grande relevância por apontar questionamentos para além da possiblidade de
discutir a problemática de gênero e a própria masculinidade compulsória no universo
redutor dos binarismos, pondo, assim, em choque as normas da heterossexualidade,
permitindo que entrassem em jogo tanto a fluidez dos discursos do gênero quanto a
sua articulação em luta política, haja vista os catecismos de guerrilha de Luiz Mott,
evidenciados em seu Manual de Coleta de Dados. Todavia, a relação entre esses sujeitos, dos diversos movimentos e fora deles, não é, de modo algum, pacífica, harmônica,
destituída de conflitos. A luta política pede a afirmação de uma identidade essencialista,
pois é preciso dar cor e corpo e voz aos sujeitos na arena política. Portanto, parece que
a essencialidade não é a tônica da questão. A pluralidade de sujeitos e as suas específicas demandas fazem com que, muitas vezes, a luta por visibilidade, reconhecimento
e direitos não alcance um resultado almejado e, deveras, legitimamente esperado.
Esta pesquisa foi feita, também, par excellence, para que novos questionamentos
possam surgir na esfera pública das ideias e dos conceitos, para permitir aberturas
racionais para uma melhor problematização sobre as relações complexas existentes
entre poder-saber-sexualidade-reconhecimento-direitos. Com as novas mobilizações
dos grupos de LGBT, com os ativistas/militantes atuando no meio do cenário político,
com as novas estratégias de poder e luta ofertadas pela interrelação com os demais
movimentos sociais e as novas formas e meios de comunicação disponíveis, alguma
luz, talvez, possa ser lançada quanto à possibilidade de novas conquistas não só
jurídico-legais, mas na plenitude complexa, multiculturalista, multicolorida da esfera
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Citado na página 16.
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ŽIžEK, S. Violência. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014. Citado na página 54.
Anexos
167
Referências
Figura 1 – “Mamãe Alagoas”, a boneca gigante de 3 metros de altura, símbolo máximo e
representativo do bloco Filhinhos da Mamãe, o qual foi fundado em 1983, fruto do
desejo de atores e atrizes de brincar o carnaval de rua em Maceió, inspirados no
espetáculo de teatro “Estrela Radiosa”, de 1982, escrito por Ronaldo de Andrade e
montado pela Cia Teatral Comédia Alagoense.
Fonte: Agência Alagoas (http://agenciaalagoas.al.gov.br)
Figura 2 – Peça teatral Estrela Radiosa, encenada pela Associação Teatral de Alagoas (ATA), em
uma de suas reapresentações em 2008. O espetáculo Estrela Radiosa estreou, no
Teatro Deodoro, em 1982, montado pela Cia. Teatral Comédia Alagoense, grupo
anterior à ATA, fundado por Linda Mascarenhas.
Fonte: Site Alagoas 24horas (http://www.alagoas24horas.com.br)
168
Referências
Figura 3 – Boate Havana Dance Club, em 2011. De acordo com o blog da boate, à época, já há
05 anos em atividade. Atualmente, no mesmo local, funciona a boate Joy Club.
Fonte: http://havanadanceclub.blogspot.com.br/
169
Referências
Figura 4 – Boate Joy Club, localizada na avenida Comendador Leão, 101, Jaraguá/Maceió - AL.
Local de encontro LGBT, mas não só. Situa-se no mesmo prédio onde havia a boate
“Havana”.
Fonte: Vipado (http://www.vipado.com.br)
Figura 5 – Convite feito pelo Grupo Gay da Bahia, em 2011, para o lançamento do livro que seria
uma compilação integral de todos os boletins produzidos pelo GGB de 1981 a 2005.
Fonte: Grupo Gay da Bahia (http://www.ggb.org.br)
Referências
170
Figura 6 – Cinema Ideal, localizado no bairro Levada, de Maceió/AL. Era especializado em exibir
filmes pornográficos, nas décadas de 1980 e 1990, atraindo para as suas salas os
LGBT os quais faziam aí a “pegação” e até mesmo prátocas sexuais.
Fonte: Página do Facebook: Unidades Especiais de Preservação - UEPs - de Maceió. Fonte primária:
MISA
171
Referências
Figura 7 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 01)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
172
Referências
Figura 8 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 02)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
173
Referências
Figura 9 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 04)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
174
Referências
Figura 10 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 05)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
175
Referências
Figura 11 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 06)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
176
Referências
Figura 12 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 07)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
177
Referências
Figura 13 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 08)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
178
Referências
Figura 14 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 09)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
179
Referências
Figura 15 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 10)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
180
Referências
Figura 16 – Primeiro Boletim do Grupo Gay da Bahia (GGB), de agosto de 1981. Originalmente,
era mimeografado. EM 2011, os boletins foram transformados em livro, como forma
de proteger o arquivo já fragilizado, sendo lançado pela editora do GGB. (Parte 11)
Fonte: arquivo Luiz Mott/GGB (https://luizmottblog.wordpress.com/)
181
Referências
Figura 17 – Reportagem da Gazeta de Alagoas, de 30/05/2008, em que se lê que o Judiciário
alagoano, através do Juiz Wlademir de Lira, profere decisão inédita quanto aos
direitos LGBT.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
182
Referências
Figura 18 – Revista Somos (parte 1), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3, de 2001.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
183
Referências
Figura 19 – Revista Somos (parte 2), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3, de 2001.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
184
Referências
Figura 20 – Revista Somos (parte 3), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3, de 2001.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
185
Referências
Figura 21 – Revista Somos (parte 4), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3, de 2001.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
186
Referências
Figura 22 – Revista Somos (parte 5), publicação trimestral do GGAL, ano I, n. 3, de 2001.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
187
Referências
Figura 23 – Matéria de O Jornal, de 29/06/2000 em que , por atuação do GGAL, divulga-se a
comemoração do Dia Municipal da Consciência Homossexual, ocorrida no dia
28/06/2000.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
188
Referências
Figura 24 – Lei 4.677, de 23/11/1997, a primeira lei municipal maceioense em defesa dos direitos
LGBT, por atuação direta do GGAL, já no seu primeiro ano de existência.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
189
Referências
Figura 25 – Parte (1) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas, ano
da criação do GGAL.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento
190
Referências
Figura 26 – Parte (2) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas, ano
da criação do GGAL.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
191
Referências
Figura 27 – Parte (3) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas, ano
da criação do GGAL.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
192
Referências
Figura 28 – Parte (4) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas, ano
da criação do GGAL.Legenda
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
193
Referências
Figura 29 – Parte (5) do Dossiê/96, do Fórum Permanente Contra a Violência em Alagoas, ano
da criação do GGAL.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
194
Referências
Figura 30 – Carta recebida (primeira folha), por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do
Peru, em 1998, como forma de apoio e solidariedade ante as ameaças de morte
sofridas, por ter denunciado os assassinatos de LGBT praticados por policiais.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
195
Referências
Figura 31 – Carta recebida (segunda folha), por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do
Peru, em 1998, como forma de apoio e solidariedade ante as ameaças de morte
sofridas, por ter denunciado os assassinatos de LGBT praticados por policiais.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
196
Referências
Figura 32 – Carta recebida, por Marcelo Nascimento, do Ministério Público do Peru, em 1998,
como forma de apoio e solidariedade ante as ameaças de morte sofridas, por ter
denunciado os assassinatos de LGBT praticados por policiais.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.
197
Referências
Figura 33 – Publicação oficial da Anistia Internacional, de setembro de 1997, em que se
constata denúncia feita, pelo órgão internacional, sobre os assassinatos de LGBT
por policiais, bem como evidenciam-se as ameaças de morte sofridas por Marcelo
Nascimento, então criador do GGAL e seu primeiro presidente.
Fonte: arquivo pessoal do criador do GGAL, Marcelo Nascimento.