Traipu, o antigo Porto da Folha alagoano

Rua Conselheiro Zacarias, atual Rua Ismar de Góis Monteiro, em Traipu, Alagoas

De origem tupi, a palavra Traipu é derivada de “ytira ypu”, que quer dizer “fonte de morro” ou “olho d’água do monte”, segundo o dicionário de Teodoro Sampaio.

Vila de Traipu em 1869, foto de Abilio Coutinho

O primeiro proprietário de terras no local teria sido o mestre-de-campo Pedro Gomes, que já explorava várias fazendas de gado na região e que ali, nos fins do século XVII, delimitou um morgado para seus descendentes e deu-lhe o nome de Porto da Folha. O mesmo nome também foi adotado pelo povoado que rapidamente se constituiu naquelas terras.

Essa foi a versão apresentada por João Alberto Ribeiro no início do século XX. Wenceslau de Almeida, nessa mesma época, não concordou. Para ele este morgado realmente existiu, mas à margem direita do São Francisco, no atual Estado de Sergipe, não sendo provável que os seus limites ultrapassassem o grande rio para estender-se pelo território que mais tarde constituiria a Província de Alagoas.

Arnaldo Jambo, em sua Enciclopédia dos Municípios Alagoanos, avalia que a influência do rico fazendeiro Pedro Gomes, um poderoso mestre-de-campo na Bahia em 1680, e que chegou a governar interinamente o Rio de Janeiro em 1681, pode ter influenciado a ampliação da abrangência do nome de sua propriedade em Sergipe para o outro lado do Rio São Francisco.

Traipu em 1875. Foto Marc Ferrez

Essa possibilidade pôde ser constatada em 16 de março de 1713, quando foi conferida uma sesmaria a João Dantas Aranha, Manuel Braz Pedrosa e Caetano Dantas Passos, no Porto da Folha, a parte norte, isto é, Alagoas.

É este o mais antigo documento que registra a atual Traipu com o nome de Porto da Folha. Como se vê, não há nenhuma referência ao morgado, que, entretanto, ainda existia em 1854, pertencente a D. Maria Joaquina Castelo Branco, segundo afirmativa do Dr. João Vieira Rodrigues de Carvalho e Silva (“Viagens à Cachoeira de Paulo Afonso” — Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil).

Em 1844, o presidente da Província registrou que “esta vila tem em semicírculo de si muitas fazendas de criar gado vacum, cavalar e das espécies menores; que belos requeijões, linguiças e carne de sol não fornecem estes lugares às diferentes feiras que se fazem nas margens deste Rio São Francisco não só do lado desta província, como do lado de Sergipe!”.

Rua Conselheiro Zacarias, em 1922, atual Rua Ismar de Góis Monteiro, em Traipu, Alagoas

A pecuária era tão importante que até os próprios frades, que exerceram muita influência na formação da cidade, exploravam “a região dos currais”. Seus produtos abasteciam a zona do açúcar no litoral.

Posteriormente, passou a chamar-se Traipu em razão de se achar o povoado muito perto da barra do rio deste nome. Essa denominação foi oficializada somente em 1870, mas em 3 de junho de 1844 a Gazeta dos Tribunais (RJ) já publicava que Alagoas achava-se dividida em cinco comarcas com oito termos, entre ele “Porto da Folha ou Traipu”.

Tomás do Bomfim Espíndola assim registrou as informações sobre Traipu em 1844: “Naquela ocasião, a vila teria uns 300 fogos, 1.500 almas, algumas casas comerciais e duas escolas primárias para ambos os sexos. O seu termo é o mais apropriado para a criação e é o que tem maior número de fazendas de gado. Todavia, há lavouras de legumes de toda espécie, mandioca e algodão em grande escala”.

Evento muito lembrado no município é a visita do imperador Pedro II à vila no dia 16 de outubro de 1859. Conheceu sua matriz, suas ruas e as duas escolas. Antes de se despedir, deixou 350$ para os necessitados.

Poucos anos depois, em 8 de abril de 1877, foi criado o Club Literário, que oferecia “aos seus associados a aprazível e útil distração da palestra e da leitura em todos os dias até as 9 horas da noite”.

Foram seus sócios instaladores: “Adjunto do promotor Firmino Antonio de Mello, Professor José Casimiro da Costa, Advogado Manoel Firmino de Menezes Mattos, Solicitador Marcos José Casumba, Negociantes, Hermillo de Freitas Melro, Antônio de Freitas Melro, Fernandes de Albuquerque Lima e João Emigdio de Albuquerque, e Escrivães Henrique da Silva Méro e Victor José Modesto, e o Distribuidor João de Andrade Lima”.

Ainda em 1877, no mês de novembro, foi lançado o Jornal do Traipu.

A vila foi criada com o nome de Porto da Folha pela Resolução n° 19, de 28 de abril de 1835, desmembrada da vila de Penedo, dependendo da construção da Casa da Câmara e da Cadeia, obrigação de que ficou isenta pelo artigo 3° da Lei n° 3, de 22 de janeiro de 1838. Só depois foram instaladas.

A freguesia primitivamente denominada Nossa Senhora do Ó do Saco, logo depois Porto da Folha, é uma das mais antigas do Estado, datando sua instalação em 1714, segundo a “Ideia Geral da População da Capitania de Pernambuco”, ou em 1732, segundo outros documentos.

Prédio da Intendência de Traipu em 1922

A homenagem a Nossa Senhora do Ó tem como origem a lenda, comum a várias igrejas do Nordeste, que relata a história de alguns garotos que estavam a brincar no monte onde fica a cidade de Traipu e notaram que no cimo de uma pedra estava uma imagem de Nossa Senhora do Ó. Resolveram levá-la para a capela existente na Fazenda Saco, pois em Porto da Folha não existia nenhuma igreja católica.

No dia imediato notaram ter a santa desaparecido, voltando a ser encontrada no local onde tinha sido achada. O fato repetiu-se por mais uma vez. Resolveram então os habitantes construir ali uma igreja.

Desde 1833, lutava Traipu para erigir-se em vila. O padre Francisco José Correia de Albuquerque, penedense, que fazia parte do Conselho Geral da Província, propôs a criação da vila “compreendendo toda a freguesia de Nossa Senhora do Ó de Porto da Folha até a barra do rio dos Cabaços, exclusivamente”.

Aprovada a proposta, foi enviada em 22 de janeiro de 1833 para os trâmites finais. Porém, só em 23 de março de 1835 foi o projeto apresentado à Assembleias Provincial.

Secretaria da Prefeitura de Traipu

Sancionada a Resolução n° 19, de 25 de abril de 1835, José Joaquim Machado Oliveira, presidente da Província das Alagoas, erigia em vila a povoação de Porto da Folha, estabelecendo que “a resolução não terá vigor em sua devida execução enquanto se não acharem fundados no assento da nova vila criada as obras públicas da Cadeia e Casa de Câmara“.

Por esse fato, a aplicação da Lei foi protelada por mais três anos, até que essa exigência foi supressa pela Lei n° 3, de 22 de janeiro de 1838, tendo para isso os moradores de Traipu feito representação onde doavam uma casa suficientemente espaçosa para a Câmara Municipal e Cadeia, até que se concluíssem as destinadas a tal fim.

A Lei n° 516, de 30 de abril de 1870, denominou-a Traipu, sendo elevada à categoria de Cidade pela Lei n° 14, de 16 de maio de 1892.

Foram desmembrados do seu território os municípios de Mata Grande, em 1837, o de Belo Monte (hoje Batalha), em 1886, sendo que este último veio posteriormente a ser extinto por determinação da Lei nº 34, de 30 de maio de 1893, anexando-lhe o território ao de Traipu como um distrito.

Açougue municipal Traipu

Perdeu-o de novo com a Lei n° 82, de 20 de julho de 1895, que restaurou o município de Belo Monte.

O Decreto n° 2 335, de 19 de janeiro de 1938, extinguiu o município de Belo Monte e o anexou a Traipu, que o perdeu finalmente em 1947, pelo Ato das Disposições Transitórias da Constituição Estadual, que restabeleceu aquela circunscrição.

Em 1873, o Almanak da Província de Alagoas informava que o “Município do Traipu” tinha quatro povoados: “1º Traipu (vila), com 500 fogos (t. m. 1.500 hab.); 2º Povoação da Lagoa Funda, com 150 fogos (t. m. 460 hab.); 3º Dita de Sant’ Anna da Ribeira do Panema, com 140 fogos (t. m. 390 hab) e uma igreja de Sant’ Anna; e 4º Dita do Riacho do Sertão, com 61 fogos (t. m. 240 hab.)”.

O seu termo pertenceu, desde a criação, à comarca de Penedo, de onde passou para a de Pão de Açúcar, em 1876, quando de sua criação.

Empresa Elétrica em Traipu

Pela Resolução n° 749, de 14 de junho de 1877, foi daí desmembrada para ser elevada à categoria de comarca, com o seu termo e o de Santana do Ipanema, desmembrados do de Mata Grande. A comarca foi instalada a 7 de novembro de 1877.

Em 1882, Santana passou para a comarca de Pão de Açúcar.

Traipu recebeu ainda o termo de Belo Monte (hoje Batalha) em 1886, cuja vila foi criada neste ano.

Em 1908, pela Lei n° 562, de 7 de junho, perdeu o termo de Belo Monte, que passou para a comarca de Pão de Açúcar, readquirindo-o depois.

Na divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município era constituído do distrito sede.

Em divisões territoriais datadas de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937, o município aparece constituído de três distritos: Traipu, Belo Horizonte e Lagoa da Canoa.

Pelo decreto-lei estadual nº 2435, de 30 de novembro de 1938, foi criado o distrito de Mucambo e anexado ao município de Traipu. Sob o mesmo decreto o município adquiriu o distrito de São Brás, do município de Arapiraca e perdeu para este o distrito de Lagoa da Canoa.

Residência Particular em Traipu

Pelo Decreto-lei Estadual nº 2909, de 30 de dezembro de 1943, o distrito de Belo Horizonte passou a denominar-se Ponciano e o distrito de Mucambo a denominar-se Feira Grande.

No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município era constituído de 5 distritos: Traipu, Belo Horizonte, Belo Monte, Feira Grande (ex-Mucambo) e São Brás.

Por Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 9 de julho de 1947, ficou desmembrado do município de Traipu o distrito de Belo Monte. Elevado à categoria de município.

A mesma Lei desmembrou do município de Traipu os distritos de São Brás e Feira Grande, para formar o novo município de São Brás.

Perdeu o termo de Batalha em 17 de setembro de 1949, pela Lei n° 1 473, e os de Porto Real do Colégio e São Brás, que também passaram a comarcas, pela Lei n° 1 674, de 11 de novembro de 1952.

Vista parcial da cidade de Traipu em Alagoas

Segundo o quadro da divisão administrativa fixado pela Lei n° 1 785, de 5 de abril de 1954, o município é composto de 2 distritos: Traipu e Ponciano.

A Lei Estadual nº 2101, de 15 de julho de 1958, desmembrou do município de Traipu o distrito de Ponciano. Elevado à categoria de município com a denominação de Girau do Ponciano.

Em divisão territorial datada de 1º de dezembro de 1960, o município era constituído do distrito sede. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007.

Inauguração do fornecimento de energia elétrica a partir de Paulo Afonso em Traipu no ano de 1967

9 Comments on Traipu, o antigo Porto da Folha alagoano

  1. Neila da Silva Reis // 12 de fevereiro de 2019 em 13:11 //

    M bom! Parabéns!

  2. Muito boa essa narrativa sobre a história do município de Traipu desde sua fundação até o século passado. Saber da importância geográfica, econômica e cultural que o nosso município representa para o estado de Alagoas, me deixa muito orgulhoso de ser traipuense.

  3. Elmanuel de Freitas Machado // 20 de agosto de 2020 em 14:52 //

    Excelente texto, que praticamente, resgata a nossa história! Parabéns ao autor-pesquisador!!!

  4. Karolina Mattos Roeder // 31 de dezembro de 2020 em 08:02 //

    Ótimo texto, obrigada por compartilhar! O Manoel Firmino de Menezes Mattos é meu tataravô, vocês teriam a fonte de onde retiraram a informação a respeito do Club Literário? Estou pesquisando sobre a família e essas fontes ajudariam consideravelmente. Obrigada e parabéns pelo site!

  5. Tercio Vanderlei // 9 de janeiro de 2022 em 00:03 //

    Excelente texto, rico em detalhes praticamente desconhecido.

  6. Maria Ivete Reis Matos Ciriaco // 27 de março de 2022 em 01:03 //

    Texto perfeito , historiando a origem da cidade de Traipu.
    Meu avô chamava-se Moisés Menezes Mattos., Traipuense e de uma família muito grande. Fiquei curiosa ,e gostaria de analisar com informações profundas , se o Manoel Firmino de Menezes Mattos tinha ligações familiares com a minha família.

  7. Texto emocionante. Meu avô era “João Vieira da Silva” nascido em Traipu/Al. Ele era barqueiro. Muita gente o conhecia. Depois ele foi para Propriá. Até o momento não localizei a certidão de nascimento dele.

  8. Glaucia Miranda // 21 de abril de 2024 em 23:18 //

    Meu avô era natural de Traipu se chamava José Gustavo de Araújo. Estou fazendo uma pesquisa sobre seus familiares.

  9. Meu trisavô foi juiz suplente no império, capitão, vereador. Capitão Custódio Soares Damasceno

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