REGULAMENTO DO TRABALHO DA MONOGRAFIA - Universidade ...
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Diego Carvalho Corrêa<br />
O futuro do passado: uma cidade para o progresso e, o progresso para<br />
cidade em João Durval Carneiro. (1967-1971)<br />
<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />
Feira de Santana, 2011.
Diego Carvalho Corrêa<br />
O futuro do passado: uma cidade para o progresso e, o progresso para<br />
cidade em João Durval Carneiro. (1967-1971)<br />
Dissertação do Curso Mestrado em<br />
História, apresentado à Banca Examinadora<br />
na <strong>Universidade</strong> Estadual Feira de Santana,<br />
como exigência parcial para obtenção do<br />
titulo de mestre em História.<br />
Orientador: Prof. Eurelino Teixeira Coelho Neto.<br />
<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />
Feira de Santana, 2009.
Banca Examinadora<br />
Feira de Santana, ______de agosto de 2011.<br />
______________________________________________<br />
Professora. Dra. Maria Letícia Corrêa<br />
<strong>Universidade</strong> do Estado do Rio de Janeiro<br />
______________________________________________<br />
Prof. Dr. José Alves Dias<br />
<strong>Universidade</strong> Estadual do Sudoeste da Bahia<br />
______________________________________________<br />
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto<br />
<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />
(Orientador)
AGRADECIMENTOS<br />
Para começar devo fazer o que todos fazem e agradecer a família, que hoje são<br />
minha mãe, irmã e pai, principalmente a irmã e mãe, que é com quem moro e a quem<br />
dou trabalho, amo muito as duas. Em segundo lugar a minha tia Sandra, companheira de<br />
cachaça que eu amo muito também e seus filhos Bruno e Dani, esses cinco são minha<br />
família de sangue e alma. Acho que gastaria mais páginas do que no mirrado texto da<br />
dissertação para agradecer meus amigos todos que são milhares e sempre andam em<br />
bandos. Mas em especial citarei o nome de alguns, em primeiro lugar Yuri Atanásio,<br />
que merece estar sempre junto a minha mãe e irmã, e a minha tia e filhos, pois é meu<br />
grande irmão, sempre me deu força para tudo e sempre estamos juntos, no que compete<br />
claro, cada qual com sua dama, mesmo que ele ainda não tenha uma, irmão, até sempre.<br />
Lembra a teu pai, Cremildo, que muito ajudou também este texto, da minha herança.<br />
A CAPES, Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela<br />
bolsa de estudos oferecida sem a qual não teria condições de concluir o curso.<br />
Aos companheiros de luta e batalhas, Maria Araújo que é meu amor também,<br />
Edson rua nova, Carminha movimento negro, Manoel Aquino e Macedo do “Pomba de<br />
Malê”, Maria da Paixão (in memoriam) , Solange Guerra, e muitos outros, milhares para<br />
falar a verdade. Aos povos indígenas da Bahia pela oportunidade de aproximação das<br />
lutas, a comunidade Tuxá nas pessoas de Juninho, Sandro, Fabinho e Socorro. Aos<br />
tupinambás da Serra do Padeiro, Célia e Babau. A Ana Magda, antropóloga que muito<br />
me ensinou e me deu o prazer da companhia na luta, e Cristiane, antropóloga que me<br />
iniciou nos embates históricos.<br />
“Efeito Zumbi”, minha banda preferida na cidade, Zói, Leo, Lito, Du que saiu, e<br />
agora Da Cross, parceiros de luta, frases de efeito com muito rap. Novos companheiros<br />
de Santa Bárbara, Marcinho, Nina, Vânia e Sinésio, Hugo comparsa velho, meu irmão<br />
também, estaremos sempre juntos. Aos companheiros do Feira Coletivo Cultural, Jó,<br />
Paulo e todos os outros, agora terei mais tempo pra me dedicar a este. Ao sindicato de<br />
trabalhadores rurais da cidade. Ao movimento estudantil, aos milhares de amigos da<br />
UEFS.<br />
Em especial gostaria de agradecer a Wilson Mário, jornalista dedicado que agora<br />
demonstra mais valores para nós com seu empenho em pesquisar a guerrilha no<br />
município, textos promissores, agradeço muito a documentação do exército que me
cedida por este, abração amigo. Na UEFS temos que lembrar sempre do Labelu, onde as<br />
minhas loucuras se desenvolvem e ganha coletivamente o formato de seminários e de<br />
textos de História, galera, aquele abraço.<br />
Meus amigos e amigas, Lívia Gozzer, Luana, Lívia Blumetti, meu irmão gordo<br />
Chintamani, Mel, Aline feia e Tiago meu fã n°1, sempre tentando disputar Emilia<br />
comigo, “A pala Revista” e a saga de alguns jumentos celestinos como nós que tentam<br />
oferecer ao público externo à UEFS uma leitura de sua cidade, Rafael, meu irmão, João<br />
meu irmão, Henrique, Will, André, todos muito bons. Mateus “Massacration”, Binho<br />
cabeça de pão, Dom Maths Luis Gabriel, Mateus Pessoa, Rã, Vitor Moraes meu poeta,<br />
Tiago galego branco da peste, meu irmão gringo. Ao monte de amigos eu tenho como<br />
Thaia. Lembro-me dela me pedindo uma ponta de cinco, disse que não fazia essas<br />
coisas, depois ela explicou que era de grafite 0.5, tomara que ninguém leia isso. A todas<br />
as meninas que eu adoro. Nay Fac minha irmãzinha, minha super-amiga. O Adilson,<br />
dono do espaço onde eu produzi a maior parte do texto, quase que ele quem me dá o<br />
título, grande amigo que sempre me apoiou.<br />
Minha novíssima e linda família, Carol meu amor, irmãzinha que me suporta,<br />
Tininha a criança mais linda do mundo e a minha sogra que é igualmente linda. A<br />
Emilia Maria, meu ”amorzão”, grandíssima amiga.<br />
Ao mestre Yoda pelos ensinamentos e por sempre acreditar que a força estava<br />
comigo. A todos os historiadores comprometidos, aqueles que não são, vão tudo refletir<br />
sobre seu papel.<br />
A Zani, meu amigão do Jeca Total, valeu as contas no bar e a amizade, muitas<br />
conversas amigas.<br />
Ao meu orientador, que acho que com toda a capacidade e talento que tem como<br />
gigante da História, e muito disso compartilhou comigo, me ensinou muito mais sobre<br />
compreensão e amizade, Coelho você realmente é meu grande amigo, é chato e feio,<br />
estaremos juntos sempre, com você pagando a conta do bar. A Che e o Sup. Marcos que<br />
me ensinaram sobre a sensibilidade de um homem, sobre o mundo que vivemos, me<br />
inspiraram na luta, hasta siempre!<br />
A Elizete Silva, coordenadora do programa, minha véia preferida, muito<br />
inteligente e esforçada, sempre apoiou muito todos os seus discentes e muito fez por<br />
esta universidade, tanto no campo da pesquisa como da luta política por avanços.<br />
Aos professores, Rinado Leite, Márcia Barreiros, Ione, Onildo Reis, Charles,<br />
Ricardo e tantos outros que muito me ajudaram. Minha turma de graduação, Fabrício e
Acma, Rodolfo, Ricardo negão, Saulo, Celeste, Joice, a todos os outros, meus amigos.<br />
Minha turma de mestrado,principalmente Lú minha amiga, Manu, Tom, Davi meu<br />
irmão e todos os outros.<br />
Em especial agradeço ao amado mestre dos magos, Rogério Fátima (in<br />
memoriam), por tudo, pelos segredos contados, pela atenção e cuidado como se fosse<br />
um filho seu.<br />
Andreifuss e Lari Penelu, meus grandes amigos para sempre, por tudo, pesquisa<br />
em que foram fundamentais por seus conhecimentos, agradeço muito. Diana do<br />
colegiado de História, minha mãe também, e a todos do DCHF, aos funcionários da<br />
ACMAV, Ana, Marinalva e todos os outros. Yole e Danilo amigos de tempos<br />
apoiadores de sempre. O Zé Carlos (Neno), reitor desta universidade, amigo e<br />
companheiro de luta, obrigado pela minha qualificação que esteve presente, agradeço<br />
também a José Dias que igualmente debateu meu texto.<br />
A todos que eu lembrei e aqueles que a preguiça não deixou escrever, são<br />
milhares e milhares, mas já tá chato isso aqui, acho que ninguém vai ler.<br />
Minha linda Itana, meiga, sensível, delicada, compreensível, companheira em<br />
tudo, cuidadosa e carinhosa. Não cabe em palavras a admiração que tenho por você. Te<br />
amo minha linda B. Parker, minha namorada e esposa.<br />
Para todo o povo feirense!<br />
Que esteja com você a força!<br />
Mestre Yoda
RESUMO<br />
Esta dissertação teve como objeto o projeto de modernização da cidade empreendido no<br />
governo João Durval Carneiro (1967-1971) à frente da prefeitura de Feira de Santana.<br />
Sua questão norteadora foi como este sujeito se torna representante e condutor de um<br />
projeto de modernização local - que se caracterizaria como uma formulação de<br />
hegemonia - e um político em ato (Gramsci). Analisamos o contexto que precede o<br />
governo de Durval, a administração do prefeito biônico Joselito Amorim (1964-1967),<br />
importante para compreendermos o momento de transição e os esforços para efetivação<br />
da modernização desenvolvimentista local sob influência do Plano de Ação Econômica.<br />
Estudamos as alianças políticas entre grupos da sociedade civil, como industriais e<br />
comerciantes, e da sociedade política, com grupos externos a cidade, frações de classe<br />
local em sincronia com o contexto nacional e baiano que favoreceu em Feira de Santana<br />
a construção e viabilização de um modelo próprio de modernização. Neste texto<br />
analisamos a UDN e a ARENA em Feira de Santana atentando para sua característica de<br />
partido organizador de um discurso do progresso e modernização da cidade no recorte<br />
entre 1954 a 1971 que ganhou força quando transformado em projeto/plano de<br />
modernização local empreendido no governo João Durval Carneiro sujeito se torna<br />
representante e porta voz de um projeto de busca por dominação política, direção<br />
intelectual e moral da sociedade local, portanto, o partido foi visto como um príncipe<br />
moderno na cidade.<br />
Palavras-chave: modernização, João Durval, hegemonia.
ABSTRACT<br />
This thesis had as its object of city modernization undertaken by João Durval<br />
Carneiro‟s government (1967-1971) in Feira de Santana. Its main question were how<br />
did Durval become representative and driver of such modernization project – which is<br />
characterized a formulation of hegemony – and, therefore, a politician in act (Gramsci).<br />
We analyze the context that precedes Durval government, the “bionic” administration of<br />
Joselito Amorim (1964-1965), which is important for understanding the transition time<br />
and the efforts for realization of modernization under the influence of local Economic<br />
Action Plan. We studied political alliances between civil society groups such as<br />
industrialist and businessmen, and political society, with groups outside the city, local<br />
class fractions synchronized with the national and Bahia‟s context, which allowed the<br />
uprising of the particular model of modernization in Feira de Santana. In this work<br />
analyze The UDN and ARENA in Feira de Santana paying attention to its characteristic<br />
of party that organized a speech of progress and modernization in the city between 1954<br />
to 1971, speech that has gained strength when turned into project / modernization plan<br />
assumed by João Durval Carneiro government. This mayor became the representative<br />
and spokesperson for as a project of political domination, intellectual and moral<br />
direction of the local society, so his party was seen as a modern prince in the city.<br />
Key-words: modernization; João Durval Carneiro; hegemony
SUMÁRIO<br />
Introdução -----------------------------------------------------------------------------------------09<br />
Capítulo 1: Uma cidade para o progresso.<br />
1. Previas de um político em ato: a UDN na década de 1950. ------------------------15<br />
2. A Folha Udenista. ------------------------------------------------------------------------25<br />
3. A década de 1950 e João. ---------------------------------------------------------------26<br />
4. Precedentes de uma gestão renovada. -------------------------------------------------35<br />
5. Renov (ação). -----------------------------------------------------------------------------37<br />
6. Um novo (se) Abril no Brasil. ----------------------------------------------------------43<br />
Capítulo 2: Um progresso para cidade.<br />
1. Um novo (se) Abril em Feira: um presente para João! -----------------------------51<br />
2. O “Bicho” está em Feira! --------------------------------------------------------------54<br />
3. A transição de Joselito Amorim em Feira. ------------------------------------------58<br />
4. O progresso para cidade e o reino do urbano: Feira de Santana e a inserção<br />
compulsória e voluntária (1967-1971). ----------------------------------------------66<br />
5. A cidade técnica. ------------------------------------------------------------------------73<br />
6. A cidade racional e a modernização em obras como política de classes. -------76<br />
Capítulo 3: O futuro do passado.<br />
1. O trabalho de enquadramento da memória pós-64. --------------------------------82<br />
2. O endurecimento do regime: testemunho de acusações e o ataque as oposições. -<br />
---------------------------------------------------------------------------------------------87<br />
3. A sociedade civil e o projeto de modernização da cidade. ------------------------93<br />
4. A Associação Comercial de Feira de Santana. -------------------------------------97<br />
5. Um Príncipe moderno feirense ------------------------------------------------------102<br />
Conclusão. --------------------------------------------------------------------------------------111<br />
Fontes. -------------------------------------------------------------------------------------------114<br />
Referências Bibliográficas. -------------------------------------------------------------------118
ESG - Escola Superior de Guerra.<br />
SIGLAS<br />
CONCLAP - Conselho Nacional de Classes Produtoras.<br />
ACEFS - Associação Comercial de Feira de Santana.<br />
FIEB - Federação das Indústrias do Estado da Bahia.<br />
FUNDINOR - Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste.<br />
GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.<br />
IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática<br />
IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.<br />
PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo.<br />
PCB - Partido Comunista Brasileiro.<br />
PDLI - Plano de Desenvolvimento Local Integrado.<br />
PEI - Política Externa Independente.<br />
PRODEFESA - Promotora de Desenvolvimento Econômico de Feira de Santana.<br />
PROINTER - Programa de Industrialização do Interior.<br />
PSD - Partido Social Democrático.<br />
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro.<br />
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria.<br />
SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.<br />
SESI - Serviço Social da Indústria.<br />
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.<br />
SURFEIRA - Superintendência de Urbanização de Feira de Santana.<br />
UDN - União Democrática Nacional.<br />
UEFS - <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />
USAID - United States Agency for International Development.
INTRODUÇÃO<br />
Esta pesquisa começou de uma forma quase acidental, quando me encontrei por<br />
acaso com uma matéria no jornal Folha do Norte (1967) que apresentava a vinda de<br />
uma visitante do Departamento de Estado dos EUA para a cidade e contava que esta viu<br />
aqui a “maior obra administrativa do interior baiano”. 1 O fato me chamou atenção por<br />
época militava no movimento popular de Feira de Santana, onde enfrentávamos a<br />
administração do prefeito José Ronaldo, semelhante administração a matéria referia aos<br />
fins de Joselito Amorim (1964-1967) e inicio da gestão de João Durval e, combatíamos,<br />
um discurso de modernização que mascarava os problemas sociais vividos.<br />
Particularmente me incomodava o fato de que muitas pessoas, mesmo aquelas<br />
que estavam à margem dos todos os benefícios sociais deste dito progresso,<br />
reproduziam esse discurso mantendo sempre uma avaliação positivada do governo de<br />
João Durval. Movido a entender melhor a questão, resolvi ler a História local e cheguei<br />
a pesquisas que destacavam o período entre 1967 e 1984, aproximadamente, como<br />
momento em que teria ocorrido um processo modernizador local, com destaque para a<br />
gestão de João Durval no executivo municipal. Logo obtive a informação que Ronaldo<br />
possuíra laços políticos importantes com João Durval que teria sido seu padrinho<br />
político.<br />
A entrada no Laboratório de História, Memória da Esquerda e Lutas Socais<br />
(Labelu - UEFS) em 2007, alavancou os estudos.<br />
Esta dissertação teve por objeto o projeto de modernização da cidade<br />
empreendido no período em que João Durval Carneiro (1967-1971) esteve à frente da<br />
prefeitura de Feira de Santana. Qual seu papel na articulação do projeto de<br />
modernização da cidade e suas estratégias de ação política? João Durval seria o prefeito<br />
do planejamento da cidade? A que setores da sociedade feirense o projeto de<br />
modernização estava ligado? Seria uma estratégia de busca de uma hegemonia política<br />
sobre a cidade? E, por fim, qual caráter do projeto de modernização empreendido?<br />
Foram as questões que apontaram os caminhos para se pensar a respeito de um projeto<br />
de modernização local que teria trazido as bases para projeção política, enquanto gestor<br />
de um planejamento da cidade, de João Durval Carneiro no Estado da Bahia e no Brasil,<br />
além do destaque da cidade entre outras no país, enfatizando que queríamos<br />
1 Jornal Folha do Norte, 14/01/1967.
compreender os elementos que fizeram este sujeito ser lembrado como “grande<br />
prefeito”. Não nos interessou neste momento da pesquisa problematizar os conceitos de<br />
modernização, mas sim, identificar como surge a planificação do que alguns grupos<br />
locais chamaram de modernização da cidade e de como estes fizeram dessa idéia um<br />
projeto que escondia sentidos políticos mais amplos.<br />
Temos a intenção de contribuir para o desenvolvimento de uma historiografia<br />
sobre a cidade e sua “modernização” a partir da década de 1950. O período proposto<br />
para a pesquisa foi palco do processo que conferiu à cidade um destaque no Estado e no<br />
país. Essa pesquisa ousa com certo pioneirismo no estudo da história política local haja<br />
vista que não há nenhuma pesquisa que tenha se dedicado a investigar o referido<br />
período com o destaque temático aqui proposto.<br />
As pesquisas desenvolvidas sobre a modernização e industrialização da cidade<br />
não aprofundaram a investigação sobre o papel político de João Durval, embora,<br />
algumas o situem como prefeito importante para o desenvolvimento da cidade no<br />
período de 1967 a 1971. Dentre estas a dissertação de Santos 2 sobre um sonho de<br />
industrialização local, uma utopia de modernização, não têm como objeto a prática real<br />
de João Durval e grupos locais que planejavam um modelo de cidade na cidade. Os<br />
caminhos do “sonho” a levam a refletir como se previa a cidade por um olhar de agentes<br />
externos, porém, sem pensar uma realidade projetada e articulada politicamente,<br />
concretizada nos projetos e sua implementação por grupos, frações de classe, sujeitos<br />
locais. O “sonho” foi estudado em sua elaboração prática, sendo que João Durval foi<br />
uma personagem articuladora e desencadeadora deste(s) projeto(s) como a autora já<br />
apontava.<br />
Para Durval, fazer vencedor o seu projeto político envolveu uma série de táticas<br />
e mecanismos para consolidação de novos objetivos para a cidade, articulando o velho<br />
passado comercial e pecuarista que a cidade vivia 3 , com novas perspectivas de<br />
higienização, modernização acelerada, com reforma urbana, industrialização e<br />
reorganização econômica.<br />
2 SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />
industrialização. UFBA, 2002. (Dissertação de Mestrado)<br />
3 Em monografia, Pacheco (2007) defende que a retirada da feira do centro da cidade, através do projeto<br />
CABANA envolveu a articulação de João Durval com setores de comerciantes que queriam um centro<br />
urbano limpo para exibição de suas vitrines posto que estas estivessem em contraste com o „antigo‟<br />
representado pela feira que tinha ligações com a zona rural e comercialização de seus produtos.<br />
10
Para concretizar seu projeto de “modernização” local, articulou a inserção da<br />
cidade no plano nacional de modernização conservadora e descentralização da indústria,<br />
que previa o Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos industriais.<br />
A chegada de Durval ao poder marcou o momento de avaliar a primeira fase da<br />
“revolução” 4 e refletir sobre os novos governos e o regime militar numa perspectiva<br />
progressista, que na consideração feita pelo colunista da Folha do Norte 5 , Adalberto da<br />
Costa Dórea, era um governo mais “democrático para as classes rebeldes, pois; (...) o<br />
dialogo com a classe operaria é maior, também com a estudantil” 6 . Em tempos de<br />
ditadura militar, na cidade o Folha Norte enunciava certa redução de conflitos entre as<br />
classes sociais em conflitos, e entre essas e o governo „democrático‟, um ponto de<br />
chegada, a harmonia social.<br />
A democracia entrava no discurso das classes dominantes organizadas na<br />
ARENA, como aquilo que foi defendido e deveria se perpetuar sob comando dos<br />
golpistas. Esta linha de intervenção refletia no seu órgão de imprensa, Folha do Norte,<br />
que defendia e definia a ditadura como a própria democracia. Não fosse a “revolução”<br />
de 31 de março, ela iria ser destituída pelos trabalhadores e o governo sindicalista de<br />
Goulart na presidência da república e com Chico Pinto na prefeitura de Feira de<br />
Santana.<br />
No recorte temporal escolhido, as realizações do governo de João Durval<br />
chamaram atenção pelo seu caráter antecipatório, que se evidenciava no planejamento<br />
futurista da cidade, precipitando o que seria, segundo previsões de seu grupo e<br />
apoiadores, o progresso econômico e social. Os planejamentos desse grupo, associados<br />
os discursos políticos e jornais propagadores desse ideal de progresso posto em prática<br />
por Durval, criam em torno da personalidade de João Durval uma representação de<br />
político futurista, portador da modernidade.<br />
No seu governo deu-se a implantação do Centro Industrial do Subaé (CIS), a<br />
realização de obras públicas para higienização e reorganização espacial da cidade, como<br />
4 Período de institucionalização do golpe na Bahia, ou seja, consolidação e adequação das novas forças<br />
políticas nas instituições do Estado e re-elaboração e conformação de grupos políticos e novos<br />
personagens que surgem na cena política, a exemplo de ACM em Salvador. Dantas Neto (p.21, 2003)<br />
5 Jornal criado no inicio do século XX, no qual muito circulou discursos sobre ideais de cidade, civilidade<br />
e modernidade de setores das elites locais. Os editores e diretores do jornal Folha do Norte tomavam<br />
partido de determinados candidatos veiculando apoio entre as décadas de 60 e 70 durante campanhas da<br />
UDN e Arena. Ver Oliveira (2008). No período de governo de João Durval, este divulgava textos sobre o<br />
projeto de modernização da cidade, e discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do<br />
prefeito.<br />
6 Jornal Folha do Norte. 29/04/1967.<br />
11
a construção do bairro Cidade Nova 7 , que nas palavras de Raymundo Pinto seria à<br />
época “maior que a maioria das cidades baianas ” 8 . A implantação das obras foi<br />
“devidamente programada; Um grande mérito do governo foi ter sempre trabalhado<br />
com base no planejamento” (PINTO, 1971, 59). Isso lhe dava a característica de<br />
precipitação e planejamento que não era comum entre prefeitos. Feira de Santana foi a<br />
primeira cidade da América Latina a possuir um Plano Diretor de Desenvolvimento<br />
Urbano 9 , o que significa e amplia a noção de caráter antecipatório de Durval a frente da<br />
prefeitura. As realizações e a conjuntura propiciam certo prestígio e destaque para<br />
cidade e ao prefeito no cenário político nacional, que a época de seu governo, passa a<br />
receber visitas de prefeitos de outros Estados que se surpreendem com a modernização<br />
de Feira e a tomam como exemplo. 10<br />
O colunista do jornal Folha do Norte e secretário de educação Raymundo Pinto<br />
escreveu sobre o projeto modernizador em elogio a Durval, caracterizando-o como<br />
visionário quanto ao futuro da cidade. R. Pinto põe em circulação uma imagem, uma<br />
classificação e um julgamento sobre JD que tem evidentes efeitos de poder, é instituinte<br />
sobre a análise do discurso Foucault afirma: “discurso não é simplesmente aquilo que<br />
traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é<br />
o próprio poder de que procuramos nos assenhorar”. 11<br />
Buscava-se a consolidação de uma imagem do governo de Durval e da ditadura,<br />
onde conflitos sociais desapareciam do cotidiano para dar lugar a um ideal político já<br />
“realizado” e a partir daí, conquistar uma legitimidade dentro do ideal democrático,<br />
mesmo governando em um regime ditatorial. Nas palavras de Miranda 12 :<br />
Construía-se uma representação de cidade e de sua memória histórica como<br />
fundamentadora de um ideal político e social intermediado pelo presente - por<br />
isto a seleção de certos símbolos e omissão de certos aspectos, temas ou fatos.<br />
Porém, as novas forças políticas no poder e seus projetos, no governo local,<br />
estadual e nacional enfrentaram as oposições. Em Feira esboços de resistência armada,<br />
7<br />
Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia &<br />
PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />
8<br />
PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />
9<br />
FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />
10<br />
No jornal Folha do Norte entre 1969 e 1971 são diversos os textos que enaltecem o prefeito como<br />
sendo o portador da modernização da cidade.<br />
11<br />
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciado em 2<br />
de dezembro de 1970. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.1.<br />
12<br />
MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da Memória: Praticas e Representações do Movimento<br />
Estudantil em Feira de Santana (1964-1969). Feira de Santana UEFS, 2001. p.10.<br />
12
como o MR8, que tinham na cidade o militante Luis Antônio Santa Barbara, morto no<br />
interior da Bahia na luta pela guerrilha que seria desencadeado sob o comando do<br />
Capitão Carlos Lamarca. O PCB teve a participação de militantes como Hosanah Leite e<br />
Sinval Galeão na Associação Feirense de Estudantes Secundaristas e sindicatos da<br />
cidade, e o MDB era particularmente eficaz na oposição à ARENA.<br />
A disputa de Durval dava-se também contra seu principal opositor, vencedor das<br />
eleições de 1962 por uma diferença de 43 votos. Francisco Pinto havia deixado sua<br />
“marca” política junto às classes populares da cidade. Pinto havia ganhado popularidade<br />
por estabelecer um governo de aproximação com grupos subalternos da cidade.<br />
Os planejamentos formulados em sua gestão como o Plano Diretor, Plano de<br />
Desenvolvimento Local Integrado (1967), o Projeto Cabana (1968), seus projetos de Lei<br />
aprovados, e discursos, nos apontaram os objetivos da modernização da cidade em<br />
consonância com os projetos do governo do estado e do governo federal de<br />
interiorização da indústria. Os planos foram instrumentos de captação de recursos e ao<br />
mesmo tempo de procura de adesão voluntária dos trabalhadores e empresários locais.<br />
Para compreensão do caráter do projeto de modernização de João Durval, seu<br />
conteúdo explícito, tipos de modernização empreendidos, estudamos o projeto Cabana<br />
(1968), Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé e o Plano de Desenvolvimento<br />
Local Integrado (1967), Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé (1970).<br />
Para estudo dos caminhos de articulação do governo municipal com o governo<br />
do Estado e a relação histórica construída na UDN/ARENA; utilizamos depoimentos o<br />
Plano de Fomento à Indústria do Interior (1967). O Jornal Folha do Norte e<br />
principalmente a bibliografia produzida sobre o período, tese e dissertações.<br />
No estudo das estratégias articulatórias, grupos e interesses de grupos<br />
específicos no empreendimento de João Durval tivemos os projetos, jornais, atas da<br />
Câmara de Vereadores, acervos de entidades e particulares.<br />
O Jornal Folha do Norte divulgava debates do poder legislativo, ações do<br />
prefeito e seus pronunciamentos. Publicava atas da Câmara de vereadores, decretos,<br />
portarias, leis aprovadas pelo executivo, servindo também o periódico para publicação<br />
de atos do poder judiciário. Suas colunas publicavam críticas sociais aspirações sobre<br />
rumos da cidade, olhares de pessoas de fora sobre a cidade. Também como colunista<br />
Raymundo Pinto, Secretário Municipal de Educação e Cultura. A Gazeta do Povo<br />
fornece outro olhar sobre a política e os movimentos sociais e a cidade por ser<br />
13
produzido pelo PSD em um período que este se aproximava dos moimentos populares<br />
da cidade e de seus distritos, marcadamente de oposição ao projeto udenista nacional.<br />
O livro de Raymundo Pinto (1971) serviu à análise do projeto modernizador de<br />
Durval e à legitimação de uma memória histórica sobre o período. A obra de Pinto<br />
relata, entre outros temas da historia local, o potencial que o governo de Durval teve<br />
para antecipar o progresso e desenvolver as vocações da cidade. Por fim alguns<br />
documentos do Exército vieram em boa hora para contextualizar o momento de<br />
perseguição política na cidade no momento do governo de João Durval e articular o<br />
argumento de aproximação deste com os militares.<br />
No primeiro capitulo buscamos compreender momentos que antecedem o<br />
governo de João Durval, sua carreira política, aparelhos privados que disputam<br />
concepções de cidade como o Rotary e o Lions Club, configurações políticas da câmara<br />
municipal de vereadores, a UDN como partido e o fortalecimento de uma concepção de<br />
cidade para o progresso no contexto de um Estado que se ampliava na cidade.<br />
O segundo capítulo é orientado para o argumento da busca de uma hegemonia na<br />
cidade. Para isso contextualizamos a ditadura na cidade e identificamos os primeiros<br />
grupos industriais que defendiam interesses de classe. Examinamos a breve passagem<br />
de Joselito Amorim como prefeito biônico e sua função de preparar as bases para o<br />
futuro projeto de modernização em consonância com as possibilidades históricas<br />
arranjadas pelo governo do presidente Castelo Branco. Empenhamo-nos em analisar os<br />
projetos de modernização globalizada da cidade entendendo seus pormenores e<br />
avançando na compreensão de sua configuração enquanto projeto de hegemonia.<br />
Por fim, no terceiro capitulo, defendemos argumento de um momento histórico<br />
no qual podemos definir como marco para ampliação do Estado em Feira; a participação<br />
de grupos organizados enquanto protagonistas da sociedade civil e política na<br />
construção de uma hegemonia a partir de suas organizações e partidos. Houve uma<br />
busca de solucionar o problema da ocupação do poder com busca da hegemonia através<br />
do projeto de modernização da cidade, articulações dentro da sociedade política e civil<br />
para efetivação deste, e o papel que a UDN/ARENA desenvolveram na cidade,<br />
atentando para o papel de João Durval enquanto arauto deste, o que nos levou pela<br />
sugestão de Andrei Valente a considerá-lo político em ato.<br />
14
CAPÍTULO 1<br />
Uma cidade para o progresso.<br />
15<br />
A legenda da “eterna vigilância” lembra, para<br />
simpatizantes ou adversários, a marca austera e<br />
altiva da União Democrática Nacional. Lembra,<br />
igualmente a história de um partido que nasceu<br />
da luta contra uma ditadura, cresceu apesar de<br />
sofridas derrotas – sempre em nome dos ideais<br />
liberais de sua inspiração primeira _ para<br />
finalmente, quase vinte anos depois, surgir<br />
vitorioso num esquema de poder que instalaria,<br />
por tempo indeterminado, um regime militar de<br />
repressão e arbítrio. 13<br />
Prévias de um político em ato: a UDN na década de 1950.<br />
Neste primeiro momento identificamos o que era a UDN e, como partido local,<br />
identificamos os grupos que a compõe, os setores sociais que fazem parte do partido são<br />
os mesmos que defenderão o projeto de modernização da cidade. Atentamos para o<br />
início da vida política de João Durval, indícios que permitem localizá-lo historicamente<br />
e elaborar uma compreensão sobre os primórdios do que seria a escolha deste sujeito<br />
enquanto arauto do futuro projeto de hegemonia local.<br />
Não nos interessa aqui a descrição de uma biografia do sujeito, mas sim<br />
apresentar elementos que situem quem foi João Durval e possibilite a análise da<br />
transformação futura dele em político em ato 14 , para tanto, verificaremos o contexto em<br />
que este começa carreira política na cidade e seu empenho enquanto vereador que o fará<br />
o representante de um projeto político udenista, que em 1967 se constituiu num projeto<br />
13 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />
partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 90.<br />
14 O “político em ato é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na vazia<br />
agitação dos seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva...”. In: GRAMSCI, Antonio.<br />
Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2000, Vol.3 p. 35.
local de desenvolvimento modernizante da cidade através da Aliança Renovadora<br />
Nacional.<br />
João Durval chega a Feira de Santana aos seis anos de idade, filho do casal João<br />
Batista, lavrador 15 , e D. Durvalina Almeida Carneiro. Recém chegados a Feira de<br />
Santana em 1936, tornam-se residentes da rua de Aurora. Nascido na Fazenda Mãe<br />
Maria no povoado de Ipuaçu no dia 08 de maio de 1929, em 1946 teria se tornado<br />
diretor do Jornal Santanópolis 16 ele teria acumulado experiências políticas na<br />
presidência do Diretório Acadêmico do Curso de Odontologia, curso no que concluiu<br />
em 1954. 17<br />
Convencido a candidatar-se à vereança por “influencia de virtuosos lideres<br />
locais” 18 , filiou-se à UDN, partido constituído em finais do Estado Novo que coligia as<br />
forças de oposição ao varguismo. Porém, na cidade o PSD conseguiria manter-se no<br />
poder executivo até o ano 1954, perdendo a supremacia para recuperar novamente em<br />
1963, com a eleição de Francisco José Pinto (Chico Pinto) no ano anterior.<br />
Em 1954, mesmo ano em que a União Democrática Nacional (UDN) tenta o<br />
“golpe branco”, forçando junto a aliados a renúncia de Getúlio 19 , João Durval elege-se<br />
vereador com 369 votos, sendo o quarto candidato mais votado pelo partido. O<br />
resultado da eleição demonstra que este não detinha grande expressão política e social,<br />
sendo comparado a Wilson da Costa Falcão (UDN), candidato mais votado, a diferença<br />
é de 782 votos, enquanto que a diferença comparada ao candidato menos votado, Jorge<br />
Watt da Silva (PTB), é de161 votos. 20 Nesta mesma eleição a UDN conseguiu derrotar<br />
o PSD na cidade elegendo para o executivo João Marinho Falcão, sobrepujando a<br />
preeminência do PSD que se mantinha desde 1947, ano das primeiras eleições para<br />
cargos municipais pós-ditadura Varguista. 21<br />
15<br />
MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983.<br />
16<br />
Jornal do Colégio Santanópolis.<br />
17<br />
Informações obtidas In: MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L,<br />
1983. Importante ressaltar que apesar de se tratar de uma pequena biografia de João Durval, é a única que<br />
se encontra disponível, sendo possível comparar as informações contidas nesta com outros relatos<br />
publicados. Ver: Prestando Contas: Senador João Durval Carneiro. Senado Federal: Brasília-2007;<br />
Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia.<br />
18<br />
MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. P. 19.<br />
19 Segundo BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do<br />
liberalismo brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 91.: “ (...) uma tentativa freada pelo suicídio de<br />
Getulio, de uma transformação revolucionaria, como um embrião, o ensaio geral de 1964. Outras<br />
tentativas de deposições foram focadas sem êxito, (...) até no 31 de março de 1964, quando a UDN<br />
poderia considerar-se vitoriosa”, para Otávio Mangabeira significou uma “revolução pela metade”.<br />
20 LINS, Rafael Quintela. Informações sobre eleições. (Não publicado)<br />
21 PINTO, Raymundo A. C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla1971. p. 73.<br />
16
João Marinho Falcão era um grande empresário local, tinha negócios<br />
principalmente na área comercial. Foi eleito para o mesmo pleito para o legislativo<br />
municipal, seu primo Joselito Falcão Amorim, e seus filhos, com reeleição de Wilson da<br />
Costa Falcão e eleição de João Falcão para deputado federal pelo PTB, momento de<br />
“reorganização da política local não mais sob tutela dos intendentes, prefeitos<br />
interventores, comuns na Primeira Republica e na Ditadura Varguista” 22 . A campanha<br />
que elegeu os udenistas foi realizada pela Frente Democrática Feirense 23 , composta<br />
inclusive pelo Partido Comunista que no período se encontrava clandestino 24 .<br />
Interessante observar que houve uma tentativa de impugnação das eleições presidenciais<br />
por parte da UDN nesta mesma ocasião, a alegação foi o apoio dos comunistas<br />
clandestinos, a coligação Kubitschek e Jango (PSD-PTB).<br />
A União Democrática Nacional surgiu da desagregação da ditadura Vargas,<br />
sendo que a UDN aglutinou sujeitos e grupos de oposição à política trabalhista, pois,<br />
O espírito de luta contra o Estado Novo e contra Getúlio Vargas, em suas<br />
varias encarnações, das idealistas às mais pragmáticas, formou, plasmou e<br />
reuniu os diversos grupos que se comporiam no partido da “eterna<br />
vigilância”. Foi, portanto, como num movimento – ampla frente de<br />
oposição... 25<br />
A UDN foi um misto quanto a sua base socioeconômica, pois, fora composta por<br />
membros militares e civis de frações da burguesia nacional e regional principalmente.<br />
Agregava setores médios da sociedade, intelectuais, esquerdistas, empresários,<br />
profissionais liberais, latifundiários, industriais e etc. Esta conforma o seu grupo em<br />
22 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). p.69.<br />
23 A Frente Democrática foi composta pela UDN, Partido Republicano, Partido Democrata Cristão, PCB e<br />
da ala dissidente do PSD. FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da<br />
honra. Brasília: Pax, 1993. p. 93.<br />
24 Ver: FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax,<br />
1993. & PAULO, Olney São. Pinto vem aí. Documentário, 1976. Acervo do Labelu. Em depoimento<br />
para o filme “Pinto Vem Aí”, Francisco Pinto afirma que o PCB em Feira de Santana sempre deu apoio a<br />
campanhas da UDN local, aproximando-se do PSD somente na campanha eleitoral de 1962 que o elegeu<br />
prefeito. Interessante notar também que João Marinho Falcão será pai de comunistas, sendo que o próprio<br />
Wilson, Walter, Manoel e João haviam sido filiados ao PCB.<br />
25 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />
brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 23.<br />
17
torno de uma base ideológica de sustentação que propalava o anticomunismo, anti-<br />
getulismo 26 , e o liberalismo econômico e político ambíguo 27 .<br />
Identificava-se principalmente pela idéia de fim dos governos populistas e a<br />
conquista do poder político para construção de um Estado liberal, o que definiu sua<br />
identidade e organização até o fim do governo Goulart e inicio da ditadura, no intuito de<br />
retirar do Estado a orientação política que utilizava este como mecanismo de medição<br />
dos conflitos de classes através do populismo, o que permitia a apropriação por parte<br />
dos trabalhadores do discurso trabalhista em beneficio de sua classe. 28<br />
A UDN foi marcadamente contraditória e existiu por uma luta de seus<br />
componentes pela unidade e identidade, “surgiu como frente, organizou-se como<br />
partido e identificou-se, também, como um movimento 29 (o udenismo)”. Seu arranjo<br />
interno era diverso, desde liberais democráticos, até radicais antidemocráticos<br />
conservadores, porém, reivindicou sempre uma “tradição” liberal de militantes que a<br />
organizaram nacionalmente com base na experiência de luta pela abertura democrática e<br />
deposição da ditadura getulista. 30<br />
Desprezada por alguns autores, a União foi considerada não como um partido,<br />
porém, assumimos aqui a proposição de análise de Benevides, na qual, se referindo à<br />
polêmica conceitual sobre esta, considera<br />
(...) os partidos como expressões legitimas de determinadas forças sociais<br />
atuando no Legislativo, ou na sociedade como um todo, na medida que<br />
ofereciam uma certa imagem que permita identificar correntes de opinião, de<br />
interesses e etc. recuperando-se, assim, seu sentido político e sua unidade<br />
sociológica. 31<br />
26 Aqui pode será entendido como anti-populismo/trabalhismo, pois a UDN será importante agremiação<br />
na desagregação do bloco-histórico populista. Ver: DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do<br />
estado : ação política, poder e golpe de classe. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. passim.<br />
27 Ambíguo, pois foi a favor do monopólio estatal do petróleo nacional e votou contra a cassação de<br />
mandatos dos comunistas. Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In:<br />
FLEISHER, David V. Os partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 91.<br />
28 Para compreender o que foi o trabalhismo ver: GOMES, Ângela Maria de Castro. A invenção do<br />
Trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2005.<br />
29 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />
partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB p. 92. Ressaltamos que neste primeiro momento nos<br />
interessa entender a UDN enquanto partido, portanto o udenismo será analisado em outro tópico.<br />
30 Dois momentos importantes que evidenciam a ambigüidade da democracia udenista são a luta pela<br />
deposição de Vargas pelos seus futuros membros em 1945 e, a luta pela defesa da democracia contra a<br />
suposta infiltração comunista no governo do presidente João Goulart que definha no golpe civil/militar de<br />
1964 e na ditadura, momento de afastamento dos liberais históricos da UDN.<br />
31 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e<br />
estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 61.<br />
18
Ampliando o debate sobre ser a UDN um partido político, Benevides toma<br />
como referencia as concepções de Antônio Gramsci, este escreve que “um partido<br />
político pode existir em situações independentes da ação política imediata” 32 . Logo o<br />
partido poderia existir como uma força superior 33 reconhecida pelo público, Benevides<br />
considera, assim como Gramsci, que esta funcionalidade pública pode ser analisada a<br />
partir de jornais, ou revistas e etc., todos estes sendo compreendidos como partidos,<br />
frações de partido, ou funções de um partido. Nas observações empíricas, em seu ensejo<br />
enquanto partido percebe-se que diferente das “facções ou clique a UDN teve uma<br />
estrutura permanente e uma organização „burocrática‟ extensa da cúpula dirigente ao<br />
nível municipal em todos os estados do país” 34 .<br />
Em Feira de Santana o único partido que conseguiu ter a seu favor um órgão de<br />
propaganda permanente, uma tribuna, foi a UDN, que contava com o mais velho jornal<br />
da cidade, o Folha do Norte 35 . No ano de 1953, a Frente Democrática utilizou deste<br />
órgão que “empenhou-se inteiramente na campanha, divulgando mensagens, artigos e<br />
telegramas de apoio ao candidato” 36 a prefeito. Assim a UDN feirense disputava a<br />
opinião pública, que<br />
(...) está estreitamente ligada à hegemonia política, ou seja, é o ponto de<br />
contato entre a „sociedade civil‟ e a „sociedade política‟, entre o consenso e a<br />
força. (...) 37<br />
A busca por este ponto de convergência entre sociedade política e civil<br />
mencionado por Gramsci, é perceptível na cidade na difusão de textos do Folha do<br />
Norte que demarcavam as características que definiam a UDN enquanto um partido, e<br />
mais, defendiam publicamente os atos políticos de seus membros no executivo e<br />
32 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />
partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 95.<br />
33 Idem, Ibidem.<br />
34 Idem, Ibidem. p. 93.<br />
35 No período de governo de João Durval, o Folha do Norte divulgava textos sobre o projeto de<br />
modernização da cidade, e discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do prefeito. Era<br />
publicada no Jornal a propaganda do Laboratório de Prótese São Paulo; com “Trabalhos, perfeitos<br />
executados com o máximo de rapidez”. Localizado a rua Cons. Franco, 555, pertencente a João Durval<br />
Carneiro. Forma encontradas textos assim e propagandas de seu consultório nos Jornais Folha do Norte<br />
entre 1957e 1958.<br />
36 FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993.<br />
p. 96.<br />
37 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.<br />
p. 265.<br />
19
legislativo municipal, sendo o jornal a principal fonte para analisarmos o partido<br />
localmente. Na busca da construção de consenso, Gramsci descreve que,<br />
A opinião pública é o conteúdo político da vontade política pública, que<br />
poderia ser discordante: por isto, existe luta pelo monopólio dos órgãos da<br />
opinião pública – jornais, partidos, Parlamento-, de modo que uma só força<br />
modele a opinião e, portanto, a vontade política nacional, desagregando os<br />
que discordam numa nuvem de poeira individual e inorgânica. 38<br />
No período do pleito do prefeito João Marinho Falcão (1955-1959), o Jornal<br />
Folha do Norte expressava de forma mais contundente opiniões, e concepções que o<br />
faziam ser reconhecido enquanto órgão Udenista 39 .<br />
A UDN local e nacional entrava em uma nova fase. Desde a eleição de<br />
Kubitschek esta começa a transformar-se, e em 1957 no Congresso Nacional do Partido,<br />
a UDN defende a superação do capitalismo liberal, do socialismo marxista e do<br />
socialismo reformista, porém não demonstra alternativa bem definida 40 .<br />
O governo de Kubitschek foi dividido entre a coligação PSD-PTB, que tinha<br />
João Goulart como vice-presidente. No cálculo eleitoral da campanha entrariam os<br />
votos urbanos do PTB e os rurais pertencentes ao PSD. O que teria saldos positivos<br />
também para a estabilidade do governo, pois o PTB detinha a máquina trabalhista<br />
através do controle do Ministério do Trabalho e órgãos vinculados a este, dentre eles os<br />
sindicatos, proporcionando assim segurança a Kubitschek. No Congresso Nacional a<br />
aliança com preeminência do PSD 41 garantia votações favoráveis ao principal objetivo<br />
do governo que era a efetivação do “plano de metas” 42 :<br />
(...) o Congresso através da maioria PSD/PTB, dava apoio as questões<br />
orçamentárias (viga mestra do programa de desenvolvimento acelerado)<br />
38 Idem, Ibidem. p. 265.<br />
39 O ex-prefeito e empresário Arnold Silva era proprietário, diretor e jornalista do Folha do Norte.<br />
FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p.<br />
96.<br />
40 Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />
partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981.<br />
41 “Enquanto dispôs de uma maioria parlamentar tranqüila, o PSD pôde conduzir o jogo político<br />
conferindo ao sistema o caráter de moderado e atraindo os outros partidos para o centro”. HIPPOLITO,<br />
Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio de<br />
Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 83.<br />
42 O Plano de Metas representava a mudança no padrão acumulativo nacional, que passava a privilegiara<br />
expansão sem precedentes do setor de “bens de consumo para capitalistas, bens de consumo duráveis”.<br />
Para mais ver: OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. 4 . ed Rio de Janeiro:<br />
Graal, 1984.<br />
20
porque, de certa forma, seus interesses também estavam sendo atendidos pelo<br />
Executivo. 43<br />
A estratégia de Kubitschek também atraiu setores militares, principalmente<br />
devido à atuação do General Lott na defesa da legalidade da eleição 44 contra a tentativa<br />
de impugnação da UDN, o que gerou consequentemente apoio de outros setores das<br />
forças armadas. Portanto, contra a estabilidade 45 do governo havia uma tentativa<br />
exacerbada de abalo por parte da UDN.<br />
A Folha udenista.<br />
Na década de 1950, uma forte oposição ao governo de Juscelino Kubitscheck<br />
(1956-1960) No mesmo período era governador da Bahia Antônio Balbino pelo PSD. e<br />
ao comunismo é dos temas mais evidentes em colunas do Jornal Folha do Norte 46 ,<br />
surgindo no ano de 1958 textos emblemático no folhetim, mesmo que o ataque<br />
anticomunista seja identificado anos antes e se estenda por outros posteriores. Samuel<br />
Pitombo em janeiro de 1958 acusa que,<br />
(...) se faz necessário que penetremos profundamente no conceito desses<br />
exemplos, e procuremos nos armar eficientemente, para enfrentarmos em<br />
breve o temível inimigo comunista, lutando contra as forças do mal que<br />
pensam extinguir vida das nações e dos homens. 47<br />
A convocação da sociedade contra o mal comunista continua por dizer que estes<br />
“desvairados” pretendiam dominar o mundo. Em outra coluna, “Nos Bastidores do<br />
Mundo”, quase que especializada no anticomunismo e escrita por Al Neto, havia sempre<br />
textos que dividiam sua temática entre a falta de espiritualidade do governo comunista<br />
Russo e a perseguição “mortal” às religiões pelo Kremlim. Dois textos, de janeiro e<br />
43 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e<br />
estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 68.<br />
44 Estamos nos referindo ao caso da afirmação do Coronel Jurandir Bizarria Mamede que havia dito ser<br />
“uma mentira democrática” as eleições de 1955. Este foi punido por articulações do General lott. Idem,<br />
ibidem.<br />
45 Benevides propôs um modelo de análise reconhecendo a estabilidade, mesmo que com crises, do<br />
governo Kubitschek. Neste modelo leva em consideração política partidária, política econômica e a<br />
política militar. Para mais ver: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek:<br />
desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.<br />
p. 51-54.<br />
46 Foram dirigentes do Folha do Norte entre 1950-1970, Raul Ferreira da Silva, Oyama Pinto da Silva,<br />
Dálvaro Ferreira da Silva, José Luiz Navarra da Silva e Hugo Navarro da Silva. OLIVEIRA, Ana Maria<br />
Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade: olhares, imagens e práticas do<br />
cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008. (Tese de Doutorado). p. 31.<br />
47 Folha do Norte, 04 de janeiro de 1958.<br />
21
fevereiro de 1958, intitulados “Contra Deus” e “Fôrça Espiritual”, evidenciam bem a<br />
ofensiva ao governo soviético. A intenção dos dois textos é mostrar como o Kremlim<br />
estava oprimindo o povo russo -- com o categórico “slogam {SIC} de Lênin – a religião<br />
é o ópio do povo” 48 , um povo tradicionalmente religioso. O primeiro texto reproduz o<br />
que seriam passagens do PRAV<strong>DA</strong> 49 que, afirmavam que “Deus é o próprio homem” e<br />
convocava a sociedade para acabar “de uma vez por todas com o mito da religião” 50 . O<br />
segundo debate a ciência soviética que, “em nada se preocupa com o povo”, preocupa-<br />
se “em dotar o Estado dos meios para expansão imperialista” 51 , diferentemente da<br />
ciência livre não só na forma material, mas espiritualmente a humanidade.<br />
O anticomunismo é privilegiado no jornal, sendo crescentes a partir de 1958 as<br />
aparições de textos relacionados ao tema. O crescimento do anticomunismo local no da<br />
UDN no Folha do Norte cresce paralelamente a atuação de militantes do PCB na cidade<br />
e suas influência nas disputas locais, mas o Folha do Norte não foi único Jornal a<br />
identificar-se com o combate aos comunistas. O Jornal Gazeta do Povo, fundado em<br />
1959 por empresários e membros do PSD reproduzia constantemente texto contra os<br />
inimigos vermelhos, declarando sua oposição de forma agressiva muitas vezes. Em 26<br />
de julho de 1959 o dito jornal publica um texto criticando o Ministro das Relações<br />
Exteriores da União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas, Andrei Gromyko, sobre<br />
sua propaganda enganosa em relação à aceitação do povo da Alemanha Oriental do<br />
regime comunista. 52<br />
Apesar da marca sólida do discurso anticomunista no Jornal Folha do Norte,<br />
discutia-se política nacional e local, economia, esporte, lazer e etc., tendo destaque<br />
textos que debatiam assuntos mais gerais que se achavam no cerne da identidade da<br />
UDN. Assim é que amiúde apareciam textos contra a política econômica nacional, a<br />
favor liberalismo, como no escrito “Livre Iniciativa”, em defesa do Estado liberal, pois,<br />
“os países mais prósperos do mundo, baseiam sua economia no principio da livre<br />
iniciativa” sendo que “O Estado industrial administrador, gerente ou patrão, só existe<br />
48 Folha do Norte 01 de fevereiro de 1958.<br />
49 O PRAV<strong>DA</strong> foi o Jornal fundado por Leon Trotsky em 1908, sem sucesso. Em 1912 os Bolcheviques<br />
fundam em São Petersburgo um jornal com o mesmo nome, organizado por Stalin e dirigido<br />
ideologicamente por Lênin. Este se tornou órgão oficial do Estado soviético. In: http://www.marxists.org.<br />
Visto em 29 de fevereiro de 2010.<br />
50 Folha do Norte 01 de fevereiro de 1958.<br />
51 Está é segundo o Jornal uma Fala do presidente dos EUA Eisenhower. Folha do Norte 08 de Fevereiro<br />
de 1958.<br />
52 Jornal Gazeta do Povo. 26/07/1959.<br />
22
nas ditaduras em que ele é o senhor absoluto da produção da terra e do trabalho<br />
humano” 53 .<br />
Havia espaço amplo para a coluna social de Eme Portugal, que registrava os<br />
acontecimentos da cidade no que tange às personalidades publicas, intelectuais,<br />
empresários e etc. Era comum que aparecessem notas sobre João Durval e família 54 .<br />
Além da coluna social em que os políticos apareciam em suas andanças cotidianas que<br />
não tinham relação direta com as contigüidades políticas da cidade, estes também<br />
freqüentemente eram citados em textos na primeira pagina do Jornal. João Durval<br />
aparece em diversos desses textos, um em especial, impresso em letras “garrafais”<br />
quando da inauguração do Ginásio Estadual Noturno, “graças aos esforços do vereador<br />
João Durval Carneiro que conseguiu, com o Município, a verba para instalação elétrica<br />
do velho prédio da Rua Conselheiro Franco” 55 .<br />
Foi comum também a publicação de notas, muito provavelmente pagas, de<br />
entidades de classe como a Associação Comercial, Rotary Club de Feira de Santana 56 .<br />
Não sem sentido o Rotary se mostra na cidade como um órgão beneficente que atua<br />
para modernização local e assistência, dividindo com os poderes públicos municipais<br />
uma parceria longa na realização de eventos. As festas realizadas pela entidade sempre<br />
reuniam personagens locais de prestígio, empresários, políticos, gente de aparições em<br />
colunas sociais. Além desta parceria público-privada, os rotarianos se confundem com<br />
os udenistas e vereadores. Comum encontrar sujeitos membros dos dois “partidos”,<br />
como é o caso do próprio João Durval 57 , Joselito Amorim, Wilson Falcão, João<br />
Marinho Falcão e outros.<br />
Compreendemos o Estado como um dos mecanismos de operacionalização de<br />
poder, que é movido e controlado para expandir ao máximo um grupo social e seus<br />
interesses que são incorporados socialmente como uma influência universal e<br />
manifestam-se nacionalmente nos territórios. O Estado resulta das mediações dos<br />
53 Folha do Norte 08/02/1958.<br />
54 “Dias atrás veio ao mundo o brotinho Márcia Carneiro, que a cegonha trouxe para o casal amigo João<br />
Durval Carneiro”. Folha do Norte 04/01/1958.<br />
55 Folha do Norte 08 de março de 1958. A noticia se refere ao projeto de lei n° 37/58, que cria uma escola<br />
municipal e dá outras providencias. Ver: Projetos de lei do Vereador João Durval Carneiro. Câmara de<br />
Vereadores de Feira de Santana. Os atos do vereador Joselito Amorim também são temas freqüentes do<br />
Jornal Folha do Norte.<br />
56 Este um Clube de serviço de âmbito mundial. Segundo Gramsci, um partido internacional. Ver:<br />
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.<br />
42.<br />
57 Ele foi 2° Secretário do Rotary Club no ano de 1958. Ver: Jornal Folha do Norte 12/07/1958.<br />
23
conflitos de interesses entre subalternizados e dominantes onde prevalece - mesmo que<br />
o equilíbrio de forças possa pender para o lado oposto - interesses dos grupos<br />
dominantes 58 . Os grupos sociais estão sujeitos as influências das ideologias<br />
internacionais, “Uma ideologia, nascida num país desenvolvido, difunde-se em países<br />
menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações” 59 , que são estas<br />
combinações? São os equilíbrios das relações de forças, luta de classes, que geram<br />
resultados variáveis em situações múltiplas que podem levar os grupos subalternizados<br />
ou dominantes, ao desenvolvimento histórico de opressões e resistências observáveis<br />
para, no nosso caso, o pesquisador.<br />
O Rotary Club se enquadra na categoria de partido internacional que difunde<br />
ideologias exteriores. Chega à cidade em 1941 e suas primeiras reuniões são realizadas<br />
na casa João Marinho Falcão. Andrei Valente iniciou a análise deste grupo:<br />
Parece que seu programa essencial e a difusão de um novo espírito<br />
capitalista, ou seja, a idéia de que indústria e comércio, antes de serem um<br />
negócio, são um serviço social, ou, mais precisamente de que são e podem<br />
ser um negócio na media em que são um serviço. ” 60<br />
O Rotary Club teria por função a difusão desse novo espírito e<br />
funcionaria como mais um elemento de integração entre Feira de Santana e o<br />
capital internacional, como podemos comprovar através das diversas visitas<br />
registradas nas páginas dos jornais Feira hoje e Folha do Norte, de<br />
estrangeiros recepcionados por esta organização bem como pelas lojas<br />
maçônicas da cidade. 61<br />
A chegada do Rotary Club na década de 40 em Feira de Santana<br />
coincide com a atuação dos empresários no sentido de diversificar suas<br />
atividades econômicas vinculando- se, num primeiro momento, a uma<br />
industrialização incipiente e pouco qualificada mas que a partir da década de<br />
60, após o golpe civil/militar, passa a receber diversos incentivos de<br />
aparelhos de hegemonia como o CEDIN (financiado por capital externo) e<br />
SUDENE servindo também como elo de articulação entre o capital nacional e<br />
internacional que passam a instalar industrias na cidade. 62<br />
58 Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />
2000. P.41-42.<br />
59 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.<br />
P.42<br />
60<br />
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 4. 2. ed Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />
2007. p. 295-296.<br />
61<br />
VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />
industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório<br />
de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p. 10. (no prelo)<br />
62<br />
VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />
industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório<br />
de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p. 10. (no prelo)<br />
24
Grupo afim é o Lions Club, que parece constituir as mesmas funções do Rotary<br />
com poucas diferenças. Ganha notoriedade por ser oferecido pelo Jornal Folha do Norte<br />
a publicação gratuita de seu boletim nas páginas do jornal, e por exercer papel<br />
semelhante ao Rotary, o qual foi considerado pelo Lions como um parceiro constante, 63<br />
como na fundação da Associação Rural da cidade 64 , órgão existente até a atualidade que<br />
representa os ditos produtores, neste caso os proprietários rurais da região, apesar de na<br />
época dizer-se representante de patrões e lavradores.<br />
No imbricado mundo político feirense as trajetórias de membros dos poderes<br />
públicos da cidade que conseguiam avançar para cargos estaduais compartilhavam<br />
trajetos comuns percorridos. Todos estes políticos tinham passagens ou ainda estavam<br />
passando pelo exercício de cargos em órgão civis que eram retratados todo o tempo pelo<br />
Jornal Folha do Norte.<br />
A percepção maior desta identificação do Jornal Folha do Norte com a UDN e o<br />
udenismo apreciam em suas páginas principalmente nas campanhas eleitorais da Frente<br />
Democrática Feirense, dos prefeitos 65 candidatos pela UDN e vereadores e na descrição<br />
do exercício dos cargos. Desde a primeira eleição para prefeito em Feira de Santana pós<br />
Estado varguista, o jornal apoiava udenista, como foi o caso de Carlos Bahia (UDN)<br />
filho do ex-intendente da cidade Bernadino Bahia depois do fim do estado varguista.<br />
Isto tinha certa obviedade já que o órgão de imprensa pertencia a Arnold Silva que foi<br />
membro do diretório local do partido, chegando a ocupar inclusive o cargo de<br />
presidente. O jornal apoiou, através de seus articulistas, as candidaturas e/ou os<br />
governos udenistas e arenistas de João Marinho Falcão (1955-1959), Arnold<br />
Silva(1959-1962), Joselito Amorim (1964-1967) 66 e de João Durval (1967-1971) 67 .<br />
A década de 1950 e João...<br />
A composição da UDN feirense não era disforme com a nacional. Empresários,<br />
setor agrário, intelectuais e etc. Havia uma forte presença da família Falcão, que terá<br />
63<br />
Foram membros do Lions Club, Fernado Pinto de Queiroz, Wilson Falcão, Hugo Navarro, Arnold Silva<br />
e outros.<br />
64<br />
Folha do Norte. 10/05/1958.<br />
65<br />
Jornal Folha do Norte. 02/08/1947 & 09/08/1947.<br />
66<br />
Joselito Amorim não foi candidato, assumiu a prefeitura através de indicação pós o golpe de 1964 que<br />
destituiu Francisco Pinto do poder.<br />
67<br />
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). p. 32.<br />
25
prefeitos como o já citado João Marinho, Joselito Amorim Falcão, Newton Falcão, além<br />
de vereadores eleitos. João Durval Carneiro, diferentemente da grande “família UDN<br />
Falcão”, assim era um profissional liberal, porém o que conseguiria maior expressão na<br />
carreira política local na passagem pela UDN 68 .<br />
João Marinho (1955-1959) e Arnold Silva (1959-1962) seu sucessor e<br />
correligionário desde tempos áureos 69 , herdou da administração anterior, uma cidade<br />
afogada em dividas 70 , o que teria inspirado João Marinho a propor a não remuneração<br />
do prefeito e vereadores até a amortização das dividas 71 , porém importante observar que<br />
a administração de Almaquio Boaventura, antecessor de João Marinho é responsável<br />
por uma série de projetos de leis que previam melhorias para cidade. Porém na sua<br />
substituição por João Marinho Falcão, o Folha do Norte descreve sua estada no poder<br />
municipal como uma experiência negativa, acusa o ex-prefeito de falsificação de<br />
documentos, desvio de dinheiro da Santana Casa de Misericórdia e da Fazenda Nacional<br />
e também de mandar jagunços seus agredir no dia 12 de setembro de 1952 o editor do<br />
Jornal. Sobre varias acusações contra Almaquio Boaventura é que a UDN ganha<br />
posições importantes e derrota o PSD. 72 Na intensa disputa pelo crescimento do partido,<br />
o Jornal Folha do Norte relatava semanalmente realizações de seus membros no<br />
executivo e no legislativo.<br />
Há indícios que João Durval era político talentoso, respondia devidamente a<br />
anseios da população local e de setores dominantes da cidade. Reclamações que<br />
freqüentemente apareciam em forma de debates nos Jornais locais eram alvo dos<br />
projetos de lei proposto pelo “edil” e pelo seu companheiro partidário Joselito Amorim.<br />
É assim que a abertura do Ginásio Noturno, ampliação de verbas para rede elétrica da<br />
escola, calçamento de ruas, destinação de verbas para o lar do Irmão Velho, Sociedade<br />
Baiana de Medicina, Associação Cultural Filinto Bastos e a Liga Contra Tuberculose 73 ,<br />
aparecem como projetos, e esta última entidade com importância destacada, já que<br />
68 No Nordeste a UDN tinha as mesmas bases do PSD. Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União<br />
Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB,<br />
1981.<br />
69 Arnold Silva era proprietário, diretor e jornalista do Folha do Norte. FALCÃO, João. A vida de João<br />
Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p. 93.<br />
70 Segundo matérias do Folha do Norte e livro de João Falcão e Adnil Falcão, op. Cit.<br />
71 FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, p. 105.<br />
72 . Importante observar que nas eleições de 1953 para prefeito, a coligação nacional e Estadual entre PSD.<br />
e PTB é desfeita em Feira de Santana sendo que Hamilton Cohim como candidato do PTB obteve 3.058<br />
votos contra 3.671 de Eduardo Froés da Mota pelo PSD e o eleito João Marinho Falcão pela UDN com<br />
5.477. Jornal Folha do Norte. 23/01/1954<br />
73 Folha do Note. 08/03/1959 e 15/03/1958. Ano de intensificação da campanha contra a tuberculose.<br />
26
campanhas de prevenção a doença são vistas sempre no jornal desde o inicio da década<br />
de 1950.<br />
O mandato de João Marinho foi marcado pela reorganização da administração<br />
municipal, o fim da era dos pessedistas que perdem espaço inclusive na Câmara<br />
Municipal.<br />
Vereadores da Gestão de João Marinho Falcão (1955-1959)<br />
PATI<strong>DO</strong>S VERE<strong>DO</strong>RES TOTAL<br />
União Democrática Nacional –<br />
UDN<br />
Joselito Amorim Falcão, Wilson Falcão<br />
da Costa, Walter Nick, Arthur Vieira de<br />
Oliveira, João Durval e Augusto<br />
Mathias<br />
Partido Social Democrático – PSD Dorival Oliveira, Osvaldo Monteiro<br />
Pirájara, Antonio Araújo e Colbert<br />
Martins.<br />
Partido Trabalhista Brasileiro Jorge Watt, Mário Porto e Antonio<br />
Lourenço Nery<br />
Fonte: LEONY, Yolanda Cruz Barreto. Experiência de Organização de<br />
trabalhadores Urbanos em Feira de Santana (1945-1964). UEFS, 2009. p.30-31.<br />
A disposição da maioria na Câmara Municipal facilitava a aprovação de projetos<br />
e denotava a dominação udenista, e o prefeito conseguiu também o apoio do PTB,<br />
proclamado por Jorge Watt, e do PSD. Para a candidatura de João Marinho foi intentada<br />
uma coalizão entre os partidos de oposição que não deu certo, porém, parecia ser um<br />
momento oportuno para a gestão desafogar a município das dívidas e retomar o<br />
progresso para a cidade, o que registra entendimento entre os grupos políticos em torno<br />
dessa pauta. 74 Eram debatidos projetos que garantissem o embelezamento da cidade,<br />
higiene pública, comércio e etc. João Durval foi presidente da câmara entre 1959 e<br />
1961, biênio em que “sua popularidade em Feira de Santana cresce assustadoramente”<br />
por não medir “esforços em função do progresso de sua terra” 75 , era o edil que mais<br />
propunha projetos de leis ou que atuou em projetos de resolução. Os projetos de lei<br />
FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p.<br />
89 - 99. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado).<br />
75 MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 19<br />
06<br />
04<br />
03<br />
27
versavam sobre temas diversos, como abertura de créditos para encontro de juventude<br />
católica, nome de ruas, etc 76 . Segundo Mattos, havia uma memória de feirenses<br />
contemporâneos que retinha momentos de superlotação da Câmara, para ver os debates<br />
em que este estava envolvido 77 . Descreve ainda que João Durval havia sido o vereador<br />
que mais “aprovou projetos”, principalmente em beneficio a zona rural do município 78 .<br />
Apesar de mais projetos aprovados entre 1959-1961, o ano de 1956 foi marcante<br />
para o crescimento de João Durval enquanto vereador, pois, encaminhou à Presidência<br />
da República solicitação da conclusão da BR-324 79 , enviou à Companhia de Energia<br />
Elétrica da Bahia (CEEB) 80 reivindicação de nova rede telefônica na “segunda cidade<br />
mais importante do Estado” e ainda no mesmo ano um requerimento à Presidência<br />
pedindo soluções para os problemas da indústria fumageira do recôncavo baiano que<br />
passava por dificuldades 81 .<br />
Inaugurado um novo tempo administrativo na cidade 82 , convinha reconhecer<br />
pelo executivo e legislativo do município o contexto de modernização pelo qual a<br />
cidade passava: pavimentação de ruas, comércio crescente, estradas e um simbólico<br />
trânsito moderno, complexo, com carros, caminhões e bicicletas.<br />
Entre 1959 e 1962, durante a segunda gestão de Arnold Ferreira da Silva, os<br />
Currais Modelo foram transferidos dos arredores da zona central (atual<br />
quarteirão onde se encontram o Museu de arte Contemporânea, o Ginásio<br />
Municipal, a Biblioteca Municipal, o Fórum Filinto Bastos, a SUCAM e uma<br />
Loja Maçônica) para um local mais distante, no bairro da queimadinha (...) 83<br />
76<br />
Projetos e Leis do Vereador João Durval Carneiro. Câmara Municipal de Vereadores de Feira de<br />
Santana<br />
77<br />
MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 19.<br />
78<br />
Idem, Ibidem. p. 19.<br />
79<br />
Ata Da Câmara Municipal de Feira de Santana. 6° Sessão Extraordinária 03/09/1956. Oficio do Rotary<br />
Club a Câmara enviando cópia de um telegrama, sobre o reinicio da obras da rodovia Bahia-Feira. Ata Da<br />
Câmara Municipal de Feira de Santana. 7° Sessão Extraordinária05/09/1956. “... o sr. João Durval<br />
apresentou Requerimento subscrito por toda a Casa, no sentido de dirigir-se um apelo ao Sr. Presidente da<br />
Republica, pela conclusão da pavimentação da rodovia Bahia-Feira”. O Oficio foi enviado também ao<br />
governador do Estado da Bahia.<br />
80<br />
João Durval aparece em atas da Câmara Municipal debatendo necessidade de iluminação publica para<br />
cidade e para o funcionamento do Ginásio Noturno. Ata da Câmara Municipal de Feira de Santana. 80°<br />
Sessão Geral. Câmara Municipal de Feira de Santana. Reproduzida também pelo Jornal Folha do Norte.<br />
05/04/1958.<br />
81<br />
MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 20.<br />
82<br />
Referimo-nos ao mandato de João Marinho Falcão e Arnold Silva.<br />
83<br />
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). p. 43.<br />
28
O centro era alvo de disputa por espaço em uma cidade onde eram observáveis<br />
sentimentos de modernidade 84 . Momento onde<br />
As elites em ascensão ao requererem prestigio social e político dentro da<br />
cidade procuravam na tentativa de legitimação do aparato do Estado, através<br />
da valorização das instituições jurídicas e policiais, uma maneira de<br />
afirmarem-se no poder em oposição em oposição as antigas autoridades –<br />
“fidalgos e vaqueiros”- que tinham em torno de si uma concepção própria de<br />
justiça que orientava suas ações, e a dos indivíduos a elas ligada, no cotidiano<br />
da cidade. 85<br />
São esses grupos das chamadas elites “em ascensão, - intelectuais, judiciários,<br />
profissionais públicos e comerciantes”, principalmente os membros do setor comercial<br />
que buscam “inserir a cidade em todos os aspectos da modernidade que embalava as<br />
outras cidades brasileiras” 86 . O aparelho de representação desse grupo dos comerciantes<br />
é organizado em 1945, a Associação Comercial de Feira de Santana (ACFS) que viria a<br />
ser um dos órgãos que mais pressionaria publicamente pela reorganização da cidade.<br />
Segundo Poppino 87 já em 1950 a feira semanal havia perdido a primazia enquanto<br />
mercado mais rentável para a cidade pois era agora o comércio quem detinha maior<br />
importância possibilitada pelo crescimento do volume de transações. Ana Maria de<br />
Carvalho 88 identifica que na década de 1950 o comércio era muito dinâmico e que o<br />
crescimento era tamanho entre 1960 e 1970, que a cidade teria “duas vezes mais<br />
números de estabelecimentos comerciais e de serviços” 89 . Essa ascensão comercial<br />
possibilitou a maior organização dos comerciantes enquanto fração da classe dominante.<br />
84 O sentimento de modernidade é identificado historicamente no século XIX definido como (...) viver<br />
uma vida de paradoxo e contradição, [...], é encontra-se em um ambiente que promete aventura, poder,<br />
alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo<br />
ameaça destruir tudo o que temos tudo que sabemos tudo que somos [...]. Ver BERMAN, Marshall. Tudo<br />
que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.<br />
24. Sobre o trânsito citadino e os sentimentos de modernidade ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos<br />
Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano.<br />
(1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008. (Tese de Doutorado). passim<br />
85 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão(1930-<br />
1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado). p.243.<br />
86 Idem, p.14.<br />
87 POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã, 1968. p. 242.<br />
88 : OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado).<br />
89 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). p. 53.<br />
29
O protagonismo do setor comercial da cidade por meio de seu órgão de classe implica<br />
na grande força de influência que o grupo teve para por em pratica projetos políticos<br />
através da pressão sobre instituições públicas, como a prefeitura, o governo do Estado e<br />
mesmo a Presidência da Republica, esta alvo de solicitações por parte ACFS de<br />
resolução de problemas locais como o do abastecimento de água 90 .<br />
A modernidade entendida por Souza como sendo a concepção dos feirenses do<br />
período, era o “status auferido” pelo “progresso material e melhoramentos urbanos que<br />
a cidade apresentava” 91 . Neste contexto os poderes públicos através de seus tentáculos<br />
ganham mais força e visibilidade, quando da necessidade de ampliação do controle dos<br />
comportamentos sociais, e as reformas necessárias para o desenvolvimento da cidade<br />
para expansão dos interesses principalmente de frações comerciais.<br />
Um dos focos de afirmação da modernidade feirense era o comportamento de<br />
sujeitos que praticavam atos de violência, deslegitimando o controle do Estado. Este<br />
deveria tornar público a resolução de conflitos que antes eram resolvidos no âmbito do<br />
privado por indivíduos. O crescimento dos profissionais do direito e de um Estado<br />
monopolizador da violência gerava um complexo campo jurídico, sendo que este<br />
consiste na<br />
(...) existência de um universo social relativamente independente em relação<br />
às pressões externas, no interior do qual se produz e se exerce a autoridade<br />
jurídica, forma por excelência da violência simbólica legitima cujo<br />
monopólio pertence ao Estado e que se pode combinar com o exercício da<br />
força física. As práticas e os discursos jurídicos são com efeito, produto do<br />
funcionamento de um campo cuja a lógica especifica está duplamente<br />
determinada: por um lado, pelas relações de força especificas que lhe<br />
conferem estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais<br />
precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e , por outro<br />
lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento<br />
o espaço dos possíveis e deste modo, o universo das soluções propriamente<br />
jurídicas. 92<br />
90 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). Passim. A tese identifica que essa ascensão comercial e dos comerciantes gera o<br />
ideal de cidade progresso e comercial, defendida pelo setor e adensada pelos Jornais locais e pelos<br />
poderes públicos da cidade. Foram utilizadas pela autora cartas da ACFS endereçadas à prefeitura, ao<br />
Ministério do Trabalho, presidência da republica e governo do estado solicitando providências em relação<br />
a problemas que eram fonte de atraso para a “cidade progresso”.<br />
91 Idem, Ibidem.<br />
92 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.p. 211.<br />
30
Portanto o campo jurídico se caracteriza pela sua autonomia relativa dada pela<br />
“concorrência do monopólio do direito de dizer o direito” 93 , na luta pela apropriação da<br />
linguagem jurídica na interpretação de um corpus de textos e leitura legítima deste.<br />
Assim, nos conflitos deste campo, nas relações de força interna, ganha aquele que<br />
detiver mais habilidades desenvolvidas quanto ao uso do direito, “a apropriação de<br />
forças simbólicas” - neste caso os profissionais e não os sujeitos envolvidos diretamente<br />
nos conflitos - sendo que a autonomia é reconhecidamente relativa já que este campo é<br />
resultado do campo maior de poder, e que “a Justiça organiza segundo uma estrita<br />
hierarquia não só as instâncias judiciais e os seus poderes, portanto, as decisões e<br />
interpretações em que elas apóiam, mas também as normas e as fontes que conferem a<br />
sua autoridade a essas decisões” 94 .<br />
Souza 95 identifica entre a década de 1940 e 1950 na cidade o crescimento deste<br />
campo cujo reflexo social é o aumento do controle social por parte de instituições<br />
públicas, a exigência cada vez maior de perseguição dos costumes de grupos de<br />
trabalhadores, mulheres, imigrantes e outros. Esta idéia propagada por vários países foi<br />
fundamentada em ideais de “progresso” e “civilização” amplamente estudados por Elias<br />
Norbert 96 , por conseguinte manifestações locais de ideais deste tipo foram identificadas<br />
e analisadas por Souza, Clóvis Frederico Ramaiana Oliveira e Ana Maria de Carvalho. 97<br />
Segundo as elites descritas por Souza, “a ordem pública era condição imprescindível<br />
para que o trabalho e o avanço dos símbolos da modernidade pudessem ganhar espaço e<br />
visibilidade” 98 .<br />
Neste período que os processos de perseguição ocorrem contra costumes<br />
comuns e há uma valorização do direito, permitindo a ascensão política de advogados<br />
93 Idem, p.212.<br />
94 Idem, p.214.<br />
95 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão(1930-<br />
1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado).<br />
96 ELIAS, Norbert. O processo civilizador : formação do estado e Civilização, V 2. 2. Rio de Janeiro: J.<br />
Zahar, 1993.<br />
97 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado). OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana. De Empório á Princesa do Sertão:<br />
utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação. (Mestrado em História) – UFBA,<br />
Salvador, 2000. SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do<br />
Sertão (1930-1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado).<br />
98 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão (1930-<br />
1950). UFBA, 2008. p. 69. (Dissertação de Mestrado).<br />
31
como Jorge Watt e Francisco José Pinto que se elegem para câmara de vereadores 99 .<br />
Jorge Watt foi defensor da ordem (controle) pública através de ações jurídicas e atuou<br />
de forma incisiva em publicações no Jornal Folha do Norte em favor de uma polícia que<br />
trabalhasse bem em benefício de uma moralização dos costumes que este defendia o que<br />
pode ser traduzido por uma ordem pública vigilante e punitiva.<br />
Na imposição de determinada relação de poder, os aparelhos municipais e<br />
estaduais eram criados, inclusive privados como o caso da Guarda Noturna financiada<br />
pelos comerciantes. Na pressão da imposição de um modelo civilizatório em oposição a<br />
modelos civilizatórios próprios dos feirenses populares ou da sociedade civil, os<br />
vereadores sempre respondem em consonância com sua representação de classe. É<br />
assim que resoluções da câmara resolvem ou compram a briga contra policiais, os<br />
costumes, o Estado e dos grupos locais dominantes, como na tentativa do controle das<br />
atividades policiais, já que seus executores também abusavam da sua posição e<br />
comportavam-se de forma incivilizada. A policia era vigiada, pois na lógica do Estado<br />
como um mecanismo a ser operacionalizado por uma classe ou fração de classe, este<br />
grupo dominante deveria regular também os comportamentos dos policiais de acordo<br />
com o modelo de civilidade a ser seguido. Há uma tentativa crescente de controle por<br />
parte da sociedade política sobre a civil.<br />
O controle da violência e sua reprodução é tema já amplamente pesquisado. Nas<br />
referências bibliográficas encontra-se a principal reflexão e conclusão sobre a passagem<br />
do processo punitivo para a vigilância como sendo muito mais produtiva para um<br />
modelo econômico sustentado por um grupo social (capitalista) que apóia e alarga a<br />
necessidade de um aparato de controle social e legitimação de sua posição de<br />
subordinador de outros grupos. O aparecimento de notícias sobre crimes e, constantes<br />
cobranças da presença da polícia e a cadeia como instrumento de controle público da<br />
violência, são reflexos de uma ampliação da possibilidade do Estado atingir cada vez<br />
mais a sociedade, ampliar sua atuação e controle, pois quanto mais notícia mais cresce o<br />
pedido da guarda, da polícia, e isso significa que o Estado é um pedido público<br />
consensuado entre dominantes e subalternizados como uma necessidade. O Folha do<br />
Norte freqüentemente relata atos de delinqüência na cidade e pede providência à polícia<br />
e aos poderes instituídos. “Sem delinqüência não há policia. O que torna a presença<br />
99 Jorge Watt foi eleito pelo PTB em 1954, Francisco José Pinto teve o mandato entre 1951-1955 sendo<br />
estudante de direito na época que o exerceu.<br />
32
policial, o controle policial tolerável pela população se não o medo do delinqüente?”<br />
100 Neste ponto encontramos a construção da necessidade social do controle policial na<br />
cidade. Portanto a conclusão de Foucault é pelo caminho da reprodução da delinqüência<br />
como um projeto da economia política moderna que percebeu resultados positivos<br />
quanto à elaboração dessa vontade coletiva de um aparato de controle do Estado.<br />
Nesta cidade a polícia deveria controlar os divertimentos públicos e, também, o<br />
jogo, um dos principais alvos desse projeto de novas redefinições do comportamento<br />
dos feirenses, tanto no Jornal Gazeta do Povo quanto no Folha do Norte, o jogo é<br />
matéria constante, chegando a render reconhecimento elogioso para João Durval,<br />
enquanto prefeito interino, no Gazeta pela sua atitude perante o controle da jogatina e<br />
sua honradez e moral, por outro lado e como conseqüência das suas atitudes,<br />
desencadeou severas criticas ao prefeito Arnold Silva 101<br />
Os costumes mudavam de referencial, o homem urbano ganhava cada vez mais<br />
espaço na cidade, os representantes políticos que mais crescem são sujeitos de formação<br />
superior, acadêmicos que iam até a capital buscar conhecimento. Hás uma<br />
desruralização das sociabilidades feirense e em contrapartida um avanço de práticas<br />
citadinas, a organização da cidade pelos poderes públicos é intensificada, mesmo as ruas<br />
nomes que abrigavam nomes com significações emanadas da oralidade, passam a ser<br />
renomeadas por ações burocráticas que acabam por levar ao esquecimento as práticas<br />
costumeiras 102 . Ao ler a cidade através da obra de Eurico Alves, Clóvis Ramaiana<br />
percebe mudanças nessa, os grupos ascendentes na economia local “introduziam valores<br />
estranhos à sociedade pastoril e, em certa medida, destroçavam equilíbrio dos velhos<br />
solares rurais” 103 . Muda-se segundo Clóvis, a maneira de usar o solo, este uso ganha<br />
um valor utilitário, descartado assim o seu valor de uso em favor do valor de troca.<br />
Neste tempo João Durval conseguia ascensão política e a partir principalmente<br />
de 1958, seu segundo mandato, ganhava popularidade nas páginas dos jornais e também<br />
na câmara municipal, aparecendo como representante do no novo perfil citadino de<br />
100 FOUCAULT, Michel; MACHA<strong>DO</strong>, Roberto (Org.) Microfísica do poder. 13. Ed. Rio de Janeiro:<br />
Graal, 1998. p. 137-138. Ver principalmente FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da<br />
prisão. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.<br />
101 Jornal Gazeta do Povo. 08/11/1959. Ver também: Jornal Gazeta do Povo 01/11/1959.<br />
102 Ver Oliveira, Clóvis Frederico Ramaina. Currais, clubes e modelos: Eurico Alves leitor de Feira de<br />
Santana, 1940-1960. Texto não publicado.<br />
103 Idem, Ibidem.p. 10.<br />
33
Feira. A observação das atas da câmara confirma 104 que João Durval se destaca no<br />
acompanhamento e proposição de debates, o que rendeu louvores para si, sendo tratado<br />
pelos jornais locais como um sujeito político que provocava consenso sobre suas<br />
atividades mesmos entre aqueles que se posicionavam constantemente na oposição à seu<br />
partido. Mesmo o Jornal Gazeta, órgão de imprensa da oposição, rende galanteios a<br />
Durval. Na discussão sobre a proibição do jogo na cidade, em momento onde Durval<br />
assumia a Prefeitura de forma interina, disse que este vivia “(...) um dos dramas de<br />
consciência dos mais terríveis de sua vida”, resistindo o “bando da corrupção” que<br />
segundo o jornal “insistia em subornar as autoridades”. O prefeito foi descrito pelo<br />
como “Moço honrado...” que “vê-se acossado pelo sindicato do vicio e da corrupção...”<br />
105 Este era o João Durval, crescente representante de um projeto moral, conservador e<br />
dito “moderno” que conseguiu reunir em torno de si, ou foi reunido à harmonia de<br />
grupos e frações de classes distintas.<br />
Precedentes de uma renovada gestão.<br />
Para João Durval chegar ao governo municipal, precisou vencer oposições e,<br />
quando conseguiu, lutar pelo estabelecimento de referenciais novos de organização<br />
administrativa e modernização local para buscar resguardar na memória coletiva de<br />
Feira de Santana um papel relevante como homem que trouxe o “progresso” local e<br />
colocou a cidade entre os grandes pólos industriais e econômicos do país. Para tanto,<br />
João Durval deveria subjugar a recente memória política de participação popular<br />
demonstrada no governo de seu principal opositor político, Francisco José Pinto (1963-<br />
1964) ou simplesmente Chico Pinto. A carreira política destes sujeitos seria marcada<br />
por disputas acirradas, a começar pela eleição municipal de 1962.<br />
As campanhas eleitorais de 1962 permitem-nos visualizar o crescimento local de<br />
personagens políticos que passam a desenvolver papéis de relevância em novos<br />
contextos políticos sociais locais e nacionais. Os momentos finais do governo de Arnold<br />
Silva levam à convenção local da UDN a escolha de um novo candidato, rapaz jovem,<br />
104 “Moção de Confiança ao Sr. João Durval Carneiro, Presidente da Casa que, ainda novo no mister, vem<br />
de maneira impecável, servindo com lisura e dignidade, a Casa do povo. Foi a mesma aprovada<br />
unanimemente”. Coluna Semana Legislativa. Jornal Gazeta do Povo. 10/05/1959.<br />
105 Jornal Gazeta do Povo. 01/11/1959.<br />
34
de formação na capital, um representante legitimo dos novos comportamentos citadinos,<br />
prefeito interino, e acima de tudo um defensor da moral e dos bons costumes.<br />
Repete-se a nível regional e local a coligação partidária estabelecida entre UDN-<br />
PTB para presidência e congresso nacional. Ao lado de Jânio Quadros (UDN) e João<br />
Goulart (PTB), o candidato baiano da coligação para o governo do Estado é Lomanto<br />
Jr.(PTB) e para prefeitura local, João Durval Carneiro. Em contrapartida o PSD local<br />
convida Chico Pinto a candidatar-se e disputar o pleito contra João Durval. Pinto relata<br />
que o convite se relacionava a seu ganho de popularidade devido o exercício da<br />
advocacia 106 em sindicatos de trabalhadores da cidade, o convite seria feito pela maior<br />
liderança do partido Eduardo Fróes da Mota na tentativa de renovação do partido 107 .<br />
A eleição de 1962 é primeira disputa em que o PSD contaria com apoio do PCB<br />
local que, segundo Chico Pinto, sempre apoiava a UDN sendo a primeira vez que ficou<br />
ao lado de seu partido 108 . O PCB já contava com certo crescimento na cidade, havia<br />
conseguido eleger o vereador Humberto Mascarenhas para o pleito entre 1959 a 1962 e<br />
segundo militantes do partido havia uma participação expressiva destes em sindicatos e<br />
organizações como a Associação Feirense de Estudantes Secundaristas (AFES) 109 . O<br />
apoio do PCB levantou a desconfiança da UDN, tendo como conseqüência a<br />
intensificação no Folha do Norte de textos anticomunistas na disputa eleitoral.<br />
Francisco Pinto foi freqüentemente associado ao comunismo pelo jornal Folha<br />
do Norte, e o principal articulador da campanha “vitoriosa de João Durval” 110 órgão<br />
critico da candidatura de Pinto no órgão foi o sobrinho de Arnold Silva e candidato a<br />
Câmara Municipal, Hugo Silva.<br />
Na campanha de 1962, o Folha do Norte intensifica seus ataques ao PSD, que já<br />
possuía seu próprio órgão de imprensa para desenrolar sua campanha 111 . Na briga entre<br />
106 Chico Pinto diz que seu primeiro mandato enquanto vereador não foi muito bom, pois este estudava<br />
em Salvador na Faculdade de Direito o que lhe tomava muito tempo aumentando sua distância para com a<br />
cidade. Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />
107 Ver: NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia: historia oral de vida<br />
política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. P.143. & CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira:<br />
sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia).<br />
108 Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />
109 Depoimentos de ex-militantes do partido contidos no vídeo do Seminário Chico Pinto: Democracia e<br />
Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo LABELU – UEFS, em Setembro de 2007. (DVD)<br />
110 Folha do Norte, 11/08/1962.<br />
111 Para esta pesquisa só tivemos acesso a uma parte do Jornal Gazeta do Povo que compreende o período<br />
de 1959-1960 e encontra-se digitalizado no acervo do Labelu. À segunda parte do Jornal Gazeta do Povo<br />
que compreende o período entre 1960-1964 não foi encontrada.<br />
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os dois Jornais, alguns episódios foram marcantes, como o empastelamento do Gazeta<br />
do Povo em 1959, após o arrombamento realizado por Itamar Silva, sobrinho do<br />
prefeito Arnold Silva. As motivações estariam relacionadas à potencial disputa por<br />
espaços e leitores que o Gazeta fazia com o Folha, as criticas a gestão municipal do<br />
prefeito udenista e o provável crescimento do PSD através desse órgão 112 . As disputas<br />
eram mais antigas que as candidaturas de 1962, mas é neste momento que oposição e<br />
situação tornam-se mais duros uma com a outra.<br />
As descrições e chamadas de campanha enunciadas no Folha do Norte davam a<br />
vitória certa para João Durval, sempre informava os locais dos seus comícios ou melhor<br />
“marcha para vitória” e constantemente havia a presença do “futuro governador da<br />
Bahia” 113 Lomanto Jr. A coluna social à época relatava os locais onde passavam os<br />
candidatos, pedia-se votos e chegou a descrever as atividades da sua esposa como sendo<br />
uma “candidata” 114 a primeira dama pela UDN, quando da instalação da campanha<br />
contra o câncer pela presidente da Liga Contra o Câncer Yeda Barradas Carneiro no dia<br />
18 de agosto na biblioteca Municipal Arnold Silva 115 . A UDN ainda dispunha para<br />
desenrolar a campanha eleitoral de um posto Médico-dentário para atendimento público<br />
preparado pela “Ação Democrática”. 116<br />
Na construção da “vitória” de João Durval, não era exatamente o seu programa<br />
que tomava o tempo do principal articulador desta no Folha do Norte, eram Chico Pinto<br />
e o PSD que despendiam todo o tempo de Hugo Silva. A cada número do jornal as<br />
capas eram ocupadas por textos de ataques longos ao tipo de campanha desenvolvida<br />
pela oposição, e as características de um candidato que se quer sabia escrever 117 , que<br />
Enverga trajes proletários, alardeia uma posição de esquerda, quase<br />
comunista, como se todos latifundiários pessimistas houvessem distribuído,<br />
ontem, com os pobres, suas vastas propriedades... 118<br />
A postura do PSD na escolha de Chico Pinto para candidato parecia ser um dos<br />
motivos do grande incômodo de Hugo Silva. O colunista escreveu textos sobre o que<br />
112<br />
O arrombamento não ocasionou o fim do Jornal. Ver: CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira:<br />
sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia). p.30-31.<br />
113<br />
Era assim que o Folha do Norte descrevia João Durval e Lomanto JR. Futuro prefeito e futuro<br />
governador. Ver: Folha do Norte, agosto e setembro de 1962.<br />
114<br />
É sabido que ninguém se candidata a primeira dama em uma eleição formal.<br />
115<br />
Folha do Norte. 25/08/1963.<br />
116<br />
Folha do Norte.11/08/1962.<br />
117<br />
Folha do Norte. 15/09/1962 & 22/09/1962.<br />
118<br />
Folha do Norte. 01/09/1962.<br />
36
teria sido o abandono do PSD ao candidato Pinto, que havia se associado aos<br />
comunistas e homens de procedência duvidosa. Os comunistas eram de fato quem<br />
controlavam o partido, pois com o afastamento dos pessedistas Pinto “se deixou cercar,<br />
então, para não ficar sozinho nos comícios, de um grupo de homens perigosos” 119 , disse<br />
Hugo: “os comunistas, dirigem e orientam, conduzem os pessedistas” 120 . O PSD que<br />
prometia uma “renovação” na gestão da prefeitura em caso de vitória, não o faria<br />
segundo o colunista, pois o partido se intrometia nas gestões municipais de seus<br />
prefeitos, o que era colocava a política partidária acima dos interesses municipais, atrás<br />
do “Pinto haviam raposas” 121 , Pinto poderia ser enquadrado naquilo que Lúcia Hipollito<br />
chamou de reformistas do PSD, lideranças mais jovens, voltadas para as demandas do<br />
emergente leitorado urbano. 122<br />
Nesta perseguição gráfica e ortográfica ao PSD e Pinto, Durval aparecia em<br />
textos menores, mas de capa, como uma vitória certa e esmagadora sobre o adversário.<br />
Apesar do não acesso ao Jornal Gazeta do Povo desse período, o Folha do Norte nos<br />
traz uma imagem privilegiada da campanha de Pinto, pois Hugo Silva fazia questão de<br />
descrever seus comícios, sujeitos que compunham a sua base eleitoral, lugares<br />
freqüentados, trajes usados e mesmo o comportamento dos sujeitos nos atos públicos 123 ,<br />
o fato é que a campanha de Pinto e contra Pinto apareciam mais que a da própria Frente<br />
Democrática-Trabalhista 124 e seus candidatos a prefeito e vereador. Para além, o jornal<br />
nos permitiu identificar grupos dos quais os candidatos se cercavam, enquanto Durval<br />
aparecia com candidatos do empresariado local, representantes dos grupos dominantes,<br />
Pinto surgia como o primeiro candidato a prefeito que circulava nos meios operários da<br />
cidade. Segundo o próprio Pinto, seus votos eram solicitados aos trabalhadores e não à<br />
“burguesia” 125 local. Enquanto a campanha de João Durval o colocava vitorioso e<br />
119<br />
Folha do Norte. 25/08/1962.<br />
120<br />
Folha do Norte. 08/09/1962<br />
121<br />
Folha do Norte. 25/08/1962.<br />
122<br />
HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-<br />
64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.<br />
123<br />
Foi comum a aparição no Jornal de denuncias de agressão a pessoas que acompanhavam a “marcha da<br />
vitória” de João Durval e a frente democrática-trabalhista.<br />
124<br />
A Frente era composta pela UDN e PTB, sendo que João Durval conseguiu apoio de um setor do<br />
Partido Libertador através da Professora D. Laura Folly. Folha do Norte, 01/09/1962.<br />
125<br />
Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />
37
anunciava 85% de votos para este 126 , Pinto usava o slogan, “Francisco Pinto na<br />
prefeitura é o povo governando” 127 .<br />
O episodio final dessa disputa é a derrota de João Durval para Francisco Pinto<br />
por1960 por 43 votos 128 , eleição em que Pinto considerou-se “candidato sitiado, um<br />
candidato de guerra, e uma vitória penosa” 129 . Nota-se que o Folha do Norte só publica<br />
o primeiro resultado parcial, onde João Durval aparecia na corrida eleitoral a frente com<br />
4.365 votos contra 4.277 de Pinto 130 . Após a apuração total o jornal permanece no<br />
silêncio da derrota tanto para prefeito, como para vereadores, pois o PSD conseguiu<br />
maioria na câmara e foi partido mais bem votado. A derrota da UDN só aprece<br />
explicita no jornal no ano seguinte quando este diz que o PSD<br />
(...) obteve uma vitoria de Pirro, já que uma prefeitura de nada vale sem o<br />
apoio do govêrno apenas serve para atrair desprestígio e antipatia,<br />
principalmente quando o prefeito eleito tem programas irrealizáveis... 131<br />
O governador eleito foi Lomanto JR. fazendo da frente democrático-trabalhista<br />
vitoriosa na Bahia. Por outro lado as promessas “irrealizáveis” às quais se referia o<br />
texto, eram ampliação do quadro de funcionários, centro de abastecimento, participação<br />
popular na gestão com a criação de novas secretárias e cargos, máquinas de costuras<br />
para mocinhas pobres, casa para operários, ferramentas de trabalho para trabalhadores,<br />
gêneros alimentícios pelo preço de custo, isenção de impostos para barraqueiros serviço<br />
eficiente de água, serviço de esgoto. 132<br />
Renov(ação)...<br />
O governo de Pinto começa com uma acirrada disputa entre os periódicos Folha<br />
do Norte e Gazeta do Povo, e a contenda leva o Lions Club a pedir o fim da briga entre<br />
os jornais 133 . A diferença entre os dois se dava em acusações de perseguição por parte<br />
126 Folha do Norte. 29/09/1962.<br />
127 O slogan de João Durval dizia: “João Durval na prefeitura é João Durval governando”. SANTOS, Ana Maria<br />
Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de Santana (1963-1964). Revista<br />
Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001. p. 36.<br />
128 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia. 2006.<br />
129 PEQUENA HISTÓRIA DE UMA ÉPOCA, documento do acervo do LABELU.<br />
130 Folha do Norte. 13/10/1962.<br />
131 Folha do Norte. 12/01/1963.<br />
132 Folha do Norte. 19/01/1963.<br />
133 Folha do Norte. 09/02/1963.<br />
38
do opositor. Hugo Silva agora dispunha de um mandato na câmara, e sua atuação na<br />
cidade se desenvolveria entre os territórios da sociedade política e civil, através do<br />
jornal.<br />
Em 1963, inicio da gestão de Francisco Pinto, Jânio Quadro (UDN) já havia<br />
abandonado a Presidência da República favorecendo a ascensão de seu vice João<br />
Goulart (PTB). Jânio não contava com maioria no Congresso Nacional, pois 64, 1% dos<br />
componentes eram de partidos de oposição 134 o que o levou a uma manobra de busca de<br />
diminuição da legitimidade do Congresso junto à sociedade, levando este a restituir sua<br />
influência causando implicações para o governo de Jango 135 .<br />
O governo Goulart é um momento onde tensões sociais se acirram, “a luta de<br />
classe no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos” 136 . Há um aumento na<br />
participação popular no país, uma ampliação da democracia. Goulart fazia um governo<br />
que admitia como meta as reformas de base para o desenvolvimento do Brasil e a<br />
continuidade do programa de Jânio da Política Econômica Independente (PEI), que<br />
levantava a desconfiança de setores multinacionais 137 .<br />
Em Feira a oposição udenista achava suas oportunidades de ataque ao governo<br />
federal na Câmara Municipal e no Folha do Norte. Assim é que acusa o colunista<br />
Fernando Mendes Filhos de ser a greve um instrumento de assalto ao poder, estando os<br />
sindicatos dominados em sua maioria,<br />
por uma diretora chamada Comando Geral de Greve (CGT). Este por sua vez<br />
está nas mãos dos comunistas e é prestigiado, sustentado e incentivado pelo<br />
Govêrno, que lhe dá salvo conduto para realizar amplo programa de<br />
sovietização do país. 138<br />
134<br />
LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre as relações políticas entre<br />
Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57,<br />
jan-jun., 2009. p. 189.<br />
135<br />
Um exemplo das conseqüências das manobras usadas pelo Congresso é a instalação do regime<br />
parlamentar em 1963. Ver: LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre<br />
as relações políticas entre Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São<br />
Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57, jan-jun., 2009.<br />
136<br />
TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. Revista Brasileira de<br />
História, São Paulo, v. 24, n. 47, 2004, p.2.<br />
137<br />
Foram enviadas por Jânio missões diplomáticas a países socialistas para realização de acordos<br />
comerciais. LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre as relações<br />
políticas entre Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH,<br />
vol. 29, n° 57, jan-jun., 2009. p. 202.<br />
138<br />
Folha do Norte. 23/02/1963.<br />
39
Não só o governo Jango é alvo de criticas pela UDN e seu órgão, mas Chico<br />
Pinto, este é o verdadeiro inimigo do povo feirense que deve ser visto com muita<br />
desconfiança pelos citadinos. A ameaça estava sentada a cadeira do paço municipal e<br />
deveria ser contida em seu governo sindicalista, assim é que Pinto continua em capas do<br />
Jornal Folha do Norte.<br />
Apesar das constantes acusações de esquerdismo 139 , comunismo, de ser contra a<br />
democracia e contra a família cristã, Francisco Pinto começa um governo com<br />
proposições formalizadas em projetos de leis 140 para concretização de seu programa de<br />
campanha 141 . O planejamento que memória política dominante considera associado ao<br />
governo posterior ao governo de João Durval (1967-1971) aparecia já na renovação de<br />
Pinto. É assim que o vereador Colbert Martins apresenta em 10 de outubro de 1963 o<br />
conferencista Prof. Walter Gordilho para explanação ”sobre o nosso Plano Diretor de<br />
Urbanismo” 142 . Em sua gestão são apresentados os mais variados projetos de lei que em<br />
sua maioria são reprovados pela Câmara em debates constantes com a oposição,<br />
principalmente a UDN. Nesse novo momento da história da cidade percebemos uma<br />
mudança nos debates realizados entre os vereadores. As disputas tornam-se mais<br />
incisivas 143 , falas mais agressiva, e a participação popular na Câmara aumentou no ano<br />
de 1963. Na época o<br />
apoio das organizações sindicais e estudantis sob a orientação do PCB, a<br />
aproximação com propostas populares, que alimentavam a administração<br />
federal do presidente João Goulart, levou, em certa mediada, a campanha de<br />
Francisco Pinto e sua administração aos limites do que parecia impossível em<br />
Feira de Santana; uma guinada para a esquerda dos discursos e práticas<br />
administrativas. 144<br />
Segundo Pacheco, “O histórico pessoal de Chico Pinto e a sua formação política<br />
podem ser apontados como justificativa para parte de suas atitudes como chefe<br />
139 Pinto afirma nunca ter sido comunista. Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />
140 Interessante que Pinto envia uma sugestão a Câmara, para quando da visita de Jango a Vitória da<br />
Conquista solicitar a construção de uma avenida de contorno na cidade, o que só seria realizado com o<br />
Plano de desenvolvimento Local e integrado no governo de João Durval Carneiro entre 1967-1971. Ata<br />
da 25° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 21/05/1963.<br />
141 Projetos de Lei do Prefeito Francisco José Pinto. Câmara municipal de Feira de Santana.<br />
142 Ata da 80° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 10/10/1963.<br />
143 Um exemplo é o requerimento do vereador Humberto Mascarenhas (PSD) solicitando ao Senado<br />
Federal uma reforma constitucional que possibilitasse a realização da reforma agrária, o que leva a<br />
debates intensos na Câmara. Ata da 30° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana.<br />
29/05/1963.<br />
144 SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />
Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001. p. 36.<br />
40
municipal em 1963” 145 . O próprio Pinto via-se como herdeiro do populismo getulista e<br />
das influências das idéias socialistas que havia aprendido na universidade, e mesmo da<br />
ética da UDN 146 . Sua atuação na administração provocou um “esvaziamento dos setores<br />
do PTB que estavam próximos a associações de trabalhadores e de bairro e daqueles que<br />
se vinculavam aos edis da UDN” 147 . Com a construção de uma Central de<br />
Abastecimento 148 na qual a Prefeitura eliminava o atravessador, que era comprador e<br />
revendedor de produtos para pequenos comerciantes da feira, o governo municipal<br />
caminhava para um modelo populista na mediação da relação entre Estado e<br />
trabalhadores, houve todo o estabelecimento de regras e lei tributárias que não haviam<br />
na cidade, para regular a venda de produtos e o apoio do executivo. Seu governo<br />
estabeleceu uma relação de proximidade com organizações de bairro e sindicatos no<br />
atendimento de demandas. Por fim o governo constitui outros mecanismos, como<br />
farmácia popular, suspensão de pagamento de impostos para os devedores de menos de<br />
5 mil cruzeiros, construção de albergues, e a participação em sua gestão de organizações<br />
sindicais, populares e estudantis como a AFES na Comissão de da Secretaria de<br />
Agricultura, Indústria e Comércio 149 .<br />
Um momento em particular evidenciou que a cidade vivia uma nova<br />
participação política popular. Em 29 de novembro de 1963, estudantes e trabalhadores<br />
ocuparam a Câmara, num protesto motivado pela necessidade da construção de mais<br />
uma escola de ensino secundário. A população quebra os móveis da Câmara e a sessão é<br />
suspensa 150 . Foi o primeiro registro encontrado por este pesquisador sobre o<br />
acompanhamento e intervenção de uma sessão da Câmara Municipal, por sujeitos que<br />
não detinha mandatos públicos, o que demonstra de fato a ocupação de novos espaços<br />
145 PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de<br />
Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. p. 93.<br />
146 Ver: NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: Semeadores da Democracia. História Oral de vida Política. Paz<br />
e Terra, 1998, p. 112.<br />
147 PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de<br />
Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. p. 93.<br />
148 A perspectiva do governo era eliminar os atravessadores, sendo que o produtor rural não teria um<br />
intermediador na venda do produto, garantindo um lucro maior par o trabalhador rural e um custo menor<br />
para trabalhador urbano. Para essa discussão e um aprofundamento maior sobre as relações de Pinto e o<br />
populismo em seu governo, ver: PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de<br />
alimentos (1960-1990). Feira de Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong><br />
Estadual de Feira de Santana, p. 87-100.<br />
149 No governo de Pinto é criada também a figura dos administradores de bairros para lidar com<br />
problemas comunitários para o auxilio da administração municipal. Idem, Ibidem. p.98.<br />
150 Ata da 110° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 29/11/1963.<br />
41
por novos sujeitos 151 . O protesto causou a perseguição à gestão do prefeito, que foi<br />
acusado de ser quem convocou o protesto Hugo Silva chegou a afirmar que “sempre<br />
previu” que isso aconteceria e, que “foi apenas o inicio do que pode acontecer”,<br />
continuando diz ainda que chegaram ao edil comentários de que a prefeitura mantinha<br />
um arsenal sob seu controle 152 .<br />
Pinto havia despertado a ira de opositores por sua aproximação com o<br />
governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Em um episodio conhecido como guerra<br />
dos currais 153 e o prefeito assumiu junto com a guarda municipal e homens dos<br />
subúrbios, a liderança de um enfrentamento aos fiscais do governo do estado contra a<br />
cobrança de impostos. Neste momento ele afastasse, até mesmo, das perspectivas do<br />
partido que lutava dentro das “regras do jogo democrático”. 154 A guerra dos currais já<br />
havia deixado lembranças fortes em seus opositores. Foi um momento de enfrentar o<br />
governo de Lomanto Jr. Que substituiu o secretário de finanças do governo municipal<br />
que era indicado pelo governo estadual, afinal o governo estadual queria garantir a<br />
cobrança de novas taxas também . O lugar escolhido teria sido os currais, devido esse<br />
local ser de grande importância para economia da cidade, segundo o Folha do Norte;<br />
O prefeito municipal, todo o secretariado e os oficiais de gabinete de carreira<br />
disponíveis no momento estavam entrincheirados, nos Currais do Município<br />
fortemente armados e dispostos a repelir, à bala, os prepostos da fiscalização<br />
estadual caso pretendessem arrecadar os impostos. 155<br />
O quebra-quebra da Câmara foi o último acontecimento de relevância de que a<br />
oposição pôde apropriar-se contra o prefeito. Joselito Amorim, vereador pela UDN,<br />
disse que havia “algo de podre” 156 no governo, que o povo da terra poderia esperar por<br />
algo perigoso. Hugo Silva acusou que havia uma “comunização em nosso município por<br />
parte do governo” 157 . Assim a Câmara se despedia do conturbado ano de 1963 para dar<br />
inicio a seu recesso e voltar somente com os militares na presidência da república.<br />
151<br />
Ver: SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />
Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001.<br />
152<br />
Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />
153<br />
Para ver mais sobre essa discussão: CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira: sujeitos sociais,<br />
partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia). p.36-39.<br />
154<br />
HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-<br />
64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 45.<br />
155<br />
Folha do Norte. 22/06/1963.<br />
156<br />
Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />
157<br />
Ata da 113° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 05/12/1963.<br />
42
Um novo (se) Abril no Brasil.<br />
Brasileiros pós ditadura<br />
Ainda se encontram em estado de coma semi<br />
profundo<br />
E um dos sintomas mais visíveis é a falta de<br />
percepção<br />
Acariciam um lobo<br />
Achando que é o seu animal de estimação<br />
Não consegue diferenciar<br />
Banqueiros de bancários<br />
Mega traficantes de meros funcionários<br />
E assim permanecem estagnados<br />
Quando não regredindo enquanto o comando<br />
delta<br />
Tem cada vez mais motivos pra permanecer<br />
sorrindo. 158<br />
O golpe de Estado brasileiro de abril de 1964 significou a ascensão de militares<br />
ao poder, e uma ditadura civil/militar que duraria duas décadas, controlada pelas forças<br />
armadas e respaldada por vários interesses do capital nacional e imperialista. Hoje já há<br />
uma serie razoável de produções historiográficas e nas Ciências Humanas sobre o golpe<br />
e o período de governo da chamada “revolução”, resultando daí a evidência de diversos<br />
fatores a serem considerados sobre seus embriões e causas. A produção sobre o período<br />
nos permite e ao mesmo tempo exige certa divagação no tema, e nos apresenta algumas<br />
possibilidades interpretativas impondo a pesquisa uma posição quanto ao evento.<br />
Das questões a serem levantadas sobre o golpe, há uma disputa historiográfica<br />
em torno da interpretação de causas. Posicionamentos são diversos, notadamente no<br />
tocante aos sujeitos envolvidos no golpe e sobre quais implicações teriam agido. Alguns<br />
pesquisadores defenderam e defendem a tese segundo a qual a saída para crise política<br />
gerada devido acentuação da luta de classes ao avanço ideológico da esquerda<br />
encontrada pelas frações de classe burguesa associadas ao capital internacional estar em<br />
seria o golpe. Tese que acaba por legitimar uma teoria do anti-democratismo da<br />
esquerda, defendido por militares e setores da classe dominante, e que recentemente foi<br />
muito bem aceita e divulgada em meios populares do país através da mídia 159 . Assim o<br />
158 Trecho da musica “Contexto”, composição de Marcelo D2 do grupo Planet Hemp, 1994.<br />
159 Um exemplo é a obra de Elio Gaspari. Ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 2002.<br />
43
golpe seria a alternativa contra uma possível república sindical constituída por uma<br />
revolução dos trabalhadores.<br />
Em contribuição com a uma contestação dessa linha de leitura, pensar o governo<br />
de Jango colabora na compreensão do golpe. Aquele governo representou a tentativa de<br />
sanar problemas tanto econômicos ligados a uma alta inflação e uma estagnação na<br />
economia e ao mesmo tempo conter uma possível convulsão social relacionada ao<br />
avanço político-ideológico dos grupos oprimidos do campo e da cidade. Seu governo<br />
não se caracterizou como um projeto de grupos que tinham orientações programáticas e<br />
ideológicas em oposição aos grupos dominantes pertencentes a frações burguesas, seu<br />
fim último era solucionar os problemas referidos. Desenvolver o capitalismo e conter a<br />
inflação com desenvolvimento, segundo a orientação de Celso Furtado (Plano Trienal).<br />
A reforma agrária seria um passo do desenvolvimento industrial, a meta era converter<br />
latifúndios improdutivos, um dos fatores que gerou a maior discórdia com a burguesia<br />
agrária brasileira e levou a sua organização contra o governo. O apoio esperado da parte<br />
da burguesia industrial nacional não foi conseguido e sua principal reforma de base<br />
ficava sem respaldo. A saída encontrada era recorrer ao apoio popular e da esquerda, em<br />
troca evitaria perseguições políticas de organizações como o PCB, greves e resistência<br />
popular 160 .<br />
Dreyffus realizou um estudo das organizações que articularam o golpe de classe.<br />
Assim a Escola Superior de Guerra o complexo IPES/ IBAD, junto a FIESP e<br />
CONCLAP, são organismos de construção de oposição ao regime populista a que Jango<br />
dava continuidade, constituindo estratégias de construção de uma contra hegemonia<br />
onde; “Essas atividades objetivavam conter forças populares, desagregar o bloco-<br />
historico populista e levar os interesses multinacionais e associados ao governo político<br />
através de um golpe de Estado civil-militar” 161 .<br />
O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) surgiu em 1959 com o<br />
objetivo de financiar candidatos opostos ao populismo e direcionar capital<br />
para propaganda anticomunista. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais<br />
(IPES) foi criado em 1962 por empresários brasileiros, especialmente do<br />
Sudeste, ansiosos por uma forma de organização capaz de enfrentar o<br />
crescimento qualitativo das organizações sindicais dos trabalhadores e<br />
160 Toledo, Caio Navarro de. A Democracia Populista Golpeada. IN: 1964: Visões Criticas do Golpe:<br />
Democracia e Reformas no Populismo. Toledo, Caio Navarro de (Org.). Campinas SP, Editora Unicamp,<br />
1997.<br />
161 DREIFUSS, Rene Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.<br />
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.p.229<br />
44
intervir na base do governo – ou contra ele – para reverter os efeitos da<br />
reforma de base em seus empreendimentos 162 .<br />
Os grupos dominantes se apoiavam em organizações de classe como a<br />
CONCLAP, um dos principais órgãos fomentadores do golpe. A CONCLAP tinha<br />
relacionamentos estreitos com a ESG, muitos de seus integrantes eram ex-alunos ou<br />
professores da escola. Esses grupos se organizavam tanto para disputar ideologicamente<br />
as classes populares, como para aproximar a classe média de seus ideais e convencer<br />
industriais e banqueiros e setores dominantes de seus projetos políticos. Um dos<br />
aspectos mais importantes das estratégias desses grupos, a exemplo do IPES/IBAD, era<br />
a doutrinação ideológica através de aparelhos para estabelecimento de hegemonia.<br />
Jornais, revistas, televisão, eram os meios de controlar o juízo publico, pois o que estava<br />
em jogo não era somente conquistar adeptos de seus ideais, mas também estabelecer<br />
padrões de julgamento de atitudes.<br />
O golpe seria necessariamente uma estratégia construída não em torno somente<br />
de uma resposta à ameaça que surgia a partir dos trabalhadores em luta, mas uma<br />
alternativa que se figura como o bloqueio de forma brusca do conjunto do bloco<br />
histórico populista.<br />
Marcelo Badaró 163 chamou atenção de posicionamentos historiográficos recentes,<br />
que tendem a legitimar uma visão interpretativa do golpe que corrobora com o discurso<br />
histórico das classes dirigentes da ditadura, mantendo a afirmação da alternativa<br />
golpista como única saída para classes dirigentes diante da ameaça antidemocrática e<br />
revolucionária de esquerda. Neste argumento ganha destaque a obra Argelina<br />
Figueiredo 164 que propõe essa perspectiva de análise de causas do golpe, contrapondo<br />
contribuições como a de Dreiffuss de um golpe preparado pela direita como estratégia<br />
de tomada de poder de classe. Argelina imagina o golpe como estratégia de um grupo de<br />
classes dominante, porém a elaboração da alternativa se dá com o desenrolar da ameaça<br />
da esquerda de criar uma república sindicalista. Do que se pode concluir da obra de<br />
Argelina sobre o golpe, é que este é uma fatalidade, porém, justificável, pois as classes<br />
econômicas do golpe e os militares agiram com a única alternativa encontrada para<br />
162 DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />
durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.19. (Tese).<br />
163 BA<strong>DA</strong>RÓ, Marcelo. Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiografia. REVISTA<br />
História & Luta de Classes. Nº 1 - Abril – 2005<br />
164 FIGUEIRE<strong>DO</strong>, A. C. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas a crise política: 1961-<br />
1964. São Paulo: Paz e Terra. 1993.<br />
45
conter a ameaça de uma revolução socialista. Quem perdeu e perderia de qualquer<br />
forma seria a democracia que estava sob ameaça da esquerda e da direita do país.<br />
Dreiffus, segundo Carlos Fico 165 , havia supervalorizado o papel de organizações<br />
civis na preparação do golpe. Argelina e Jorge Ferreira 166 deram ênfase a certa<br />
maturidade organizacional e política de esquerda para encontrar suas alternativas sobre<br />
o papel do poder e do Estado. Uns ressaltavam o papel da direita, outros o da esquerda<br />
como causador do golpe. Atentamos para o desenvolvimento dialético que a luta de<br />
classes impôs nos longos anos precedentes do golpe. Os alargamentos ideológicos,<br />
organizacionais das classes se davam não de forma extemporânea às realidades<br />
conjuntas de suas experiências vividas a partir dos conflitos de classes. Se a direita<br />
amadurecia em suas estratégias e organização, a esquerda seguia o mesmo caminho,<br />
pois, o acirramento dos conflitos de classes gerou o desenvolvimento das estratégias de<br />
luta destas, não significando, porém, a pressuposição por parte da esquerda de uma<br />
insurreição contra o Estado democrático. Essa pressuposição foi produto de uma leitura<br />
inclinada de fontes, pois estas não indicam ser este, um período pré-revolucionário por<br />
uma pressão da esquerda e movimentos sociais, não são encontradas propostas ou<br />
organização de caráter golpista, e não havia também uma frente armada ou apoio de<br />
setores militares, o que minimamente fundamental para um golpe/revolução.<br />
Caio Navarro de Toledo, um ano após a publicação de Argelina, replicou sua<br />
visão de ameaça da revolução da esquerda. Concordou sobre antecedentes do golpe, o<br />
governo de Goulart e seu caráter intimidante de setores conservadores nacionais por seu<br />
populismo, os avanços das esquerdas do ponto de vista ideológico e o acirramento da<br />
luta de classes nas cidades e no campo, porém, dissentiu de uma posição que é<br />
condescendente com uma ameaça revolucionaria da esquerda nacional pregada por<br />
frações militares e grupos golpistas.<br />
O apoio da esquerda nacionalista é dado, tensionando forças sociais a lutar por<br />
reformas de base no apoio a Jango, porém, sem saber que o que os esperava era a opção<br />
por parte da direita e setores militares pelo golpe. A ilegalidade da direita se dá com o<br />
afundamento do Estado civil de direito em defesa de interesses de latifundiários,<br />
165 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />
História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />
166 FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira<br />
de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.181-212 – 2004.<br />
46
industriais, financistas, militares e o imperialismo norte-americano. Estava se definindo<br />
o caminho da lutas sociais entre grupos populares e setores dominantes de interesses<br />
distintos para a elite que iria dirigir o Brasil pós-golpe.<br />
Jango se movia paraconseguir o apoio popular que necessitava, a 13 de março de<br />
1963, isso é refletido na passeata dos 200 mil que em contrapartida enfrenta uma<br />
manifestação contraria com cerca de 500 mil pessoas - a “Marcha com a Família com<br />
Deus pela Liberdade” - onde os caminhantes solicitavam o impeachment do presidente<br />
acusando-o de comunização do país e de estar conspirando em favor de uma republica<br />
sindicalista.<br />
Continuando a observação da análise de Argelina às causas, das proposições da<br />
esquerda antidemocrática. Linha interpretativa seguida também por Jorge Ferreira 167 ,<br />
pois a esquerda não propunha a defesa da democracia, estando disposta a irrompê-la. A<br />
Frente de Mobilização Popular (FMP) passa a ser a principal fonte de sustentação para<br />
argumentação de Ferreira. À esquerda sob a direção de Brizola e a FMP, estava em um<br />
estágio de grandes avanços organizativos, ameaçavam as classes dominantes que se<br />
viram sem alternativas, pois estariam prestes a serem golpeadas. Ao contrário dessa<br />
leitura, Badaró considera como irreal este anti-democratismo de esquerda, argumenta<br />
com subsídios de uma pesquisa sobre os trabalhadores no pré golpe. A supervalorização<br />
da FMP por Argelina e Ferreira, segundo estes organizando um processo que<br />
antidemocrático e golpista também apoiado em sua base popular de movimentos<br />
socais 168 , sugere uma visão que respalda o argumento de golpistas quanto o único<br />
caminho de escape de uma república sindicalista a maneira soviética. Se a FMP era uma<br />
frente tão ameaçadora por parte dos trabalhadores, e outra ameaça vinha das ligas<br />
camponesas, tão poderosas quanto a FMP, perdemos na história a análise mais<br />
aprofundada de uma outra frente ampla de direita, a UDN - que desde seus primórdios<br />
era golpista - que surgiu mais de uma década antes do aparecimento da FMP.<br />
Outra critica a Dreiffus é escrita por Gláucio Ary Soares 169 , que inverte a<br />
proposta elucidativa de compreensão de Dreyffus quanto ao caráter do golpe enquanto<br />
conspiração de grupos econômicos com militares, para militares com grupos<br />
167 FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira<br />
de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.181-212 – 2004.<br />
168 A FMP nos estudos de Jorge Ferreira só é entendida com revolucionaria a partir de seus discursos, pois<br />
ele não aprofunda o estudo para compreender se havia ou não bases para uma possível revolução sob sua<br />
direção e de Brizola.<br />
169 SOARES. G. A. D., CASTRO. C. (Org.). Visões do Golpe. A memória sobre 1964. Rio de Janeiro:<br />
Relume-Dumará, 1994.<br />
47
econômicos. O que está em jogo é a interpretação correta dos grupos dirigentes do<br />
golpe, sujeitos principais e coadjuvantes, se de fato tem mais responsabilidade militares<br />
enquanto vanguarda golpista ou grupos econômicos associados. Sua perspectiva partiu<br />
principalmente das análises de entrevistas do CP<strong>DO</strong>C, onde era perceptível um grau de<br />
vanguardismo dos militares.<br />
Na tentativa de solução, ou ao menos uma reflexão para possibilidades, está o<br />
estudo mais aprofundado e um recuo mais longo no debate dos precedentes no que<br />
refere à história militar nacional. Sodré 170 propõe uma análise deste tipo, porém<br />
exacerba o papel dos militares, mas contribui ao analisar a organização militar nacional<br />
onde existe uma mentalidade de longa duração que se enraíza no desejo de governo do<br />
país desde o início do período republicano. Este fez uma análise sobre esse papel no<br />
Estado que os militares tomam para si, inclusive com o ato da Proclamação da<br />
República.<br />
Dadas as dimensões propositivas de Sodré, os militares não são homogêneos em<br />
sua prática política e em perspectivas sociais, é uma organização que não está isenta de<br />
disputas, contradições equivalentes a de classe. Concordamos com a possibilidade real<br />
de uma supremacia de um pensamento de um grupo do alto escalão militar que sempre<br />
se posicionou como assegurador da paz interna no país e de ditos interesses de nação,<br />
pois é um discurso que foi encontrado também fora das forças armadas, sempre que se<br />
definiu como necessário estas foram convocada para salvaguardar os interesses<br />
nacionais. Há grandes divergências entre frações de militares, mesmo que ao fim se<br />
sobreponha uma proposta hegemônica. Desobediência, protestos de sargentos e oficiais<br />
e mesmo disputas de concepção entre Generais levam a uma crise dentro das forças<br />
armadas 171 ,<br />
A crise social e política do governo Goulart foi adensada por vários<br />
movimentos contestatórios, inclusive, motins dentro das forças armadas, a<br />
exemplo do motim de suboficiais da Aeronáutica e da Marinha que eclodira<br />
em Brasília, em 1963, exigindo direito de voto e melhores condições na<br />
tropa. 172<br />
170<br />
SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura: vinte anos de autoritarismo no Brasil. 2. ed.<br />
Petropolis: Editora Vozes, 1984<br />
171<br />
CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005.<br />
172<br />
SILVA, Elizete da. Protestantes e o governo militar: convergências e divergências. IN:<br />
ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos,<br />
Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 35.<br />
48
Havia mesmo um setor militar que se dispôs a resistir ao golpe junto a<br />
movimentos de trabalhadores. 173<br />
Há aspectos que precisam de estudos mais aprofundados sobre os antecedentes<br />
do golpe, como o papel articulador da UDN, enquanto frente golpista, que é de grande<br />
relevância para reconsiderar a preparação do golpe. A UDN em sua trajetória<br />
organizacional se configura a partir de posições contrárias a Getulio Vargas e o<br />
comunismo. Este movimento constrói uma serie de tentativas de golpear o Estado,<br />
sendo a primeira vez em 1945, forçando o abandono de Getulio, em 1954 com o “golpe<br />
branco”, forçando, junto a aliados, a renúncia de Getúlio, que na tese de Otávio<br />
Mangabeira significou uma “revolução pela metade”, “uma tentativa freada pelo<br />
suicídio de Getulio, de uma transformação revolucionaria, como um embrião, o ensaio<br />
geral de 1964”. Outras tentativas de deposições foram focadas porém sem êxito “até no<br />
31 de março de 1964, quando a UDN poderia considerar-se vitoriosa” 174 .<br />
Carlos Fico 175 prefere referenciar seu estudo em causas macroestruturais e<br />
micro-lógicas, produzindo um estudo mais denso com uma perspectiva abrangente. Para<br />
ele o IPES, os militares a condições históricas pela qual o país passava sob o governo<br />
João Goulart, são todas causas do golpe, em menor ou maior grau tudo deve ser<br />
considerado.<br />
Dreiffus não aprofundou em sua analise o papel da UDN para aglutinar setores<br />
dominantes enquanto movimento de classe, que só pode ser entendido a partir dos<br />
conflitos no interior do capital. A UDN representava os anseios de setores de classes<br />
econômicas dominantes, assumindo esse papel e o priorizando como um movimento<br />
liberal que se assombrava com qualquer avanço das classes trabalhadoras, conseguindo<br />
organizar-se somente em torno do medo do avanço das classes trabalhadoras e pela<br />
conquista do Estado. Em seguida ao seu objetivo atingido, se desfaz o núcleo duro da<br />
própria União. Entender a entrada de João Durval na carreira política local as relações<br />
de seu partido com o ideal de modernização da cidade e a participação da UDN como<br />
173 BA<strong>DA</strong>RÓ, Marcelo. Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiografia. REVISTA<br />
História & Luta de Classes. Nº 1 - Abril – 2005<br />
174 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />
brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 91.<br />
175 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />
História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />
49
partido golpista em 1964, nos ajudam a constituir os indícios de um projeto de<br />
modernização (hegemonia) que se assentara em alguns pilares morais, éticos e políticos.<br />
A forma udenista, o discurso de modernização local, o surgimento de órgãos de classe<br />
que se orientavam pelo discurso do progresso, todos eles estão sendo relidos a partir de<br />
sua posição política e de sua disposição ao enfretamento dos problemas que diziam<br />
respeito à manutenção do poder local e assegurando a ordem capitalista ficar livre de<br />
ameaças.<br />
CAPITULO 2<br />
Um progresso para cidade.<br />
50<br />
Havia comparecido, em traje de gala, a várias<br />
festas de São João e São Pedro, tendo comido<br />
canjica e ensaiado passos de baião; era homem<br />
culto, poliglota, cujos pais, alemães da região<br />
polonesa dos Sudetos, haviam sido mortos pelos<br />
comunistas e que por isso se dedicava, sob o<br />
signo de Cristo, a combater o Mal onde quer que<br />
este se apresentasse. Um modernizador, o<br />
homem. 176<br />
Um novo (se) Abril em Feira: um presente para João...<br />
Com o desenrolar do golpe a partir do sudeste e centro-oeste do país, a Bahia se<br />
curva, ou melhor, parte de seus grupos dominantes e oligárquicos aderem prontamente à<br />
nova combinação política nacional. Mesmo a configuração do governo Estadual se<br />
modifica em um novo acordo político. Lomanto Jr., que desenvolvia um governo<br />
próximo das proposições reformista de João Goulart 177 , ficou sem alternativas, sendo<br />
forçada sua adesão aos golpistas,<br />
176 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 58.<br />
177 Lomanto Jr. era adepto das proposições reformista que se gestavam no governo Jango e outras<br />
anteriores, queria autonomia para por em prática as reformas no estado e lutava para recolocar a Bahia<br />
como um Estado de destaque na configuração política e econômica nacional. Ver: FERREIRA, Muniz<br />
Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia. Disponível em:<br />
, p. 14. Acesso em 07/ 09/2009.
O triunfo da Conspiração de Mourão Filho representou, no plano local, a<br />
derrota do “populismo moderado” de Lomanto Jr. e o colapso da política<br />
pendular da ala liberal da UDN 178 .<br />
Ressaltamos que o golpe permitiu aos setores mais conservadores daquele<br />
partido, uma posição política privilegiada. Por outro lado, houve o abandono da UDN<br />
por setores mais abrandados e liberais que se posicionaram contra o golpe. Neste novo<br />
tempo que surgia para a Bahia atores políticos locais e regionais iriam engrandecer-se, a<br />
ditadura permitiria o surgimento de novos homens representantes de projetos políticos,<br />
que não eram tão novos, de grupos dominantes na Bahia e ao mesmo tempo os<br />
surgimento de novas qualidades políticas com novos sujeitos a exemplo do carlismo,<br />
estava se “abrindo caminho a uma democracia átona, sem “irracionalidade” sindicalista<br />
e ideologias “exóticas” 179 .<br />
A cidade de Feira foi um dos lugares do Estado onde esboços de resistência ao<br />
golpe foram encontrados. Francisco Pinto ficou mais de um mês após o golpe no<br />
governo, tendo tempo suficiente para manifestar planos de resistência. O prefeito,<br />
juntamente com outros sujeitos, planejava uma aliança da guarda municipal com o Tiro<br />
de Guerra para resistir ao golpe, o que não aconteceu. Pinto tinha por intenção fortalecer<br />
uma resistência regional para ajuntar-se com o governo federal, sendo forçado a desistir<br />
depois da notícia do abandono da capital federal pelo presidente 180 . Há muitos relatos de<br />
ex-militantes que contam versões sobre essa tentativa frustrada de Pinto, e mesmo o<br />
deslocamento de militantes de outras cidades para a Feira com a intenção de incorporar<br />
a resistência 181 . Porém, nos interessa mais neste momento o comportamento da UDN<br />
em relação ao golpe.<br />
178 Lomanto Jr. era adepto do comício de 13 de março de 1964 do presidente Goulart em Salvador, a<br />
intenção era aproximar-se do executivo nacional já que a Bahia precisa do apoio deste devido a seu<br />
panorama econômico complicado pela estiagem. Ver: DIAS, José Alves. O Golpe de 1964 e as dimensões<br />
da repressão em vitória da conquista. In: ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar<br />
na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 69. &<br />
FERREIRA, Muniz Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia. Disponível em:<br />
http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_02.pdf, p. 14. Acesso em: 07/ 09/2009.<br />
179 <strong>DA</strong>NTAS, Paulo Fábio. Quebra da casca do ovo: A elite baiana e a obra do golpe 1964.<br />
http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_01.pdf, p. 221. Acesso em 08/04/2008.<br />
180 Idem, Ibidem, p.46.<br />
181 Ver; ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos<br />
Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009. Depoimentos de Chico Pinto em: NADER, Ana<br />
Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia: historia oral de vida política. Rio de Janeiro:<br />
Paz e Terra, 1998. Depoimentos de ex-militantes de organizações políticas como o PCB em Feira de<br />
51
Foi da UDN local que saiu a deposição de Francisco Pinto, caso normal em todo<br />
país no período. Na Bahia o golpe também criou a possibilidade de afastamento de<br />
inimigos políticos em prefeituras, como as deposições do prefeito de Vitória da<br />
Conquista, Pedral Sampaio e de Salvador, Vigildásio Senna, e também em câmaras de<br />
vereadores, além claro de militantes de oposição. É com o golpe que os quadros da<br />
UDN poderiam, enfim, afastar o mal da administração local, afinal esta “sempre<br />
obedeceu a orientação comunista” 182 . Com a volta dos vereadores depois do recesso da<br />
Câmara e instalado golpe, Hugo Silva faz questão de propor uma moção de<br />
congratulação às “Forças Armadas do Brasil e a todos os brasileiros que se empenharam<br />
na luta contra o comunismo” 183 , sugerindo na mesma fala a deposição do prefeito por<br />
realizações de atividades subversivas. Era a tão sonhada oportunidade da UDN local de<br />
voltar ao poder e interromper a participação popular nas atividades políticas da cidade.<br />
Feira de Santana contava com atividades desenvolvidas pelo IBAD, instalado em<br />
um “Posto Médico-Dentário” desde 1962, mesmo posto que foi destinado a atividades<br />
de atenção à população pela Frente Democrática Trabalhista na eleição de 1962. No<br />
Folha do Norte, muito obviamente, foram publicados alguns textos que faziam<br />
referência ao IBAD 184 .<br />
Com a montagem do golpe, prefeitos que tinham posicionamentos favoráveis às<br />
reformas de base e aproximações com movimentos populares, passam a “despertar<br />
atenção do comandante Manuel Mendes Pereira – responsável pela coordenação e<br />
execução das ações repressivas no interior -, da 6° Região Militar, em Salvador” 185 .<br />
Esse despertar do comandante seria também responsável pela prisão de prefeitos, mas a<br />
delação de inimigos políticos seria fundamental para as ações de deposição. Na pesquisa<br />
não encontramos indícios de uma perseguição ao prefeito Chico Pinto de forma<br />
espontânea pelo comandante, mas uma delação pública e o projeto de lei que o depôs.<br />
Santana, ver: Seminário Chico Pinto: Democracia e Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo<br />
LABELU – UEFS, em Setembro de 2007. (DVD)<br />
182 Ata da 113° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/04/1964.<br />
183 Moção N° 01/64. Ata da 13° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/04/1964.<br />
184 Sugerimos aqui o obvio, que a atuação do IBAD junto ao Folha do Norte e da UDN local, no combate<br />
a Pinto e ao comunismo são indícios de uma articulações anteriores para em prol da deposição do<br />
Prefeito. Sobre o IBAD em Feira ver: MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na<br />
Margem da Periferia: ação política de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de<br />
Santana, 2009, p. 45. (Dissertação)<br />
185 DIAS, José Alves. O Golpe de 1964 e as dimensões da repressão em vitória da conquista. In:<br />
ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos<br />
Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, p. 76.<br />
52
O conjunto do governo do PSD, entre 1963 e 1964, incomodava a UDN, mas em<br />
especial alguns episódios jamais registrados antes na cidade, chamavam mais a atenção.<br />
Daí a grande revolta de Hugo Silva com o quebra-quebra da câmara em 1963.<br />
Enquanto este acusava o governo de comunização, Joselito Amorim afirmava que não<br />
recuariam os vereadores diante do fato 186 . Mas o golpe permitiria a Hugo Silva uma<br />
nova empreitada junto a seus correligionários. Apesar do atraso da reação, articulação e,<br />
adesão pública udenista ao golpe (devido o recesso da Câmara), esta veio, e em uma<br />
data especialmente simbólica Hugo Silva e a UDN presenteariam seu homem de força.<br />
No dia 08 de maio 187 de 1964, um mês depois do recesso da Câmara, pouco mais de um<br />
mês pós-golpe, e no dia do aniversario do candidato derrotado da UDN a eleição de<br />
1962, Hugo Silva propõe, depois de aprovada uma moção de congratulações a João<br />
Durval pelo seu aniversário - estaria por vir ainda o maior presente - o Projeto de<br />
Resolução n° 55/A64, “declarando impedido no cargo de Prefeito do Município de Feira<br />
de Santana o Bel. Francisco José Pinto dos Santos” 188 aprovado por 08 votos a favor<br />
contra 05 depois de vários constrangimentos aos edis em sucessivas tentativas frustadas<br />
devido a não formação de quórum em reuniões. Na mesma data assumiu a prefeitura o<br />
vereador Joselito Amorim (UDN) 189 , e o poder local começava a se reacomodar na<br />
prefeitura com um golpe civil, desencadeado pelos velhos mandões udenistas 190 . Após a<br />
resolução de impedimento do prefeito, o fato foi comunicado a Juracy Magalhães e este<br />
comunicou a Castelo Branco 191 a solicitação de deposição do prefeito, ocorrendo como<br />
conseqüência à prisão de Francisco Pinto 192 . Juracy e Castelo previam que Feira de<br />
Santana seria um ponto estratégico de refúgio caso a “revolução” não desse certo 193 ,<br />
logo essa cidade certamente não poderia oferecer nenhum tipo de perigo ou resistência<br />
ao golpe.<br />
186<br />
Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />
187<br />
Vale a pena informar os leitores que esse que vos escreve também nasceu aos oito dias de maio.<br />
188<br />
Ata da 16° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/05/1964.<br />
189<br />
Ata da 17° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 11/05/1964<br />
190<br />
SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 146.<br />
191<br />
CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira<br />
de Santana, 1959-1967. (Monografia), p. 49.<br />
192<br />
Há um relato que diz que o convidado a assumir a prefeitura da cidade teria sido João Durval, este não<br />
aceitou por não ter sido eleito para o cargo. A hipótese deve ser considerada já que o ocupante natural do<br />
cargo deveria ser o presidente da Câmara, que a época não era Joselito Amorim e sim Jackson Amaury.<br />
Ver: Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e<br />
Dia.<br />
193<br />
Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de Santana, n°<br />
2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 20.<br />
53
O “Bicho” está em Feira!<br />
Enfim... Feira de Santana entra em um novo momento, novos experimentos<br />
políticos serão realizados e a cidade seria ocupada por um “Bicho” que vinha com a<br />
função de higienizá-la de um tipo de sujeito e sobretudo práticas que ameaçavam velhos<br />
poderes restabelecidos. Feira se integrava às novas conformações políticas do Brasil que<br />
tinha seu reflexo em configurações locais. O ano de 1964 acarretou para Feira um<br />
tempo de perseguições, prisões e exílios.<br />
Aqui iniciamos a apresentação desse período na cidade através de sensações que<br />
foram mediadas para nós pela literatura. Impressões retomadas por uma memória que<br />
foi provocando este autor. Muniz Sodré 194 descreveu na forma literária este período<br />
repleto de curiosidades, aquilo que aqui estamos dando passos para realizar em forma de<br />
tese acadêmica.<br />
Estamos nos referindo à nova conformação em que ocorre uma retomada de<br />
posições no campo político local de velhos ocupantes deste; velhos ou antigos que<br />
pretendiam renovar-se e renovar a cidade; sendo a principal uma reacomodação, já<br />
descrita anteriormente, a volta da UDN ao executivo e agora a sua preeminência no<br />
poder legislativo. O “Bicho” que chega a Feira de Santana vem para reformar a cidade e<br />
seus sujeitos. Ao referir-se ao sujeito que foi apelidado de “Bicho da Feira”, Muniz<br />
realiza uma alusão a um antigo burburinho vivido na cidade por um estranho bicho que<br />
assustava a população por atacar animais domésticos, o “Bicho” foi o termo utilizado<br />
para significar um novo momento e um sujeito, retomado por causar uma sensação<br />
popular de espanto e medo como no ocorrido com a aparição do primeiro bicho da<br />
Feira.<br />
O famoso “bicho” era, na verdade, o capelão Militar Edmundo Jukevics 195 , que<br />
em suas ações perseguiu pessoas que supostamente eram a antítese do comportamento<br />
necessário para a consolidação da “revolução”. O capelão perseguiu bares, salões onde<br />
eram praticados jogos, casas de prostituição e etc., ganhando notoriedade em páginas do<br />
Folha do Norte. 196 Na saga de diálogos de Antão 197 , personagem principal, em seus<br />
194 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994.<br />
195 Este teria vindo a Feira de Santana na tentativa de encontrar armas da liga camponesa. SODRÉ,<br />
Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 41.<br />
196 O espanto e medo popular causado pela aparição do segundo “Bicho da Feira” podem ser vistos nos<br />
relatos de pessoas que viveram neste momento, principalmente as vitimas da perseguição deste. Ver:<br />
Depoimento de Sinval Galeão, 17/11/1995. Disponível no CE<strong>DO</strong>C/UEFS, classificador 39. Seminário<br />
54
debates acirrados compostos de análises sociológicas e históricas da cidade com<br />
autoridades locais, Muniz apresenta o capelão como baluarte do discurso da<br />
modernização e da nova moral que deveria acompanhar os empreendimentos para uma<br />
Feira de Santana atualizada com padrões nacionais de produção e consumo. “Os modos<br />
de vida locais, a cultura do gado, a arte, a movimentação política juvenil é renegada e<br />
condenada por este símbolo da aplicação da ideologia que deu sustento ao regime<br />
militar”. 198<br />
Nas palavras de Muniz Sodré a modernização da cidade era um desejo de<br />
“velhos mandões udenistas” 199 possibilitada pela volta destes ao poder local através do<br />
golpe. O empreendimento da modernização é todo tempo relatado no texto, ganha força<br />
com a chegada do “Bicho” que faz um serviço de higienização social da oposição ao<br />
regime militar 200 , e os velhos udenistas se esforçam para, em sincronia com estes,<br />
modernizar a cidade. São criados planos, projetos, comissões como a de<br />
desenvolvimento industrial, obras são realizadas, o Tiro de Guerra torna-se sede de<br />
detenção e torturas dos atrasados que impediam a modernidade. Porém, na avaliação de<br />
Muniz Sodré, isso não passava de uma estratégia política de grupos dos poderes locais<br />
associados aos grupos nacionais. A síntese desta estratégia que envolvia um discurso e<br />
uma prática que seria modernizadora é o próprio capelão, “Um modernizador, o<br />
homem” 201 Esse foi o segundo “Bicho”, um modernizador, e seu projeto de<br />
modernização rápida que assustava uma cidade que se desenvolvia lentamente, pois o<br />
“progresso é rápido, e era irritante para o capelão a “lentidão com que pessoas agem e<br />
caminham em Feira de Santana”. 202<br />
Com a nova configuração política nacional, a UDN local no poder é atravessada<br />
por uma onda discursiva que tem também seus aspectos objetivados em uma prática de<br />
governos. Estamos nos referindo a alguns termos que ganham notoriedade cada vez<br />
maior pela sua capacidade de se popularizar no discurso político e se tornar algo<br />
Chico Pinto: Democracia e Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo LABELU – UEFS, em Setembro<br />
de 2007. (DVD). Documentário “Chuvas de Março”.<br />
197<br />
Esta foi uma referência a seu pai. Ver: Entrevista com Muniz Sodré IN: A Pala Revista, n° 01, Feira<br />
de Santana: UEFS, 2011, p. 60.<br />
198<br />
PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />
Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />
199<br />
SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, p. 146.<br />
200<br />
Na gestão de Joselito Amorim, eram entregues relatórios “elucidativos” para o Comando<br />
Revolucionário. Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de<br />
Santana, n° 2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 20.<br />
201<br />
Idem, 58.<br />
202 Idem, Ibidem.<br />
55
comum, porém, que necessita de uma genealogia 203 que nos ofereça um melhor<br />
entendimento.<br />
Modernização e industrialização passam a ser esse discurso comum, que até a<br />
atualidade ainda é tão utilizado, os termos ganham um uso ideológico difundido.<br />
Partimos da concepção que a partir do século XVIII o desenvolvimento urbano foi<br />
impulsionado, em muitos lugares, diretamente ou não, pelo processo de industrialização.<br />
Outros, por processos comerciais e de exploração de matérias primas que muitas vezes<br />
eram destinadas a manufatura. Temos o exemplo no Brasil dos estados da federação que<br />
atingiram os maiores índices de urbanização, como São Paulo e Rio de Janeiro,<br />
associados a um processo de montagem de parques industriais. Em Feira, esse discurso<br />
de modernização torna-se cada vez mais, principalmente pós-golpe, o centro das<br />
atenções e motivações políticas udenistas. Entre os termos que mais chamam atenção na<br />
década de 1960 nos jornais Folha do Norte, Situação e Feira Hoje (a partir de 1971),<br />
estão: industrialização e modernização. Não é apenas em jornais que encontramos o uso<br />
dos termos, mas em atas da Associação Comercial e atas da Câmara de Vereadores.<br />
Porém aquelas palavras que tinham desde a década de 1950 um uso comum ao discurso<br />
dos profissionais da política local, passavam a ganhar cada vez mais o que poderíamos<br />
chamar de um lastro prático, ou seja, a objetivação de um discurso.<br />
Neste momento, a cidade e seus representantes no executivo e legislativo<br />
acompanham a situação dos poderes governamentais no Estado, e a sede política do<br />
governo é o melhor lugar para percebemos como estes termos estavam na moda. Paulo<br />
Fábio Dantas 204 nos oferece uma análise do desenvolvimento de ACM até a construção<br />
de uma política que ganharia notoriedade nacional pela sua organização e conquista de<br />
poder. Paulo nos mostra não só como o Carlismo nasce enquanto mecanismo, mas<br />
como o próprio sujeito fundador cresce dentro de possibilidades históricas nas quais<br />
soube atuar. Dentre os meios usados por este sujeito que ocupou vários cargos de<br />
203 Interessante método é proposto por Foucault para análise discursiva, é necessária a compreensão de<br />
procedimentos internos e externo de domínios da produção discurso. Para Foucault não é qualquer um<br />
que fala, é preciso estar autorizado a isto por regras históricas, exorcizam-se os acasos de seu<br />
aparecimento. Há um meio de preparar o receptor do discurso e, quando enunciado, o discurso perde a<br />
autoria e o pertencimento. Ver: FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège<br />
de France, pronunciado em 2 de dezembro de 1970. 3°. Ed. São Paulo: Loyola, 1996.<br />
No nosso caso, apesar da brevidade da análise, estamos nos referindo a um discurso que perde seu<br />
pertencimento, passa a ser de todos, porém lhe é autorizada a disseminação por elementos que ocupam<br />
determinados lugares sociais.<br />
204 Ver: <strong>DA</strong>NTAS NETO, P. F. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos Magalhães<br />
na modernização da Bahia (1954-1974). 1. ed. Belo Horizonte: Editora da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas<br />
Gerais, 2006.<br />
56
importância, desde a presidência regional da UDN depois de 1964, até o governo do<br />
Estado ainda na ditadura, está o discurso da modernização de Salvador, tanto como<br />
Deputado Estadual como prefeito municipal em 1967. Sua capacidade, e aqui<br />
importância para compreensão da tão falada modernização, estava em sua sincronia<br />
política com o novo regime e as suas transformações. ACM era capaz de se mover<br />
sempre acompanhando os rumos da ditadura, mesmo em pequenas reorientações que<br />
aconteciam com as mudanças de presidentes 205 .<br />
Tanto Joselito Amorim quanto João Durval tiveram essa característica de<br />
sincronia do local com o regional e nacional. A nova onda que UDN acompanha em<br />
Feira é a da modernização, seguindo em um ritmo quase musicado 206 , uma maré que<br />
puxava esta cidade. Para tal prática, surge um herói, ou melhor, anti-herói<br />
transformador, no caso local o capelão Edmund Jukevics sustentáculo da revolução na<br />
cidade, responsável por reorganizar os comportamentos, famoso por uma insistência em<br />
disciplinar a cidade, era a própria modernização, sujeito que sintetizava o novo<br />
momento de Feira de Santana.<br />
A transição de Joselito Amorim em Feira.<br />
Se nos referíamos à ocasião de chegada do capelão e à sincronia 207 que os<br />
grupos locais no poder buscam em relação às esferas de poder superiores, é preciso<br />
demarcar o período com maior análise. Este é o momento do Governo Castelo Branco<br />
(1964-1967) consolidar as novas conformações nacionais da “revolução”. A grande<br />
questão do governo do novo presidente se situava nessa transição, superação de uma<br />
crise econômica. Na grande arena política em que o PSD e o PTB eram contrários ao<br />
golpe e mesmo a UDN tinha divergências internas que a impediam de ser homogênea,<br />
somadas as dificuldades encontradas por um Congresso ocupado por um conjunto de<br />
treze partidos, Castelo Branco buscava através do diálogo a unidade, método usado por<br />
205 Ver: DIAS, José Alves. Rumo ao palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />
durante a ditadura - 1966/198, URJ, Rio de Janeiro, 2009. (Tese de Doutorado)<br />
206 Infelizmente não tivemos fontes de áudio para a pesquisa, porém a sonoridade da escrita de vários<br />
discursos na câmara de vereadores e nos jornais locais nos permite uma experiência sensitiva quase<br />
musical.<br />
207 O termo sincronia aparece bastante no texto, este é tomado por referência da tese de José Dias quando<br />
da sua afirmação sobre a política de ACM na Bahia depois do golpe como a capacidade que este sujeito<br />
tinha de caminhar conforme o passo dos ditadores, concluímos aqui nesta pesquisa que o período<br />
estudado na cidade demonstra uma tentativa semelhante das principais personagens da política local. Ver:<br />
DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia durante<br />
a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, (Tese).<br />
57
grupos nacionais “para reorganização do país os moldes do capitalismo industrializado”<br />
208 . Os problemas e os métodos econômicos para superar a inflação eram o grande<br />
desafio do presidente que encontrava oposições às suas escolhas constantemente em sua<br />
equipe de governo. Porém, como afirmava seu fiel ministro Luis Viana, este estava<br />
ciente de seu papel de “preparar a economia do país para um desenvolvimento ulterior”<br />
209 . A unidade somente seria alcançada, com seus limites, através de duas pautas<br />
aglutinadoras, o anticomunismo e o desenvolvimentismo acarretado pelo processo de<br />
ampliação da indústria no país. 210 Após o golpe, sérias dificuldades de consolidação de<br />
unidade política no governo eram visualizadas. Muitas divergências sobre a ações de<br />
governo surgiam, criticas a uma “revolução” sem projeto. As oposições foram<br />
enfrentadas por Castelo com perseguições e destituições autorizadas pelo AI N°1. As<br />
oposições internas, na UDN, o Ato Institucional n°2 e a criação do bipartidarismo por<br />
este, dariam conta de sanar. Previa o presidente que isso solucionaria a questão, porém,<br />
o partido de governo (ARENA) se revelou possuidor das mesmas divergências internas.<br />
No aspecto econômico o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) visava<br />
combater a inflação, reativar o desenvolvimento econômico e sanear o balanço de<br />
pagamentos. De fato o PAEG logrou êxito no primeiro trimestre de 1964, conseguindo<br />
reduzir a inflação anual em quase 100%, porém plano foi perdendo notadamente sua<br />
capacidade de diminuição progressiva da inflação, chegando a 20% em 1969. 211 O<br />
PAEG tem seus lances importantes e gera transformações fundamentais para o que seria<br />
o futuro do país e da ditadura, tendo reflexos intensos em aspectos locais. Mas aqui<br />
vamos recuperar outro fato relevante para nossa pesquisa, a missão moralizadora do<br />
Governo Castelo e o controle político que era necessário obter em relação aos partidos e<br />
oposições ao regime.<br />
Alguns pesquisadores acreditaram que o governo Castelo Branco 212 teria sido<br />
uma gestão mais amena no que refere ao aspecto de perseguições políticas, exílios e<br />
208<br />
DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />
durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, 24. (Tese).<br />
209<br />
Idem, Ibidem. Ver também: FILHO, Luis Viana. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Livraria<br />
José Olympio, 1975.<br />
210<br />
Idem.<br />
211<br />
Resende, André Lara. A política brasileira de estabilização: 1963/68. Visto em 25/02/2011 em:<br />
http://www.ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/395/336<br />
212<br />
Notadamente quem mais influenciou essa concepção que dividia a ditadura em momentos mais duros<br />
foi Elio Gaspari. Ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,<br />
2002.<br />
58
torturas, tema que já revisado por Calos Fico 213 que mostrou tratar-se de um período<br />
onde percebemos uma intensa perseguição, sendo este o momento de “saneamento” do<br />
país. Sanear, entre outros aspectos, incorporava a necessidade de limpeza política,<br />
exílios e prisões. Por mais que Castelo não fosse representante daqueles que ficaram<br />
conhecidos por linha dura; capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis que, com<br />
“discurso anticorrupção” 214 ; não impediu que em seu governo houvesse torturas, pois a<br />
tortura “existiu desde sempre no Brasil, inclusive nos momentos iniciais no novo<br />
regime” 215 . Não queremos aqui salvaguardar um lugar menos negativo para Castelo na<br />
ditadura, mas reconhecer momentos piores que o de seu governo. As perseguições<br />
foram imediatas assim que tomou posse e, na Bahia já citamos o nosso caso particular<br />
com a deposição do prefeito em Feira de Santana seguido da sua prisão.<br />
A passagem “saneadora” e a construção de bases para o futuro desenvolvimento<br />
do país atraem o executivo e o legislativo municipal em Feira de Santana. Joselito<br />
Amorim Falcão era um sujeito de formação superior. Bacharel em odontologia optou<br />
pela a profissão de professor, lecionando durante anos no Ginásio Santanopólis<br />
pertencente a Áureo Filho empresário e político de carreira de Feira de Santana. No<br />
ginásio, Joselito Amorim também foi discente, escola que como dito no primeiro<br />
capitulo, foi palco das primeiras experiências políticas de João Durval. Muitos dos<br />
sujeitos da política de Feira de Santana estudaram neste Ginásio. Retornando a Joselito,<br />
este era de uma tradicional família empresarial que tinha também reminiscência na<br />
política da cidade, a pomposa família Falcão, investidores do setor comercial, bancário<br />
e industrial no município. 216 Experiente vereador, com a destituição de Pinto é eleito<br />
pela câmara para o cargo de prefeito, constituindo no município bases para a futura<br />
transformação desenvolvimentista que viria no governo de João Durval. Segundo<br />
Joselito Amorim, quando o golpe ocorreu “O comando revolucionário aqui pediu às<br />
lideranças políticas que apoiavam a Revolução cinco ou seis nomes que pudessem<br />
213 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />
História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />
214<br />
FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />
Janeiro: Record,2004, 73.<br />
215<br />
Idem, 82.<br />
216<br />
Ver: FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax,<br />
1993.<br />
59
ocupar a Prefeitura” 217 , Joselito diz que não queria ocupar o cargo, pois havia lutado<br />
contra a situação dominante, complementa dizendo que não sabia por que foi<br />
escolhido. 218 Depois de eleito pela câmara, Joselito teria se dirigido ao comando<br />
revolucionário na cidade junto com Áureo Filho onde foi recebido pelo Coronel<br />
Humberto Melo para relatar a sua nova condição de Prefeito, porém o coronel havia dito<br />
que “a revolução não era para colocar a UDN no poder” 219 . No memso dia Joselio<br />
Amorim encontrou o General Manoel Pereira para o qual teria feito um discurso sobre a<br />
sua eleição democrática, mesmo que por maioria simples na câmara, sendo que esta<br />
deveria ser aceita caso contrário seria um tipo de vergonha para a cidade.<br />
A gestão de Joselito Amorim é marcada por debates na câmara que prevêem a<br />
solução de problemas estruturais antigos cuja resolução seria importante para a sua para<br />
a constituição de um projeto de modernização que teria sua idéia focada na indústria,<br />
comércio e urbanização. O tema da Estação Rodoviária é visto constantemente: era<br />
necessário uma já que tinha um turismo comercial forte, havia recentemente estradas<br />
construídas e asfaltadas, como a Rio - Bahia em 1963, que ligavam Feira a outras<br />
regiões, logo a estação rodoviária seria o passo a ser dado pelo governo municipal.<br />
Na gestão de Chico Pinto, Feira havia ganhado seu primeiro órgão de classe dos<br />
industriais, a Associação das Indústrias Mecânicas, Metalúrgicas e de Material Elétrico<br />
de Feira de Santana (AIMMEFS), fundada em 1963, tendo como disputa principal a<br />
construção de um bairro industrial 220 que seria concretizada no governo de João Durval.<br />
Em 1965, surge mais um órgão, a Associação das Indústrias de Feira de Santana,<br />
presidida pelo filho de João Marinho Falcão, Manoel Falcão, primo de Joselito Amorim.<br />
Esse novo órgão, segundo Monteiro, teria maior “grau de capilaridade econômica,<br />
política e social” 221 maior que a AIMMEFS, e se propunha, através da articulação do<br />
próprio Manuel Falcão, aglutinar o setor produtivo industrial em um único órgão com<br />
caráter sindical 222 . Este buscava, inclusive na AIMMEFS, o convencimento dos<br />
empresários nessa empreitada 223 . O resultado é a transformação muito rápida da AIFS<br />
em Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS) no mesmo ano de 1965, sendo o<br />
217<br />
Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de Santana, n°<br />
2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 19.<br />
218<br />
Idem, Ibidem, p. 20.<br />
219<br />
Idem, Ibidem, p.19.<br />
220<br />
Ver: MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política<br />
de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 45. (Dissertação)<br />
221<br />
Idem, 54.<br />
222<br />
Manuel Falcão se tornaria o presidente da câmara em 1967.<br />
223 Idem, Ibidem.<br />
60
CIFS o maior representante e articulador das demandas em relação à constituição de um<br />
centro industrial no município. Toda essa transformação por representação era<br />
canalizada pela possibilidade de trazer recursos para investir no setor na cidade foi<br />
demandada pelo fenômeno do planejamento, aventado desde a década de 1950, se<br />
tornou política de governo e condição prioritária para a captação de apoio financeiro e<br />
políticos dos municípios efetivarem seus planos de constituição de parques industriais.<br />
Esta política do período de Kubitschek era o “desenvolvimentismo”, espécie de guia<br />
prático de ação governamental, impregnado de nacionalismo, otimismo e uma firme<br />
vontade de industrializar o país. 224<br />
Os grupos de classe formados em Feira visavam a representação e<br />
definitivamente a luta por projeto político de industrialização do município<br />
pressionando a câmara e o executivo. O projeto para ser efetivo seguiu o caminho<br />
histórico da sociedade civil para atingir a sociedade política, através de articulações e<br />
convencimentos até tornar-se institucional. Numa análise de Gramsci, seria<br />
hegemônico, pois assim ganha a dimensão ampla do que é o Estado, e cumpre a função<br />
política de consensuar a opinião coletiva salvaguardando a dominação política, o status<br />
quo de um grupo social 225 . O projeto que ganharia a sociedade política no governo de<br />
João Durval recebia as primeiras conformações nessa gestão de Joselito Amorim. A<br />
coincidência de fatos entre a fundação desses órgãos e as políticas na breve passagem<br />
do prefeito pelo executivo com a conseqüente preparação das bases para transformação<br />
da cidade com um centro industrial, nos mostram os primeiros delineamentos de parte, e<br />
damos ênfase ao temo “parte”, de um projeto que teria esta industrialização como uma<br />
das metas.<br />
O governo Castelo, assim como nosso sincrônico governo Amorim,<br />
acompanhava uma tendência histórica posta naquele contexto, à organização de projetos<br />
modernizadores para o país, em um momento em que o presidente precisava conter<br />
politicamente as oposições, nos primeiros dez anos de ditadura, o regime utilizava muito<br />
da força ao invés de mecanismos sutis de um Estado moderno de tipo ocidental como<br />
caracteriza Gramsci. Mas essa missão de transição de Castelo levou consigo outras<br />
características ressonantes na gestão municipal. O saneamento do executivo e<br />
legislativo logo aconteceu, mas era preciso mais e Joselito tinha missão pública de<br />
224<br />
SARMENTO, Walney Moraes. Problemas de Implantação de Indústrias novas na Bahia. Salvador:<br />
Era Nova, 1969, 15.<br />
225<br />
Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />
2000.<br />
61
concentrar esforços no combate às oposições. Um ambiente quase saneado propiciou o<br />
tom da gestão. Feitos políticos começavam a demarcar os próximos momentos.<br />
Em 1961 o presidente dos Estados Unidos lançara um programa político<br />
conhecido como Aliança Para o Progresso, que tinha por objetivo enfrentar a influência<br />
que a revolução Cubana poderia exercer sobre o subcontinente americano. E esta<br />
aliança previa o investimento em setores estratégicos para consolidação da hegemonia<br />
capitalista 226 , dentre estes setores a educação. A principal agência, com atuação em<br />
Feira, deste projeto yanque era a United States Agency for Internacional Development<br />
(USAID). Em Feira, acordos foram realizados com a articulação do prefeito municipal<br />
com os quais recursos para a implementação de políticas públicas seriam conseguidos.<br />
O prefeito Joselito Falcão Amorim, recebeu a visita do Dr. Carlos Silva<br />
Lemos diretor do SESP, no Estado da Bahia, e do assistente do coordenador<br />
da Aliança para o Progresso, no Brasil, o Dr. Chales Trigg. 227<br />
O prefeito debatia juntos aos visitantes a ampliação dos serviços de água e a<br />
construção de casas populares, e continua a matéria salienta a “mais alta relevância para<br />
Feira de Santana, pois demonstra o interesse do programa” 228 no município 229 . Interesse<br />
que pode estar diretamente ligado à influência de partidos de oposição na política local,<br />
e claramente ao recente governo de Chico Pinto, pois segundo Toledo, esses programas<br />
de investimentos da Aliança se destinavam às “ilhas de sanidade” 230 definidas como<br />
locais de perigo por demonstrar indícios e evidências de propagação de atividade<br />
subversiva. Esta aproximação do executivo municipal com a USAID era prevista pelo<br />
plano econômico do governo Castelo Branco, pois<br />
A restrição do balanço de pagamento era diagnosticada como séria limitação<br />
ao crescimento. Para superá-la, o PAEG propunha uma política de incentivos<br />
à exportação, uma opção pela internacionalização da economia, abrindo-a ao<br />
capital estrangeiro, promovendo a integração com centros financeiros<br />
internacionais e o explicito alinhamento com o sistema norte-americano da<br />
Aliança para o Progresso. 231<br />
226<br />
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Política exterior e desenvolvimento (1951-1964): o nacionalismo e a<br />
política externa independente. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 3, 1994.<br />
227<br />
Folha do Norte, 05/09/1964.<br />
228<br />
Folha do Norte, 05/09/1964.<br />
229<br />
Em 1965 a indústria feirense Cal Sublime conseguiu empréstimos com a Aliança. A ligação do<br />
prefeito com a Aliança o levaria a uma vista aos EUA em 1966 convidado pelo USAID Ver:<br />
MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 80. (Dissertação)<br />
230<br />
TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro. O governo João Goulart. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 108-109.<br />
231<br />
Resende, André Lara. A política brasileira de estabilização: 1963/68, p. 774. Visto em 25/02/2011<br />
em: http://www.ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/395/336<br />
62
Um dos objetivos do PAEG era descrito assim:<br />
política de estímulos ao ingresso de capitais estrangeiros e de ativa<br />
cooperação técnica e financeira com agencias internacionais, com outros<br />
governos e, em particular com o sistema multilateral da Aliança para o<br />
Progresso... 232<br />
O prefeito acompanhou de perto essa política, não sabemos ao certo se a vinda<br />
da agencia para Feira é precedida de um convite formal deste ou se como afirma o<br />
jornal, o interesse é do SESP junto a esta agência. O importante é que a partir de então<br />
esforços de cooperação são realizados e resultados alcançados. 233 Em 1965, o projeto de<br />
lei “oriundo do Executivo”<br />
abriu crédito especial de Cr$ 60.000.000( sessenta milhões de cruzeiros) para<br />
suplementar as verbas pelos convênios USAID, MEC, SUDENE, Govêrno do<br />
Estado e Plano Trienal, para construção de prédios escolares”. 234<br />
A educação foi um dos setores que mais ganhou investimentos do governo<br />
municipal. Tema dos acirrados debates e confrontos entre a UDN e os estudantes no ano<br />
de 1964, principal ponto da justificativa da acusação de subversão de Chico Pinto, lugar<br />
de organização de membros da futura guerrilha armada, a educação foi também alvo de<br />
Joselito. Arriscamos dizer, obviamente, que a ênfase dada a este setor nada mais era do<br />
que o “saneamento”. “Moralização” e “progresso” equivaliam como binômio 235 do<br />
governo, numa cidade que segundo Áureo Filho, tinha o “maior índice de progresso no<br />
estado” 236 . O investimento na ampliação de salas de aulas rendeu elogios ao prefeito<br />
saneador, como o de Hugo Silva que relatou sobre suas inaugurações principalmente as<br />
escolas, como o ginásio: somente com a educação “é possível acabar com a infiltração<br />
comunista”. 237 Feitos que não provocavam em Eurico Alves tanto regozijo quanto à arte<br />
do prefeito, pois, “calçar ruas, fazer ginásios”, aplicar bem as verbas públicas é “rotina”<br />
e “obrigação”, para o autor de Fidalgos e Vaqueiros,<br />
232<br />
Idem, Ibidem.<br />
233<br />
Nova visita seria feita pela USAID no governo de João Durval para instalação do centro industrial.<br />
Folha do Norte, 04/11/1967.<br />
234<br />
Ata da 22° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 15/06/1965.<br />
235<br />
Folha do Norte, 16/01/1965. Frase de Helder Alencar.<br />
236<br />
Folha do Norte, 16/01/1965.<br />
237<br />
Ata da 11° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 10/05/1965.<br />
63
O que merece encômio diferente no ex-governo da Comuna não é a<br />
construção de um ginásio municipal, nem tampouco a criação de um ginásio<br />
industrial, que a teimosia de certo governo veio perturbar e desassossegar<br />
com o barulho e fonfonar de buzinas, que cheguem ou saiam de teimosa e<br />
mal colocada Estação Rodoviária. 238<br />
O que merecia o elogio de Eurico era a higienização da lagoa de São José, que<br />
permitiu descanso e sossego ao povo, lazer e paz. Este era o despertar do “sentimento de<br />
esteta do prefeito” “artista”.<br />
A breve passagem de Joselito Falcão Amorim pelo executivo municipal traduz-<br />
se em transição, assimilação da idéia de progresso e avanço organizativo de órgão de<br />
classe e poder institucional para a constituição das bases para a futura gestão de seu<br />
correligionário. As bases para o projeto desenvolvimentista e modernizador com<br />
industrialização se assentaram na expansão da rede elétrica, no combate ao comunismo,<br />
na ampliação do sistema de abastecimento de água, na central telefônica, aumento do<br />
funcionalismo público, na chegada do SESI entre outros aspectos que permitiram o<br />
avanço futuro 239 junto às articulações de grupos representantes de classe como o AIFS e<br />
o CIFS com outros órgãos de representação regional e nacional.<br />
O progresso para cidade e o reino do urbano: Feira de Santana e a<br />
inserção compulsória e voluntária (1967-1971).<br />
O capitalismo é um conjunto articulado de relações sociais e econômicas que se<br />
expandiu e compulsoriamente absorveu de forma direta ou indireta até a atualidade, se<br />
não todas, ao menos a maioria das cidades do globo. Este só pode ser compreendido na<br />
sua condição de sistema ou modo de produção totalizante. Assim Feira de Santana entre<br />
1967 e 1971, só será compreendida observando a totalidade na qual está inserida.<br />
Moderniza-se em alguns aspectos, junto ao país, porém, as especificidades do local<br />
aparecem como questões importantes a serem analisadas.<br />
Para João Durval constituir seu projeto político para Feira de Santana, teve de<br />
desenvolver uma série de táticas e mecanismos para consolidação de novos objetivos<br />
para a cidade, articulando o passado comercial e pecuarista em que a cidade vivia com<br />
novas perspectivas de higienização, modernização acelerada, com reforma urbana,<br />
238 Jornal Situação, 05/10/1967.<br />
239 Ver: Ata da 1° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 12/04/1965.<br />
64
industrialização e reorganização econômica. Em dissertação, Pacheco 240 defende que a<br />
retirada da feira do centro da cidade, através do projeto CABANA envolveu a<br />
articulação de João Durval com setores de comerciantes que queriam um centro urbano<br />
limpo para exibição de suas vitrines posto que estas estivessem em contraste com o<br />
„antigo‟ representado pela feira que tinha ligações com a zona rural, representando o<br />
velho que deveria ganhar novas feições para uma época em que se desejava um futuro<br />
mais avançado. Isto demonstra uma idéia constante presente numa mentalidade e num<br />
discurso de um grupo social articulado com representação própria.<br />
Assim, para concretizar um projeto de “modernização” local, deveria articular a<br />
inserção da cidade no plano nacional de modernização conservadora e descentralização<br />
da indústria, que previa o Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos<br />
industriais. Na Bahia, o governador do Estado Luis Viana Filho, previa o advento da<br />
indústria na capital e no interior, cogitada desde 1966 pela Secretária de<br />
Desenvolvimento Econômico;<br />
Realmente, o processo de industrialização do Nordeste está já encaminhado, e<br />
a Bahia, como um dos pólos regionais mais importantes, tem se beneficiado<br />
muito disso. No entanto é também fato que a ênfase principal tem sido nas<br />
inversões de infra-estrutura e no estimulo à grande indústria, concentradora<br />
nos grandes centros urbanos, com o conseqüente risco de que o processo<br />
gerado, embora aumente a renda da região, não promova a distribuição por<br />
toda a população. 241<br />
A chegada de Durval ao poder municipal marcou o momento de avaliar a<br />
primeira fase da “revolução” 242 e refletir sobre os novos governos e o regime militar<br />
numa perspectiva progressista. Na consideração feita pelo colunista da Folha do<br />
Norte 243 , Adalberto da Costa Dórea, era um governo mais “democrático” para as classes<br />
240<br />
PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />
Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />
241<br />
Secretária de Indústria e Comércio. Plano de Fomento à Industria do Interior. Bahia, 1967.p.19 Apud<br />
Santos, 2002, p.52.<br />
242<br />
Na Bahia é o período de institucionalização do regime civil-militar após o golpe, ou seja, consolidação<br />
e adequação das novas forças políticas nas instituições do Estado e re-elaboração e conformação de<br />
grupos políticos e novos personagens que surgem na cena política, a exemplo de ACM em Salvador.<br />
<strong>DA</strong>NTAS NETO, P. F. Surf nas ondas do tempo: do carlismo histórico ao carlismo pós-carlista.<br />
Cadernos do CRH, Salvador, v. 39, 2003. p.21. Importante lembrar que aqui reproduzimos o golpe como<br />
“revolução” assim como chamado pelos golpistas e adesistas.<br />
243<br />
Jornal criado no inicio do século XX, o qual muito circulou discursos sobre ideais de cidade, civilidade<br />
e modernidade de setores das elites locais. Os editores e diretores do jornal Folha do Norte tomavam<br />
partido de determinados candidatos veiculando apoio entre as décadas de 60 e 70 durante campanhas da<br />
UDN e Arena. Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de<br />
Modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de<br />
65
ebeldes, pois; (...) “o dialogo com a classe operaria é maior, também com a estudantil”<br />
244 . Em tempos de ditadura, na cidade o Folha Norte anunciava em textos melhores<br />
entendimento entre as classes sociais em conflitos, e entre essas e o governo<br />
„democrático‟, um ponto de chegada, a harmonia social.<br />
A democracia estava presente no discurso das classes dominantes organizadas<br />
na ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Esta teria sido salva pela “revolução”, e<br />
deveria se perpetuar sob comando dos golpistas de 1964. O reflexo desse pensamento<br />
aparecia no órgão de imprensa local, Folha do Norte, que defendia e definia a ditadura<br />
como a própria salvaguarda da democracia, pois, não fosse a “revolução” de 31 de<br />
março, ela, a “democracia”, seria arrancada pelos trabalhadores e o governo sindicalista<br />
de Goulart na presidência da república e com Chico Pinto na prefeitura de Feira de<br />
Santana.<br />
Neste recorte temporal, as realizações do governo de João Durval começavam a<br />
chamar a atenção pelo seu caráter antecipatório, que se evidenciava no planejamento<br />
futurista da cidade, precipitando o que seria, segundo previsões de seu grupo e<br />
apoiadores, o progresso econômico e social. Os planejamentos desse grupo, associados<br />
aos discursos políticos e jornais propagadores desse ideal de progresso posto em prática<br />
por Durval, criam em torno da personalidade deste, uma representação de arauto da<br />
modernidade.<br />
No seu governo deu-se a implantação do Centro Industrial do Subaé (CIS) e a<br />
realização de obras publicas para higienização e reorganização espacial da cidade, como<br />
a construção do bairro Cidade Nova 245 , que nas palavras de Raymundo Pinto seria à<br />
época “maior que a maioria das cidades baianas” 246 . A implantação das obras foi<br />
“devidamente programada” 247 . Isso lhes dava a característica de precipitação e<br />
planejamento que não era comum entre prefeitos. Feira de Santana esteve entre os<br />
primeiros municípios brasileiros a adotar um Plano Diretor de Desenvolvimento<br />
Urbano 248 o que amplia a noção de caráter antecipatório de Durval a frente da<br />
prefeitura.<br />
Pernambuco, 2008. No período de governo de João Durval, este [jornal] divulgava textos sobre o projeto<br />
de modernização da cidade e, discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do prefeito.<br />
244 Jornal Folha do Norte. 29/04/1967.<br />
245 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia<br />
& PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971.<br />
246 PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />
247 PINTO, Pequena História...ob. cit. p.59.<br />
248 Ver: FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998. &<br />
PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971.<br />
66
As realizações de governo e a conjuntura propiciam certo prestígio e destaque<br />
para cidade e ao prefeito no cenário político nacional, que no governo de Durval, passa<br />
a receber visitas de prefeitos de outros Estados que se surpreendem com a modernização<br />
de Feira e a tomam como exemplo. 249<br />
O colunista do jornal Folha do Norte e Secretário de Educação Raymundo Pinto<br />
escrevia sobre o projeto modernizador em elogio a Durval, caracterizando-o como<br />
visionário quanto ao futuro da cidade. Observando-o, nos remetemos a Foucault quando<br />
afirma que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de<br />
dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que<br />
procuramos nos assenhorear” 250 . Buscava-se a consolidação de uma imagem do<br />
governo de Durval e da ditadura, onde conflitos sociais desapareciam do cotidiano para<br />
dar lugar a um ideal político já “realizado” e a partir daí, conquistar uma legitimidade<br />
dentro do ideal democrático 251 , mesmo governando em um regime ditatorial. Nas<br />
palavras de Miranda:<br />
Construía-se uma representação de cidade e de sua memória histórica como<br />
fundamentadora de um ideal político e social intermediado pelo presente - por<br />
isto a seleção de certos símbolos e omissão de certos aspectos, temas ou<br />
fatos. 252<br />
Porém, as novas forças políticas no campo do poder no governo local, estadual e<br />
nacional enfrentavam as oposições. Em Feira a oposição aparecia na forma do MDB<br />
dentro do campo político, em grupos que se organizava para a resistência armada, e<br />
mesmo a não recepção favorável ao governo de seus programas. O PCB teve a<br />
participação de militantes na Associação Feirense de Estudantes Secundaristas e<br />
sindicatos da cidade, e o MDB na oposição a ARENA são alguns exemplos 253 das<br />
249 Ver Folha do Norte 1969-1971.<br />
250 FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciado em 2<br />
de dezembro de 1970. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.1.<br />
251 João Durval é convidado assumir o poder municipal em 1964, não aceita por haver, segundo este, a<br />
necessidade de ser eleito. Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos<br />
do Jornal Noite e Dia & PINTO (1971).<br />
252 MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da Memória: Praticas e Representações do<br />
Movimento Estudantil em Feira de Santana (1964-1969). Feira de Santana UEFS, 2001. p.10.<br />
253 Muitos dos relatos da atuação de grupos de esquerda na cidade foram pronunciados numa conversa<br />
entre pesquisadores do LABELU e Hosanah Leite, militante do PCB na época e exilado em 1968. Outros<br />
depoimentos, inclusive de Hosanah Leite e militantes de esquerda foram colhidos no Seminário: Chico<br />
Pinto, ditadura e em Feira e no Brasil, gravados em DVD e disponíveis em acervo do LABELU. É preciso<br />
observarmos que esta atuação da esquerda não é objeto desta pesquisa. Ver também: ZACHARIADES,<br />
Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes.<br />
Salvador: EDUFA, 2009. Em quase todos os artigos di livro, Feira de Santana aparece como local<br />
indicado por militantes de oposição ao regime, como espaço para resistência ou referência dessa.<br />
67
oposições e enfrentamentos ao qual a ditadura e seus tentáculos locais deveriam<br />
concorrer. Além de mais formalizadas ou organizadas, no Jornal Folha do Norte<br />
encontramos constantemente textos que são perceptíveis a não aceitação da população<br />
em relação às propostas do governo municipal, assim é que visualizamos momentos de<br />
criticas por parte de grupos citadinos e, tentativas de convencimento da comunidade dos<br />
benefícios esperados do governo municipal.<br />
Neste ínterim, a disputa de Durval dava-se também contra seu principal opositor,<br />
Francisco Pinto e sua “marca” política junto às classes populares da cidade. Pinto havia<br />
ganhado popularidade por estabelecer um governo de aproximação com grupos<br />
subalternizados da cidade 254 . Durval chegou ao poder em 1967 já na ARENA, como<br />
aliado dos militares, e escolhido por setores da classe dominante local 255 , sendo o<br />
primeiro prefeito eleito no pós-64, sem disputa com seu maior adversário que havia<br />
sido, pouco antes, deposto do poder executivo e não estava na cidade.<br />
O Plano Diretor, Plano de Desenvolvimento Local Integrado (1967), o Projeto<br />
Cabana (1968), projetos de Lei aprovados, discursos políticos de Durval, mostram<br />
objetivos concretos dele e de seu grupo para cidade, com proposições que<br />
transformariam o cotidiano dos feirenses. O governo do Estado também empreendia<br />
certa “modernização” e industrializava-se com a criação do pólo industrial de Aratu.<br />
Essas medidas, articuladas pelo então governador - e aliado de João Durval - Luis Viana<br />
Filho, visavam inserir a Bahia no plano maior do governo federal de industrialização do<br />
interior. Luis Viana desde então passa a ser lembrado por João Durval e pelos jornais da<br />
época e atuais, como seu principal aliado, aparecendo referências sobre este<br />
entrosamento na campanha de Sérgio Carneiro, filho de João Durval, para prefeito em<br />
254 O filme “Pinto vem aí”, demonstra a enorme popularidade que Francisco Pinto havia adquirido,<br />
mesmo com a pouca duração de seu governo, demonstrado no seu retorno a cidade em imagens que<br />
Olney São Paulo para a campanha de Colbert em 1976, depois de sair da prisão com um discurso crítico<br />
sobre Pinochet na posse de Geisel na presidência do país. Outros autores constaram a popularidade<br />
adquirida por Francisco Pinto tanto em suas disputas eleitorais como em sua gestão pública no município.<br />
Ver: PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />
Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. CAMPOS, Ricardo da Silva. O<br />
Putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967.<br />
(Monografia); GOMES, Igor. Na contramão do sentido: origens e trajetórias do PT de Feira de Santana.<br />
(1979-2000). Niterói: 2007. Dissertação (Mestrado) – <strong>Universidade</strong> Federal Fluminense. Seminário:<br />
Chico Pinto, ditadura e em Feira e no Brasil. (DVD).<br />
255 Na documentação usada s para esta pesquisa, a exemplo do jornal Folha do Norte, jornal Situação e,<br />
ata da câmara municipal, aparece o apoio de grupos e indivíduos pertencentes, ou mesmo representantes<br />
de entidades de classe, como a Associação Comercial, a João Durval.<br />
68
2008, onde o próprio João Durval refere-se a essa aliança como o grande motivo de seu<br />
projeto de modernização ter dado certo. 256<br />
Juntamente com sua articulação com o governo do Estado, que previa também<br />
o surgimento de um pólo no interior, João Durval viabilizou seu projeto, conseguido<br />
introduzir Feira num plano maior do governo federal de interiorização da indústria.<br />
João Durval deveria por em prática interesses de setores de classe de Feira de<br />
Santana, uma cidade cujo prefeitos nunca haviam feito planejamentos tão elaborados e<br />
que passava agora a planejar seu futuro devido às exigências Estaduais e Federais para<br />
urbanização e inserção das cidades interioranas em planos de financiamentos. A cidade<br />
passaria a ser um exemplo de desenvolvimento, debatido em um de seus mais<br />
importantes planos desenvolvidos, o PDLI, descrevia que;<br />
A cidade consciente de seu papel na região em que se encontra, deve<br />
reivindicar a realização, por parte dos governos estadual e nacional, de<br />
programas que propiciem o seu desenvolvimento (...) a cidade deve-se munir<br />
de condições urbanísticas e infraestruturais capazes de atrair investimentos, de<br />
reforçar sua condição de pólo industrial e comercial, além de estimular o<br />
desenvolvimento da região em que se situa. 257<br />
As frações de classe local utilizaram o PDLI de modo a tentar convencer setores<br />
empresariais da sociedade civil sobre as vantagens que poderiam obter com a<br />
modernização da cidade em relação aos seus investimentos e, para os trabalhadores, o<br />
foco principal do texto eram as obras de melhoria nas condições de vida urbana e os<br />
sonhados 17.000 empregos. Os principais órgãos de classe publicam textos, participam<br />
de reuniões e usam os jornais locais como o Situação, Folha do Norte e Feira Hoje no<br />
intuito de divulgar a possibilidades e as conquistas alcançadas que advinham deste<br />
processo que eles chamavam de modernização que tinha como um de seus focos<br />
prioritários a inserção da cidade em modelo produtivo industrial, com a conversão de<br />
investimentos locais e a atração de tantos outros nacionais e internacionais. A realização<br />
do projeto deveria enquadrar-se em exigências externas ao município. Modelos técnicos<br />
de escrita e preparação de pesquisas que embasassem o projeto foram consolidadas,<br />
surgiam novas propostas que de um planejamento urbano, econômico, político e<br />
organizacional, qualificadamente mais programático que as nuances surgidas em<br />
gestões anteriores, correspondiam, no entanto, a nova condição histórica, que não<br />
256 Esta avaliação foi vista em campanhas televisivas e panfletos distribuídos pelos candidatos.<br />
257 Plano de Desenvolvimento Local e Integrado. Feira de Santana. 1971, p.144.<br />
69
necessariamente permitia o local aparecer como prioridade, engessando muitas vezes as<br />
realidades municipais em troca da realização de obras com a captação de recursos<br />
moderadas pelo governo militar, tecnicista. Um exemplo compreensível são as<br />
exigências do Sistema Nacional de Habitação<br />
que durante sua existência impõe determinadas linhas de atuação aos<br />
municípios coerentes com as do governo central, onde determinavam, em<br />
muitos casos, a sujeição de prefeitos a um planejamento imposto, não<br />
correspondendo as verdadeiras necessidades e carências de urbanização das<br />
cidades, uma vez que esses tinham que recorre aos financiamentos,<br />
condicionando-se ao enquadramento de diretrizes de desenvolvimento local às<br />
do centralismo autoritário. 258<br />
Através do SNH foram captados recursos para criação de moradias para a<br />
cidade como o caso do já citado bairro Cidade Nova, obras que foram utilizadas com<br />
muito interesse da gestão de João Durval na legitimação de seu projeto político que<br />
divagava sobre um futuro no presente.<br />
A administração de Durval, com sua “modernização”, deveria vencer as<br />
resistências populares ao regime e ao seu grupo na cidade. O passado deveria ser<br />
renovado instantaneamente por um novo presente. Raymundo Pinto parecia ser quem<br />
melhor expressava isso, esse futuro vivido no presente e preparado por João Durval. Em<br />
uma de suas previsões escrevia que,<br />
(...) o comercio tende certamente a progredir ainda mais, contanto perder a<br />
sua antiga primazia. Com a criação da <strong>Universidade</strong>, não posso deixar de<br />
prever também considerável avanço, nos próximos anos no setor cultural. 259<br />
A planificação da modernização em Feira pode ser resultado de um ideal que a<br />
partir da década de 1950 260 começa a ganhar contornos de prática política, recuperado<br />
enquanto método e disputa por uma hegemonia pelos udenistas/arenistas da cidade.<br />
Houve um processo de apropriação/ressignificação dessas utopias que partiu para o ato<br />
da modernização planejada, desencadeada pelos “velhos mandões udenistas” 261 ,<br />
258 OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />
Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />
p.104-105.<br />
259 PINTO, Pequena História...ob. cit. p.51.<br />
260 . Ver Oliveira (2008). Pesquisa que defende a tese de um surto de modernização iniciado na década de<br />
1950 em Feira, nde a cidade era vista, e deveria manter-se, como uma cidade comercial, progressista e<br />
moderna.<br />
261 Ver SODRÉ (1991).<br />
70
identificada por Moniz Sodré como prática política conservadora com um discurso<br />
mordernizante.<br />
A característica moralista e conservadora do exercício político de Durval ocorreu<br />
devido a UDN, que na cidade abrigava homens como Áureo Filho, e outros<br />
conservadores da política de Feira. Porém, é preciso notar que a UDN não era um<br />
partido homogêneo, se configurando localmente, regionalmente e nacionalmente por<br />
tendências diferenciadas. Observamos em Feira de Santana, uma forma mais pura no<br />
que tange a ala conservadora nacional e sua característica golpista, assim como a<br />
ARENA se definiu enquanto grupo heterogêneo. A UDN defendia uma proposta<br />
diferenciada de condução do capitalismo, obtendo grande apoio das de grupos<br />
dominantes para seu êxito político (...) “no 31 de março de 1964, “quando”, “poderia<br />
considerar-se vitoriosa” 262 . Observamos um aspecto peculiar no desenvolvimento<br />
histórico das relações sociais de força onde, no pós-64, a UDN se reveste de coerção<br />
com militares, porém, inicia-se tarefas, no que refere ao aspecto local em Feira de<br />
Santana e principalmente no governo de João Durval, de consensuar os grupos socais<br />
sobre projetos políticos.<br />
Ao interpretarmos a histórica passagem de Feira aos ditos “sonhos da<br />
industrialização” e “modernização”, percebemos que não podemos nos apegar apenas a<br />
um dos aspectos desta relação compulsória, que cria determinantes históricas e impõe a<br />
adequação da política local a uma sintonia com definições políticas nacionais, mas<br />
também ao fator que faz das histórias locais peculiares, que são as opções voluntárias<br />
que são escolhas de adequação a esses ambiente temporais. Nem todas as cidades<br />
escolheram, que tiveram opção de escolha igual ou equiparável a de Feira. Condições<br />
únicas colocaram essa cidade nessa posição, fatores de organização interna,<br />
desenvolvimento local das organizações, articulação com o ex-ministro da casa civil e<br />
governador do estado, Luis Vianna Filho, foram aspectos singulares que possibilitaram<br />
um resultado. Porém em história não temos equações definidas, então o resultado é<br />
variável, os momentos e os lugares são únicos...<br />
A cidade técnica.<br />
262 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />
brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p.91.<br />
71
72<br />
A legibilidade da arquitetura, como<br />
qualquer outra legibilidade, tem como eixo<br />
este principio: a oposição cria uma estrutura<br />
de significação capaz de imbuir-se de valores<br />
contrastantes, cujo caráter é determinado<br />
pela história e pela ideologia em vigor. 263<br />
Segundo Choay 264 , no século XX há um certo desaparecimento da cidade<br />
tradicional 265 , essa perde sua primazia para o pensamento técnico - cientifico do<br />
urbanismo. Com o advento e ação do urbanismo, que “designa uma disciplina nova que<br />
se declara autônoma e se quer ciência da concepção das cidades” 266 , este pressupõe<br />
sempre a ação planejada que prevê as formas de relacionamentos e solidariedades entre<br />
estas.<br />
A partir de 1967, Feira de Santana entra na era do planejamento regularizador<br />
urbano, exigido pela nova configuração política nacional. A prefeitura da cidade, para<br />
realizar seus projetos, se enquadra nos padrões técnicos exigidos na época, assim<br />
conseguirá angariar os recursos e investimentos necessários para concretização destes.<br />
No período, o planejamento urbano baseava-se numa concepção do século XX que<br />
atribuía ao Estado a função racionalizadora para organização urbana. Como efeito a<br />
nível local, a prefeitura deveria concentrar e centralizar esforços para reorganização da<br />
cidade. Assim, as ações do governo local passam a ser técnicas, racionais, planejadas,<br />
esforçando-se por prever e retirar todas as possibilidades de apropriação da cidade pelo<br />
devir 267 .<br />
263<br />
HOLSTON, James. A cidade modernista: uma critica de Brasília e sua utopia. São Paulo, Cia. das<br />
Letras, 1993. p.126.<br />
264<br />
CHOAY, Fraçois. O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />
Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18, 1999.<br />
265<br />
Segundo os romanos a cidade era a solidariedade existente entre a urbis (território físico da cidade) e<br />
civitas (comunidade de cidadãos que a habitavam). CHOAY, Fraçois.O Reino do Urbano e a Morte da<br />
Cidade. IN: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História do<br />
Departamento de História da PUC-SP, n° 18, 1999.<br />
266<br />
CHOAY, Fraçois.O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />
Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18,<br />
1999.p.70<br />
267<br />
Para Michel de Certeau a cidade é um texto que pode ser lido, implicado discursos urbanos de um<br />
poder instituído que planeja a cidade, mas também as apropriações feitas pelos citadinos nas suas ruas.<br />
Refiro a este devir que dá significado aos espaços urbanos em contrário aos poderes instituídos, assim há<br />
um esforço da prefeitura local, em seus planos, de dar o significado definitivo aos espaços. CERTEAU,<br />
Michael de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
Na era do “reino do urbano”, antes de racionalizar a cidade, constitui-se espaços<br />
de articulação dessa racionalização. Desde então, o município institui esses lugares com<br />
ampliação da administração municipal, para tanto cria o Escritório de Planejamento<br />
Integrado (EPI), o Setor Jurídico e o Serviço de Relações Publicas 268 , e a<br />
Superintendência de Desenvolvimento de Feira de Santana (SURFEIRA), esta, uma<br />
autarquia cujo objetivo era realizar as obras públicas.<br />
Todo plano para cidade, desde então, ganha um caráter técnico e cientifico. É a<br />
partir daí que a prefeitura constitui seu grande projeto, o PDLI 269 , que,<br />
(...) corresponde a uma iniciativa do poder publico criada no final da década<br />
de 1960, com o objetivo de propor ações planejadas, capazes de remover<br />
gradativamente os obstáculos a expansão econômica e urbana de Feira de<br />
Santana. 270<br />
É um plano que visa o domínio global da região urbana da cidade, que propõe<br />
alianças entre frações de classes em torno do consenso sobre a modernização do<br />
município. Este projeto norteia todas as leis aprovadas e outros projetos definidos pelo<br />
município, a exemplo do Projeto Cabana e Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé.<br />
Apesar de não especificar de forma direta a base da teoria de zoneamento, esta é<br />
próximo da teoria de E. W. Burgess 271 ; teórico da “ecologia humana” membro da escola<br />
de Chicago. A “ecologia humana” concebia a cidade como; “(...) uma constelação de<br />
áreas naturais, cada uma delas com seu ambiente característico e a sua função especifica<br />
no conjunto da economia urbana”. 272 Esta escola era composta por pesquisadores com<br />
funções especificas, assim, Burgess, tinha por especialidade estudar e definir um<br />
modelo de pesquisa do crescimento, que fosse generalizável para o crescimento de áreas<br />
naturais. Burgess, “analisava as diretrizes do crescimento urbano, isto é, a organização<br />
física da cidade, aplicando, conceitos como metabolismo, expansão, sucessão extensão,<br />
concentração, mobilidade, organização e desorganização”. 273<br />
Ainda de acordo com Freitas;<br />
268 Hoje seria a Secretária de Comunicação.<br />
269 O Plano de Desenvolvimento Local e Integrado é a principal fonte de pesquisa para o entendimento do<br />
período do governo de João Durval e suas pretensões e ações junto a grupos dominantes na cidade.<br />
270 SILVA, Eunice Paranhos. “Cada macaco no seu galho: ampliação urbana da região sul/sudeste de<br />
Feira de Santana. (1960-2000). UEFS, 2008. p.23.<br />
271 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />
272 BARROS, José D‟Assunção. Cidade e História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. p.34.<br />
273 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998. p.119.<br />
73
Na expansão, enquanto crescimento físico a cidade é entendida basicamente<br />
através do plano de urbanização e mediante o zoneamento, quando o plano de<br />
urbanização constitui-se um dos elementos de controlo do crescimento físico<br />
da cidade. 274<br />
Este apresenta as influencias do modelo progressista de urbanismo de Le<br />
Corbusier que, “propõe um objeto urbano pulverizado, cujos elementos padronizados<br />
estão distribuídos no espaço segundo uma ordem funcional e geométrica” 275 .<br />
O PDLI apresenta um estudo que concluiu que Feira de Santana estava caótica<br />
no uso de seu solo urbano, principalmente no centro da cidade onde se misturam o<br />
comercio, indústria e habitação. O PDLI concebe para o desenvolvimento local pela<br />
teoria de François Perroux e os “pólos de crescimento”. Segundo este, o<br />
desenvolvimento não se expande por todo o país e suas regiões, concentra-se nos “pólos<br />
de crescimento”.<br />
Identificando o desenvolvimento enquanto um processo exclusivamente<br />
polarizado no econômico, o teórico francês afirma que o desenvolvimento<br />
econômico é função de um certo grau de industrialização, sendo esta<br />
processada de forma delimitada, polarizada em um espaço geográfico. 276<br />
Portanto, para o desenvolvimento local integrado, e integrador da economia<br />
local à totalidade do país, a indústria teria a função motriz 277 , de associar os setores<br />
municipais, sejam o primário, secundário e terciário, integrando-os, também, à<br />
economia baiana e nacional. A solução para o município é técnica-racional.<br />
O projeto definia qual a concepção de cidade do governo municipal, propondo<br />
um projeto político definidor dos seus rumos. Os texto do PDLI e os discursos do Folha<br />
do Norte expressam uma visão onde a velha cidade passaria a ser organizada.<br />
Os conflitos deveriam ser superados pelo esclarecimento do povo. O jornal<br />
expressava bem quando no ano de 1968 tentava acordar o povo para a modernização<br />
urbana da cidade;<br />
274<br />
FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em...op. cit. p.120.<br />
275<br />
CHOAY, François.O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />
Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18,<br />
1999.p.70.<br />
276<br />
SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />
industrialização. UFBA, 2002. p.35.<br />
277<br />
Para uma discussão mais aprofundada das teorias que envolvem o PDLI e sua consonância com<br />
perspectivas nacionais, ver SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade:<br />
o sonho da industrialização. UFBA, 2002 & FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de<br />
Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />
74
A falta de divulgação das intenções da URBIS e seu plano de vendas,<br />
acrescido da confusão que se estabeleceu nas suas vendagens (...) Tem<br />
ocasionado várias dúvidas que muitas vezes não estão livres da influencia<br />
maléfica dos derrotistas, dos que raciocinam como “Jeca Tatu” e dos que<br />
pensam diminuir aos olhos do povo uma grande obra com maledicência dos<br />
incapazes, dos que julgam tapar o sol com o dedo. O núcleo habitacional terá<br />
Igreja, praça, açougue, mercado, e espaço para recreação infantil além de<br />
escolas e linhas de transporte. 278<br />
As oposições, ou melhor, derrotistas, são maléficos por não tratarem a verdade<br />
que são os benefícios da URBIS, HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO <strong>DA</strong> BAHIA,<br />
autarquia do governo do estado criada em 1965, e responsável pela construção de<br />
núcleos habitacionais como a Cidade Nova. Era presidida pelo ex-prefeito Joselito<br />
Amorim.<br />
classes.<br />
A cidade racional e a modernização em obras como política de<br />
Na modernização da cidade, o controle social era um dos focos da<br />
administração. Uma higienização que produzisse resultados esperados: o domínio das<br />
“classes rebeldes”, e um belo centro urbano que trouxesse divisas para o município e<br />
seus empresários, seriam focos do novo empreendimento. Novos padrões morais que<br />
não eram tão novos foram reproduzidos no jornal Folha do Norte, que traduzia bem as<br />
exigências de setores da sociedade por uma “nova cidade”. A moralização das ruas e<br />
dos becos era prevista por uma limpeza urbana que exigia a retirada da prostituição. “A<br />
rua do meio outrora centro de baderna desapareceu varrida pelo comércio e vem sendo<br />
vencida pelo progresso...” 279 . O progresso venceria tudo o que representasse o velho ou<br />
inadequado. O jornal ainda prevenia;<br />
Segundo declaração do delegado Osvaldo Franco, as mulheres de vida airada<br />
sofrerão confinamento até as 23 horas e os diversos estabelecimentos<br />
existentes em becos e travessas têm o prazo de 30 dias para fechar. 280<br />
Porém, a principal característica do governo de João Durval é a intensificação de<br />
obras públicas. Ampliação de bairros, organização de infra-estrutura para seu projeto<br />
278 Folha do Norte, 30/11/1968.<br />
279 Jornal Folha do Norte, 19/08/1967.<br />
280 Idem.<br />
75
norteador, que seria a do Centro Industrial do Subaé. Sua articulação com o governo do<br />
estado permitiu a construção de uma adutora para trazer água do rio Paraguaçu. Em<br />
1969, a ELETROBRÁS implanta o sistema de abastecimento de energia pela Usina de<br />
Paulo Afonso, em 1968 já tinha sido inaugurada a escola do SENAI. A URBIS havia<br />
construído até 1971, mais de 1666 casas 281 , a TELEFEIRA havia instalado quase duas<br />
mil linhas telefônicas.<br />
A educação também era um ponto previsto no seu projeto, esta deveria ser<br />
modernizada e ampliada, por isso a chegada em 1968 da primeira escola superior, e em<br />
1970 a aprovação da lei feita pelo então governador Luis Viana, para criação da<br />
<strong>Universidade</strong> de Feira de Santana, além de reformas de escolas e construção de teatro na<br />
cidade.<br />
No período em que esteve na prefeitura, João Durval cultivou a imagem de um<br />
prefeito obreiro. Estes atos são questionados aqui, quanto a sua função ideológica. A<br />
ampla promessa de novas obras, constantemente relatada, principalmente no Jornal<br />
Folha do Norte, em todo seu processo de planejamento e execução, tem uma<br />
funcionalidade para amortizar os conflitos existentes e legitimar um modelo econômico,<br />
político e social. Em tempos de ditadura onde a população tinha pouco espaço para lutar<br />
pelo direcionamento dos investimentos do Estado e municípios, as moradias populares,<br />
através do BNH eram usadas “(...) como forma de cooptação da classe trabalhadora,<br />
como instrumento político, econômico e ideológico” 282 , pois, “Um dos mecanismos<br />
empregados pelo Estado para consubstanciação hegemônica adotada em 64 é a política<br />
habitacional”, ”O Estado vê na habitação popular um meio que atende a demanda<br />
popular e ao mesmo tempo um meio de amenizar o conflito entre forças produtivas e as<br />
relações de produção” 283 . O Estado se afirmou como mediador do conflito social, ou<br />
melhor, como instrumento usado neste conflito para favorecer um grupo no poder,<br />
sabendo o grupo que dirigia o Estado que não se estabeleceria o domínio político sem a<br />
adesão de trabalhadores, sem a cooptação através de programas de beneficiamento<br />
destes. Os grupos dirigentes elaboraram estratégias em um Estado ampliado de<br />
hegemonia. Compreendemos que<br />
281 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em...op. cit. p. 114.<br />
282 OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />
Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />
p.104.<br />
283 PERUZZO, Dilvo. Habitação: Controle e Espoliação. São Paulo: Cortez,1984. p.38-39.<br />
76
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em<br />
conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia<br />
será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o<br />
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas<br />
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem<br />
envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode<br />
deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na<br />
função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade<br />
econômica. 284<br />
Nesta definição que assumimos do estado moderno, podemos identificar nas<br />
análises realizadas estas estratégias dentro do campo de atuação políticas de grupos<br />
dirigentes, como fundamental para estabelecimento /ou manutenção de uma ordem.<br />
Com os elementos discursivos e as obras relacionadas à urbanização, os grupos<br />
locais no poder buscavam a hegemonia, pelo consenso e coerção sob um Estado em<br />
ditadura civil/militar, que reprimia qualquer suspeição de oposição por parte dos<br />
trabalhadores que ameaçasse as bases das classes dirigentes no país. Como<br />
conseqüência, foram censurados vários mecanismos políticos de participação popular.<br />
João Durval dispunha de aparelhos e organismos de classe para estabelecer uma<br />
hegemonia. Valente 285 , referindo-se aos agentes sociais que tiveram por iniciativa a<br />
industrialização e a modernização em Feira, demonstra o papel importante do governo e<br />
seus mecanismos de poder. Aponta questões pertinentes para compreender a posição<br />
central que João Durval tem como um dos articuladores do projeto, com o pedido de<br />
montagem de um Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Seguindo, faz um recuo<br />
temporal na pesquisa, para entender as entidades de classes e os setores sociais que<br />
enfrentam a tarefa, e mesmo sem experiência formam um grupo de industriais. À frente<br />
disto, João Durval, que nas palavras de Valente “(...) se assemelha ao que Gramsci<br />
chama de “político em ato”, aquele que se coloca como “um criador, um suscitador, mas<br />
não cria a partir do nada nem se move na vazia agitação dos seus desejos e sonhos”, este<br />
“toma como base a realidade efetiva”. 286<br />
No mesmo texto, Valente traz uma reflexão sobre o Rotary Club e o papel<br />
aglutinador para classes dirigentes e, a propagação do americanismo para transformar<br />
284 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Vol.3 p. 48.<br />
285 VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />
industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório de<br />
História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p.7.<br />
286 VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />
industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório de<br />
História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p.7.<br />
77
Feira em uma cidade industrial, pois, segundo Gramsci um órgão de (...) “difusão de um<br />
novo espírito capitalista (...)”. 287<br />
O “americanismo” torna-se manifesto ao fim do governo Joselito Amorim. Em<br />
1967, antes da chegada de Durval ao poder executivo, Feira passava a ser enunciada em<br />
discursos como cidade imponente e grandiosa que mereceria reconhecimento. Um dos<br />
primeiros textos do ano de 1967 do jornal Folha do Norte mostra os caminhos das<br />
representações criadas sobre a cidade “capital do interior” baiano. Durante a visita de<br />
uma americana do departamento de Estado dos EUA, lê-se no Folha do Norte:<br />
“Importante visitante que vem conhecer e prestigiar a maior obra administrativa do<br />
interior brasileiro” 288 .Vem a Feira Miss Reulah Confer, a convite de Juracy<br />
Magalhães e do prefeito. Com um sentimento de uma cidade que se quer fazer grande<br />
como uma metrópole e importante como uma capital, o jornal reivindica. O texto revela<br />
apreço pela importância de tal visita, demonstrando, de certa forma, a nova referência<br />
de ideal de civismo do colunista feirense, baseado na maneira norte americana de<br />
governo, sociedade e economia, contrariando o ideal comunista que tinha como<br />
referencia a ex-União Soviética, o que pode nos indicar um anseio de um grupo da elite<br />
local. Só não descreveu detalhadamente qual grande obra era esta. Suspeitamos que se<br />
tratasse de um discurso que é produzido em meio a um novo modelo nacional ao qual<br />
Feira se adéqua e, também, uma maneira de formar bases de apoio a esse novo<br />
momento. Não conseguimos identificar nesta pesquisa se este americanismo é parte do<br />
mecanismo de hegemonia, mas por outro lado, está sempre presente em discursos que<br />
visam respaldar a ordem estabelecida.<br />
João Durval é o "intelectual orgânico" de uma modernização, procura dar coesão<br />
às classes nos seus projetos à frente da prefeitura, a coesão no plano político e social.<br />
Pacheco 289 faz um estudo sobre os projetos modernizadores e higienizadores que<br />
pressupunham a retirada da tradicional feira do centro da cidade para transferi-la para<br />
um centro de abastecimento.<br />
No período de Durval, desde 1967, se intensificam os discursos de higienização<br />
do centro da cidade sobre a necessidade da transferência da feira que representava algo<br />
velho, “(...) representantes de entidades de classes e representantes dos poderes<br />
287<br />
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o estado moderno. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização<br />
Brasileira, 1976. p.176.<br />
288<br />
Jornal Folha do Norte. 14. 01.1967(Grifo Meu)<br />
289<br />
PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. A feira e a nova Feira: tradição, costume e conflito em<br />
Feira de Santana-BA 1967-1977. Monografia apresentada no curso de especialização em História da<br />
Bahia, Feira de Santana UEFS, 2007.<br />
78
municipais e intelectuais com certo poder de voz na cidade (...)” 290 , reclamavam da<br />
feira. Pacheco afirma que esta higienização sintetizada no projeto CABANA (1968),<br />
estava atrelada à necessidade dos comerciantes de terem suas vitrines limpas e expostas<br />
para atrair a clientela. A Associação Comercial 291 demonstrava o novo caminho do<br />
comércio que se relaciona com os espaços urbanos, como em 1968:<br />
enviou a Associação Comercial de Feira de Santana oficio de apoio ao<br />
deputado estadual Oscar Marques por este haver indicado a Mesa da<br />
Assembléia do Estado a construção de prédios apropriados para a localização<br />
dos serviços policiais bem como da Cadeia Publica. 292<br />
Em 1969, o Folha do Norte reconhecia esforços do prefeito para solucionar a<br />
questão; “ao que parece está procurando dar uma solução ao problema” 293 . Os espaços<br />
deveriam ser definidos por grupos sociais, é assim que o PDLI define lugares de<br />
trabalhadores, comerciantes e etc.<br />
O projeto CABANA demonstra como João Durval era um articulador e porta<br />
voz no Estado, não somente para a classe industrial emergente, mas para um setor de<br />
comerciantes, cumprindo um papel de intelectual intra-classe dominante, ou seja,<br />
representando e articulando vários setores, mesmo com um papel mais central no<br />
projeto industrial.<br />
Os jornais falavam muito da necessidade de transformação da cidade, de uma<br />
série de elementos que a modernizariam. Antes da vinda da Faculdade, o Folha do Norte<br />
trazia muitos discursos de como Feira para atingir o padrão que merecia precisava do<br />
ensino superior, necessidade expressa na coluna de Raymundo Pinto. 294 O projeto de<br />
Durval precisaria ser acolhedor para vários setores das classes dominantes e dominadas,<br />
o consenso deveria ser buscado entre esses setores para a modernização na Feira de<br />
Santana. A cidade é pensada a partir de concepções que dentro das relações sociais de<br />
força, representam os setores dominantes, pois, “o desenvolvimento atinge a todos,<br />
tanto os que comandam a expansão (o Estado e a classe empresarial) como os que<br />
cooperam com ela (a população em geral) e os que são posteriormente por elas<br />
290 Idem, p.14.<br />
291 Em 1962, é fundada a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas).<br />
292<br />
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
p.177. A Cadeia Publica se localizava no centro comercial da cidade.<br />
293<br />
Folha do Norte, maio de 1969 apud OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de<br />
Santana...p.177.<br />
294<br />
Jornal Folha do Norte 13/05/1967 na coluna Educação e Cultura, Raymundo Pinto elogia o pedido de<br />
Fernando Pinto de uma Faculdade de Filosofia, em 20/05/1967 faz outro pedido de Faculdade.<br />
79
incorporados (a população desempregada e marginalizada)”.<br />
80<br />
295 O Plano de<br />
Desenvolvimento Local e Integrado entra em cena como meio de conseguir a<br />
hegemonia, domínio político, para frações das classes locais. “O PDLI instituiu normas<br />
técnicas e jurídicas para sua implementação, obrigando não apenas os particulares, mas<br />
também o poder público” 296 . Assim procuramos<br />
“desmascarar” a verdadeira função do planejamento, entendido que através<br />
do intervencionismo e do regulacionismo estatal, segundo vários autores,<br />
tinha o intuito de tentar manter na cidade as necessidades do capitalismo, ou<br />
seja, manter condições favoráveis, seja a longo ou médio prazo, o status quo<br />
capitalista. 297<br />
295<br />
SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />
industrialização. UFBA, 2002. p.108.<br />
296<br />
CAMARA, MARCOS PARAGUASSU A; FRANK, HAROL<strong>DO</strong>; SEMINARIO SOBRE O<br />
DESENVOLVIMENTO DE FEIRA DE SANTANA; (1; 1984; Feira de Santana). Legislação<br />
urbanística em Feira de Santana. Salvador: 1985. INTERURB,<br />
297<br />
OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />
Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />
p.70.
CAPITULO 3<br />
O futuro do passado<br />
81<br />
A memória é a vida, sempre guardada pelos grupos<br />
vivos em seu nome, ela está em permanente evolução,<br />
aberta a dialética da lembrança e do esquecimento,<br />
inconscientes de suas deformações sucessivas e de<br />
súbitas revitalizações. 298<br />
O trabalho de enquadramento da memória pós-64.<br />
Momentos atrás pontuamos a importância de um mecanismo de busca de<br />
hegemonia articulado pela UDN/ARENA tendo como um de seus grandes alvos como a<br />
competição com a memória da gestão de Francisco Pinto. Esse mecanismo foi o<br />
“trabalho de enquadramento” 299 da memória de uma referência positiva da gestão de<br />
Joselito Amorim e João Durval. A memória também é vitima de tecnologias de poder,<br />
objeto importantíssimo para estabelecimento de qualquer dominação política, pois ela<br />
tem por função a construção e manutenção de identidades, pertencimentos a grupos<br />
sociais e é fundamental apara assentar a bases das identidades nacionais e locais.<br />
A memória é compreendida como a interação dialética entre a lembrança e o<br />
esquecimento e, nesta interação é que mecanismos de enquadramento são constituídos<br />
com finalidades políticas que podem ser identificadas pela análise adequada, como<br />
afirma Pollak:<br />
A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações<br />
do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas<br />
mais ou menos conscientes de definir e reforçar sentimentos de<br />
pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes:<br />
partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações e etc. 300<br />
298<br />
Decca, Edgar de. Memória e Cidadania. IN: O direito da memória: patrimônio histórico e cidadania.<br />
DPH, SP, 1992, p. 130-131<br />
299<br />
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Vol. 02, n. 03, 1989.<br />
300 Idem, p. 08.
Era função de governo garantir um lugar positivo na memória coletiva local<br />
contra aquela alusão de gestão municipal que seria sua maior opositora. Estamos nos<br />
referindo ao governo de Chico Pinto. A sua aproximação com a população através da<br />
criação de meios para gestão participativa gerou expressiva popularidade que já<br />
mencionamos no primeiro capitulo. Essa popularidade seria, possivelmente, um dos<br />
motivos que levaria a ARENA perder a eleição municipal para prefeito em 1976 para o<br />
MDB, que governaria a cidade dai em diante até o ano de 1982.<br />
Francisco Pinto representava o mal a ser combatido e era o principal opositor de<br />
João Durval, sua base aliada ligada aos movimentos sociais na cidade faziam de si uma<br />
liderança popular. É preciso lembrar que o trabalho de enquadramento da memória era<br />
necessário não somente para definição de disputas locais, mas também regionais e<br />
nacionais. O novo regime deveria estabelecer suas referências, e localmente a resolução<br />
deste conflito da memória deveria ser realizada conjuntamente com a base aliada,<br />
apoiadores do golpe, principalmente a velha UDN.<br />
Diversas são as defesas realizadas pelo regime, através dos adesistas locais, do<br />
processo revolucionário de restabelecimento da segurança do país e da cidade contra o<br />
perigo vermelho. São vários os sujeitos que sustentam a versão otimista do golpe e do<br />
novo regime, sujeitos que atuam na esfera do debate público e muitas vezes da<br />
perseguição generalizada daqueles que potencialmente, para eles, seriam inimigos da<br />
nova ordem. Assim notamos alguns colunistas que como Hugo Silva, também vereador,<br />
assumiu para si o papel de defensor da nova ordem. Outros podem ser discriminados<br />
pelo seu importantíssimo papel como Helder Alencar e o colunista social do Folha do<br />
Norte, Emme Portugal. 301 Helder ainda se afirmava comunista até quando o partidão<br />
(PCB) acolhe a decisão de apoiar nas eleições para prefeito em Salvador em 1962,<br />
Osório Vilas Boas ao invés de Virgildásio Sena. 302 O que sabemos é que Helder Foi<br />
responsável por uma coluna anticomunista no Folha do Norte.<br />
O jornal Folha do Norte, o Jornal Situação e o Feira Hoje, eram fornecedores de<br />
quadros e pontos de referências dessa busca de enquadramento de uma memória<br />
positivada do golpe e das gestões pós-golpe da UDN/ARENA.<br />
301 Há algumas especulações midiáticas que diziam que os textos de Emme Portugal eram, na verdade,<br />
escritos peã esposa de João Durval, Yeda Barradas Carneiro. Entrevista com Helder Alencar,<br />
http://www.blogdafeira.com.br/noticia.asp?id=5184 visto em 18 de agosto de 2010.<br />
302 DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />
durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.18. (Tese).<br />
82
Um dos mais vigorosos momentos de enquadramento de memória aconteceu<br />
com o tema do Ginásio Municipal. Já descrevemos como a disputa por educação pública<br />
gerou conflitos entre sujeitos subalternizados organizado na sociedade civil. Apoiado na<br />
gestão de Chico Pinto, grupos sociais disputaram a construção do Ginásio Municipal,<br />
provocando a resistência da parte da oposição udenista no inicio da década de 1960 para<br />
aprovação do projeto. Segundo Ana Maria Fontes<br />
Para fazer silenciar a memória incômoda, elaboram-se e reelaboram-se<br />
estigmas e símbolos de maior efeito persuasivo. A primeira iniciativa para<br />
apagar a gênese do Ginásio Municipal da história da cidade e, ao mesmo<br />
tempo, o projeto político que lhe tornara possível, ocorreu em 1966, com a<br />
ampliação das suas instalações. 303<br />
A proposta de ampliação viria do próprio executivo municipal, porém, a<br />
sugestão de nomeação de Ginásio Municipal Professor Joselito Amorim 304 , partiria do<br />
vereador Godofredo Filho, um edil que encontramos poucas vezes em grandes debates<br />
ou mesmo propondo projetos, mas famoso por suas poesias.<br />
(...) em 1966, é “homenageado” com o nome de um dos políticos enfileirados<br />
no partido político União Democrática Nacional (UDN) que, no momento<br />
imediatamente anterior, assumiram a posição de combatentes contrários<br />
àquelas lutas na preservação de interesses privados, na área da educação, em<br />
beneficio de aliados políticos. 305<br />
Ana Maria chama atenção para o monopólio privado do acesso à educação, neste<br />
caso o dono do ginásio privado era Áureo Filho, também filiado a UDN. Em 1968 ainda<br />
vemos a disputa no trabalho de enquadramento em sua tentativa de efetivação de<br />
resultados, Hélio Barbosa, que no período de 1968 é colunista do Folha do Norte,<br />
espaço repleto de textos em oposição clara os movimentos sociais, publica um escrito<br />
descrevendo a sua versão sobre a fundação do Ginásio Municipal, enaltecendo os<br />
professores e militares e a autoridade na educação. Destacando alguns ambientes físicos<br />
disciplinares da escola, como a sala da repressão, ressalta o colunista que “obedecendo<br />
se aprende mandar”. 306<br />
303 SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />
Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, Feira de Santana, UEFS, 2001, p. 32.<br />
304 Projeto de Resolução n° 66/66. Ata da 1° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana.<br />
12/04/1966.<br />
305 Idem, Ibidem, p.33.<br />
306 Folha do Norte, 17/08/1968.<br />
83
O Ginásio Municipal é apenas um dos temas em que se ocuparam o adesistas do<br />
golpe e do projeto de modernização local. Freqüentemente tiveram oportunidade de<br />
exaltar as realização da gestão de Joselito Amorim, mesmo que tenham se esforçado<br />
menos do que em relação à gestão posterior. O jornal Situação, fundado em 1967 e que<br />
tinha como Superintendente Antônio José Laranjeira, também Diretor de Turismo do<br />
Governo de João Durval, elogiava a gestão de Amorim pronunciando, neste mesmo ano,<br />
que “os trabalhos executados na gestão do Prefeito Joselito Amorim, já é{SIC}<br />
comentado nos altos círculos governamentais do país”. 307 O prefeito recebeu elogios de<br />
outras formas, em discursos de vereadores e etc. O proferido dialogo com a classe<br />
operária e estudantil, estimado pelo Folha do Norte são exemplos de trabalho de<br />
enquadramento de memória. Enquanto o jornal pronunciava este discurso, militantes<br />
eram presos e acusações de subversão eram feitas. Segundo o Pollak:<br />
Esse trabalho de enquadramento da memória tem seus atores<br />
profissionalizados, profissionais da história 308 das diferentes organizações de<br />
que são membros, clubes e células de reflexão. 309<br />
Na cidade conseguimos identificar um representante destes profissionais da<br />
História. Raymundo Pinto, Secretário de Educação do governo de João Durval e<br />
também colunista do Folha do Norte. Em 1971ele publicou um livro intitulado<br />
“Pequena História de Feira de Santana”. Obra que resumidamente trata, principalmente,<br />
da experiência política institucional da cidade na segunda república. Trata-se de uma<br />
análise sintética do autor sobre a gestão de prefeitos e interventores do município até o<br />
ano de lançamento do texto, documento privilegiado para reconhecermos o ambiente<br />
cultural de busca de um consenso sobre a ditadura e a gestão no executivo municipal<br />
entre 1967 e 1971. A estratégia textual é um dialogo realizado entre o autor e uma<br />
personagem, Zé, sobre a História política do município. O texto de fácil entendimento<br />
parecia ser voltado para um público em idade escolar, talvez um livro didático, bastante<br />
apelativo.<br />
Em seus capítulos um chama atenção para nosso estudo, o que analisa a historia<br />
do tempo presente do autor. Raymundo Pinto nos oferece uma reflexão tendenciosa<br />
307<br />
Situação, 02/03/1967.<br />
308<br />
Grifos meus. Desconfiei que talvez o termo fosse História, referindo-se a produtores de textos. Pode<br />
haver um erro de tradução.<br />
309<br />
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Vol. 02, n. 03, 1989.p.<br />
09.<br />
84
sobre a ditadura de 1945 e a “revolução” de 1964. Getúlio Vargas recebe referências<br />
mais incisivas seu papel enquanto ditador que os presidentes militares pós-golpe. 310<br />
O texto é bastante educativo, composto por concepções de honestidade e<br />
referência ao progresso da cidade, esta sempre sendo mencionada em acordo com a<br />
importância que lhe era dada pelos jornais, governos e grupos civis, como na passagem<br />
em que fala sobre o exército, “vale registrar que, também em 1968, o Exercito<br />
Brasileiro, reconhecendo a importância da nossa cidade, instalou aqui um Batalhão de<br />
Infantaria, o 35º BI” 311 , coincidentemente o ano de lançamento do Ato Institucional nº<br />
5, momento de intensificação das perseguições do regime que tem seus efeitos sentidos<br />
na região.<br />
Os capítulos que tratam respectivamente do governo de Chico Pinto e Joselito<br />
Amorim, são bastante breve sem contar muitas realizações dos prefeitos, por outro lado<br />
a gestão do jovem João Durval é muito bem tratada; “Duvido que um velho tivesse feito<br />
mais que ele” 312 . O argumento é sempre usado em forma de comparação, João Durval<br />
era o futuro, todos os outros, mesmo que aliados, pertenciam ao passado da cidade, pois,<br />
a cidade havia crescido de “1960 a 1970” “cerca de 100%” 313 , porém toda essa<br />
explosão de amadurecimento foi concentrada principalmente no governo de João<br />
Durval. O prefeito havia inaugurado o tão procurado Sistema de Abastecimento de<br />
água do Paraguassu, “Uma grande obra que resultou, todavia, dos esforços do Prefeito<br />
anterior e o apoio decisivo do ex-governador Luis Viana”. 314<br />
São várias as realizações de João Durval citadas em capitulo sobre sua gestão,<br />
como a construção de casas populares, a sanção da lei, por parte do governador do<br />
Estado, que criava a <strong>Universidade</strong> de Feira de Santana, a Faculdade de Educação que já<br />
funcionavam os cursos de Letras e Estudos Sociais desde 1968 dentre outras obras. São<br />
bem pontuados como mais importante em sua gestão, o planejamento, a indústria e o<br />
crescimento do comércio. Sobre a penúltima dizia que “Um município pode ser grande<br />
e ter muita terra inaproveitada. Enquanto um bem pequeno, se tiver muitas indústrias,<br />
por exemplo, será varias vezes mais importante” 315 .<br />
310 Ver: PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971,<br />
p.64 e 70. Ver também a introdução da obra.<br />
311 Idem, Ibidem, p. 60.<br />
312 Idem, Ibidem, p.63.<br />
313 Idem, Ibidem, p.98.<br />
314 Idem Ibidem, p. 57.<br />
315 Idem, Ibidem, p.47.<br />
85
Conseguimos concluir nestas análises que havia um critério fundamental para o<br />
enquadramento de uma memória local sobre o golpe e seus governos conseqüentes na<br />
esfera local principalmente, a exaltação da gestão principalmente de João Durval em<br />
oposição critica a de Chico Pinto, tendo como meio o emudecimento de projetos que<br />
eram opositores da UDN/ARENA, assim é que são silenciadas as perseguições, prisões,<br />
torturas e qualquer forma de expressão cultural que os deixassem, os dominantes, em<br />
posição de ameaça. A estratégia discursiva sempre passava pela afirmação do progresso<br />
efetivo que ocorria no município contra o silenciamento de oposições 316 .<br />
O endurecimento do regime: testemunho de acusações e o ataque as<br />
oposições.<br />
Em 1968 há um endurecimento do regime militar/civil no país. 317 Com fim do<br />
governo Castelo Branco e sucessão de Costa e Silva o regime ganha novas orientações<br />
sobre a questão da perseguição política e torturas. É um momento onde vários grupos de<br />
oposição ao regime, optam pela luta armada, tomando para si a tarefa de enfrentar o<br />
sistema com a vida. Neste ínterim é que o regime demonstra também reações mais<br />
duras, que segundo calos Fico não podem ser justificadas como sendo uma contra-<br />
reação à oposição,<br />
Havia, desde o inicio do regime militar, a vontade, por parte dos setores<br />
mencionados da linha dura, de constituição de um aparato global de controle<br />
da sociedade, tanto quanto, aliás, a opção de parte da esquerda pela “luta<br />
armada” antecedeu o próprio golpe de 1964. 318<br />
Concordamos com Fico, o regime endurece sobre a influência de frações que<br />
sendo parte deste conseguem alinhar seu projeto dentro da formalidade legal. A<br />
316 Para ler sobre oposições ao regime e ao governo da UDN/ARENA em Feira de Santana ver: SANTOS,<br />
Claudiana Ferreira. O golpe Civil/Militar de 1964 em Feira de Santana: Visões e Versões de<br />
Militantes., Feira de Santana, 2009. (monografia) & MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da<br />
Memória: Praticas e Representações do Movimento Estudantil em Feira de Santana (1964-1969).<br />
Feira de Santana UEFS, 2001. (monografia)<br />
317 São exemplos: GASPARI, Elio. A Ditadura escancarada. Vol. 2, São Paulo: Companhia das Letras,<br />
2003. & FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio<br />
de Janeiro: Record,2004.<br />
318 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />
Janeiro: Record, 2004, p. 81-82.<br />
86
“Operação Bandeirantes” (OBAN) surge neste momento com a intenção clara de ter<br />
maior autonomia legal em relação às torturas e a perseguição dos ditos opositores. O<br />
documentário “Cidadão Boilesen” 319 conta a história de administrador dinamarquês<br />
naturalizado brasileiro que se torna presidente da empresa “Ultragaz”, e de seu<br />
envolvimento com os militares e a tortura no país.<br />
No vídeo citado, aparece depoimento de ex-militares como do Coronel Erasmo<br />
Dias que confirma a associação entre militares e setores privados empresariais que<br />
arrecadavam recursos financeiros para a manutenção das atividades da OBAN. O vídeo<br />
defende tese da participação de Boilesen como caixeiro, homem que atuavam<br />
diretamente no contato entre militares e empresários para arrecadação de fundos,<br />
chamando a atenção o perfil psicológico de alguém que tinha como prática a visitação a<br />
torturas de acusados de subversão.<br />
O mais importante, é a referência a associação necessária entre militares e civis<br />
para o combate às oposições ao regime. Em Feira de Santana o regime instalado em 64,<br />
volta sua atenção para o potencial de subversão social que a cidade demonstrava ter. O<br />
governo Chico Pinto e seus aliados são as primeiras vitimas da nova política, sendo que<br />
o regime em seu nível nacional e de seus dirigentes máximos (militares), necessitavam<br />
de adesistas que sustentassem o modelo. Assim na criação do modelo CODI-<strong>DO</strong>I<br />
entram as policias Estaduais junto com a estrutura militar do país. Antes mesmo disso<br />
temos a experiência do Serviço Nacional de Informação que contava com elementos da<br />
sociedade civil para seu pleno funcionamento.<br />
Sempre foi necessário, para consolidação da ditadura o esforço civil para gerir o<br />
regime. A deposição de Chico Pinto e sua base aliada na cidade, estão intimamente<br />
ligadas à solicitação da Câmara de Vereadores e a influência do exército. Nessa<br />
conjuntura, Hugo Navarro desenvolveu papel impar quando recomenda a deposição do<br />
prefeito articulado a justificativa de perigo a ordem nacional e local, diga-se perigo a<br />
manutenção da ordem capitalista, eles foram acusados de comunismo, que em tese é a<br />
superação do sistema capitalista.<br />
Durante todo o regime militar a cidade é tida como suspeita devido a sua<br />
herança perturbadora que tem continuidade com sujeitos que passam a ocupar papéis<br />
importantes em movimentos de vanguarda armada. “Tratando-se de VAR-Palmares, as<br />
bases desta no interior espalhavam-se pelas cidades de Cruz das Almas, Feira de<br />
319 Cidadão Boilesen (Brasil/ 2009, 92 min.) - Documentário. Direção de Chaim Litewski.<br />
87
Santana, Vitória da Conquista...” 320 , também são encontradas na cidade membros do<br />
MR-8, como Luis Antônio santa Bárbara morto em 1871 quando encorpava as forças<br />
guerrilheiras do Capitão Carlos Lamarca, “A cidade de Feira de Santana foi a principal<br />
base do MR-8, além da capital baiana”. 321<br />
O município de Feira está cheio de exemplos que solidificam as suspeitas<br />
militares, mas nos interessa neste momento o apoio recebido por estes para o ataque às<br />
oposições. Apoio que gera uma relação de troca muito clara para nós, a delação de<br />
suspeitos e sua posterior perseguição, prisão e/ou tortura, tinha como resultado local a<br />
diminuição das atividades contrárias a gestão e, ao mesmo tempo, a criação de uma<br />
relação de proximidade entre militares e civis na cidade que não podemos neste<br />
momento avaliar.<br />
No ano de 1968 começam a ser realizadas agitações políticas por parte de<br />
estudantes no município que coincidem com o assassinato do estudante Edson Luis.<br />
Além da denúncia, são incorporados outros pontos pautados por alunos do Colégio<br />
Estadual. No dia 24 de julho os estudantes haviam parado para reivindicar “laboratório<br />
para aulas práticas de Física, Química e Biologia, atualização salarial de tarefeiros e<br />
alguns professores e ainda substituição de professôres que apontavam como<br />
incapazes”. 322 A testemunha era a diretora da escola que delatava que esse tipo de<br />
atividade acontecia desde 1964 quando esta ainda não ocupava o cargo referido, e que<br />
inclusive no ano de 1969 realizaram uma assembléia geral dirigida por um professor de<br />
Biologia, a qual foi convidada a participar, porém ela provocou a sua dissolução. 323<br />
Dentre os nomes que podemos citar nas acusações de subversão aparecem o do vereador<br />
pelo MDB, Luciano Ribeiro, e o do estudante Luis Antonio santa Bárbara. Um fato<br />
chama atenção para compor nosso argumento principal desta dissertação, a ligação da<br />
ex-diretora do colégio estadual com a gestão da ARENA na cidade. Ela já havia<br />
ocupado o cargo de vereadora em 1966, quando assumiu em suplência de Hugo Navarro<br />
320 SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Silva. Bandeira vermelha: aspectos da resistência armada na<br />
Bahia. IN: ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares,<br />
Novos Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 137.<br />
321 Idem, Ibidem, p.143.<br />
322 Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM. Feira de Santana –<br />
Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -<br />
IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />
323 Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM. Feira de Santana –<br />
Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -<br />
IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />
88
que solicitou sua exoneração par ocupar outro cargo público. Foi a primeira vereadora<br />
do município. Pertencente à ARENA, desenvolve durante o governo João Durval o<br />
papel de testemunha e delatora de atividades subversivas praticadas pela oposição.<br />
Situação interessante ocorreu quando ela foi interrogada sobre a ligação de Luciano<br />
Ribeiro com o ex-prefeito Francisco Pinto, se este era porta voz dele, ela “respondeu<br />
que não pode afirmar, mas sabe que existe ligação entre ambos, por ser o ex-prefeito<br />
deposto, presidente do (partido)”. 324<br />
O caso de processo mais emblemático para nossa pesquisa foi o de Luciano<br />
Ribeiro, que à época era vereador e estudante. Na posse de João Durval, Ribeiro realiza<br />
um discurso que foi considerado subversivo. Segundo o relato da condenação final<br />
deste, ele ainda,<br />
deixou as suas obrigações de Edil para, utilizando sua experiência política e a<br />
sua condição de estudante da Faculdade Estadual de Educação, incitar a<br />
SUBVERSÃO <strong>DA</strong> ORDEM PILITICA, no meio estudantil. 325<br />
O discurso na posse de João Durval foi encontrado nos autos do processo como<br />
prova de suas atividades. Neste discurso Luciano reconhece a entrada democrática de<br />
João Durval no executivo, “eleito pelo voto direto do povo deste município” 326 , porém,<br />
ressalva que isso não queria dizer que ocupava uma função “en nome da maioria” 327 ,<br />
pois a maioria se quer votava na cidade e no país. Muitos tinham essa atitude de não o<br />
fazer assim para demonstrar sua indiferença ou mesmo discordância com o regime e<br />
mais aqueles que não votavam pela imposição do regime de “exceção” segundo o<br />
mesmo.<br />
Luciano demarcava seu lugar de oposição em relação à nova gestão e seu<br />
antecessor, disse que sua eleição para vereador, diferente da ARENA,<br />
324 Aqui o documento fica ilegível, mas supomos que o termo seguinte seria MDB, que era presidido por<br />
ele naquele momento. Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM.<br />
Feira de Santana – Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e<br />
Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />
325 AUDITORIA <strong>DA</strong> 6º REGIÃO MILITAR. EXÉRCITO, MARINHA E AERONAUTICA.<br />
PROCURA<strong>DO</strong>RIA MILITAR, Fl. 5, Salvado, 03 de novembro de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth,<br />
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH. Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-<br />
BNM – UNICAMP.<br />
326 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo numero 307-BNM – UNICAMP, p.01.<br />
327 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo numero 307-BNM – UNICAMP,p. 01. Em 1968 Luciano afirmou que a eleição foi fraudulenta.<br />
Ver: Ata da 8° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Vereadores. 09/05/1968.<br />
89
serviu para assinalar e representar a vontade abafada dos brasileiros deste<br />
município, tolhida já por fôrça do regime em que vivemos agravada com o<br />
movimento político militar, de abril de 1964. A nossa eleição foi um protesto<br />
contra aqueles que distorceram de tal maneira as coisas, que ser patriota e<br />
defender honestamente os interêsses do país, passou a ser crime. A nossa<br />
eleição foi um protesto contra aqueles que prenderam os estudantes porque<br />
estudavam o nosso país, e prenderam os professores porque ensinavam a mar<br />
o Brasil. 328<br />
Dando continuidade a critica ao regime, o Edil é mais enfático e diz que,<br />
Substituiu-se o amor entre homens de uma mesma Pátria pela delação.<br />
Substitui-se as cátedras pelos tribunais militares. Substitui-se a nossa<br />
tentativa para tornarmoo um país soberano pela subserviência total a grupos<br />
estrangeiros que traçam nossa política econômica a sua maneira. 329<br />
O tom se torna cada vez mais agressivo contra o regime. Luciano reconhece que<br />
fora derrotado, porém compreende que é uma fase histórica a ser superada, que todos os<br />
regimes ditatoriais são assim e que o povo já entende desta forma. A luta era desonesta,<br />
porque “Os detentores do poder, tomado à base de tanques de guerra e fuzil,<br />
procuravam destruir de toda a maneira nosso diálogo com o povo". 330 Continua falando<br />
sobre o Brasil ter sido transformado em quartel militar e informa ao prefeito que<br />
contribuirão (MDB) para seu governo em tudo aquilo que seja de interesse do povo,<br />
com honestidade, porém “Não seremos “bons” e “prudente” nos têrmos que a nós se<br />
referiram”, “Pois ser bonzinhos é concordar em fazer conchavos com as classe<br />
dominantes contra o povo, se ser bonzinhos é concordar com o regime de exceção que<br />
aí ainda está. É renunciar a luta pela liberdade econômica e política do nosso país,<br />
confessamos que não seremos”. 331<br />
O discurso de Luciano Ribeiro chamou atenção, e foi aí que começou a<br />
perseguição deste que, como consequência foi indiciado pelo ato de incitação a<br />
subversão na câmara e outras acusações. Testemunhou contra Luciano um funcionário<br />
328 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo número 307-BNM – UNICAMP, p.01.<br />
329 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo número 307-BNM – UNICAMP, p.02. Obs.: Todos os termos citados não foram alterados.<br />
330 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo número 307-BNM – UNICAMP, p.02.<br />
331 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />
processo número 307-BNM – UNICAMP, p.03.<br />
90
da Câmara Municipal de Feira de Santana que, quando perguntado se exercia naquele<br />
ou em outro momento atividades políticas, e respondeu que participou de um comitê<br />
estudantil em 1962, pró-candidatura de João Durval Carneiro, sendo que se afastou<br />
deste tipo de atividade quando em 1963 assumiu o cargo municipal, continuando até o<br />
ano de 1969 participando como militante de atividades políticas estudantis. 332 Foi<br />
ouvido ainda o Oficial de Gabinete do Prefeito de Feira de Santana, que não esteve<br />
presente na sessão da câmara, mas disse “que tais discursos segundo os comentários<br />
ouvidos tinham caráter subversivo” 333 . Em entrevista, Luciano Ribeiro afirmou que na<br />
passagem da ditadura, ele seus companheiros queriam “lutar contra o exército e contra<br />
todos com uma maquina de escrever e um mimeografo”, 334 continua dizendo que estes<br />
não usavam armas, a opção de seu grupo não era pela luta armada.<br />
O mais importante destes processos é que podemos identificar oposições ao<br />
governo e resistência ao regime, perseguições antidemocráticas e sujeitos que prestam<br />
testemunhos ligados diretamente ao governo de João Durval e a ARENA. Mas algo<br />
mais chamou nossa atenção no discurso de Luciano Ribeiro. Foi o trato dado à<br />
modernização da cidade, a necessidade de infra-estrutura para preparar o município para<br />
a industrialização, o elogio às organizações privadas de frações de classe como a do<br />
comércio e indústria, tudo isso media para nós como mesmo aquele que traz à tona a<br />
alocução mais radical de oposição ao governo de João Durval, não divirja de seu<br />
principal empreendimento enquanto gestor público, e ressalta que trabalhará para esta<br />
modernização da cidade, é neste momento onde o tom do discurso se torna mais ameno.<br />
Mais do que isso, identificamos nessa base do governo que testemunha e<br />
denunciam atos subversivos, os indícios de ligações entre civis e militares em Feira, a<br />
condenação destes sujeitos, eliminam as oposições mais emergente em prol de um<br />
projeto que se quer hegemônico e só pode ser efetivado em consonância com os<br />
gestores maiores do país. 335<br />
332<br />
30º SESSÃO <strong>DO</strong> CONSELHO PERMANETE DE JUSTIÇA PARA EXÉRCITO REFERENTE AO<br />
2º TRIMESTRE <strong>DO</strong> ANO DE 1970. PROCESSO Nº 22/69. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de<br />
Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM –<br />
UNICAMP, p.V.<br />
333<br />
Inquirição de Testemunhas. 24 de abril de 1970. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e<br />
Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM – UNICAMP.<br />
334<br />
Depoimento de Luciano Ribeiro, colhido em 22/11/1995. Disponível no CE<strong>DO</strong>C, UEFS. Classificado<br />
44.<br />
335<br />
Há uma lista bem maior de acusados de subversão, decidimos aqui preservá-la neste momento.<br />
Também decidimos não citar nomes em consonância com as orientações legais sobre uso de processos<br />
crimes e também optamos por não usar as iniciais de testemunhas de acusação. Alguns nomes que<br />
aparecem sendo acusados são em razão de já ser público o conhecimento do caso e seus nomes.<br />
91
A sociedade civil e o projeto de modernização da cidade.<br />
92<br />
Ora, se na concepção do curso da história separarmos<br />
as idéias da classe dominante da própria classe<br />
dominante e as tronarmos autônimas, se permanecermos<br />
no plano da afirmação de que numa época dominaram<br />
estas ou aquelas, sem nos preocuparmos com as<br />
condições da produção nem com os produtores dessas<br />
idéias, se portanto, desconsiderarmos os indivíduos e as<br />
condições mundiais que se constituem o fundamento<br />
dessas idéias, então poderemos dizer, por exemplo, que<br />
durante o tempo em que aristocracia dominou<br />
dominaram os conceito de honra, fidelidade e etc.,<br />
enquanto durante o domínio da burguesia dominaram os<br />
conceitos de liberdade, igualdade e etc. 336<br />
Para Antonio Gramsci, a sociedade civil e seu desenvolvimento na sociedade<br />
ocidental tiveram como conseqüência histórica uma reformulação do Estado em seu<br />
sentido puramente coercitivo. A sociedade civil comporta organizações que difundem<br />
pensamentos, ideologias, nela encontramos grupos, frações de classe, organizados para<br />
disputar idéias, avançar em posições no que tange a perspectivas de incorporação no<br />
conjunto do Estado moderno ocidental (sociedade civil e política) lutas por sua direção<br />
política, intelectual e moral através do consenso. Marx diz;<br />
A sociedade civil abarca o conjunto do intercambio dos indivíduos no interior<br />
de um estagio determinado das forças produtivas. Ela abarca o conjunto da<br />
vida comercial e industrial de um estagio e, nessa medida, ultrapassa o<br />
Estado e a nação, apesar de, por outro lado, ela ter de se afirmar ante o<br />
exterior como nacionalidade e se articula no interior como Estado. 337<br />
O Estado em seu sentido puro é revertido de coerção, dirigido pela classe<br />
dominante, é onde esta tem os mecanismos reunidos para monopolizar a repressão e<br />
violência, este Estado é controlado por um sistema burocrático. Para alguns 338 , este é<br />
manifestação do poder político que acaba a guerra, porém,<br />
336<br />
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.p. 48.<br />
337<br />
Idem, Ibidem, p. 74.<br />
338<br />
Ver: HOBBES DE MALMESBURY, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado<br />
eclesiástico e civil. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. & ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato<br />
social: princípios de direito político. 18. ed Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
(...) se é verdade que o poder político acaba a guerra, tenta impor a paz na<br />
sociedade civil, não é para suspender os feitos da guerra ou neutralizar os<br />
desequilíbrios que se manifestaram na batalha final, mas para reinscrever<br />
perpetuamente estas relações de força, através de uma espécie de guerra<br />
silenciosa, nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e<br />
até no corpo dos indivíduos. A política é a sanção e a reprodução do<br />
desequilíbrio das forças manifestadas na guerra. Em segundo lugar, quer<br />
dizer que, no interior desta “paz civil”, as lutas políticas, os confrontos a<br />
respeito do poder e pelo poder, as modificações das relações de força em um<br />
sistema político, tudo isto deve ser interpretado apenas como continuações da<br />
guerra, como episódios, fragmentos, deslocamentos da própria guerra. 339<br />
O Estado é no capitalismo um instrumento segundo Marx;<br />
é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus<br />
interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época,<br />
segue-se que todas as instituições coletivas são mediadas pelo Estado,<br />
adquirem por meio dele uma forma política. 340<br />
Já situamos, em outro momento do texto, o surgimento de grupos que tinham por<br />
objetivo a promoção da industrialização da cidade. O mais importante foi o CIFS, grupo<br />
que melhor expressou seu desejo de forma organizada e consequentemente obteve<br />
maior influência sobre o preparo de um projeto de industrialização local. A<br />
possibilidade deste projeto de industrialização deveria ser consensuado na sociedade<br />
civil e política e esteve diretamente ligado às oportunidades e interesses encontrados em<br />
órgão regionais e nacionais para interiorização da indústria.<br />
A Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste (FUNDINOR) foi<br />
um órgão prioritário para a construção do projeto. Na presidência de Ulisses Barbosa<br />
(1967-1968) que já havia sido representante do órgão na Bahia, começa a cruzada pela<br />
industrialização do interior. Isto permitiu o encontro dos interesses do CIFS com a<br />
FUNDINOR, ampliando as relações institucionais e mais, a conjunção de uma fração de<br />
classe em formação na cidade, com frações que tinham um movimento em escala<br />
nacional. 341 A FUNDINOR tinha o predomínio de grupos do Centro-Sul do país e<br />
339<br />
FOUCAULT, Michel; MACHA<strong>DO</strong>, Roberto, Org. Microfisica do poder. 21. ed. Rio de Janeiro:<br />
Graal, 2005, 176.<br />
340<br />
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.p. 76.<br />
341<br />
Os escritos que aqui serão expostos neste tópico, estão baseados principalmente nos textos de:<br />
MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009. (Dissertação) &<br />
SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />
industrialização. UFBA, 2002. (Dissertação)<br />
93
uscava através de caravanas para mobilização de frações da classe dominante local, a<br />
adesão de grupos para expansão econômica das regiões ligando-se aos interesses do<br />
Centro-Sul, sendo que a primeira caravana do interior da Bahia visitou Feira de Santana,<br />
convocando de lideranças de grupos como o Lyons Club, o Rotary Club, Associação<br />
Comercial entre outros. 342<br />
Foi criado na cidade o primeiro comitê baiano para fomento da indústria, a<br />
Promotora de Desenvolvimento Econômico de Feira de Santana (PRODEFESA),<br />
transformando, segundo Monteiro, a antiga reivindicação de um “bairro industrial” em<br />
um projeto que visava “dirigir os rumos do conjunto da cidade” ampliando o “raio de<br />
ação do CIFS” 343 . O argumento local para a implantação da industrialização baseava-se<br />
no risco de perda do ritmo de progresso que poderia ser ocasionada pelo isolamento,<br />
pois segundo o CIFS e a FUNDINOR, as benesses da localização de entroncamento<br />
rodoviário eram instáveis, a cidade precisava consolidar uma capitalização dos<br />
empreendimentos aproveitando as políticas de financiamentos e incentivos fiscais. Mas<br />
havia mais que isso, a idéia era promover o crescimento do empresariado local, e as<br />
possibilidades externas colocadas pelos grupos do nordeste da Bahia, coadunados pelo<br />
antigo projeto da SUDENE, alavancavam as frações locais. Em 1967 veio a calhar o I<br />
Encontro de Comitês de Fomento Industrial da Bahia em Vitória da Conquista 344<br />
objetivando a formulação de um modelo político de desenvolvimento industrial para o<br />
Estado, combinando as iniciativas privadas com a do setor público, integrando os<br />
esforços da SUDENE, governo estadual e Federação das Indústrias da Bahia. 345<br />
A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi crida com<br />
intuito de diminuir as diferenças econômicas regionais entre o Centro-Sul do país e o<br />
nordeste. O órgão compreendia que os poderes dos latifundiários da região<br />
prejudicavam o desenvolvimento e a modernização do Nordeste. Sob orientação de<br />
Celso Furtado como Secretário Executivo, e com a autonomia que lhe fora concedida<br />
enquanto autarquia, este desenvolveu as estratégias de atuação da Superintendência,<br />
342 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 62-64. (Dissertação)<br />
343 Idem, Ibidem, p.64.<br />
344 Já havia ocorrido no ano de 1965 um encontro para empresários do Centro-Sul do país para debater a<br />
importância da iniciativa privada no desenvolvimento do nordeste. SANTOS, Alane Carvalho. Feira de<br />
Santana nos tempos da modernidade: o sonho da industrialização. UFBA, 2002, p. 47.<br />
345 Idem, Ibidem, p. 67.<br />
94
sendo modificada com a ditadura a partir de 64. A SUDENE foi uma iniciativa<br />
influenciada pelas teses Cepalinas 346 sendo que<br />
A industrialização preconizada pela CEPAL, enquanto estratégia de<br />
desenvolvimento, absorveria o excedente de mão-de-obra não empregado nas<br />
atividades primárias e seria responsável principalmente em substituir<br />
inúmeros produtos da pauta de importações. Essa “substituição de<br />
importações” não deveria se restringir apenas aos artigos de consumo, mas se<br />
estender até à produção de máquinas e equipamentos (bens de capital). Dessa<br />
forma, o desenvolvimento local (tão almejado) seria internalizado sem estar<br />
sujeito a determinações das economias externas de outros países. 347<br />
No mesmo ano de 1967, Luis Viana havia lançado o Programa de<br />
Industrialização do Interior (PROINTER), e a cidade recebia o seu I Encontro para o<br />
Desenvolvimento de Feira de Santana patrocinado pelo poder público, CIFS, ACFS<br />
entre outros. 348<br />
A cogitação da industrialização do interior prevista desde 1966 seria realizada<br />
com capitais diversos, internacional, estatal e nacional, pois com isso havia a<br />
possibilidade de completar o parque industrial da capital subsidiando-o, e aliviar a s<br />
tensões sociais 349 . Crescer e conter se juntava com interesses locais que ganhavam<br />
caráter organizado, no conjunto do Estado ampliado, ARENA no executivo e na câmara<br />
e os agrupamentos na sociedade civil.<br />
A importância da leitura destas movimentações na sociedade civil nos ajuda a<br />
fircarmos cada vez mais mais próximos de uma explicação convincente dos motivos que<br />
levaram à consolidação de um projeto de modernização da cidade. Os grupos, frações<br />
de classe, surgidos em Feira que se moveram na busca do consentimento com esse<br />
projeto, sabiam de suas limitações estratégicas 350 . Foi necessário incorporar ao plano,<br />
objetivos que favorecessem outras frações da sociedade, comerciantes, setor agrário e<br />
mesmo trabalhadores deveriam ter certas benesses. O CIFS disputa constantemente a<br />
sociedade civil e pressiona a política para definir as bases para industrialização, para<br />
captação de recurso e planejamentos necessários para consolidação desta. Os jornais<br />
346<br />
A Comissão Econômica para o Planejamento da América Latina (CEPAL) foi criada em 1949,<br />
abrigando intelectuais como Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. Esta produzia análise sobre o<br />
desenvolvimento capitalista da América Latina a partir da concepção de desenvolvimento desigual e<br />
combinado e propunha soluções para questões econômicas do continente.<br />
347<br />
SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />
industrialização. UFBA, 2002, p. 21.<br />
348<br />
Idem, Ibidem, p. 68.<br />
349<br />
Idem, Ibidem, p. 53.<br />
350<br />
Quando é fundado a AIFS, a Câmara de Vereadores passa receber seus boletins. Ver Atas da Câmara<br />
Municipal de Vereadores. 1965.<br />
95
locais demonstram a busca continua do convencimento projeto e em 1967, Manoel<br />
Falcão assume o cargo de vereador, posição estratégica para a disputa que mostra a<br />
ascensão de um representante direto da industrialização atuando agora na sociedade<br />
política. Em 1968 na inaugruração do Centro de Educação Profissional do SENAI, que<br />
fo inaugurado por João Durval, Manoel e Ulisses Barbosa Filho, presidente da FIEB e o<br />
governardor Luis Vinana, Ulisses disse ser uma “apenas uma inauguração de centro<br />
profissional”. Parte de um programa entusiasta para a Bahia em que pesava o papel de<br />
Manoel como preponderante pelo seu “dinamismo” na presidência da<br />
PRODEFESA. 351 Depois de articulados os representantes na sociedade civil deste<br />
projeto, era o momento de institucionalizar as pretensões na forma política, escolhia-se<br />
o porta-vozes do projeto e definia-se o mecanismos necessários para efetivação deste.<br />
Era o período da vontade coletiva nascida das frações classe atingir um caráter mais<br />
amplo na sociedade política.<br />
A Associação Comercial de Feira de Santana.<br />
O comércio de Feira de Santana desde seus primórdios foi fator preponderante<br />
para seu crescimento político, econômico e social, o dito “progresso” da cidade sempre<br />
esteve associado à expansão das relações comerciais estabelecidas principalmente no<br />
centro urbano do município. 352 No período estudado ainda havia o predomínio das<br />
atividades comerciais como as que mais cresciam, no PDLI elas apareciam com<br />
crescimento acima de 100% no período entre 1950 e 1960. Segundo Guilherme Lopes,<br />
os comerciantes sempre associaram o “desenvolvimento do comércio ao progresso da<br />
cidade, fortalecendo assim a sua posição dominante”. 353<br />
A ACFS surgiu em 1945 um momento quando<br />
351 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 71.<br />
352 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />
olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />
(Tese de Doutorado), OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana. De Empório á Princesa do Sertão:<br />
utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). (Dissertação), PACHECO, Larissa Penelu.<br />
Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de Santana: 2009. Dissertação<br />
(Dissertação), SILVA, Aldo Jose Morais. Natureza sã, civilidade e comercio em Feira de Santana:<br />
elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). Salvador,<br />
BA, 2000. (Dissertação), ANDRADE, Celeste Maria Pacheco. Origens do povoamento de Feira de<br />
Santana um estudo de historia colonial. 1990. (Dissertação).<br />
353 LOPES, Guilherme Augusto Almeida Santos. A Permanência de uma hegemonia: comerciários e<br />
comerciantes varejistas em Feira de Santana entre 1970 e 1992. Feira de Santana: UEFS, 2006.<br />
(mimeo)<br />
96
Os comerciantes feirenses estavam atentos às mudanças em curso e<br />
preocupados em caminhar “pari passu” com era das transformações,<br />
decidiram se organizar enquanto classes produtoras visando contribuir para o<br />
progresso da cidade e o desenvolvimento do comércio através da defesa dos<br />
seus interesses mediante a criação de uma entidade de classe. 354<br />
A autora se refere ao processo de crescimento da produção e consumo de bens<br />
domésticos, aparelhos elétricos, artigos têxteis, enlatados e etc, que são importados epra<br />
venda em Feira. O nascimento da ACFS nasce com a participação de personagens como<br />
Arnold Silva e João Marinho Falcão, articula interesses particulares dos comerciantes e<br />
projeta comerciantes para a disputa em torno de projetos políticos. Em 1970-71, ganha o<br />
titulo de Utilidade Publica Municipal. 355<br />
Foi possível compreender durante a pesquisa a participação direta da ACFS nos<br />
rumos políticos da cidade, interferindo em decisões través de formulações de<br />
proposições e pressão no executivo e legislativo, com representantes do setor que<br />
ocupavam cargos eleitorais e mesmo o envio de sugestões à câmara. Protegendo seus<br />
objetivos de; “defender, orientar, coligar e instruir as classes” em parceria com outros<br />
órgãos “representativos de classe” da Bahia e do país”, “indicando aos poderes<br />
competentes soluções práticas” para problemas de quaisquer assuntos relacionados aos<br />
seus interesses de classes “tendo em vista o bem coletivo” 356 , a Associação realizou<br />
cursos, palestras, seminários, encaminhamentos e solicitações aos poderes locais,<br />
federais e estaduais e estabeleceu parcerias com diversas entidades “em especial a<br />
Associação Comercial da Bahia” 357 e também participou de vários conselhos da cidade.<br />
No governo de João Durval foi coadjuvante da solicitação ao Estado para<br />
constituição do sistema de abastecimento de água para o município. 358 Interferiu<br />
diretamente na contenda pela pavimentação de rodovias, como na participação de<br />
mobilizações em Santo Amaro para asfaltamento da ligação de Feira com esta cidade.<br />
354<br />
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos (Org.). HISTÓRIA E MEÓRIA <strong>DA</strong> ASSOCIAÇÃO<br />
COMERCIAL DE FEIRA DE SANTANA 1945-2005. Feira de Santana, 2005, p.13. (mimeo) Com e<br />
reforma da sala do arquivo da Associação Comercial de Feira de Santana para posterior organização de<br />
seu acervo, não tivemos acesso aos arquivos, porém nos foi cedida uma cópia do livro citado acima que<br />
foi fundamental para pensarmos a relação desta com a cidade.<br />
355<br />
Idem, Ibidem.<br />
356<br />
Idem, Ibidem, p. 42.<br />
357<br />
Idem, Ibidem, p. 42. A associação Comercial da Bahia foi segundo Dias, um canal de propagação do<br />
anticomunismo no Estado. Ver: DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos<br />
espaços políticos na Bahia durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.44. (Tese).<br />
358<br />
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos (Org.). HISTÓRIA E MEÓRIA <strong>DA</strong> ASSOCIAÇÃO<br />
COMERCIAL DE FEIRA DE SANTANA 1945-2005. Feira de Santana, 2005, p.47. (mimeo)<br />
97
A Associação Comercial desenvolveu papel importantíssimo para organização<br />
do projeto de modernização da cidade. Desde seu nascimento ela defendeu a idéia de<br />
progresso da cidade e de sua modernização através da reorganização do espaço urbano,<br />
melhores investimentos em reurbanização, controle do trânsito no centro da cidade e<br />
outros temas de interesses direto. Mesmo antes da criação de órgão de defesa da<br />
industrialização, esta já debatia a modernização da cidade e falava em industrializar o<br />
município. Chegou a tentar a fusão entre ela e o CIFS, aprovada 359 em 1968 pelos<br />
comerciantes, o que pode ser compreendida pela defesa dos próprios comerciantes da<br />
possibilidade e estabilidade econômica por meio da indústria, diferente da de<br />
localização enquanto entroncamento 360 . Foi pensada também a união com o Sindicato<br />
Rural. A ACFS acompanhou debates importantes na Câmara e sempre participou de<br />
reuniões do CIFS. Sua direção foi lugar comum de passagem de vários políticos antes,<br />
durante, ou mesmo depois da chegada a cargos eletivos ou por comissão. Entre 1961 e<br />
1971, ocupou cargos na ACFS, Áureo Filho (Junta Deliberativa entre 1961e 1963),<br />
importante para constituição do projeto de modernização da cidade com deputado e<br />
líder da Assembléia Legislativa do Estado no período de Lomanto Junior (1963-1967),<br />
quando tinha como “bandeira a educação” 361 . Foi um dos fundadores da <strong>Universidade</strong><br />
Estadual de Feira de Santana, segundo João Durval, que se posiciona como admirador<br />
seu 362 . Em 1963, Áureo<br />
procurou reviver com o Projeto de Lei por ele apresentado, a Lei 1802, de 25<br />
de outubro de 1962, que criava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras<br />
em Feira de Santana, Ilhéus, Jequié, Caitité e Vitória da Conquista” 363<br />
tendo como promessa do governador à composição de uma comissão para encaminhar o<br />
assunto, o que não vingou. Ele conseguiria resultados definitivos em seu empenho e<br />
com apoio do governador Luis Viana com a Lei 27884/. Além do desempenho para a<br />
fundação de uma <strong>Universidade</strong>, Áureo, também teve papel na busca da “regularização<br />
da energia para a cidade” 364 e foi um dos fundadores do Rotary Club de Feira onde<br />
também ocupou o cargo de presidente. As ligações da ACFS com o projeto de<br />
359 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 75.<br />
360 Idem, Ibidem.<br />
361 JUNIOR, Lomanto. Áureo, o Líder. In: AMORIN, Joselito Falcão (Org.). Áureo de Oliveira Filho<br />
(1902-1976). Feira de Santana, 2002, p. 17.<br />
362 Idem, Ibidem, p. 69.<br />
363 Idem, Ibidem, p. 35.<br />
364 Idem, Ibidem, p. 144.<br />
98
modernização da cidade ficam mais compreensíveis quando identificamos seus<br />
interesses compondo o texto do PDLI, o Código de Posturas Municipal e o projeto<br />
Cabana.<br />
Já foi citado o estudo do caso da transferência da feira do centro da cidade. As<br />
mudanças do PDLI tinham por meta principal modificações na “produção econômica”<br />
365 do município. É muito objetivo no que refere à pretensão maior de integração<br />
econômica dos setores produtivos; comercial, agrário e pecuário e industrial, diz;<br />
(...) as perspectivas regionais de crescimento econômico e das relações destas<br />
com a cidade sejam coerentes e se compatibilizem entre si, e, segundo,<br />
promover o aumento da renda urbana, através do crescimento das atividades<br />
econômicas e de ocupação para mão de obra... 366<br />
O texto defende que esta seria a solução para o combate à desocupação, desemprego<br />
crescente que também preocupava a gestão. Os interesses do comércio aparecem<br />
expressos nas formulações principalmente do projeto Cabana e a mudança da feira e nos<br />
ajustes realizados pelo novo código de posturas que tinham suas orientações formuladas<br />
no PDLI. O Código de posturas tentava organizar os aspectos da produção de alimentos,<br />
gado, comércio no centro da cidade, divertimentos públicos e etc. Chamou-nos a<br />
atenção que o centro é o principal alvo das orientações juntamente com o perímetro<br />
urbano são os focos das reorganizações orientadas pelo código: proibições de circulação<br />
de animais e criação deste na cidade, andar de patins em logradouros não destinados a<br />
tal fim, manutenção da ordem social nos bares por responsabilidade de seus<br />
proprietários, trajes adequados em cinemas e teatros e etc. 367<br />
A atenção dedicada aos impedimentos do Código, atingiam diretamente as<br />
populações pobres vindas da zona rural em favor da concorrência de grandes<br />
comerciantes que, por meio desse código e dos projetos, tornavam seus desejos práticas<br />
políticas do governo municipal. A proibição de buzinas, alto falantes, impedia o uso<br />
costumeiro destes que as usavam para chamar atenção para seus produtos. A decretação<br />
de ilegalidade da produção de hortaliças nos quintais no perímetro urbano jogava a<br />
margem trabalhadores que viviam pela venda desses produtos nas feiras.<br />
365 PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009, p<br />
121. (Dissertação).<br />
366 PDLI. Prefeitura Municipal de Feira de Santana, 1969.<br />
367 Código de Posturas. Feira de Santana, 1967.<br />
99
O projeto Cabana nitidamente estava vinculado aos grupos comerciais<br />
dominantes, estava contido nele o plano de construção de grande galpões para<br />
comercialização de produtos da feira no centro de abastecimento. Estes galpões seriam<br />
especializados, “baseado agora na distribuição em grande porte dos produtos<br />
alimentícios” 368 o que mudava as orientações do governo de Chico Pinto e sua relação<br />
com o mercado de alimentos e sua priorização dos grupos mais pobres, mesmo que<br />
existisse no projeto espaços para pequenos produtores. Como já dito, sua pretensão<br />
maior eram as mudanças da feira para limpeza do centro em favor dos grandes<br />
comerciantes do atacado e varejo.<br />
Vimos no conjunto da pesquisa a influência da ACFS no município<br />
transformando suas vontades em desejos comuns através da imprensa eventos, da<br />
eleição de emissários, cartas, ofícios e etc. Sua influência certamente se prolongou na<br />
sociedade política pelo seu poder eletivo e o arranjo da UDN/ARENA por vários de<br />
seus componentes. Importante afirmar que na participação de órgãos de classe na<br />
construção do projeto de modernização da cidade não foi encontrado nenhum órgão que<br />
representasse os trabalhadores, com a exceção do Sindicato Rural que também<br />
representava trabalhadores, segundo os jornais locais.<br />
Um Príncipe moderno feirense<br />
100<br />
Tarefa educativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar<br />
novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a<br />
“civilização” e a moralidade das mais amplas massas<br />
populares às necessidades do continuo desenvolvimento<br />
do aparelho econômico de produção e, portanto, de<br />
elaborar também fisicamente tipos novos de<br />
humanidade. 369<br />
Neste texto analisamos a UDN e a ARENA em Feira de Santana atentando para<br />
sua característica de partido organizador de um discurso do progresso e modernização<br />
da cidade no recorte entre 1954 a 1971. O discurso da modernização da cidade ganha<br />
368 PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009, p<br />
129. (Dissertação).<br />
369 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de janeiro,<br />
2000, Vol.3 p. 23.
força quando transformado em projeto/plano de modernização local empreendido no<br />
governo João Durval Carneiro (1967-1971) na prefeitura. Este agrupamento se torna<br />
representante e porta voz de um projeto de busca por dominação política, direção<br />
intelectual e moral da sociedade local, portanto, um príncipe moderno na cidade.<br />
A bibliografia mais recente sobre a ARENA 370 , traz novas possibilidades<br />
interpretativas sobre o partido, dando-nos novos referenciais para a pesquisa. A grande<br />
questão elaborada por Lúcia Grimberg se refere à interpretação sobre a ARENA ser<br />
apenas um bode expiatório para a ditadura ou se essa se conformou enquanto partido<br />
político.<br />
A fundação da ARENA surgiu pela necessidade do regime manter um sistema<br />
institucional que garantisse a sua sobrevivência. Era sabido dos militares no poder que<br />
não bastava a força e o jugo das forças armadas para sustentação de um regime,<br />
principalmente um em que o processo de surgimento foi pela tomada do Estado em<br />
nome da defesa da democracia. O regime precisava de sustentação, a transição de<br />
Castelo para Costa e Silva deveria ocorrer com tranqüilidade e apoio que não fosse<br />
somente o 371 militar. O AI-2 era em parte expressão/ resultado de conjunturas. Castelo<br />
precisou encontrar alternativas para os rumos do país, pois a existência do<br />
pluripartidarismo e de certa liberdade de expressão inviabilizava a sustentação do<br />
regime, já que oposição através de denuncias, votações contrárias aos militares<br />
tornavam o clima inseguro para o ditador e seus aliados. Alguns grupos levaram a<br />
instituição do ato como o ajuste legal da eleição indireta para presidente, maior<br />
autonomia para perseguição através de condenações que viriam da investidura do Ato à<br />
Justiça Militar no julgamento de civis que cometessem crimes contra a segurança<br />
nacional.<br />
A eleição de 1965 que deu a antigos apoiadores de JK cargos eletivos havia<br />
preocupado os militares e seria sem dúvida um motivo para reação com o AI-2, porém,<br />
“Trata-se de um conjunto de medidas de alcance muito maior, que na verdade,<br />
ensejaram a retomada da “operação limpeza”, tal como desejava a linha dura” 372 . Nesta<br />
ocasião a linha dura mostrava a sua força de delinear os caminhos que posteriormente<br />
levariam ao AI-5. A linha dura reclamava no governo Castelo uma série de coisas e<br />
370 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />
Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.<br />
371 Idem, Ibidem, p. 85.<br />
372 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />
Janeiro: Record, 2004, 74.<br />
101
propunha soluções sistemáticas, assim enumerou Carlos Fico sobre os fatores e<br />
exigências que levou este grupo ao AI-2:<br />
102<br />
ampliação do número de punições; pedido de prorrogação do Ato<br />
Institucional no que se refere às punições sumarias; boatos de sobre a<br />
decretação iminente de estado de sitio quando da aproximação da data-limite<br />
de 15 de junho de 1964; demanda por uma lei de inelegibilidade que<br />
afastasses candidatos indesejados; insubordinações militares; declarações<br />
sobre a perda de rumos da “Revolução” 373 .<br />
Para nós, um fator importante depois da publicação do ato foram as manchetes<br />
de jornais que destacavam o silêncio da UDN sobre a extinção de partidos 374 . A UDN<br />
aglutinou diversos setores da sociedade brasileira em torno de seu ideal anticomunista,<br />
caberia à UDN o papel ostensivo na divulgação das teses de “guerra<br />
revolucionária” Inspiradas pela Escola Superior de Guerra que se<br />
constituíram em arcabouço ideológico para congregação de todas as forças de<br />
centro e de direita( empresários, políticos, militares, imprensa, famílias,<br />
Igreja contra a “ameaça comunista 375<br />
o partido e a base da ARENA, que na cidade de Feira tem quase que a mesma<br />
composição. O AI-2 pouco alterou a UDN que na cidade que se converteu em ARENA,<br />
recenbendo em suas fileiras alguns políticos que estavam ligados a partidos de base da<br />
UDN ou mesmo do PSD, assim como membros do PSD que em sua maioria, aqueles<br />
que não foram cassados, fundaram o MDB local.<br />
A ARENA não seria simplesmente um bode expiatório. Se o fosse seriam pouco<br />
profundas as possibilidades dadas por nosso texto já que, seria razoável a priori, supor<br />
que os fatores que levaram à formulação e consolidação de um projeto de modernização<br />
estavam no exterior, exógenos à cidade, e seriamos tolos ao supor que este poderia ser<br />
interpretado como um projeto de hegemonia. Seria..., se não ocorresse a movimentação<br />
da sociedade civil local em torno de suas demandas e que a participação da<br />
UDN/ARENA não fosse fundamental na representação e apresentação pública do<br />
projeto como seu. A ARENA foi mais que bode expiatório, localmente ela formulou,<br />
disputou e realmente se articulou com os militares, pois foram eles que deram a<br />
possibilidade de sua volta ao poder.<br />
373 Idem, Ibidem, p. 75.<br />
374 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />
Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 60.<br />
375 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />
brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 124.
Lucia Grimberg ofereceu uma nova possibilidade para entender o partido da<br />
ARENA através do entendimento do que a fazia ser um partido. Contrariando as<br />
análises que retiravam a possibilidade de existência real enquanto partido pelo que ela<br />
não realizava, não tinha para tal, a autora insere para compreensão aquilo que ela tinha.<br />
A ARENA pode organizar suas demandas internas e de interesses diversos em relação à<br />
ditadura, mesmo que fosse um período de intensa participação dos militares e sua<br />
intervenção na política, retirando o monopólio deste campo dos políticos profissionais,<br />
que viviam de e para a política.<br />
Podemos encontrar na ARENA, mesmo sem negar a sua condição primária de<br />
sustentação do sistema, formulações autônomas e mesmo contrárias ao regime,<br />
continuidades da UDN:<br />
103<br />
Ao investigarmos as circunstâncias de extinção dos partidos, o que<br />
encontramos foi o esforço de várias lideranças para preservar as<br />
características de seus partidos nas novas organizações que seriam criadas, o<br />
que evidentemente, aponta para a importância dos mesmos, 376<br />
Podemos observar que em Feira houve a continuidade do discurso udenista além de suas<br />
lideranças e representações, e a ARENA foi escolhida em 1966 como porta voz de seu<br />
maior empreendimento. ARENA como partido inspirou-se naquilo que dava coerência e<br />
unidade nacional à própria UDN, o anticomunismo, sendo que na sua seção regional se<br />
apoiou mais em seu “grande” projeto que estava sendo levado à frente.<br />
Gramsci adverte:<br />
Deve-se sublinhar a importância e o significado que têm os partidos políticos,<br />
no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções de mundo, na<br />
medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a<br />
elas. 377<br />
A ARENA tem por função na cidade dar a forma e consolidar o projeto de<br />
modernização, atentando para um fator que era a seleção da massa atuante e de ser porta<br />
voz e articulador do projeto que deveria ser da sociedade política. Afinal era exatamente<br />
os contornos que este projeto atingia, a proporção política que ele ganhava que poderia<br />
troná-lo efetivo. João Durval foi à “bola da vez”, referência na cidade como vereador e<br />
376 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />
Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 62.<br />
377 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro,<br />
2002, Vol.1 p. 105.
pela acirrada disputa com Pinto em uma eleição que teve várias urnas impugnadas 378 e<br />
uma derrota por pequena margem de votos. Ele tinha as características necessárias que o<br />
colocavam em sincronia com as exigências da ARENA para as eleições de 1966<br />
listadas:<br />
104<br />
a) Dispor de bom trânsito nos meios políticos e revolucionários; b) Ser filiado<br />
à ARENA; c) Não ter antagonismos frontais com o presidente da República e<br />
o governador do estado nem, de modo geral, com a orientação administrativa<br />
de nenhum deles; d) Não ser elemento de posições radicalizadas, nem ter<br />
comprometimento com erros e vícios do passado, notadamente com<br />
corrupção e a subversão; e) Poder reunir em torno de seu nome a maioria dos<br />
representantes da ARENA na Assembléia Legislativa; f) Permitir por sua<br />
formação moral, plena confiança quanto a manutenção dos compromissos<br />
com o atual esquema político da ARENA ou do partido em que ela se<br />
transformar e bem assim com o presidente da Republica a ser eleito pela<br />
ARENA. 379<br />
João Durval se encaixava em todas as orientações dispostas pelo partido e,<br />
exerceria uma função específica para o projeto assumido pelo grupo. Ele seria o político<br />
em ato, que “é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na<br />
vazia agitação dos seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva...”. 380 A<br />
realidade efetiva é compreendida como as relações de forças existentes, o político em<br />
ato se move nela fortalecendo as forças que se consideram progressistas para criação de<br />
um novo equilíbrio, movimento que Gramsci diz estar dentro da realidade efetiva para<br />
dominá-la e superá-la, ou contribuir para isso. O político em ato se ocupa com o “dever<br />
ser”, paixões e posições. Através de atos realizados por João Durval, pensando a<br />
industrialização, desde sua vereança quando prometia esta, encontramos a sua pretensão<br />
de criar novas relações com seu projeto e assim visualizou e tentou concretizar o que<br />
“deveria ser” a cidade.<br />
O político em ação foi escolhido entre muitos outros que poderiam ser<br />
representantes do projeto. Mesmo Joselito Amorim que é o primeiro no executivo a<br />
falar da industrialização da cidade não consegue ser o “porta voz” do projeto. João<br />
Durval se tornaria em seu mandato o arauto da modernização da cidade. Articulador do<br />
projeto para todas as classes e suas frações.<br />
378 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia.<br />
379 ALZIRA, Abreu (coord.). Juracy Magalhães: minhas memórias provisórias. Rio de janeiro:<br />
Civilização Brasileir, 1972. Apud DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos<br />
espaços políticos na Bahia durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.25. (Tese).<br />
380 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,<br />
2000, Vol.3 p. 35.
Para a constituição de sua imagem como arauto deste projeto foi preciso<br />
estabelecer um discurso comum na mídia local que fortalecesse sua imagem enquanto<br />
tal. Os jornais impressos cumpriram bem a função, Folha do Norte, Feira Hoje e<br />
Situação foram os responsáveis pela opinião pública 381 .<br />
Este último acompanha prontamente a gestão de João Durval e disputa a opinião.<br />
Após a polêmica posse do prefeito o jornal publica um texto sobre ser prefeito que<br />
reproduzimos abaixo.<br />
105<br />
Vivemos em uma estrutura política em que se baseiam os nossos partidos, já<br />
superada. O que o povo quer não é mais homens que apenas preencham<br />
vagas de outros políticos de visão ultrapassada. O que o povo exige é que os<br />
políticos novos que surgem, tragam em si esta independência necessária aos<br />
bons governantes justamente com idéias novas, capaz de sepultar tudo que a<br />
própria evolução superou. 382<br />
Seguindo, o Jornal diz que João Durval “Tomou para si a grande<br />
responsabilidade de resolver o problema da <strong>Universidade</strong>, água e esgoto de Feira de<br />
Santana”, e continua, no mesmo número, promovendo uma leitura sobre a posse e o<br />
discurso de Luciano Ribeiro. Segundo o referido jornal, João Durval não teria oposição<br />
na câmara, pois segundo o vereador arenista José Ferreira Pinto, Luciano Ribeiro, Nóide<br />
Cerqueira e José Falcão da Silva do MDB, entraram em acordo com o prefeito de lutar<br />
pelo bem coletivo, o prefeito era “a esperança de um povo”. Não era exatamente este o<br />
teor do discurso dos edis, porém já pudemos ver o que gerou esse dia na Câmara.<br />
Em julho de 1967 os esforços da industrialização e modernização começavam a<br />
demonstrar seus caminhos. Foi a primeira visita de Rubens Costa Superintendente do<br />
Banco do Nordeste e ex da SUDENE no governo Castelo Branco, recebido pelo prefeito<br />
para falar das potencialidades para indústria observando o seu crescimento e discutir<br />
possíveis investimentos de recursos do Banco aqui. No Jornal Situação, este aparece<br />
numa foto ao lado do prefeito, acompanhada de um texto que diz que Rubens Costa<br />
“comprometeu-se moralmente” 383 a ajudar o movimento industrializante no que fosse<br />
possível. Em 15 de junho Ângelo Sá, Secretário de Indústria e Comercio da Bahia<br />
381 Tínhamos a rádio Sociedade de Feira no período, mas não encontramos pautas de programas ou<br />
qualquer documentação que nos ajudasse na pesquisa, porém nos jornais muitas vezes eram publicados<br />
debates que começavam na rádio. O teor do que é encontrado em jornais sobre rádios em Feira não é nada<br />
diferenciado dos textos dos jornais.<br />
382 Jornal Situação, 07/04/1967.<br />
383 Jornal Situação, 16/06/1967.
havia dito que a “industrialização de Feira é minha meta” 384 , e no dia 23 o governador<br />
do estado Luis Viana garantiu; “ Nossa Feira terá Água do Paraguassu em meu<br />
governo” 385 no momento em que o prefeito o entregou dois relatórios com cerca de 30<br />
mil assinaturas apoiando a vinda da água do Paraguaçu. O prefeito ainda é provocado<br />
por Ulisses Barbosa, que realizou contatos também com Manoel Falcão presidente do<br />
CIFS, a doar um terreno para o SESI para construção de um centro social para os<br />
operários, próximo ao estádio. O centro, que leva o nome de João Marinho Falcão. está<br />
em pleno funcionamento até a atualidade.<br />
Estamos falando aqui do primeiro ano de governo de JD e seus compromissos<br />
firmados para a modernização do município. Vários contatos são estabelecidos e há um<br />
intenso esforço do executivo para captação de recursos e trazer novas empresas, após o<br />
primeiro ano de governo este avaliava sua gestão;<br />
106<br />
Levamos para o Govêrno da Feira de Santana a convicção plena de que o<br />
progresso da nossa terra estava necessitando de obras de infra-estrutura, que<br />
alicerçasse em têrmos concretos, o seu futuro. Construir o presente, mas com<br />
o pensamento voltado para o futuro, tem sido a constante da nossa<br />
administração, certo de que olhando o futuro estamos realizando o mais<br />
proveitoso para a Feira de Santana. Procuramos, nestes doze meses, conduzir<br />
a Feira de Santana dentro de um clima de paz, tranqüilidade e harmonia, que<br />
possibilite ao seu povo condições de trabalhar e produzir, entrelaçando a<br />
fôrça do público com a fôrça da iniciativa privada. A Feira de Santana<br />
atravessa um momento difícil da sua História. Necessita, urgente, de<br />
desenvolver-se, de maneira considerável, no setor econômico, para que possa<br />
realizar as grandes obras de que precisa. Este é o momento da arrancada<br />
definitiva da Feira de Santana para o seu magnífico destino. E, para isso, ela<br />
convoca todos os seus filhos e habitantes, todos os que aqui empregam os<br />
seus esforços. O desenvolvimento da Feira de Santana é fator preponderante<br />
para a vida do Município. A sua significação é tão grande que êle não pode<br />
ficar restrito a partidos, a grupos, a classes. Ele deve ser de todo um povo, um<br />
povo conscientizado, que tem a missão maravilhosa de lutar pelo bem e pela<br />
felicidade das gerações do porvir. E a meta primordial do nosso Govêrno é<br />
esta: a promoção do desenvolvimento em benefício do futuro. 386<br />
No Folha do Norte as colunas de Emme Portugal acompanhavam as solenidades<br />
que demonstram passos para a modernização da cidade, doação de terras, termos para<br />
asfaltamento junto ao DERBA, entre outros. Emme foi um colunista bastante conhecido<br />
na cidade, foi organizador da “marcha com Deus” em Feira em adesão ao golpe de<br />
1964, fato importante que demonstra como os militares haviam conseguido apoio<br />
popular de alguns setores da comunidade. Em agosto de 1968 Emme avisa à<br />
384 Jornal Situação, 15/06/1967.<br />
385 Jornal Situação, 23/06/1967.<br />
386 Jornal Folha do Norte, 20/04/1968.
comunidade em sua coluna dizendo “O Prefeito João Durval, desapropriou esta semana,<br />
mais uma área de 70 mil metros destinada a expansão industrial. Vamos industrializar a<br />
Feira” 387 . Uma constante foram esse textos comunicando as homenagens e visitas que o<br />
prefeito recebia, as empresas que vinham trazer suas instalações para cidade e<br />
principalmente os eventos sociais e culturais freqüentados por grupos de elite da cidade.<br />
Na equipe administrativa do executivo que contava com os jornais em pleno<br />
vapor apoiando a meta da modernização com foco principal na indústria, tem cargos<br />
importantes são ocupados por pessoas estratégicas, na URBIS o ex-prefeito Joselito<br />
Amorim, e na assistência direta do prefeito Helder Alencar também colunista do Folha<br />
do Norte. Todos os jornais tiveram membros de sua equipes editoriais ocupando cargos<br />
comissionados na gestão do então prefeito.<br />
Para ser convincente e não dividir os grupos dominantes dos setores econômicos<br />
da cidade, o prefeito articulou no PDLI um discurso de unidade política para<br />
crescimento econômico dos setores mais ricos do município, assim que o PDLI informa:<br />
107<br />
Tudo leva a crer que estê venha a ser o mais importante passo para o<br />
desenvolvimento da cidade. A indústria poderá induzir o crescimento dos<br />
demais setores por seu poder dinâmico de aumentar a demanda de bens<br />
agrícolas, e de serviços. Assim seu crescimento geraria novos empregos<br />
diretos e indiretos, e faria crescer a renda da comunidade. 388<br />
Em seu segundo ano de gestão o prefeito assinou convênio com a Secretaria<br />
Estadual de Agricultura para construção de mais um pavilhão para o Parque de<br />
Exposição, local do comércio de gado e derivados da agricultura que atendia aos anseios<br />
de produtores rurais. O prefeito compreendia a importância do setor: em 1969 na II<br />
Exposição de Animais e Produtos Derivados, o prefeito reconheceu a importância do<br />
setor, do comercio e etc. falando sobre a possibilidade da indústria trazer maiores<br />
benefícios econômicos para o crescimento deste. 389 O emprego aparece como<br />
prioridade, pois a cidade viva o crescimento do número de desempregados, o que<br />
preocupava os empresários e o executivo. A mendicância demonstrava um pouco da<br />
situação da falta de trabalho e possíveis soluções eram encaminhadas pelo prefeito<br />
387 Folha do Norte, 24/08/1968.<br />
388 FEIRA DE SANTANA, Prefeitura Municipal de. Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Feira<br />
de Santana. Feira de Santana: COPLAN, 1968, p.154.<br />
389 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />
dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 94.
como doação as campanhas de cobertor de Emme Portugal e a através de obras de<br />
amparo da Secretaria de Assistência Social, como sua solicitação de verba no valor de<br />
100 milhões de cruzeiros à Câmara para um Centro de Recuperação de Mendigos. 390 A<br />
educação também era foco de investimentos, ampliações de prédios escolares, aumento<br />
do número de estudantes no ensino gratuito, contratação de muitos professores e<br />
aumento da verba da Residência Universitária Feirense, contando segundo Mattos, com<br />
a “experiência, dinamismo e ampla visão de sua esposa Yêda Barradas Carneiro,<br />
então à frente da Secretaria de Educação e Cultura do Município” 391 , além do maior<br />
feito, a criação junto com Luis Viana, da <strong>Universidade</strong> de Feira de Santana.<br />
O PDLI foi à síntese do projeto de hegemonia e ao mesmo tempo o instrumento<br />
de resultante de sua busca. Projeto de hegemonia que aqui estudamos o seu surgimento,<br />
e não a sua efetivação enquanto objetivo de consenso e através da atuação dos grupos<br />
dominantes na forma de frações de classes na esfera do que é o Estado ampliado no pós<br />
1971. Segundo o Folha do Norte;<br />
108<br />
Esse planejamento definiu, perante o Brasil, com repercussões internacionais,<br />
a nova Feira em que estamos começando a viver, construída pelo igual<br />
espírito de compreensão do seu Govêrno, – Executivo e Legislativo – e do<br />
seu povo. São os resultados dessa política de compreensão e planejamento<br />
que trazemos hoje à apreciação desta Colenda Câmara. E começamos pela<br />
industrialização. Nossa comunidade, prestes a deixar de ser aquêle obrigatório, a que se referem os estudiosos de geografia<br />
econômica, percebeu em tempo a necessidade de iniciar, sem delongas, um<br />
nôvo ciclo de sua economia. O caminho escolhido não poderia ser outro que<br />
não o de transformar-se o centro pecuário comercial, já de avantajadas<br />
proporções, também, num parque industrial capaz de atender aos nossos mais<br />
justos anseios desenvolvimentistas. 392<br />
Sabemos que João Durval e seu grupo tiveram como projeto de modernização local a<br />
busca da direção moral, uma nova forma dita moderna de comportamento civil e<br />
político, o domínio político nos campos de poder executivo e legislativo e direção<br />
intelectual exercida pelos grandes figurões da intelectualidade formal e orgânica da<br />
cidade como a dos jovens editores do Feira Hoje, que se assumira como fruto da novas<br />
necessidades da modernização da cidade.<br />
390<br />
Jornal Situação, 16/06/1967.<br />
391<br />
MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983, p.24. (Negrito do<br />
autor)<br />
392<br />
Jornal Folha do Norte. 11 de abril de 1970.
109<br />
Todos indagam: por que não temos um – ou mais de um – jornal à altura do<br />
progresso de Feira de Santana? Um grupo de jovens, incomodado de tanto<br />
ouvir essa pergunta, resolveu tomá-la como desafio. O resultado está aí em<br />
suas mãos. Desejamos ter uma ativa e constante participação política,<br />
equidistante, todavia, das paixões políticas, das lutas partidárias e de<br />
interesses outros que não reflitam os mais elevados anseios da comunidade.<br />
Também não seremos governistas bajuladores, nem opositores sistemáticos.<br />
Um objetivo nos apaixona e nos obrigará sempre a ficar na primeira linha de<br />
ataque: o desenvolvimento de Feira de Santana – município e região – em<br />
todos os sentidos, seja econômico, social, político ou cultural. 393<br />
Na tentativa de encontramos as razões os sentidos do projeto no conjunto<br />
globalizante, de intervenção em todos os setores da economia e integração desta entre si<br />
e com a economia externa ao município, percebemos que os planejamentos/projetos<br />
foram os principais instrumentos para captação de recursos, convencimento dos sujeitos<br />
e ao mesmo tempo, que foram o principal fator de articulação das frações de classe local<br />
e com órgãos do governo fora da Bahia. Percebemos as ligações de frações de classes de<br />
Feira com de outras regiões, a sua organização para a consolidação do projeto de<br />
modernização local através de seu “porta voz” público, João Durval. A<br />
institucionalização de um anseio particular pelo poder público demonstrou que as<br />
organizações de classes conseguiram atingir objetivos, a vontade coletiva de grupos<br />
tornou-se vontade maior e foram usados mecanismos para que ela se virasse de todos,<br />
“O PDLI instituiu formas técnicas e jurídicas para sua implementação, obrigando não<br />
apenas os particulares, mas também o poder público” 394 , o plano “definiu as diretrizes<br />
do desenvolvimento e outorga poderes ao Escritório de planejamento Integrado para<br />
executá-lo” 395 . O projeto teve João Durval como personagem central para a<br />
compreensão do momento pelo papel exercido de articulador, escolhido pelos grupos<br />
locais para efetivação do desejo de modernização. Um príncipe moderno (partido) local<br />
foi encontrado na UDN e na sua continuidade histórica local como ARENA, única<br />
agremiação que desde a década de 1950, reunia grandes empresários do diversos setores<br />
e que se organizou para tornar a idéia de modernização e industrialização da cidade um<br />
projeto concreto.<br />
393 Jornal Feira Hoje, 1971.<br />
394 1° Seminário Sobre o Desenvolvimento de Feira de Santana. Caderno Feirense n° 07. P.14. Este<br />
documento encontra-se na Biblioteca Central Julieta Carteado, <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de<br />
Santana.<br />
395 Idem, Ibidem.
CONCLUSÃO<br />
O presente, o passado e o futuro.<br />
Passou o primeiro momento da pesquisa, dizemos isso por que chegamos à<br />
conclusão que há muito por se fazer para melhorar o desenvolvimento do tema.<br />
Buscamos realizar um estudo que pudesse ser capaz de compreender como surge e<br />
ganha força um projeto de modernização da cidade enquanto um projeto de hegemonia<br />
política. Sabemos de parte de nossas deficiências e desde o inicio especulávamos que o<br />
tempo seria curto para avançarmos mais, o que será realizado mais para frente, como<br />
pesquisadores que já se sentem mais maduros depois desta fase.<br />
Feira de Santana, no primeiro momento do golpe, foi tida como “cidade<br />
vermelha”, enquadrada no esquema de segurança nacional. Em 1964 os militares<br />
juntamente com a maioria dos vereadores, depuseram Francisco Pinto, apesar de<br />
caracterizar, pelo jornal Folha do Norte, como uma renúncia, para substituí-lo por<br />
Joselito Amorim, prefeito biônico, que faz um governo transição.<br />
No momento político da ditadura civil/militar buscava-se um estado de “paz<br />
social”, estado ideal que impunha como estratégia a consolidação de uma imagem onde<br />
conflitos sociais desapareciam dos jornais para dar lugar a um ideal político já realizado<br />
e conquistar uma legitimidade dentro do ideal democrático, mesmo governando em um<br />
regime ditatorial.<br />
Combatendo a memória e popularidade de “Pinto” e as utopias de esquerda,<br />
Durval criou junto aos grupos dominantes da cidade sua própria utopia, um<br />
planejamento global da cidade para uma modernização acelerada. O projeto organizou o<br />
ideal de frações de classe local diretamente ligado a projetos nacionais com vistas a<br />
estabelecer uma relação de hegemonia sobre o os sujeitos do município.<br />
O projeto foi alimentado por uma forte publicidade, um discurso político intenso<br />
no Folha do Norte, imbuído de sentidos ideológicos de busca de legitimidade. A forma<br />
de governar de Durval era algo novo para a cidade, que nunca tinha visto crescimento<br />
tão intenso e rápido, nem um projeto de modernização desta envergadura que atingiria<br />
Feira quase como um todo, ao menos na área urbana. O “futuro” era a grande promessa.<br />
O rompimento com o velho e a preparação para um novo presente.<br />
110
O que não ocorreria no presente, certamente estaria por vir no futuro, este foi o<br />
estilo marcante nos jornais e em debates entre os vereadores no período. Planejar para<br />
executar, mesmo que o executor não fosse este, característica não muito comum entre<br />
prefeitos na execução de demandas de frações de classe na cidade. A cidade deveria<br />
progredir por fatores simultaneamente endógenos e exógenos, ou seja, a articulação<br />
local dos setores econômicos para sua integração, junto a articulação com programas de<br />
financiamentos e grupos externos ao município para conseguir trazer os benefícios<br />
necessários à consolidação do projeto. Chamamos a atenção também para o fato<br />
importante de programas federias e estaduais que previam a industrialização do interior.<br />
Quanto à hegemonia, chegamos a uma conclusão, diferente de Jhonatas<br />
Monteiro, de que não se tratava de um projeto de industrialização apenas, mas de um<br />
projeto de intervenção global no município, que articulava interesses de várias frações<br />
de classes da cidade. O projeto previa a integração da economia local em todos os seus<br />
setores e entre si e, ao mesmo tempo, a integração dessa economia local ao padrão de<br />
crescimento regional e nacional apoiado em programas de desenvolvimento do<br />
nordeste. Na verdade, atualizamos e aprofundamos mais, aquilo que Andrei Valente<br />
sugeriu em seu texto: João Durval cumpriu o papel de arauto da modernização, um<br />
político em ato.<br />
Contribuímos para compreensão do Estado e sua ampliação no município.<br />
Pudemos analisar momentos em que a sociedade civil torna-se agente e protagonista do<br />
Estado (em sentido estrito). Feira de Santana vive avanços históricos com seus grupos<br />
organizados em frações de classe na disputa pelo Estado de hegemonia (sociedade civil<br />
e política).<br />
A atuação de João Durval como representante de grupos sociais dominantes e<br />
organizados em frações de classe em Feira de Santana, legou a cidade mecanismos de<br />
construção e manutenção de hegemonia forjadas no período do regime civil/militar<br />
entre 1964-1984. Dentre as heranças, a prática de governos municipais sucessórios que<br />
se baseiam em discursos que colocam a cidade como referencia de modernização e<br />
“futuro” e o desenvolvimento urbano como lugar de expressão da dominação política,<br />
da hegemonia.<br />
A sociedade civil é um espaço importante para definirmos as continuidades das<br />
frações dominantes locais como detentoras da hegemonia. Organismos de classe ainda<br />
usufruem do espaço de disputa conquistado, como é o caso do Centro das Indústrias de<br />
Feira de Santana e da Associação Comercial de Feira de Santana. Espaços importantes<br />
111
de memória coletiva foram objetos de políticas de esquecimento, como o governo de<br />
Chico Pinto em decorrência da valorização de um governo “modernizador” de João<br />
Durval. Mas, como era de se esperar, Pinto também tem herdeiros que disputam o<br />
pertencimento filial e político do projeto desenvolvido em seu governo entre 1967 e<br />
1971.<br />
João Durval exerceu papel importante para a articulação local do bloco político<br />
conservador renovado, articulado a setores nacionais que produziam uma reacomodação<br />
das forças políticas a partir do golpe de 1964. Ele se coloca como condutor e defensor<br />
político de um projeto local de modernização que estivesse articulado às novas<br />
configurações das relações sociais de força e política nacional. Deste modo é que<br />
representando setores das classes dominantes locais no campo político feirense, este<br />
organizou as bases do novo modelo hegemônico da classe capitalista nacional e local na<br />
cidade.<br />
Importante configuração política atual também se refere aos tempos da disputas<br />
entre a ARENA e o MDB. Herdeiros e militantes diretos, tanto da oposição como da<br />
situação na época, se mantém na ocupação dos cargos públicos eletivos. Assim é que a<br />
identificação dos sujeitos do período estudado permite traçar alguns importantes<br />
momentos de suas trajetórias, transformações, e mais importante definir as estruturas e a<br />
transformações dessas no campo político local.<br />
Estudando o projeto de modernização (hegemonia) conseguimos identificar<br />
interesses e grupos que estavam por trás e aqueles que foram atraídos, o poder de<br />
barganha desses em relação ao poder público estatizado, num Estado que se ampliava<br />
cada vez mais. As pressões de frações de classes pela incorporação de projetos na<br />
sociedade política, nos evidenciou esta compreensão. Podemos, agora, nos<br />
posicionarmos em relação a este passado!<br />
112
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07. P.14. Este documento encontra-se na Biblioteca Central Julieta Carteado,<br />
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REFERENTE AO 2º TRIMESTRE <strong>DO</strong> ANO DE 1970. PROCESSO Nº 22/69. Arquivo<br />
Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil<br />
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1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.<br />
Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM – UNICAMP.<br />
113
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1967. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.<br />
Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM – UNICAMP.<br />
Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM.<br />
Feira de Santana – Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de<br />
Filosofia e Ciências Humanas - IFICH. Fundo Brasil Nunca Mais no processo número<br />
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