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REGULAMENTO DO TRABALHO DA MONOGRAFIA - Universidade ...

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Diego Carvalho Corrêa<br />

O futuro do passado: uma cidade para o progresso e, o progresso para<br />

cidade em João Durval Carneiro. (1967-1971)<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />

Feira de Santana, 2011.


Diego Carvalho Corrêa<br />

O futuro do passado: uma cidade para o progresso e, o progresso para<br />

cidade em João Durval Carneiro. (1967-1971)<br />

Dissertação do Curso Mestrado em<br />

História, apresentado à Banca Examinadora<br />

na <strong>Universidade</strong> Estadual Feira de Santana,<br />

como exigência parcial para obtenção do<br />

titulo de mestre em História.<br />

Orientador: Prof. Eurelino Teixeira Coelho Neto.<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />

Feira de Santana, 2009.


Banca Examinadora<br />

Feira de Santana, ______de agosto de 2011.<br />

______________________________________________<br />

Professora. Dra. Maria Letícia Corrêa<br />

<strong>Universidade</strong> do Estado do Rio de Janeiro<br />

______________________________________________<br />

Prof. Dr. José Alves Dias<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual do Sudoeste da Bahia<br />

______________________________________________<br />

Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana<br />

(Orientador)


AGRADECIMENTOS<br />

Para começar devo fazer o que todos fazem e agradecer a família, que hoje são<br />

minha mãe, irmã e pai, principalmente a irmã e mãe, que é com quem moro e a quem<br />

dou trabalho, amo muito as duas. Em segundo lugar a minha tia Sandra, companheira de<br />

cachaça que eu amo muito também e seus filhos Bruno e Dani, esses cinco são minha<br />

família de sangue e alma. Acho que gastaria mais páginas do que no mirrado texto da<br />

dissertação para agradecer meus amigos todos que são milhares e sempre andam em<br />

bandos. Mas em especial citarei o nome de alguns, em primeiro lugar Yuri Atanásio,<br />

que merece estar sempre junto a minha mãe e irmã, e a minha tia e filhos, pois é meu<br />

grande irmão, sempre me deu força para tudo e sempre estamos juntos, no que compete<br />

claro, cada qual com sua dama, mesmo que ele ainda não tenha uma, irmão, até sempre.<br />

Lembra a teu pai, Cremildo, que muito ajudou também este texto, da minha herança.<br />

A CAPES, Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela<br />

bolsa de estudos oferecida sem a qual não teria condições de concluir o curso.<br />

Aos companheiros de luta e batalhas, Maria Araújo que é meu amor também,<br />

Edson rua nova, Carminha movimento negro, Manoel Aquino e Macedo do “Pomba de<br />

Malê”, Maria da Paixão (in memoriam) , Solange Guerra, e muitos outros, milhares para<br />

falar a verdade. Aos povos indígenas da Bahia pela oportunidade de aproximação das<br />

lutas, a comunidade Tuxá nas pessoas de Juninho, Sandro, Fabinho e Socorro. Aos<br />

tupinambás da Serra do Padeiro, Célia e Babau. A Ana Magda, antropóloga que muito<br />

me ensinou e me deu o prazer da companhia na luta, e Cristiane, antropóloga que me<br />

iniciou nos embates históricos.<br />

“Efeito Zumbi”, minha banda preferida na cidade, Zói, Leo, Lito, Du que saiu, e<br />

agora Da Cross, parceiros de luta, frases de efeito com muito rap. Novos companheiros<br />

de Santa Bárbara, Marcinho, Nina, Vânia e Sinésio, Hugo comparsa velho, meu irmão<br />

também, estaremos sempre juntos. Aos companheiros do Feira Coletivo Cultural, Jó,<br />

Paulo e todos os outros, agora terei mais tempo pra me dedicar a este. Ao sindicato de<br />

trabalhadores rurais da cidade. Ao movimento estudantil, aos milhares de amigos da<br />

UEFS.<br />

Em especial gostaria de agradecer a Wilson Mário, jornalista dedicado que agora<br />

demonstra mais valores para nós com seu empenho em pesquisar a guerrilha no<br />

município, textos promissores, agradeço muito a documentação do exército que me


cedida por este, abração amigo. Na UEFS temos que lembrar sempre do Labelu, onde as<br />

minhas loucuras se desenvolvem e ganha coletivamente o formato de seminários e de<br />

textos de História, galera, aquele abraço.<br />

Meus amigos e amigas, Lívia Gozzer, Luana, Lívia Blumetti, meu irmão gordo<br />

Chintamani, Mel, Aline feia e Tiago meu fã n°1, sempre tentando disputar Emilia<br />

comigo, “A pala Revista” e a saga de alguns jumentos celestinos como nós que tentam<br />

oferecer ao público externo à UEFS uma leitura de sua cidade, Rafael, meu irmão, João<br />

meu irmão, Henrique, Will, André, todos muito bons. Mateus “Massacration”, Binho<br />

cabeça de pão, Dom Maths Luis Gabriel, Mateus Pessoa, Rã, Vitor Moraes meu poeta,<br />

Tiago galego branco da peste, meu irmão gringo. Ao monte de amigos eu tenho como<br />

Thaia. Lembro-me dela me pedindo uma ponta de cinco, disse que não fazia essas<br />

coisas, depois ela explicou que era de grafite 0.5, tomara que ninguém leia isso. A todas<br />

as meninas que eu adoro. Nay Fac minha irmãzinha, minha super-amiga. O Adilson,<br />

dono do espaço onde eu produzi a maior parte do texto, quase que ele quem me dá o<br />

título, grande amigo que sempre me apoiou.<br />

Minha novíssima e linda família, Carol meu amor, irmãzinha que me suporta,<br />

Tininha a criança mais linda do mundo e a minha sogra que é igualmente linda. A<br />

Emilia Maria, meu ”amorzão”, grandíssima amiga.<br />

Ao mestre Yoda pelos ensinamentos e por sempre acreditar que a força estava<br />

comigo. A todos os historiadores comprometidos, aqueles que não são, vão tudo refletir<br />

sobre seu papel.<br />

A Zani, meu amigão do Jeca Total, valeu as contas no bar e a amizade, muitas<br />

conversas amigas.<br />

Ao meu orientador, que acho que com toda a capacidade e talento que tem como<br />

gigante da História, e muito disso compartilhou comigo, me ensinou muito mais sobre<br />

compreensão e amizade, Coelho você realmente é meu grande amigo, é chato e feio,<br />

estaremos juntos sempre, com você pagando a conta do bar. A Che e o Sup. Marcos que<br />

me ensinaram sobre a sensibilidade de um homem, sobre o mundo que vivemos, me<br />

inspiraram na luta, hasta siempre!<br />

A Elizete Silva, coordenadora do programa, minha véia preferida, muito<br />

inteligente e esforçada, sempre apoiou muito todos os seus discentes e muito fez por<br />

esta universidade, tanto no campo da pesquisa como da luta política por avanços.<br />

Aos professores, Rinado Leite, Márcia Barreiros, Ione, Onildo Reis, Charles,<br />

Ricardo e tantos outros que muito me ajudaram. Minha turma de graduação, Fabrício e


Acma, Rodolfo, Ricardo negão, Saulo, Celeste, Joice, a todos os outros, meus amigos.<br />

Minha turma de mestrado,principalmente Lú minha amiga, Manu, Tom, Davi meu<br />

irmão e todos os outros.<br />

Em especial agradeço ao amado mestre dos magos, Rogério Fátima (in<br />

memoriam), por tudo, pelos segredos contados, pela atenção e cuidado como se fosse<br />

um filho seu.<br />

Andreifuss e Lari Penelu, meus grandes amigos para sempre, por tudo, pesquisa<br />

em que foram fundamentais por seus conhecimentos, agradeço muito. Diana do<br />

colegiado de História, minha mãe também, e a todos do DCHF, aos funcionários da<br />

ACMAV, Ana, Marinalva e todos os outros. Yole e Danilo amigos de tempos<br />

apoiadores de sempre. O Zé Carlos (Neno), reitor desta universidade, amigo e<br />

companheiro de luta, obrigado pela minha qualificação que esteve presente, agradeço<br />

também a José Dias que igualmente debateu meu texto.<br />

A todos que eu lembrei e aqueles que a preguiça não deixou escrever, são<br />

milhares e milhares, mas já tá chato isso aqui, acho que ninguém vai ler.<br />

Minha linda Itana, meiga, sensível, delicada, compreensível, companheira em<br />

tudo, cuidadosa e carinhosa. Não cabe em palavras a admiração que tenho por você. Te<br />

amo minha linda B. Parker, minha namorada e esposa.<br />

Para todo o povo feirense!<br />

Que esteja com você a força!<br />

Mestre Yoda


RESUMO<br />

Esta dissertação teve como objeto o projeto de modernização da cidade empreendido no<br />

governo João Durval Carneiro (1967-1971) à frente da prefeitura de Feira de Santana.<br />

Sua questão norteadora foi como este sujeito se torna representante e condutor de um<br />

projeto de modernização local - que se caracterizaria como uma formulação de<br />

hegemonia - e um político em ato (Gramsci). Analisamos o contexto que precede o<br />

governo de Durval, a administração do prefeito biônico Joselito Amorim (1964-1967),<br />

importante para compreendermos o momento de transição e os esforços para efetivação<br />

da modernização desenvolvimentista local sob influência do Plano de Ação Econômica.<br />

Estudamos as alianças políticas entre grupos da sociedade civil, como industriais e<br />

comerciantes, e da sociedade política, com grupos externos a cidade, frações de classe<br />

local em sincronia com o contexto nacional e baiano que favoreceu em Feira de Santana<br />

a construção e viabilização de um modelo próprio de modernização. Neste texto<br />

analisamos a UDN e a ARENA em Feira de Santana atentando para sua característica de<br />

partido organizador de um discurso do progresso e modernização da cidade no recorte<br />

entre 1954 a 1971 que ganhou força quando transformado em projeto/plano de<br />

modernização local empreendido no governo João Durval Carneiro sujeito se torna<br />

representante e porta voz de um projeto de busca por dominação política, direção<br />

intelectual e moral da sociedade local, portanto, o partido foi visto como um príncipe<br />

moderno na cidade.<br />

Palavras-chave: modernização, João Durval, hegemonia.


ABSTRACT<br />

This thesis had as its object of city modernization undertaken by João Durval<br />

Carneiro‟s government (1967-1971) in Feira de Santana. Its main question were how<br />

did Durval become representative and driver of such modernization project – which is<br />

characterized a formulation of hegemony – and, therefore, a politician in act (Gramsci).<br />

We analyze the context that precedes Durval government, the “bionic” administration of<br />

Joselito Amorim (1964-1965), which is important for understanding the transition time<br />

and the efforts for realization of modernization under the influence of local Economic<br />

Action Plan. We studied political alliances between civil society groups such as<br />

industrialist and businessmen, and political society, with groups outside the city, local<br />

class fractions synchronized with the national and Bahia‟s context, which allowed the<br />

uprising of the particular model of modernization in Feira de Santana. In this work<br />

analyze The UDN and ARENA in Feira de Santana paying attention to its characteristic<br />

of party that organized a speech of progress and modernization in the city between 1954<br />

to 1971, speech that has gained strength when turned into project / modernization plan<br />

assumed by João Durval Carneiro government. This mayor became the representative<br />

and spokesperson for as a project of political domination, intellectual and moral<br />

direction of the local society, so his party was seen as a modern prince in the city.<br />

Key-words: modernization; João Durval Carneiro; hegemony


SUMÁRIO<br />

Introdução -----------------------------------------------------------------------------------------09<br />

Capítulo 1: Uma cidade para o progresso.<br />

1. Previas de um político em ato: a UDN na década de 1950. ------------------------15<br />

2. A Folha Udenista. ------------------------------------------------------------------------25<br />

3. A década de 1950 e João. ---------------------------------------------------------------26<br />

4. Precedentes de uma gestão renovada. -------------------------------------------------35<br />

5. Renov (ação). -----------------------------------------------------------------------------37<br />

6. Um novo (se) Abril no Brasil. ----------------------------------------------------------43<br />

Capítulo 2: Um progresso para cidade.<br />

1. Um novo (se) Abril em Feira: um presente para João! -----------------------------51<br />

2. O “Bicho” está em Feira! --------------------------------------------------------------54<br />

3. A transição de Joselito Amorim em Feira. ------------------------------------------58<br />

4. O progresso para cidade e o reino do urbano: Feira de Santana e a inserção<br />

compulsória e voluntária (1967-1971). ----------------------------------------------66<br />

5. A cidade técnica. ------------------------------------------------------------------------73<br />

6. A cidade racional e a modernização em obras como política de classes. -------76<br />

Capítulo 3: O futuro do passado.<br />

1. O trabalho de enquadramento da memória pós-64. --------------------------------82<br />

2. O endurecimento do regime: testemunho de acusações e o ataque as oposições. -<br />

---------------------------------------------------------------------------------------------87<br />

3. A sociedade civil e o projeto de modernização da cidade. ------------------------93<br />

4. A Associação Comercial de Feira de Santana. -------------------------------------97<br />

5. Um Príncipe moderno feirense ------------------------------------------------------102<br />

Conclusão. --------------------------------------------------------------------------------------111<br />

Fontes. -------------------------------------------------------------------------------------------114<br />

Referências Bibliográficas. -------------------------------------------------------------------118


ESG - Escola Superior de Guerra.<br />

SIGLAS<br />

CONCLAP - Conselho Nacional de Classes Produtoras.<br />

ACEFS - Associação Comercial de Feira de Santana.<br />

FIEB - Federação das Indústrias do Estado da Bahia.<br />

FUNDINOR - Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste.<br />

GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.<br />

IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática<br />

IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.<br />

PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo.<br />

PCB - Partido Comunista Brasileiro.<br />

PDLI - Plano de Desenvolvimento Local Integrado.<br />

PEI - Política Externa Independente.<br />

PRODEFESA - Promotora de Desenvolvimento Econômico de Feira de Santana.<br />

PROINTER - Programa de Industrialização do Interior.<br />

PSD - Partido Social Democrático.<br />

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro.<br />

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria.<br />

SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.<br />

SESI - Serviço Social da Indústria.<br />

SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.<br />

SURFEIRA - Superintendência de Urbanização de Feira de Santana.<br />

UDN - União Democrática Nacional.<br />

UEFS - <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />

USAID - United States Agency for International Development.


INTRODUÇÃO<br />

Esta pesquisa começou de uma forma quase acidental, quando me encontrei por<br />

acaso com uma matéria no jornal Folha do Norte (1967) que apresentava a vinda de<br />

uma visitante do Departamento de Estado dos EUA para a cidade e contava que esta viu<br />

aqui a “maior obra administrativa do interior baiano”. 1 O fato me chamou atenção por<br />

época militava no movimento popular de Feira de Santana, onde enfrentávamos a<br />

administração do prefeito José Ronaldo, semelhante administração a matéria referia aos<br />

fins de Joselito Amorim (1964-1967) e inicio da gestão de João Durval e, combatíamos,<br />

um discurso de modernização que mascarava os problemas sociais vividos.<br />

Particularmente me incomodava o fato de que muitas pessoas, mesmo aquelas<br />

que estavam à margem dos todos os benefícios sociais deste dito progresso,<br />

reproduziam esse discurso mantendo sempre uma avaliação positivada do governo de<br />

João Durval. Movido a entender melhor a questão, resolvi ler a História local e cheguei<br />

a pesquisas que destacavam o período entre 1967 e 1984, aproximadamente, como<br />

momento em que teria ocorrido um processo modernizador local, com destaque para a<br />

gestão de João Durval no executivo municipal. Logo obtive a informação que Ronaldo<br />

possuíra laços políticos importantes com João Durval que teria sido seu padrinho<br />

político.<br />

A entrada no Laboratório de História, Memória da Esquerda e Lutas Socais<br />

(Labelu - UEFS) em 2007, alavancou os estudos.<br />

Esta dissertação teve por objeto o projeto de modernização da cidade<br />

empreendido no período em que João Durval Carneiro (1967-1971) esteve à frente da<br />

prefeitura de Feira de Santana. Qual seu papel na articulação do projeto de<br />

modernização da cidade e suas estratégias de ação política? João Durval seria o prefeito<br />

do planejamento da cidade? A que setores da sociedade feirense o projeto de<br />

modernização estava ligado? Seria uma estratégia de busca de uma hegemonia política<br />

sobre a cidade? E, por fim, qual caráter do projeto de modernização empreendido?<br />

Foram as questões que apontaram os caminhos para se pensar a respeito de um projeto<br />

de modernização local que teria trazido as bases para projeção política, enquanto gestor<br />

de um planejamento da cidade, de João Durval Carneiro no Estado da Bahia e no Brasil,<br />

além do destaque da cidade entre outras no país, enfatizando que queríamos<br />

1 Jornal Folha do Norte, 14/01/1967.


compreender os elementos que fizeram este sujeito ser lembrado como “grande<br />

prefeito”. Não nos interessou neste momento da pesquisa problematizar os conceitos de<br />

modernização, mas sim, identificar como surge a planificação do que alguns grupos<br />

locais chamaram de modernização da cidade e de como estes fizeram dessa idéia um<br />

projeto que escondia sentidos políticos mais amplos.<br />

Temos a intenção de contribuir para o desenvolvimento de uma historiografia<br />

sobre a cidade e sua “modernização” a partir da década de 1950. O período proposto<br />

para a pesquisa foi palco do processo que conferiu à cidade um destaque no Estado e no<br />

país. Essa pesquisa ousa com certo pioneirismo no estudo da história política local haja<br />

vista que não há nenhuma pesquisa que tenha se dedicado a investigar o referido<br />

período com o destaque temático aqui proposto.<br />

As pesquisas desenvolvidas sobre a modernização e industrialização da cidade<br />

não aprofundaram a investigação sobre o papel político de João Durval, embora,<br />

algumas o situem como prefeito importante para o desenvolvimento da cidade no<br />

período de 1967 a 1971. Dentre estas a dissertação de Santos 2 sobre um sonho de<br />

industrialização local, uma utopia de modernização, não têm como objeto a prática real<br />

de João Durval e grupos locais que planejavam um modelo de cidade na cidade. Os<br />

caminhos do “sonho” a levam a refletir como se previa a cidade por um olhar de agentes<br />

externos, porém, sem pensar uma realidade projetada e articulada politicamente,<br />

concretizada nos projetos e sua implementação por grupos, frações de classe, sujeitos<br />

locais. O “sonho” foi estudado em sua elaboração prática, sendo que João Durval foi<br />

uma personagem articuladora e desencadeadora deste(s) projeto(s) como a autora já<br />

apontava.<br />

Para Durval, fazer vencedor o seu projeto político envolveu uma série de táticas<br />

e mecanismos para consolidação de novos objetivos para a cidade, articulando o velho<br />

passado comercial e pecuarista que a cidade vivia 3 , com novas perspectivas de<br />

higienização, modernização acelerada, com reforma urbana, industrialização e<br />

reorganização econômica.<br />

2 SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />

industrialização. UFBA, 2002. (Dissertação de Mestrado)<br />

3 Em monografia, Pacheco (2007) defende que a retirada da feira do centro da cidade, através do projeto<br />

CABANA envolveu a articulação de João Durval com setores de comerciantes que queriam um centro<br />

urbano limpo para exibição de suas vitrines posto que estas estivessem em contraste com o „antigo‟<br />

representado pela feira que tinha ligações com a zona rural e comercialização de seus produtos.<br />

10


Para concretizar seu projeto de “modernização” local, articulou a inserção da<br />

cidade no plano nacional de modernização conservadora e descentralização da indústria,<br />

que previa o Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos industriais.<br />

A chegada de Durval ao poder marcou o momento de avaliar a primeira fase da<br />

“revolução” 4 e refletir sobre os novos governos e o regime militar numa perspectiva<br />

progressista, que na consideração feita pelo colunista da Folha do Norte 5 , Adalberto da<br />

Costa Dórea, era um governo mais “democrático para as classes rebeldes, pois; (...) o<br />

dialogo com a classe operaria é maior, também com a estudantil” 6 . Em tempos de<br />

ditadura militar, na cidade o Folha Norte enunciava certa redução de conflitos entre as<br />

classes sociais em conflitos, e entre essas e o governo „democrático‟, um ponto de<br />

chegada, a harmonia social.<br />

A democracia entrava no discurso das classes dominantes organizadas na<br />

ARENA, como aquilo que foi defendido e deveria se perpetuar sob comando dos<br />

golpistas. Esta linha de intervenção refletia no seu órgão de imprensa, Folha do Norte,<br />

que defendia e definia a ditadura como a própria democracia. Não fosse a “revolução”<br />

de 31 de março, ela iria ser destituída pelos trabalhadores e o governo sindicalista de<br />

Goulart na presidência da república e com Chico Pinto na prefeitura de Feira de<br />

Santana.<br />

No recorte temporal escolhido, as realizações do governo de João Durval<br />

chamaram atenção pelo seu caráter antecipatório, que se evidenciava no planejamento<br />

futurista da cidade, precipitando o que seria, segundo previsões de seu grupo e<br />

apoiadores, o progresso econômico e social. Os planejamentos desse grupo, associados<br />

os discursos políticos e jornais propagadores desse ideal de progresso posto em prática<br />

por Durval, criam em torno da personalidade de João Durval uma representação de<br />

político futurista, portador da modernidade.<br />

No seu governo deu-se a implantação do Centro Industrial do Subaé (CIS), a<br />

realização de obras públicas para higienização e reorganização espacial da cidade, como<br />

4 Período de institucionalização do golpe na Bahia, ou seja, consolidação e adequação das novas forças<br />

políticas nas instituições do Estado e re-elaboração e conformação de grupos políticos e novos<br />

personagens que surgem na cena política, a exemplo de ACM em Salvador. Dantas Neto (p.21, 2003)<br />

5 Jornal criado no inicio do século XX, no qual muito circulou discursos sobre ideais de cidade, civilidade<br />

e modernidade de setores das elites locais. Os editores e diretores do jornal Folha do Norte tomavam<br />

partido de determinados candidatos veiculando apoio entre as décadas de 60 e 70 durante campanhas da<br />

UDN e Arena. Ver Oliveira (2008). No período de governo de João Durval, este divulgava textos sobre o<br />

projeto de modernização da cidade, e discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do<br />

prefeito.<br />

6 Jornal Folha do Norte. 29/04/1967.<br />

11


a construção do bairro Cidade Nova 7 , que nas palavras de Raymundo Pinto seria à<br />

época “maior que a maioria das cidades baianas ” 8 . A implantação das obras foi<br />

“devidamente programada; Um grande mérito do governo foi ter sempre trabalhado<br />

com base no planejamento” (PINTO, 1971, 59). Isso lhe dava a característica de<br />

precipitação e planejamento que não era comum entre prefeitos. Feira de Santana foi a<br />

primeira cidade da América Latina a possuir um Plano Diretor de Desenvolvimento<br />

Urbano 9 , o que significa e amplia a noção de caráter antecipatório de Durval a frente da<br />

prefeitura. As realizações e a conjuntura propiciam certo prestígio e destaque para<br />

cidade e ao prefeito no cenário político nacional, que a época de seu governo, passa a<br />

receber visitas de prefeitos de outros Estados que se surpreendem com a modernização<br />

de Feira e a tomam como exemplo. 10<br />

O colunista do jornal Folha do Norte e secretário de educação Raymundo Pinto<br />

escreveu sobre o projeto modernizador em elogio a Durval, caracterizando-o como<br />

visionário quanto ao futuro da cidade. R. Pinto põe em circulação uma imagem, uma<br />

classificação e um julgamento sobre JD que tem evidentes efeitos de poder, é instituinte<br />

sobre a análise do discurso Foucault afirma: “discurso não é simplesmente aquilo que<br />

traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é<br />

o próprio poder de que procuramos nos assenhorar”. 11<br />

Buscava-se a consolidação de uma imagem do governo de Durval e da ditadura,<br />

onde conflitos sociais desapareciam do cotidiano para dar lugar a um ideal político já<br />

“realizado” e a partir daí, conquistar uma legitimidade dentro do ideal democrático,<br />

mesmo governando em um regime ditatorial. Nas palavras de Miranda 12 :<br />

Construía-se uma representação de cidade e de sua memória histórica como<br />

fundamentadora de um ideal político e social intermediado pelo presente - por<br />

isto a seleção de certos símbolos e omissão de certos aspectos, temas ou fatos.<br />

Porém, as novas forças políticas no poder e seus projetos, no governo local,<br />

estadual e nacional enfrentaram as oposições. Em Feira esboços de resistência armada,<br />

7<br />

Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia &<br />

PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />

8<br />

PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />

9<br />

FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />

10<br />

No jornal Folha do Norte entre 1969 e 1971 são diversos os textos que enaltecem o prefeito como<br />

sendo o portador da modernização da cidade.<br />

11<br />

FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciado em 2<br />

de dezembro de 1970. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.1.<br />

12<br />

MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da Memória: Praticas e Representações do Movimento<br />

Estudantil em Feira de Santana (1964-1969). Feira de Santana UEFS, 2001. p.10.<br />

12


como o MR8, que tinham na cidade o militante Luis Antônio Santa Barbara, morto no<br />

interior da Bahia na luta pela guerrilha que seria desencadeado sob o comando do<br />

Capitão Carlos Lamarca. O PCB teve a participação de militantes como Hosanah Leite e<br />

Sinval Galeão na Associação Feirense de Estudantes Secundaristas e sindicatos da<br />

cidade, e o MDB era particularmente eficaz na oposição à ARENA.<br />

A disputa de Durval dava-se também contra seu principal opositor, vencedor das<br />

eleições de 1962 por uma diferença de 43 votos. Francisco Pinto havia deixado sua<br />

“marca” política junto às classes populares da cidade. Pinto havia ganhado popularidade<br />

por estabelecer um governo de aproximação com grupos subalternos da cidade.<br />

Os planejamentos formulados em sua gestão como o Plano Diretor, Plano de<br />

Desenvolvimento Local Integrado (1967), o Projeto Cabana (1968), seus projetos de Lei<br />

aprovados, e discursos, nos apontaram os objetivos da modernização da cidade em<br />

consonância com os projetos do governo do estado e do governo federal de<br />

interiorização da indústria. Os planos foram instrumentos de captação de recursos e ao<br />

mesmo tempo de procura de adesão voluntária dos trabalhadores e empresários locais.<br />

Para compreensão do caráter do projeto de modernização de João Durval, seu<br />

conteúdo explícito, tipos de modernização empreendidos, estudamos o projeto Cabana<br />

(1968), Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé e o Plano de Desenvolvimento<br />

Local Integrado (1967), Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé (1970).<br />

Para estudo dos caminhos de articulação do governo municipal com o governo<br />

do Estado e a relação histórica construída na UDN/ARENA; utilizamos depoimentos o<br />

Plano de Fomento à Indústria do Interior (1967). O Jornal Folha do Norte e<br />

principalmente a bibliografia produzida sobre o período, tese e dissertações.<br />

No estudo das estratégias articulatórias, grupos e interesses de grupos<br />

específicos no empreendimento de João Durval tivemos os projetos, jornais, atas da<br />

Câmara de Vereadores, acervos de entidades e particulares.<br />

O Jornal Folha do Norte divulgava debates do poder legislativo, ações do<br />

prefeito e seus pronunciamentos. Publicava atas da Câmara de vereadores, decretos,<br />

portarias, leis aprovadas pelo executivo, servindo também o periódico para publicação<br />

de atos do poder judiciário. Suas colunas publicavam críticas sociais aspirações sobre<br />

rumos da cidade, olhares de pessoas de fora sobre a cidade. Também como colunista<br />

Raymundo Pinto, Secretário Municipal de Educação e Cultura. A Gazeta do Povo<br />

fornece outro olhar sobre a política e os movimentos sociais e a cidade por ser<br />

13


produzido pelo PSD em um período que este se aproximava dos moimentos populares<br />

da cidade e de seus distritos, marcadamente de oposição ao projeto udenista nacional.<br />

O livro de Raymundo Pinto (1971) serviu à análise do projeto modernizador de<br />

Durval e à legitimação de uma memória histórica sobre o período. A obra de Pinto<br />

relata, entre outros temas da historia local, o potencial que o governo de Durval teve<br />

para antecipar o progresso e desenvolver as vocações da cidade. Por fim alguns<br />

documentos do Exército vieram em boa hora para contextualizar o momento de<br />

perseguição política na cidade no momento do governo de João Durval e articular o<br />

argumento de aproximação deste com os militares.<br />

No primeiro capitulo buscamos compreender momentos que antecedem o<br />

governo de João Durval, sua carreira política, aparelhos privados que disputam<br />

concepções de cidade como o Rotary e o Lions Club, configurações políticas da câmara<br />

municipal de vereadores, a UDN como partido e o fortalecimento de uma concepção de<br />

cidade para o progresso no contexto de um Estado que se ampliava na cidade.<br />

O segundo capítulo é orientado para o argumento da busca de uma hegemonia na<br />

cidade. Para isso contextualizamos a ditadura na cidade e identificamos os primeiros<br />

grupos industriais que defendiam interesses de classe. Examinamos a breve passagem<br />

de Joselito Amorim como prefeito biônico e sua função de preparar as bases para o<br />

futuro projeto de modernização em consonância com as possibilidades históricas<br />

arranjadas pelo governo do presidente Castelo Branco. Empenhamo-nos em analisar os<br />

projetos de modernização globalizada da cidade entendendo seus pormenores e<br />

avançando na compreensão de sua configuração enquanto projeto de hegemonia.<br />

Por fim, no terceiro capitulo, defendemos argumento de um momento histórico<br />

no qual podemos definir como marco para ampliação do Estado em Feira; a participação<br />

de grupos organizados enquanto protagonistas da sociedade civil e política na<br />

construção de uma hegemonia a partir de suas organizações e partidos. Houve uma<br />

busca de solucionar o problema da ocupação do poder com busca da hegemonia através<br />

do projeto de modernização da cidade, articulações dentro da sociedade política e civil<br />

para efetivação deste, e o papel que a UDN/ARENA desenvolveram na cidade,<br />

atentando para o papel de João Durval enquanto arauto deste, o que nos levou pela<br />

sugestão de Andrei Valente a considerá-lo político em ato.<br />

14


CAPÍTULO 1<br />

Uma cidade para o progresso.<br />

15<br />

A legenda da “eterna vigilância” lembra, para<br />

simpatizantes ou adversários, a marca austera e<br />

altiva da União Democrática Nacional. Lembra,<br />

igualmente a história de um partido que nasceu<br />

da luta contra uma ditadura, cresceu apesar de<br />

sofridas derrotas – sempre em nome dos ideais<br />

liberais de sua inspiração primeira _ para<br />

finalmente, quase vinte anos depois, surgir<br />

vitorioso num esquema de poder que instalaria,<br />

por tempo indeterminado, um regime militar de<br />

repressão e arbítrio. 13<br />

Prévias de um político em ato: a UDN na década de 1950.<br />

Neste primeiro momento identificamos o que era a UDN e, como partido local,<br />

identificamos os grupos que a compõe, os setores sociais que fazem parte do partido são<br />

os mesmos que defenderão o projeto de modernização da cidade. Atentamos para o<br />

início da vida política de João Durval, indícios que permitem localizá-lo historicamente<br />

e elaborar uma compreensão sobre os primórdios do que seria a escolha deste sujeito<br />

enquanto arauto do futuro projeto de hegemonia local.<br />

Não nos interessa aqui a descrição de uma biografia do sujeito, mas sim<br />

apresentar elementos que situem quem foi João Durval e possibilite a análise da<br />

transformação futura dele em político em ato 14 , para tanto, verificaremos o contexto em<br />

que este começa carreira política na cidade e seu empenho enquanto vereador que o fará<br />

o representante de um projeto político udenista, que em 1967 se constituiu num projeto<br />

13 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />

partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 90.<br />

14 O “político em ato é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na vazia<br />

agitação dos seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva...”. In: GRAMSCI, Antonio.<br />

Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2000, Vol.3 p. 35.


local de desenvolvimento modernizante da cidade através da Aliança Renovadora<br />

Nacional.<br />

João Durval chega a Feira de Santana aos seis anos de idade, filho do casal João<br />

Batista, lavrador 15 , e D. Durvalina Almeida Carneiro. Recém chegados a Feira de<br />

Santana em 1936, tornam-se residentes da rua de Aurora. Nascido na Fazenda Mãe<br />

Maria no povoado de Ipuaçu no dia 08 de maio de 1929, em 1946 teria se tornado<br />

diretor do Jornal Santanópolis 16 ele teria acumulado experiências políticas na<br />

presidência do Diretório Acadêmico do Curso de Odontologia, curso no que concluiu<br />

em 1954. 17<br />

Convencido a candidatar-se à vereança por “influencia de virtuosos lideres<br />

locais” 18 , filiou-se à UDN, partido constituído em finais do Estado Novo que coligia as<br />

forças de oposição ao varguismo. Porém, na cidade o PSD conseguiria manter-se no<br />

poder executivo até o ano 1954, perdendo a supremacia para recuperar novamente em<br />

1963, com a eleição de Francisco José Pinto (Chico Pinto) no ano anterior.<br />

Em 1954, mesmo ano em que a União Democrática Nacional (UDN) tenta o<br />

“golpe branco”, forçando junto a aliados a renúncia de Getúlio 19 , João Durval elege-se<br />

vereador com 369 votos, sendo o quarto candidato mais votado pelo partido. O<br />

resultado da eleição demonstra que este não detinha grande expressão política e social,<br />

sendo comparado a Wilson da Costa Falcão (UDN), candidato mais votado, a diferença<br />

é de 782 votos, enquanto que a diferença comparada ao candidato menos votado, Jorge<br />

Watt da Silva (PTB), é de161 votos. 20 Nesta mesma eleição a UDN conseguiu derrotar<br />

o PSD na cidade elegendo para o executivo João Marinho Falcão, sobrepujando a<br />

preeminência do PSD que se mantinha desde 1947, ano das primeiras eleições para<br />

cargos municipais pós-ditadura Varguista. 21<br />

15<br />

MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983.<br />

16<br />

Jornal do Colégio Santanópolis.<br />

17<br />

Informações obtidas In: MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L,<br />

1983. Importante ressaltar que apesar de se tratar de uma pequena biografia de João Durval, é a única que<br />

se encontra disponível, sendo possível comparar as informações contidas nesta com outros relatos<br />

publicados. Ver: Prestando Contas: Senador João Durval Carneiro. Senado Federal: Brasília-2007;<br />

Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia.<br />

18<br />

MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. P. 19.<br />

19 Segundo BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do<br />

liberalismo brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 91.: “ (...) uma tentativa freada pelo suicídio de<br />

Getulio, de uma transformação revolucionaria, como um embrião, o ensaio geral de 1964. Outras<br />

tentativas de deposições foram focadas sem êxito, (...) até no 31 de março de 1964, quando a UDN<br />

poderia considerar-se vitoriosa”, para Otávio Mangabeira significou uma “revolução pela metade”.<br />

20 LINS, Rafael Quintela. Informações sobre eleições. (Não publicado)<br />

21 PINTO, Raymundo A. C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla1971. p. 73.<br />

16


João Marinho Falcão era um grande empresário local, tinha negócios<br />

principalmente na área comercial. Foi eleito para o mesmo pleito para o legislativo<br />

municipal, seu primo Joselito Falcão Amorim, e seus filhos, com reeleição de Wilson da<br />

Costa Falcão e eleição de João Falcão para deputado federal pelo PTB, momento de<br />

“reorganização da política local não mais sob tutela dos intendentes, prefeitos<br />

interventores, comuns na Primeira Republica e na Ditadura Varguista” 22 . A campanha<br />

que elegeu os udenistas foi realizada pela Frente Democrática Feirense 23 , composta<br />

inclusive pelo Partido Comunista que no período se encontrava clandestino 24 .<br />

Interessante observar que houve uma tentativa de impugnação das eleições presidenciais<br />

por parte da UDN nesta mesma ocasião, a alegação foi o apoio dos comunistas<br />

clandestinos, a coligação Kubitschek e Jango (PSD-PTB).<br />

A União Democrática Nacional surgiu da desagregação da ditadura Vargas,<br />

sendo que a UDN aglutinou sujeitos e grupos de oposição à política trabalhista, pois,<br />

O espírito de luta contra o Estado Novo e contra Getúlio Vargas, em suas<br />

varias encarnações, das idealistas às mais pragmáticas, formou, plasmou e<br />

reuniu os diversos grupos que se comporiam no partido da “eterna<br />

vigilância”. Foi, portanto, como num movimento – ampla frente de<br />

oposição... 25<br />

A UDN foi um misto quanto a sua base socioeconômica, pois, fora composta por<br />

membros militares e civis de frações da burguesia nacional e regional principalmente.<br />

Agregava setores médios da sociedade, intelectuais, esquerdistas, empresários,<br />

profissionais liberais, latifundiários, industriais e etc. Esta conforma o seu grupo em<br />

22 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). p.69.<br />

23 A Frente Democrática foi composta pela UDN, Partido Republicano, Partido Democrata Cristão, PCB e<br />

da ala dissidente do PSD. FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da<br />

honra. Brasília: Pax, 1993. p. 93.<br />

24 Ver: FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax,<br />

1993. & PAULO, Olney São. Pinto vem aí. Documentário, 1976. Acervo do Labelu. Em depoimento<br />

para o filme “Pinto Vem Aí”, Francisco Pinto afirma que o PCB em Feira de Santana sempre deu apoio a<br />

campanhas da UDN local, aproximando-se do PSD somente na campanha eleitoral de 1962 que o elegeu<br />

prefeito. Interessante notar também que João Marinho Falcão será pai de comunistas, sendo que o próprio<br />

Wilson, Walter, Manoel e João haviam sido filiados ao PCB.<br />

25 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />

brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 23.<br />

17


torno de uma base ideológica de sustentação que propalava o anticomunismo, anti-<br />

getulismo 26 , e o liberalismo econômico e político ambíguo 27 .<br />

Identificava-se principalmente pela idéia de fim dos governos populistas e a<br />

conquista do poder político para construção de um Estado liberal, o que definiu sua<br />

identidade e organização até o fim do governo Goulart e inicio da ditadura, no intuito de<br />

retirar do Estado a orientação política que utilizava este como mecanismo de medição<br />

dos conflitos de classes através do populismo, o que permitia a apropriação por parte<br />

dos trabalhadores do discurso trabalhista em beneficio de sua classe. 28<br />

A UDN foi marcadamente contraditória e existiu por uma luta de seus<br />

componentes pela unidade e identidade, “surgiu como frente, organizou-se como<br />

partido e identificou-se, também, como um movimento 29 (o udenismo)”. Seu arranjo<br />

interno era diverso, desde liberais democráticos, até radicais antidemocráticos<br />

conservadores, porém, reivindicou sempre uma “tradição” liberal de militantes que a<br />

organizaram nacionalmente com base na experiência de luta pela abertura democrática e<br />

deposição da ditadura getulista. 30<br />

Desprezada por alguns autores, a União foi considerada não como um partido,<br />

porém, assumimos aqui a proposição de análise de Benevides, na qual, se referindo à<br />

polêmica conceitual sobre esta, considera<br />

(...) os partidos como expressões legitimas de determinadas forças sociais<br />

atuando no Legislativo, ou na sociedade como um todo, na medida que<br />

ofereciam uma certa imagem que permita identificar correntes de opinião, de<br />

interesses e etc. recuperando-se, assim, seu sentido político e sua unidade<br />

sociológica. 31<br />

26 Aqui pode será entendido como anti-populismo/trabalhismo, pois a UDN será importante agremiação<br />

na desagregação do bloco-histórico populista. Ver: DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do<br />

estado : ação política, poder e golpe de classe. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. passim.<br />

27 Ambíguo, pois foi a favor do monopólio estatal do petróleo nacional e votou contra a cassação de<br />

mandatos dos comunistas. Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In:<br />

FLEISHER, David V. Os partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 91.<br />

28 Para compreender o que foi o trabalhismo ver: GOMES, Ângela Maria de Castro. A invenção do<br />

Trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2005.<br />

29 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />

partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB p. 92. Ressaltamos que neste primeiro momento nos<br />

interessa entender a UDN enquanto partido, portanto o udenismo será analisado em outro tópico.<br />

30 Dois momentos importantes que evidenciam a ambigüidade da democracia udenista são a luta pela<br />

deposição de Vargas pelos seus futuros membros em 1945 e, a luta pela defesa da democracia contra a<br />

suposta infiltração comunista no governo do presidente João Goulart que definha no golpe civil/militar de<br />

1964 e na ditadura, momento de afastamento dos liberais históricos da UDN.<br />

31 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e<br />

estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 61.<br />

18


Ampliando o debate sobre ser a UDN um partido político, Benevides toma<br />

como referencia as concepções de Antônio Gramsci, este escreve que “um partido<br />

político pode existir em situações independentes da ação política imediata” 32 . Logo o<br />

partido poderia existir como uma força superior 33 reconhecida pelo público, Benevides<br />

considera, assim como Gramsci, que esta funcionalidade pública pode ser analisada a<br />

partir de jornais, ou revistas e etc., todos estes sendo compreendidos como partidos,<br />

frações de partido, ou funções de um partido. Nas observações empíricas, em seu ensejo<br />

enquanto partido percebe-se que diferente das “facções ou clique a UDN teve uma<br />

estrutura permanente e uma organização „burocrática‟ extensa da cúpula dirigente ao<br />

nível municipal em todos os estados do país” 34 .<br />

Em Feira de Santana o único partido que conseguiu ter a seu favor um órgão de<br />

propaganda permanente, uma tribuna, foi a UDN, que contava com o mais velho jornal<br />

da cidade, o Folha do Norte 35 . No ano de 1953, a Frente Democrática utilizou deste<br />

órgão que “empenhou-se inteiramente na campanha, divulgando mensagens, artigos e<br />

telegramas de apoio ao candidato” 36 a prefeito. Assim a UDN feirense disputava a<br />

opinião pública, que<br />

(...) está estreitamente ligada à hegemonia política, ou seja, é o ponto de<br />

contato entre a „sociedade civil‟ e a „sociedade política‟, entre o consenso e a<br />

força. (...) 37<br />

A busca por este ponto de convergência entre sociedade política e civil<br />

mencionado por Gramsci, é perceptível na cidade na difusão de textos do Folha do<br />

Norte que demarcavam as características que definiam a UDN enquanto um partido, e<br />

mais, defendiam publicamente os atos políticos de seus membros no executivo e<br />

32 BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />

partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981. p. 95.<br />

33 Idem, Ibidem.<br />

34 Idem, Ibidem. p. 93.<br />

35 No período de governo de João Durval, o Folha do Norte divulgava textos sobre o projeto de<br />

modernização da cidade, e discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do prefeito. Era<br />

publicada no Jornal a propaganda do Laboratório de Prótese São Paulo; com “Trabalhos, perfeitos<br />

executados com o máximo de rapidez”. Localizado a rua Cons. Franco, 555, pertencente a João Durval<br />

Carneiro. Forma encontradas textos assim e propagandas de seu consultório nos Jornais Folha do Norte<br />

entre 1957e 1958.<br />

36 FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993.<br />

p. 96.<br />

37 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.<br />

p. 265.<br />

19


legislativo municipal, sendo o jornal a principal fonte para analisarmos o partido<br />

localmente. Na busca da construção de consenso, Gramsci descreve que,<br />

A opinião pública é o conteúdo político da vontade política pública, que<br />

poderia ser discordante: por isto, existe luta pelo monopólio dos órgãos da<br />

opinião pública – jornais, partidos, Parlamento-, de modo que uma só força<br />

modele a opinião e, portanto, a vontade política nacional, desagregando os<br />

que discordam numa nuvem de poeira individual e inorgânica. 38<br />

No período do pleito do prefeito João Marinho Falcão (1955-1959), o Jornal<br />

Folha do Norte expressava de forma mais contundente opiniões, e concepções que o<br />

faziam ser reconhecido enquanto órgão Udenista 39 .<br />

A UDN local e nacional entrava em uma nova fase. Desde a eleição de<br />

Kubitschek esta começa a transformar-se, e em 1957 no Congresso Nacional do Partido,<br />

a UDN defende a superação do capitalismo liberal, do socialismo marxista e do<br />

socialismo reformista, porém não demonstra alternativa bem definida 40 .<br />

O governo de Kubitschek foi dividido entre a coligação PSD-PTB, que tinha<br />

João Goulart como vice-presidente. No cálculo eleitoral da campanha entrariam os<br />

votos urbanos do PTB e os rurais pertencentes ao PSD. O que teria saldos positivos<br />

também para a estabilidade do governo, pois o PTB detinha a máquina trabalhista<br />

através do controle do Ministério do Trabalho e órgãos vinculados a este, dentre eles os<br />

sindicatos, proporcionando assim segurança a Kubitschek. No Congresso Nacional a<br />

aliança com preeminência do PSD 41 garantia votações favoráveis ao principal objetivo<br />

do governo que era a efetivação do “plano de metas” 42 :<br />

(...) o Congresso através da maioria PSD/PTB, dava apoio as questões<br />

orçamentárias (viga mestra do programa de desenvolvimento acelerado)<br />

38 Idem, Ibidem. p. 265.<br />

39 O ex-prefeito e empresário Arnold Silva era proprietário, diretor e jornalista do Folha do Norte.<br />

FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p.<br />

96.<br />

40 Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os<br />

partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB, 1981.<br />

41 “Enquanto dispôs de uma maioria parlamentar tranqüila, o PSD pôde conduzir o jogo político<br />

conferindo ao sistema o caráter de moderado e atraindo os outros partidos para o centro”. HIPPOLITO,<br />

Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio de<br />

Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 83.<br />

42 O Plano de Metas representava a mudança no padrão acumulativo nacional, que passava a privilegiara<br />

expansão sem precedentes do setor de “bens de consumo para capitalistas, bens de consumo duráveis”.<br />

Para mais ver: OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. 4 . ed Rio de Janeiro:<br />

Graal, 1984.<br />

20


porque, de certa forma, seus interesses também estavam sendo atendidos pelo<br />

Executivo. 43<br />

A estratégia de Kubitschek também atraiu setores militares, principalmente<br />

devido à atuação do General Lott na defesa da legalidade da eleição 44 contra a tentativa<br />

de impugnação da UDN, o que gerou consequentemente apoio de outros setores das<br />

forças armadas. Portanto, contra a estabilidade 45 do governo havia uma tentativa<br />

exacerbada de abalo por parte da UDN.<br />

A Folha udenista.<br />

Na década de 1950, uma forte oposição ao governo de Juscelino Kubitscheck<br />

(1956-1960) No mesmo período era governador da Bahia Antônio Balbino pelo PSD. e<br />

ao comunismo é dos temas mais evidentes em colunas do Jornal Folha do Norte 46 ,<br />

surgindo no ano de 1958 textos emblemático no folhetim, mesmo que o ataque<br />

anticomunista seja identificado anos antes e se estenda por outros posteriores. Samuel<br />

Pitombo em janeiro de 1958 acusa que,<br />

(...) se faz necessário que penetremos profundamente no conceito desses<br />

exemplos, e procuremos nos armar eficientemente, para enfrentarmos em<br />

breve o temível inimigo comunista, lutando contra as forças do mal que<br />

pensam extinguir vida das nações e dos homens. 47<br />

A convocação da sociedade contra o mal comunista continua por dizer que estes<br />

“desvairados” pretendiam dominar o mundo. Em outra coluna, “Nos Bastidores do<br />

Mundo”, quase que especializada no anticomunismo e escrita por Al Neto, havia sempre<br />

textos que dividiam sua temática entre a falta de espiritualidade do governo comunista<br />

Russo e a perseguição “mortal” às religiões pelo Kremlim. Dois textos, de janeiro e<br />

43 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e<br />

estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 68.<br />

44 Estamos nos referindo ao caso da afirmação do Coronel Jurandir Bizarria Mamede que havia dito ser<br />

“uma mentira democrática” as eleições de 1955. Este foi punido por articulações do General lott. Idem,<br />

ibidem.<br />

45 Benevides propôs um modelo de análise reconhecendo a estabilidade, mesmo que com crises, do<br />

governo Kubitschek. Neste modelo leva em consideração política partidária, política econômica e a<br />

política militar. Para mais ver: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek:<br />

desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. 3. ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.<br />

p. 51-54.<br />

46 Foram dirigentes do Folha do Norte entre 1950-1970, Raul Ferreira da Silva, Oyama Pinto da Silva,<br />

Dálvaro Ferreira da Silva, José Luiz Navarra da Silva e Hugo Navarro da Silva. OLIVEIRA, Ana Maria<br />

Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade: olhares, imagens e práticas do<br />

cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008. (Tese de Doutorado). p. 31.<br />

47 Folha do Norte, 04 de janeiro de 1958.<br />

21


fevereiro de 1958, intitulados “Contra Deus” e “Fôrça Espiritual”, evidenciam bem a<br />

ofensiva ao governo soviético. A intenção dos dois textos é mostrar como o Kremlim<br />

estava oprimindo o povo russo -- com o categórico “slogam {SIC} de Lênin – a religião<br />

é o ópio do povo” 48 , um povo tradicionalmente religioso. O primeiro texto reproduz o<br />

que seriam passagens do PRAV<strong>DA</strong> 49 que, afirmavam que “Deus é o próprio homem” e<br />

convocava a sociedade para acabar “de uma vez por todas com o mito da religião” 50 . O<br />

segundo debate a ciência soviética que, “em nada se preocupa com o povo”, preocupa-<br />

se “em dotar o Estado dos meios para expansão imperialista” 51 , diferentemente da<br />

ciência livre não só na forma material, mas espiritualmente a humanidade.<br />

O anticomunismo é privilegiado no jornal, sendo crescentes a partir de 1958 as<br />

aparições de textos relacionados ao tema. O crescimento do anticomunismo local no da<br />

UDN no Folha do Norte cresce paralelamente a atuação de militantes do PCB na cidade<br />

e suas influência nas disputas locais, mas o Folha do Norte não foi único Jornal a<br />

identificar-se com o combate aos comunistas. O Jornal Gazeta do Povo, fundado em<br />

1959 por empresários e membros do PSD reproduzia constantemente texto contra os<br />

inimigos vermelhos, declarando sua oposição de forma agressiva muitas vezes. Em 26<br />

de julho de 1959 o dito jornal publica um texto criticando o Ministro das Relações<br />

Exteriores da União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas, Andrei Gromyko, sobre<br />

sua propaganda enganosa em relação à aceitação do povo da Alemanha Oriental do<br />

regime comunista. 52<br />

Apesar da marca sólida do discurso anticomunista no Jornal Folha do Norte,<br />

discutia-se política nacional e local, economia, esporte, lazer e etc., tendo destaque<br />

textos que debatiam assuntos mais gerais que se achavam no cerne da identidade da<br />

UDN. Assim é que amiúde apareciam textos contra a política econômica nacional, a<br />

favor liberalismo, como no escrito “Livre Iniciativa”, em defesa do Estado liberal, pois,<br />

“os países mais prósperos do mundo, baseiam sua economia no principio da livre<br />

iniciativa” sendo que “O Estado industrial administrador, gerente ou patrão, só existe<br />

48 Folha do Norte 01 de fevereiro de 1958.<br />

49 O PRAV<strong>DA</strong> foi o Jornal fundado por Leon Trotsky em 1908, sem sucesso. Em 1912 os Bolcheviques<br />

fundam em São Petersburgo um jornal com o mesmo nome, organizado por Stalin e dirigido<br />

ideologicamente por Lênin. Este se tornou órgão oficial do Estado soviético. In: http://www.marxists.org.<br />

Visto em 29 de fevereiro de 2010.<br />

50 Folha do Norte 01 de fevereiro de 1958.<br />

51 Está é segundo o Jornal uma Fala do presidente dos EUA Eisenhower. Folha do Norte 08 de Fevereiro<br />

de 1958.<br />

52 Jornal Gazeta do Povo. 26/07/1959.<br />

22


nas ditaduras em que ele é o senhor absoluto da produção da terra e do trabalho<br />

humano” 53 .<br />

Havia espaço amplo para a coluna social de Eme Portugal, que registrava os<br />

acontecimentos da cidade no que tange às personalidades publicas, intelectuais,<br />

empresários e etc. Era comum que aparecessem notas sobre João Durval e família 54 .<br />

Além da coluna social em que os políticos apareciam em suas andanças cotidianas que<br />

não tinham relação direta com as contigüidades políticas da cidade, estes também<br />

freqüentemente eram citados em textos na primeira pagina do Jornal. João Durval<br />

aparece em diversos desses textos, um em especial, impresso em letras “garrafais”<br />

quando da inauguração do Ginásio Estadual Noturno, “graças aos esforços do vereador<br />

João Durval Carneiro que conseguiu, com o Município, a verba para instalação elétrica<br />

do velho prédio da Rua Conselheiro Franco” 55 .<br />

Foi comum também a publicação de notas, muito provavelmente pagas, de<br />

entidades de classe como a Associação Comercial, Rotary Club de Feira de Santana 56 .<br />

Não sem sentido o Rotary se mostra na cidade como um órgão beneficente que atua<br />

para modernização local e assistência, dividindo com os poderes públicos municipais<br />

uma parceria longa na realização de eventos. As festas realizadas pela entidade sempre<br />

reuniam personagens locais de prestígio, empresários, políticos, gente de aparições em<br />

colunas sociais. Além desta parceria público-privada, os rotarianos se confundem com<br />

os udenistas e vereadores. Comum encontrar sujeitos membros dos dois “partidos”,<br />

como é o caso do próprio João Durval 57 , Joselito Amorim, Wilson Falcão, João<br />

Marinho Falcão e outros.<br />

Compreendemos o Estado como um dos mecanismos de operacionalização de<br />

poder, que é movido e controlado para expandir ao máximo um grupo social e seus<br />

interesses que são incorporados socialmente como uma influência universal e<br />

manifestam-se nacionalmente nos territórios. O Estado resulta das mediações dos<br />

53 Folha do Norte 08/02/1958.<br />

54 “Dias atrás veio ao mundo o brotinho Márcia Carneiro, que a cegonha trouxe para o casal amigo João<br />

Durval Carneiro”. Folha do Norte 04/01/1958.<br />

55 Folha do Norte 08 de março de 1958. A noticia se refere ao projeto de lei n° 37/58, que cria uma escola<br />

municipal e dá outras providencias. Ver: Projetos de lei do Vereador João Durval Carneiro. Câmara de<br />

Vereadores de Feira de Santana. Os atos do vereador Joselito Amorim também são temas freqüentes do<br />

Jornal Folha do Norte.<br />

56 Este um Clube de serviço de âmbito mundial. Segundo Gramsci, um partido internacional. Ver:<br />

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.<br />

42.<br />

57 Ele foi 2° Secretário do Rotary Club no ano de 1958. Ver: Jornal Folha do Norte 12/07/1958.<br />

23


conflitos de interesses entre subalternizados e dominantes onde prevalece - mesmo que<br />

o equilíbrio de forças possa pender para o lado oposto - interesses dos grupos<br />

dominantes 58 . Os grupos sociais estão sujeitos as influências das ideologias<br />

internacionais, “Uma ideologia, nascida num país desenvolvido, difunde-se em países<br />

menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações” 59 , que são estas<br />

combinações? São os equilíbrios das relações de forças, luta de classes, que geram<br />

resultados variáveis em situações múltiplas que podem levar os grupos subalternizados<br />

ou dominantes, ao desenvolvimento histórico de opressões e resistências observáveis<br />

para, no nosso caso, o pesquisador.<br />

O Rotary Club se enquadra na categoria de partido internacional que difunde<br />

ideologias exteriores. Chega à cidade em 1941 e suas primeiras reuniões são realizadas<br />

na casa João Marinho Falcão. Andrei Valente iniciou a análise deste grupo:<br />

Parece que seu programa essencial e a difusão de um novo espírito<br />

capitalista, ou seja, a idéia de que indústria e comércio, antes de serem um<br />

negócio, são um serviço social, ou, mais precisamente de que são e podem<br />

ser um negócio na media em que são um serviço. ” 60<br />

O Rotary Club teria por função a difusão desse novo espírito e<br />

funcionaria como mais um elemento de integração entre Feira de Santana e o<br />

capital internacional, como podemos comprovar através das diversas visitas<br />

registradas nas páginas dos jornais Feira hoje e Folha do Norte, de<br />

estrangeiros recepcionados por esta organização bem como pelas lojas<br />

maçônicas da cidade. 61<br />

A chegada do Rotary Club na década de 40 em Feira de Santana<br />

coincide com a atuação dos empresários no sentido de diversificar suas<br />

atividades econômicas vinculando- se, num primeiro momento, a uma<br />

industrialização incipiente e pouco qualificada mas que a partir da década de<br />

60, após o golpe civil/militar, passa a receber diversos incentivos de<br />

aparelhos de hegemonia como o CEDIN (financiado por capital externo) e<br />

SUDENE servindo também como elo de articulação entre o capital nacional e<br />

internacional que passam a instalar industrias na cidade. 62<br />

58 Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

2000. P.41-42.<br />

59 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.<br />

P.42<br />

60<br />

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: volume 4. 2. ed Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

2007. p. 295-296.<br />

61<br />

VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />

industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório<br />

de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p. 10. (no prelo)<br />

62<br />

VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />

industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório<br />

de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p. 10. (no prelo)<br />

24


Grupo afim é o Lions Club, que parece constituir as mesmas funções do Rotary<br />

com poucas diferenças. Ganha notoriedade por ser oferecido pelo Jornal Folha do Norte<br />

a publicação gratuita de seu boletim nas páginas do jornal, e por exercer papel<br />

semelhante ao Rotary, o qual foi considerado pelo Lions como um parceiro constante, 63<br />

como na fundação da Associação Rural da cidade 64 , órgão existente até a atualidade que<br />

representa os ditos produtores, neste caso os proprietários rurais da região, apesar de na<br />

época dizer-se representante de patrões e lavradores.<br />

No imbricado mundo político feirense as trajetórias de membros dos poderes<br />

públicos da cidade que conseguiam avançar para cargos estaduais compartilhavam<br />

trajetos comuns percorridos. Todos estes políticos tinham passagens ou ainda estavam<br />

passando pelo exercício de cargos em órgão civis que eram retratados todo o tempo pelo<br />

Jornal Folha do Norte.<br />

A percepção maior desta identificação do Jornal Folha do Norte com a UDN e o<br />

udenismo apreciam em suas páginas principalmente nas campanhas eleitorais da Frente<br />

Democrática Feirense, dos prefeitos 65 candidatos pela UDN e vereadores e na descrição<br />

do exercício dos cargos. Desde a primeira eleição para prefeito em Feira de Santana pós<br />

Estado varguista, o jornal apoiava udenista, como foi o caso de Carlos Bahia (UDN)<br />

filho do ex-intendente da cidade Bernadino Bahia depois do fim do estado varguista.<br />

Isto tinha certa obviedade já que o órgão de imprensa pertencia a Arnold Silva que foi<br />

membro do diretório local do partido, chegando a ocupar inclusive o cargo de<br />

presidente. O jornal apoiou, através de seus articulistas, as candidaturas e/ou os<br />

governos udenistas e arenistas de João Marinho Falcão (1955-1959), Arnold<br />

Silva(1959-1962), Joselito Amorim (1964-1967) 66 e de João Durval (1967-1971) 67 .<br />

A década de 1950 e João...<br />

A composição da UDN feirense não era disforme com a nacional. Empresários,<br />

setor agrário, intelectuais e etc. Havia uma forte presença da família Falcão, que terá<br />

63<br />

Foram membros do Lions Club, Fernado Pinto de Queiroz, Wilson Falcão, Hugo Navarro, Arnold Silva<br />

e outros.<br />

64<br />

Folha do Norte. 10/05/1958.<br />

65<br />

Jornal Folha do Norte. 02/08/1947 & 09/08/1947.<br />

66<br />

Joselito Amorim não foi candidato, assumiu a prefeitura através de indicação pós o golpe de 1964 que<br />

destituiu Francisco Pinto do poder.<br />

67<br />

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). p. 32.<br />

25


prefeitos como o já citado João Marinho, Joselito Amorim Falcão, Newton Falcão, além<br />

de vereadores eleitos. João Durval Carneiro, diferentemente da grande “família UDN<br />

Falcão”, assim era um profissional liberal, porém o que conseguiria maior expressão na<br />

carreira política local na passagem pela UDN 68 .<br />

João Marinho (1955-1959) e Arnold Silva (1959-1962) seu sucessor e<br />

correligionário desde tempos áureos 69 , herdou da administração anterior, uma cidade<br />

afogada em dividas 70 , o que teria inspirado João Marinho a propor a não remuneração<br />

do prefeito e vereadores até a amortização das dividas 71 , porém importante observar que<br />

a administração de Almaquio Boaventura, antecessor de João Marinho é responsável<br />

por uma série de projetos de leis que previam melhorias para cidade. Porém na sua<br />

substituição por João Marinho Falcão, o Folha do Norte descreve sua estada no poder<br />

municipal como uma experiência negativa, acusa o ex-prefeito de falsificação de<br />

documentos, desvio de dinheiro da Santana Casa de Misericórdia e da Fazenda Nacional<br />

e também de mandar jagunços seus agredir no dia 12 de setembro de 1952 o editor do<br />

Jornal. Sobre varias acusações contra Almaquio Boaventura é que a UDN ganha<br />

posições importantes e derrota o PSD. 72 Na intensa disputa pelo crescimento do partido,<br />

o Jornal Folha do Norte relatava semanalmente realizações de seus membros no<br />

executivo e no legislativo.<br />

Há indícios que João Durval era político talentoso, respondia devidamente a<br />

anseios da população local e de setores dominantes da cidade. Reclamações que<br />

freqüentemente apareciam em forma de debates nos Jornais locais eram alvo dos<br />

projetos de lei proposto pelo “edil” e pelo seu companheiro partidário Joselito Amorim.<br />

É assim que a abertura do Ginásio Noturno, ampliação de verbas para rede elétrica da<br />

escola, calçamento de ruas, destinação de verbas para o lar do Irmão Velho, Sociedade<br />

Baiana de Medicina, Associação Cultural Filinto Bastos e a Liga Contra Tuberculose 73 ,<br />

aparecem como projetos, e esta última entidade com importância destacada, já que<br />

68 No Nordeste a UDN tinha as mesmas bases do PSD. Ver: BENEVIDES, Maria Victoria. A União<br />

Democrática Nacional. In: FLEISHER, David V. Os partidos políticos no Brasil. Brasília: EDUNB,<br />

1981.<br />

69 Arnold Silva era proprietário, diretor e jornalista do Folha do Norte. FALCÃO, João. A vida de João<br />

Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p. 93.<br />

70 Segundo matérias do Folha do Norte e livro de João Falcão e Adnil Falcão, op. Cit.<br />

71 FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, p. 105.<br />

72 . Importante observar que nas eleições de 1953 para prefeito, a coligação nacional e Estadual entre PSD.<br />

e PTB é desfeita em Feira de Santana sendo que Hamilton Cohim como candidato do PTB obteve 3.058<br />

votos contra 3.671 de Eduardo Froés da Mota pelo PSD e o eleito João Marinho Falcão pela UDN com<br />

5.477. Jornal Folha do Norte. 23/01/1954<br />

73 Folha do Note. 08/03/1959 e 15/03/1958. Ano de intensificação da campanha contra a tuberculose.<br />

26


campanhas de prevenção a doença são vistas sempre no jornal desde o inicio da década<br />

de 1950.<br />

O mandato de João Marinho foi marcado pela reorganização da administração<br />

municipal, o fim da era dos pessedistas que perdem espaço inclusive na Câmara<br />

Municipal.<br />

Vereadores da Gestão de João Marinho Falcão (1955-1959)<br />

PATI<strong>DO</strong>S VERE<strong>DO</strong>RES TOTAL<br />

União Democrática Nacional –<br />

UDN<br />

Joselito Amorim Falcão, Wilson Falcão<br />

da Costa, Walter Nick, Arthur Vieira de<br />

Oliveira, João Durval e Augusto<br />

Mathias<br />

Partido Social Democrático – PSD Dorival Oliveira, Osvaldo Monteiro<br />

Pirájara, Antonio Araújo e Colbert<br />

Martins.<br />

Partido Trabalhista Brasileiro Jorge Watt, Mário Porto e Antonio<br />

Lourenço Nery<br />

Fonte: LEONY, Yolanda Cruz Barreto. Experiência de Organização de<br />

trabalhadores Urbanos em Feira de Santana (1945-1964). UEFS, 2009. p.30-31.<br />

A disposição da maioria na Câmara Municipal facilitava a aprovação de projetos<br />

e denotava a dominação udenista, e o prefeito conseguiu também o apoio do PTB,<br />

proclamado por Jorge Watt, e do PSD. Para a candidatura de João Marinho foi intentada<br />

uma coalizão entre os partidos de oposição que não deu certo, porém, parecia ser um<br />

momento oportuno para a gestão desafogar a município das dívidas e retomar o<br />

progresso para a cidade, o que registra entendimento entre os grupos políticos em torno<br />

dessa pauta. 74 Eram debatidos projetos que garantissem o embelezamento da cidade,<br />

higiene pública, comércio e etc. João Durval foi presidente da câmara entre 1959 e<br />

1961, biênio em que “sua popularidade em Feira de Santana cresce assustadoramente”<br />

por não medir “esforços em função do progresso de sua terra” 75 , era o edil que mais<br />

propunha projetos de leis ou que atuou em projetos de resolução. Os projetos de lei<br />

FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax, 1993. p.<br />

89 - 99. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado).<br />

75 MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 19<br />

06<br />

04<br />

03<br />

27


versavam sobre temas diversos, como abertura de créditos para encontro de juventude<br />

católica, nome de ruas, etc 76 . Segundo Mattos, havia uma memória de feirenses<br />

contemporâneos que retinha momentos de superlotação da Câmara, para ver os debates<br />

em que este estava envolvido 77 . Descreve ainda que João Durval havia sido o vereador<br />

que mais “aprovou projetos”, principalmente em beneficio a zona rural do município 78 .<br />

Apesar de mais projetos aprovados entre 1959-1961, o ano de 1956 foi marcante<br />

para o crescimento de João Durval enquanto vereador, pois, encaminhou à Presidência<br />

da República solicitação da conclusão da BR-324 79 , enviou à Companhia de Energia<br />

Elétrica da Bahia (CEEB) 80 reivindicação de nova rede telefônica na “segunda cidade<br />

mais importante do Estado” e ainda no mesmo ano um requerimento à Presidência<br />

pedindo soluções para os problemas da indústria fumageira do recôncavo baiano que<br />

passava por dificuldades 81 .<br />

Inaugurado um novo tempo administrativo na cidade 82 , convinha reconhecer<br />

pelo executivo e legislativo do município o contexto de modernização pelo qual a<br />

cidade passava: pavimentação de ruas, comércio crescente, estradas e um simbólico<br />

trânsito moderno, complexo, com carros, caminhões e bicicletas.<br />

Entre 1959 e 1962, durante a segunda gestão de Arnold Ferreira da Silva, os<br />

Currais Modelo foram transferidos dos arredores da zona central (atual<br />

quarteirão onde se encontram o Museu de arte Contemporânea, o Ginásio<br />

Municipal, a Biblioteca Municipal, o Fórum Filinto Bastos, a SUCAM e uma<br />

Loja Maçônica) para um local mais distante, no bairro da queimadinha (...) 83<br />

76<br />

Projetos e Leis do Vereador João Durval Carneiro. Câmara Municipal de Vereadores de Feira de<br />

Santana<br />

77<br />

MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 19.<br />

78<br />

Idem, Ibidem. p. 19.<br />

79<br />

Ata Da Câmara Municipal de Feira de Santana. 6° Sessão Extraordinária 03/09/1956. Oficio do Rotary<br />

Club a Câmara enviando cópia de um telegrama, sobre o reinicio da obras da rodovia Bahia-Feira. Ata Da<br />

Câmara Municipal de Feira de Santana. 7° Sessão Extraordinária05/09/1956. “... o sr. João Durval<br />

apresentou Requerimento subscrito por toda a Casa, no sentido de dirigir-se um apelo ao Sr. Presidente da<br />

Republica, pela conclusão da pavimentação da rodovia Bahia-Feira”. O Oficio foi enviado também ao<br />

governador do Estado da Bahia.<br />

80<br />

João Durval aparece em atas da Câmara Municipal debatendo necessidade de iluminação publica para<br />

cidade e para o funcionamento do Ginásio Noturno. Ata da Câmara Municipal de Feira de Santana. 80°<br />

Sessão Geral. Câmara Municipal de Feira de Santana. Reproduzida também pelo Jornal Folha do Norte.<br />

05/04/1958.<br />

81<br />

MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983. p. 20.<br />

82<br />

Referimo-nos ao mandato de João Marinho Falcão e Arnold Silva.<br />

83<br />

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). p. 43.<br />

28


O centro era alvo de disputa por espaço em uma cidade onde eram observáveis<br />

sentimentos de modernidade 84 . Momento onde<br />

As elites em ascensão ao requererem prestigio social e político dentro da<br />

cidade procuravam na tentativa de legitimação do aparato do Estado, através<br />

da valorização das instituições jurídicas e policiais, uma maneira de<br />

afirmarem-se no poder em oposição em oposição as antigas autoridades –<br />

“fidalgos e vaqueiros”- que tinham em torno de si uma concepção própria de<br />

justiça que orientava suas ações, e a dos indivíduos a elas ligada, no cotidiano<br />

da cidade. 85<br />

São esses grupos das chamadas elites “em ascensão, - intelectuais, judiciários,<br />

profissionais públicos e comerciantes”, principalmente os membros do setor comercial<br />

que buscam “inserir a cidade em todos os aspectos da modernidade que embalava as<br />

outras cidades brasileiras” 86 . O aparelho de representação desse grupo dos comerciantes<br />

é organizado em 1945, a Associação Comercial de Feira de Santana (ACFS) que viria a<br />

ser um dos órgãos que mais pressionaria publicamente pela reorganização da cidade.<br />

Segundo Poppino 87 já em 1950 a feira semanal havia perdido a primazia enquanto<br />

mercado mais rentável para a cidade pois era agora o comércio quem detinha maior<br />

importância possibilitada pelo crescimento do volume de transações. Ana Maria de<br />

Carvalho 88 identifica que na década de 1950 o comércio era muito dinâmico e que o<br />

crescimento era tamanho entre 1960 e 1970, que a cidade teria “duas vezes mais<br />

números de estabelecimentos comerciais e de serviços” 89 . Essa ascensão comercial<br />

possibilitou a maior organização dos comerciantes enquanto fração da classe dominante.<br />

84 O sentimento de modernidade é identificado historicamente no século XIX definido como (...) viver<br />

uma vida de paradoxo e contradição, [...], é encontra-se em um ambiente que promete aventura, poder,<br />

alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo<br />

ameaça destruir tudo o que temos tudo que sabemos tudo que somos [...]. Ver BERMAN, Marshall. Tudo<br />

que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.<br />

24. Sobre o trânsito citadino e os sentimentos de modernidade ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos<br />

Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano.<br />

(1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008. (Tese de Doutorado). passim<br />

85 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão(1930-<br />

1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado). p.243.<br />

86 Idem, p.14.<br />

87 POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã, 1968. p. 242.<br />

88 : OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado).<br />

89 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). p. 53.<br />

29


O protagonismo do setor comercial da cidade por meio de seu órgão de classe implica<br />

na grande força de influência que o grupo teve para por em pratica projetos políticos<br />

através da pressão sobre instituições públicas, como a prefeitura, o governo do Estado e<br />

mesmo a Presidência da Republica, esta alvo de solicitações por parte ACFS de<br />

resolução de problemas locais como o do abastecimento de água 90 .<br />

A modernidade entendida por Souza como sendo a concepção dos feirenses do<br />

período, era o “status auferido” pelo “progresso material e melhoramentos urbanos que<br />

a cidade apresentava” 91 . Neste contexto os poderes públicos através de seus tentáculos<br />

ganham mais força e visibilidade, quando da necessidade de ampliação do controle dos<br />

comportamentos sociais, e as reformas necessárias para o desenvolvimento da cidade<br />

para expansão dos interesses principalmente de frações comerciais.<br />

Um dos focos de afirmação da modernidade feirense era o comportamento de<br />

sujeitos que praticavam atos de violência, deslegitimando o controle do Estado. Este<br />

deveria tornar público a resolução de conflitos que antes eram resolvidos no âmbito do<br />

privado por indivíduos. O crescimento dos profissionais do direito e de um Estado<br />

monopolizador da violência gerava um complexo campo jurídico, sendo que este<br />

consiste na<br />

(...) existência de um universo social relativamente independente em relação<br />

às pressões externas, no interior do qual se produz e se exerce a autoridade<br />

jurídica, forma por excelência da violência simbólica legitima cujo<br />

monopólio pertence ao Estado e que se pode combinar com o exercício da<br />

força física. As práticas e os discursos jurídicos são com efeito, produto do<br />

funcionamento de um campo cuja a lógica especifica está duplamente<br />

determinada: por um lado, pelas relações de força especificas que lhe<br />

conferem estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais<br />

precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e , por outro<br />

lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento<br />

o espaço dos possíveis e deste modo, o universo das soluções propriamente<br />

jurídicas. 92<br />

90 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). Passim. A tese identifica que essa ascensão comercial e dos comerciantes gera o<br />

ideal de cidade progresso e comercial, defendida pelo setor e adensada pelos Jornais locais e pelos<br />

poderes públicos da cidade. Foram utilizadas pela autora cartas da ACFS endereçadas à prefeitura, ao<br />

Ministério do Trabalho, presidência da republica e governo do estado solicitando providências em relação<br />

a problemas que eram fonte de atraso para a “cidade progresso”.<br />

91 Idem, Ibidem.<br />

92 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.p. 211.<br />

30


Portanto o campo jurídico se caracteriza pela sua autonomia relativa dada pela<br />

“concorrência do monopólio do direito de dizer o direito” 93 , na luta pela apropriação da<br />

linguagem jurídica na interpretação de um corpus de textos e leitura legítima deste.<br />

Assim, nos conflitos deste campo, nas relações de força interna, ganha aquele que<br />

detiver mais habilidades desenvolvidas quanto ao uso do direito, “a apropriação de<br />

forças simbólicas” - neste caso os profissionais e não os sujeitos envolvidos diretamente<br />

nos conflitos - sendo que a autonomia é reconhecidamente relativa já que este campo é<br />

resultado do campo maior de poder, e que “a Justiça organiza segundo uma estrita<br />

hierarquia não só as instâncias judiciais e os seus poderes, portanto, as decisões e<br />

interpretações em que elas apóiam, mas também as normas e as fontes que conferem a<br />

sua autoridade a essas decisões” 94 .<br />

Souza 95 identifica entre a década de 1940 e 1950 na cidade o crescimento deste<br />

campo cujo reflexo social é o aumento do controle social por parte de instituições<br />

públicas, a exigência cada vez maior de perseguição dos costumes de grupos de<br />

trabalhadores, mulheres, imigrantes e outros. Esta idéia propagada por vários países foi<br />

fundamentada em ideais de “progresso” e “civilização” amplamente estudados por Elias<br />

Norbert 96 , por conseguinte manifestações locais de ideais deste tipo foram identificadas<br />

e analisadas por Souza, Clóvis Frederico Ramaiana Oliveira e Ana Maria de Carvalho. 97<br />

Segundo as elites descritas por Souza, “a ordem pública era condição imprescindível<br />

para que o trabalho e o avanço dos símbolos da modernidade pudessem ganhar espaço e<br />

visibilidade” 98 .<br />

Neste período que os processos de perseguição ocorrem contra costumes<br />

comuns e há uma valorização do direito, permitindo a ascensão política de advogados<br />

93 Idem, p.212.<br />

94 Idem, p.214.<br />

95 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão(1930-<br />

1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado).<br />

96 ELIAS, Norbert. O processo civilizador : formação do estado e Civilização, V 2. 2. Rio de Janeiro: J.<br />

Zahar, 1993.<br />

97 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado). OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana. De Empório á Princesa do Sertão:<br />

utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação. (Mestrado em História) – UFBA,<br />

Salvador, 2000. SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do<br />

Sertão (1930-1950). UFBA, 2008. (Dissertação de Mestrado).<br />

98 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da Valentia: Violência e Modernidade na Princesa do Sertão (1930-<br />

1950). UFBA, 2008. p. 69. (Dissertação de Mestrado).<br />

31


como Jorge Watt e Francisco José Pinto que se elegem para câmara de vereadores 99 .<br />

Jorge Watt foi defensor da ordem (controle) pública através de ações jurídicas e atuou<br />

de forma incisiva em publicações no Jornal Folha do Norte em favor de uma polícia que<br />

trabalhasse bem em benefício de uma moralização dos costumes que este defendia o que<br />

pode ser traduzido por uma ordem pública vigilante e punitiva.<br />

Na imposição de determinada relação de poder, os aparelhos municipais e<br />

estaduais eram criados, inclusive privados como o caso da Guarda Noturna financiada<br />

pelos comerciantes. Na pressão da imposição de um modelo civilizatório em oposição a<br />

modelos civilizatórios próprios dos feirenses populares ou da sociedade civil, os<br />

vereadores sempre respondem em consonância com sua representação de classe. É<br />

assim que resoluções da câmara resolvem ou compram a briga contra policiais, os<br />

costumes, o Estado e dos grupos locais dominantes, como na tentativa do controle das<br />

atividades policiais, já que seus executores também abusavam da sua posição e<br />

comportavam-se de forma incivilizada. A policia era vigiada, pois na lógica do Estado<br />

como um mecanismo a ser operacionalizado por uma classe ou fração de classe, este<br />

grupo dominante deveria regular também os comportamentos dos policiais de acordo<br />

com o modelo de civilidade a ser seguido. Há uma tentativa crescente de controle por<br />

parte da sociedade política sobre a civil.<br />

O controle da violência e sua reprodução é tema já amplamente pesquisado. Nas<br />

referências bibliográficas encontra-se a principal reflexão e conclusão sobre a passagem<br />

do processo punitivo para a vigilância como sendo muito mais produtiva para um<br />

modelo econômico sustentado por um grupo social (capitalista) que apóia e alarga a<br />

necessidade de um aparato de controle social e legitimação de sua posição de<br />

subordinador de outros grupos. O aparecimento de notícias sobre crimes e, constantes<br />

cobranças da presença da polícia e a cadeia como instrumento de controle público da<br />

violência, são reflexos de uma ampliação da possibilidade do Estado atingir cada vez<br />

mais a sociedade, ampliar sua atuação e controle, pois quanto mais notícia mais cresce o<br />

pedido da guarda, da polícia, e isso significa que o Estado é um pedido público<br />

consensuado entre dominantes e subalternizados como uma necessidade. O Folha do<br />

Norte freqüentemente relata atos de delinqüência na cidade e pede providência à polícia<br />

e aos poderes instituídos. “Sem delinqüência não há policia. O que torna a presença<br />

99 Jorge Watt foi eleito pelo PTB em 1954, Francisco José Pinto teve o mandato entre 1951-1955 sendo<br />

estudante de direito na época que o exerceu.<br />

32


policial, o controle policial tolerável pela população se não o medo do delinqüente?”<br />

100 Neste ponto encontramos a construção da necessidade social do controle policial na<br />

cidade. Portanto a conclusão de Foucault é pelo caminho da reprodução da delinqüência<br />

como um projeto da economia política moderna que percebeu resultados positivos<br />

quanto à elaboração dessa vontade coletiva de um aparato de controle do Estado.<br />

Nesta cidade a polícia deveria controlar os divertimentos públicos e, também, o<br />

jogo, um dos principais alvos desse projeto de novas redefinições do comportamento<br />

dos feirenses, tanto no Jornal Gazeta do Povo quanto no Folha do Norte, o jogo é<br />

matéria constante, chegando a render reconhecimento elogioso para João Durval,<br />

enquanto prefeito interino, no Gazeta pela sua atitude perante o controle da jogatina e<br />

sua honradez e moral, por outro lado e como conseqüência das suas atitudes,<br />

desencadeou severas criticas ao prefeito Arnold Silva 101<br />

Os costumes mudavam de referencial, o homem urbano ganhava cada vez mais<br />

espaço na cidade, os representantes políticos que mais crescem são sujeitos de formação<br />

superior, acadêmicos que iam até a capital buscar conhecimento. Hás uma<br />

desruralização das sociabilidades feirense e em contrapartida um avanço de práticas<br />

citadinas, a organização da cidade pelos poderes públicos é intensificada, mesmo as ruas<br />

nomes que abrigavam nomes com significações emanadas da oralidade, passam a ser<br />

renomeadas por ações burocráticas que acabam por levar ao esquecimento as práticas<br />

costumeiras 102 . Ao ler a cidade através da obra de Eurico Alves, Clóvis Ramaiana<br />

percebe mudanças nessa, os grupos ascendentes na economia local “introduziam valores<br />

estranhos à sociedade pastoril e, em certa medida, destroçavam equilíbrio dos velhos<br />

solares rurais” 103 . Muda-se segundo Clóvis, a maneira de usar o solo, este uso ganha<br />

um valor utilitário, descartado assim o seu valor de uso em favor do valor de troca.<br />

Neste tempo João Durval conseguia ascensão política e a partir principalmente<br />

de 1958, seu segundo mandato, ganhava popularidade nas páginas dos jornais e também<br />

na câmara municipal, aparecendo como representante do no novo perfil citadino de<br />

100 FOUCAULT, Michel; MACHA<strong>DO</strong>, Roberto (Org.) Microfísica do poder. 13. Ed. Rio de Janeiro:<br />

Graal, 1998. p. 137-138. Ver principalmente FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da<br />

prisão. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.<br />

101 Jornal Gazeta do Povo. 08/11/1959. Ver também: Jornal Gazeta do Povo 01/11/1959.<br />

102 Ver Oliveira, Clóvis Frederico Ramaina. Currais, clubes e modelos: Eurico Alves leitor de Feira de<br />

Santana, 1940-1960. Texto não publicado.<br />

103 Idem, Ibidem.p. 10.<br />

33


Feira. A observação das atas da câmara confirma 104 que João Durval se destaca no<br />

acompanhamento e proposição de debates, o que rendeu louvores para si, sendo tratado<br />

pelos jornais locais como um sujeito político que provocava consenso sobre suas<br />

atividades mesmos entre aqueles que se posicionavam constantemente na oposição à seu<br />

partido. Mesmo o Jornal Gazeta, órgão de imprensa da oposição, rende galanteios a<br />

Durval. Na discussão sobre a proibição do jogo na cidade, em momento onde Durval<br />

assumia a Prefeitura de forma interina, disse que este vivia “(...) um dos dramas de<br />

consciência dos mais terríveis de sua vida”, resistindo o “bando da corrupção” que<br />

segundo o jornal “insistia em subornar as autoridades”. O prefeito foi descrito pelo<br />

como “Moço honrado...” que “vê-se acossado pelo sindicato do vicio e da corrupção...”<br />

105 Este era o João Durval, crescente representante de um projeto moral, conservador e<br />

dito “moderno” que conseguiu reunir em torno de si, ou foi reunido à harmonia de<br />

grupos e frações de classes distintas.<br />

Precedentes de uma renovada gestão.<br />

Para João Durval chegar ao governo municipal, precisou vencer oposições e,<br />

quando conseguiu, lutar pelo estabelecimento de referenciais novos de organização<br />

administrativa e modernização local para buscar resguardar na memória coletiva de<br />

Feira de Santana um papel relevante como homem que trouxe o “progresso” local e<br />

colocou a cidade entre os grandes pólos industriais e econômicos do país. Para tanto,<br />

João Durval deveria subjugar a recente memória política de participação popular<br />

demonstrada no governo de seu principal opositor político, Francisco José Pinto (1963-<br />

1964) ou simplesmente Chico Pinto. A carreira política destes sujeitos seria marcada<br />

por disputas acirradas, a começar pela eleição municipal de 1962.<br />

As campanhas eleitorais de 1962 permitem-nos visualizar o crescimento local de<br />

personagens políticos que passam a desenvolver papéis de relevância em novos<br />

contextos políticos sociais locais e nacionais. Os momentos finais do governo de Arnold<br />

Silva levam à convenção local da UDN a escolha de um novo candidato, rapaz jovem,<br />

104 “Moção de Confiança ao Sr. João Durval Carneiro, Presidente da Casa que, ainda novo no mister, vem<br />

de maneira impecável, servindo com lisura e dignidade, a Casa do povo. Foi a mesma aprovada<br />

unanimemente”. Coluna Semana Legislativa. Jornal Gazeta do Povo. 10/05/1959.<br />

105 Jornal Gazeta do Povo. 01/11/1959.<br />

34


de formação na capital, um representante legitimo dos novos comportamentos citadinos,<br />

prefeito interino, e acima de tudo um defensor da moral e dos bons costumes.<br />

Repete-se a nível regional e local a coligação partidária estabelecida entre UDN-<br />

PTB para presidência e congresso nacional. Ao lado de Jânio Quadros (UDN) e João<br />

Goulart (PTB), o candidato baiano da coligação para o governo do Estado é Lomanto<br />

Jr.(PTB) e para prefeitura local, João Durval Carneiro. Em contrapartida o PSD local<br />

convida Chico Pinto a candidatar-se e disputar o pleito contra João Durval. Pinto relata<br />

que o convite se relacionava a seu ganho de popularidade devido o exercício da<br />

advocacia 106 em sindicatos de trabalhadores da cidade, o convite seria feito pela maior<br />

liderança do partido Eduardo Fróes da Mota na tentativa de renovação do partido 107 .<br />

A eleição de 1962 é primeira disputa em que o PSD contaria com apoio do PCB<br />

local que, segundo Chico Pinto, sempre apoiava a UDN sendo a primeira vez que ficou<br />

ao lado de seu partido 108 . O PCB já contava com certo crescimento na cidade, havia<br />

conseguido eleger o vereador Humberto Mascarenhas para o pleito entre 1959 a 1962 e<br />

segundo militantes do partido havia uma participação expressiva destes em sindicatos e<br />

organizações como a Associação Feirense de Estudantes Secundaristas (AFES) 109 . O<br />

apoio do PCB levantou a desconfiança da UDN, tendo como conseqüência a<br />

intensificação no Folha do Norte de textos anticomunistas na disputa eleitoral.<br />

Francisco Pinto foi freqüentemente associado ao comunismo pelo jornal Folha<br />

do Norte, e o principal articulador da campanha “vitoriosa de João Durval” 110 órgão<br />

critico da candidatura de Pinto no órgão foi o sobrinho de Arnold Silva e candidato a<br />

Câmara Municipal, Hugo Silva.<br />

Na campanha de 1962, o Folha do Norte intensifica seus ataques ao PSD, que já<br />

possuía seu próprio órgão de imprensa para desenrolar sua campanha 111 . Na briga entre<br />

106 Chico Pinto diz que seu primeiro mandato enquanto vereador não foi muito bom, pois este estudava<br />

em Salvador na Faculdade de Direito o que lhe tomava muito tempo aumentando sua distância para com a<br />

cidade. Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />

107 Ver: NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia: historia oral de vida<br />

política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. P.143. & CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira:<br />

sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia).<br />

108 Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />

109 Depoimentos de ex-militantes do partido contidos no vídeo do Seminário Chico Pinto: Democracia e<br />

Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo LABELU – UEFS, em Setembro de 2007. (DVD)<br />

110 Folha do Norte, 11/08/1962.<br />

111 Para esta pesquisa só tivemos acesso a uma parte do Jornal Gazeta do Povo que compreende o período<br />

de 1959-1960 e encontra-se digitalizado no acervo do Labelu. À segunda parte do Jornal Gazeta do Povo<br />

que compreende o período entre 1960-1964 não foi encontrada.<br />

35


os dois Jornais, alguns episódios foram marcantes, como o empastelamento do Gazeta<br />

do Povo em 1959, após o arrombamento realizado por Itamar Silva, sobrinho do<br />

prefeito Arnold Silva. As motivações estariam relacionadas à potencial disputa por<br />

espaços e leitores que o Gazeta fazia com o Folha, as criticas a gestão municipal do<br />

prefeito udenista e o provável crescimento do PSD através desse órgão 112 . As disputas<br />

eram mais antigas que as candidaturas de 1962, mas é neste momento que oposição e<br />

situação tornam-se mais duros uma com a outra.<br />

As descrições e chamadas de campanha enunciadas no Folha do Norte davam a<br />

vitória certa para João Durval, sempre informava os locais dos seus comícios ou melhor<br />

“marcha para vitória” e constantemente havia a presença do “futuro governador da<br />

Bahia” 113 Lomanto Jr. A coluna social à época relatava os locais onde passavam os<br />

candidatos, pedia-se votos e chegou a descrever as atividades da sua esposa como sendo<br />

uma “candidata” 114 a primeira dama pela UDN, quando da instalação da campanha<br />

contra o câncer pela presidente da Liga Contra o Câncer Yeda Barradas Carneiro no dia<br />

18 de agosto na biblioteca Municipal Arnold Silva 115 . A UDN ainda dispunha para<br />

desenrolar a campanha eleitoral de um posto Médico-dentário para atendimento público<br />

preparado pela “Ação Democrática”. 116<br />

Na construção da “vitória” de João Durval, não era exatamente o seu programa<br />

que tomava o tempo do principal articulador desta no Folha do Norte, eram Chico Pinto<br />

e o PSD que despendiam todo o tempo de Hugo Silva. A cada número do jornal as<br />

capas eram ocupadas por textos de ataques longos ao tipo de campanha desenvolvida<br />

pela oposição, e as características de um candidato que se quer sabia escrever 117 , que<br />

Enverga trajes proletários, alardeia uma posição de esquerda, quase<br />

comunista, como se todos latifundiários pessimistas houvessem distribuído,<br />

ontem, com os pobres, suas vastas propriedades... 118<br />

A postura do PSD na escolha de Chico Pinto para candidato parecia ser um dos<br />

motivos do grande incômodo de Hugo Silva. O colunista escreveu textos sobre o que<br />

112<br />

O arrombamento não ocasionou o fim do Jornal. Ver: CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira:<br />

sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia). p.30-31.<br />

113<br />

Era assim que o Folha do Norte descrevia João Durval e Lomanto JR. Futuro prefeito e futuro<br />

governador. Ver: Folha do Norte, agosto e setembro de 1962.<br />

114<br />

É sabido que ninguém se candidata a primeira dama em uma eleição formal.<br />

115<br />

Folha do Norte. 25/08/1963.<br />

116<br />

Folha do Norte.11/08/1962.<br />

117<br />

Folha do Norte. 15/09/1962 & 22/09/1962.<br />

118<br />

Folha do Norte. 01/09/1962.<br />

36


teria sido o abandono do PSD ao candidato Pinto, que havia se associado aos<br />

comunistas e homens de procedência duvidosa. Os comunistas eram de fato quem<br />

controlavam o partido, pois com o afastamento dos pessedistas Pinto “se deixou cercar,<br />

então, para não ficar sozinho nos comícios, de um grupo de homens perigosos” 119 , disse<br />

Hugo: “os comunistas, dirigem e orientam, conduzem os pessedistas” 120 . O PSD que<br />

prometia uma “renovação” na gestão da prefeitura em caso de vitória, não o faria<br />

segundo o colunista, pois o partido se intrometia nas gestões municipais de seus<br />

prefeitos, o que era colocava a política partidária acima dos interesses municipais, atrás<br />

do “Pinto haviam raposas” 121 , Pinto poderia ser enquadrado naquilo que Lúcia Hipollito<br />

chamou de reformistas do PSD, lideranças mais jovens, voltadas para as demandas do<br />

emergente leitorado urbano. 122<br />

Nesta perseguição gráfica e ortográfica ao PSD e Pinto, Durval aparecia em<br />

textos menores, mas de capa, como uma vitória certa e esmagadora sobre o adversário.<br />

Apesar do não acesso ao Jornal Gazeta do Povo desse período, o Folha do Norte nos<br />

traz uma imagem privilegiada da campanha de Pinto, pois Hugo Silva fazia questão de<br />

descrever seus comícios, sujeitos que compunham a sua base eleitoral, lugares<br />

freqüentados, trajes usados e mesmo o comportamento dos sujeitos nos atos públicos 123 ,<br />

o fato é que a campanha de Pinto e contra Pinto apareciam mais que a da própria Frente<br />

Democrática-Trabalhista 124 e seus candidatos a prefeito e vereador. Para além, o jornal<br />

nos permitiu identificar grupos dos quais os candidatos se cercavam, enquanto Durval<br />

aparecia com candidatos do empresariado local, representantes dos grupos dominantes,<br />

Pinto surgia como o primeiro candidato a prefeito que circulava nos meios operários da<br />

cidade. Segundo o próprio Pinto, seus votos eram solicitados aos trabalhadores e não à<br />

“burguesia” 125 local. Enquanto a campanha de João Durval o colocava vitorioso e<br />

119<br />

Folha do Norte. 25/08/1962.<br />

120<br />

Folha do Norte. 08/09/1962<br />

121<br />

Folha do Norte. 25/08/1962.<br />

122<br />

HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-<br />

64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.<br />

123<br />

Foi comum a aparição no Jornal de denuncias de agressão a pessoas que acompanhavam a “marcha da<br />

vitória” de João Durval e a frente democrática-trabalhista.<br />

124<br />

A Frente era composta pela UDN e PTB, sendo que João Durval conseguiu apoio de um setor do<br />

Partido Libertador através da Professora D. Laura Folly. Folha do Norte, 01/09/1962.<br />

125<br />

Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />

37


anunciava 85% de votos para este 126 , Pinto usava o slogan, “Francisco Pinto na<br />

prefeitura é o povo governando” 127 .<br />

O episodio final dessa disputa é a derrota de João Durval para Francisco Pinto<br />

por1960 por 43 votos 128 , eleição em que Pinto considerou-se “candidato sitiado, um<br />

candidato de guerra, e uma vitória penosa” 129 . Nota-se que o Folha do Norte só publica<br />

o primeiro resultado parcial, onde João Durval aparecia na corrida eleitoral a frente com<br />

4.365 votos contra 4.277 de Pinto 130 . Após a apuração total o jornal permanece no<br />

silêncio da derrota tanto para prefeito, como para vereadores, pois o PSD conseguiu<br />

maioria na câmara e foi partido mais bem votado. A derrota da UDN só aprece<br />

explicita no jornal no ano seguinte quando este diz que o PSD<br />

(...) obteve uma vitoria de Pirro, já que uma prefeitura de nada vale sem o<br />

apoio do govêrno apenas serve para atrair desprestígio e antipatia,<br />

principalmente quando o prefeito eleito tem programas irrealizáveis... 131<br />

O governador eleito foi Lomanto JR. fazendo da frente democrático-trabalhista<br />

vitoriosa na Bahia. Por outro lado as promessas “irrealizáveis” às quais se referia o<br />

texto, eram ampliação do quadro de funcionários, centro de abastecimento, participação<br />

popular na gestão com a criação de novas secretárias e cargos, máquinas de costuras<br />

para mocinhas pobres, casa para operários, ferramentas de trabalho para trabalhadores,<br />

gêneros alimentícios pelo preço de custo, isenção de impostos para barraqueiros serviço<br />

eficiente de água, serviço de esgoto. 132<br />

Renov(ação)...<br />

O governo de Pinto começa com uma acirrada disputa entre os periódicos Folha<br />

do Norte e Gazeta do Povo, e a contenda leva o Lions Club a pedir o fim da briga entre<br />

os jornais 133 . A diferença entre os dois se dava em acusações de perseguição por parte<br />

126 Folha do Norte. 29/09/1962.<br />

127 O slogan de João Durval dizia: “João Durval na prefeitura é João Durval governando”. SANTOS, Ana Maria<br />

Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de Santana (1963-1964). Revista<br />

Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001. p. 36.<br />

128 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia. 2006.<br />

129 PEQUENA HISTÓRIA DE UMA ÉPOCA, documento do acervo do LABELU.<br />

130 Folha do Norte. 13/10/1962.<br />

131 Folha do Norte. 12/01/1963.<br />

132 Folha do Norte. 19/01/1963.<br />

133 Folha do Norte. 09/02/1963.<br />

38


do opositor. Hugo Silva agora dispunha de um mandato na câmara, e sua atuação na<br />

cidade se desenvolveria entre os territórios da sociedade política e civil, através do<br />

jornal.<br />

Em 1963, inicio da gestão de Francisco Pinto, Jânio Quadro (UDN) já havia<br />

abandonado a Presidência da República favorecendo a ascensão de seu vice João<br />

Goulart (PTB). Jânio não contava com maioria no Congresso Nacional, pois 64, 1% dos<br />

componentes eram de partidos de oposição 134 o que o levou a uma manobra de busca de<br />

diminuição da legitimidade do Congresso junto à sociedade, levando este a restituir sua<br />

influência causando implicações para o governo de Jango 135 .<br />

O governo Goulart é um momento onde tensões sociais se acirram, “a luta de<br />

classe no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos” 136 . Há um aumento na<br />

participação popular no país, uma ampliação da democracia. Goulart fazia um governo<br />

que admitia como meta as reformas de base para o desenvolvimento do Brasil e a<br />

continuidade do programa de Jânio da Política Econômica Independente (PEI), que<br />

levantava a desconfiança de setores multinacionais 137 .<br />

Em Feira a oposição udenista achava suas oportunidades de ataque ao governo<br />

federal na Câmara Municipal e no Folha do Norte. Assim é que acusa o colunista<br />

Fernando Mendes Filhos de ser a greve um instrumento de assalto ao poder, estando os<br />

sindicatos dominados em sua maioria,<br />

por uma diretora chamada Comando Geral de Greve (CGT). Este por sua vez<br />

está nas mãos dos comunistas e é prestigiado, sustentado e incentivado pelo<br />

Govêrno, que lhe dá salvo conduto para realizar amplo programa de<br />

sovietização do país. 138<br />

134<br />

LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre as relações políticas entre<br />

Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57,<br />

jan-jun., 2009. p. 189.<br />

135<br />

Um exemplo das conseqüências das manobras usadas pelo Congresso é a instalação do regime<br />

parlamentar em 1963. Ver: LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre<br />

as relações políticas entre Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São<br />

Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57, jan-jun., 2009.<br />

136<br />

TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. Revista Brasileira de<br />

História, São Paulo, v. 24, n. 47, 2004, p.2.<br />

137<br />

Foram enviadas por Jânio missões diplomáticas a países socialistas para realização de acordos<br />

comerciais. LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a Democracia: considerações sobre as relações<br />

políticas entre Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH,<br />

vol. 29, n° 57, jan-jun., 2009. p. 202.<br />

138<br />

Folha do Norte. 23/02/1963.<br />

39


Não só o governo Jango é alvo de criticas pela UDN e seu órgão, mas Chico<br />

Pinto, este é o verdadeiro inimigo do povo feirense que deve ser visto com muita<br />

desconfiança pelos citadinos. A ameaça estava sentada a cadeira do paço municipal e<br />

deveria ser contida em seu governo sindicalista, assim é que Pinto continua em capas do<br />

Jornal Folha do Norte.<br />

Apesar das constantes acusações de esquerdismo 139 , comunismo, de ser contra a<br />

democracia e contra a família cristã, Francisco Pinto começa um governo com<br />

proposições formalizadas em projetos de leis 140 para concretização de seu programa de<br />

campanha 141 . O planejamento que memória política dominante considera associado ao<br />

governo posterior ao governo de João Durval (1967-1971) aparecia já na renovação de<br />

Pinto. É assim que o vereador Colbert Martins apresenta em 10 de outubro de 1963 o<br />

conferencista Prof. Walter Gordilho para explanação ”sobre o nosso Plano Diretor de<br />

Urbanismo” 142 . Em sua gestão são apresentados os mais variados projetos de lei que em<br />

sua maioria são reprovados pela Câmara em debates constantes com a oposição,<br />

principalmente a UDN. Nesse novo momento da história da cidade percebemos uma<br />

mudança nos debates realizados entre os vereadores. As disputas tornam-se mais<br />

incisivas 143 , falas mais agressiva, e a participação popular na Câmara aumentou no ano<br />

de 1963. Na época o<br />

apoio das organizações sindicais e estudantis sob a orientação do PCB, a<br />

aproximação com propostas populares, que alimentavam a administração<br />

federal do presidente João Goulart, levou, em certa mediada, a campanha de<br />

Francisco Pinto e sua administração aos limites do que parecia impossível em<br />

Feira de Santana; uma guinada para a esquerda dos discursos e práticas<br />

administrativas. 144<br />

Segundo Pacheco, “O histórico pessoal de Chico Pinto e a sua formação política<br />

podem ser apontados como justificativa para parte de suas atitudes como chefe<br />

139 Pinto afirma nunca ter sido comunista. Ver: Pinto Vem Aí! Filme de Olney são Paulo, 1976.<br />

140 Interessante que Pinto envia uma sugestão a Câmara, para quando da visita de Jango a Vitória da<br />

Conquista solicitar a construção de uma avenida de contorno na cidade, o que só seria realizado com o<br />

Plano de desenvolvimento Local e integrado no governo de João Durval Carneiro entre 1967-1971. Ata<br />

da 25° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 21/05/1963.<br />

141 Projetos de Lei do Prefeito Francisco José Pinto. Câmara municipal de Feira de Santana.<br />

142 Ata da 80° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 10/10/1963.<br />

143 Um exemplo é o requerimento do vereador Humberto Mascarenhas (PSD) solicitando ao Senado<br />

Federal uma reforma constitucional que possibilitasse a realização da reforma agrária, o que leva a<br />

debates intensos na Câmara. Ata da 30° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana.<br />

29/05/1963.<br />

144 SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />

Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001. p. 36.<br />

40


municipal em 1963” 145 . O próprio Pinto via-se como herdeiro do populismo getulista e<br />

das influências das idéias socialistas que havia aprendido na universidade, e mesmo da<br />

ética da UDN 146 . Sua atuação na administração provocou um “esvaziamento dos setores<br />

do PTB que estavam próximos a associações de trabalhadores e de bairro e daqueles que<br />

se vinculavam aos edis da UDN” 147 . Com a construção de uma Central de<br />

Abastecimento 148 na qual a Prefeitura eliminava o atravessador, que era comprador e<br />

revendedor de produtos para pequenos comerciantes da feira, o governo municipal<br />

caminhava para um modelo populista na mediação da relação entre Estado e<br />

trabalhadores, houve todo o estabelecimento de regras e lei tributárias que não haviam<br />

na cidade, para regular a venda de produtos e o apoio do executivo. Seu governo<br />

estabeleceu uma relação de proximidade com organizações de bairro e sindicatos no<br />

atendimento de demandas. Por fim o governo constitui outros mecanismos, como<br />

farmácia popular, suspensão de pagamento de impostos para os devedores de menos de<br />

5 mil cruzeiros, construção de albergues, e a participação em sua gestão de organizações<br />

sindicais, populares e estudantis como a AFES na Comissão de da Secretaria de<br />

Agricultura, Indústria e Comércio 149 .<br />

Um momento em particular evidenciou que a cidade vivia uma nova<br />

participação política popular. Em 29 de novembro de 1963, estudantes e trabalhadores<br />

ocuparam a Câmara, num protesto motivado pela necessidade da construção de mais<br />

uma escola de ensino secundário. A população quebra os móveis da Câmara e a sessão é<br />

suspensa 150 . Foi o primeiro registro encontrado por este pesquisador sobre o<br />

acompanhamento e intervenção de uma sessão da Câmara Municipal, por sujeitos que<br />

não detinha mandatos públicos, o que demonstra de fato a ocupação de novos espaços<br />

145 PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de<br />

Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. p. 93.<br />

146 Ver: NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: Semeadores da Democracia. História Oral de vida Política. Paz<br />

e Terra, 1998, p. 112.<br />

147 PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de<br />

Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. p. 93.<br />

148 A perspectiva do governo era eliminar os atravessadores, sendo que o produtor rural não teria um<br />

intermediador na venda do produto, garantindo um lucro maior par o trabalhador rural e um custo menor<br />

para trabalhador urbano. Para essa discussão e um aprofundamento maior sobre as relações de Pinto e o<br />

populismo em seu governo, ver: PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de feirantes de<br />

alimentos (1960-1990). Feira de Santana: 2009. Dissertação (Mestrado em História) – <strong>Universidade</strong><br />

Estadual de Feira de Santana, p. 87-100.<br />

149 No governo de Pinto é criada também a figura dos administradores de bairros para lidar com<br />

problemas comunitários para o auxilio da administração municipal. Idem, Ibidem. p.98.<br />

150 Ata da 110° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 29/11/1963.<br />

41


por novos sujeitos 151 . O protesto causou a perseguição à gestão do prefeito, que foi<br />

acusado de ser quem convocou o protesto Hugo Silva chegou a afirmar que “sempre<br />

previu” que isso aconteceria e, que “foi apenas o inicio do que pode acontecer”,<br />

continuando diz ainda que chegaram ao edil comentários de que a prefeitura mantinha<br />

um arsenal sob seu controle 152 .<br />

Pinto havia despertado a ira de opositores por sua aproximação com o<br />

governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Em um episodio conhecido como guerra<br />

dos currais 153 e o prefeito assumiu junto com a guarda municipal e homens dos<br />

subúrbios, a liderança de um enfrentamento aos fiscais do governo do estado contra a<br />

cobrança de impostos. Neste momento ele afastasse, até mesmo, das perspectivas do<br />

partido que lutava dentro das “regras do jogo democrático”. 154 A guerra dos currais já<br />

havia deixado lembranças fortes em seus opositores. Foi um momento de enfrentar o<br />

governo de Lomanto Jr. Que substituiu o secretário de finanças do governo municipal<br />

que era indicado pelo governo estadual, afinal o governo estadual queria garantir a<br />

cobrança de novas taxas também . O lugar escolhido teria sido os currais, devido esse<br />

local ser de grande importância para economia da cidade, segundo o Folha do Norte;<br />

O prefeito municipal, todo o secretariado e os oficiais de gabinete de carreira<br />

disponíveis no momento estavam entrincheirados, nos Currais do Município<br />

fortemente armados e dispostos a repelir, à bala, os prepostos da fiscalização<br />

estadual caso pretendessem arrecadar os impostos. 155<br />

O quebra-quebra da Câmara foi o último acontecimento de relevância de que a<br />

oposição pôde apropriar-se contra o prefeito. Joselito Amorim, vereador pela UDN,<br />

disse que havia “algo de podre” 156 no governo, que o povo da terra poderia esperar por<br />

algo perigoso. Hugo Silva acusou que havia uma “comunização em nosso município por<br />

parte do governo” 157 . Assim a Câmara se despedia do conturbado ano de 1963 para dar<br />

inicio a seu recesso e voltar somente com os militares na presidência da república.<br />

151<br />

Ver: SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />

Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, p31-44, Feira de Santana, UEFS, 2001.<br />

152<br />

Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />

153<br />

Para ver mais sobre essa discussão: CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira: sujeitos sociais,<br />

partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. (Monografia). p.36-39.<br />

154<br />

HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-<br />

64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 45.<br />

155<br />

Folha do Norte. 22/06/1963.<br />

156<br />

Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />

157<br />

Ata da 113° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 05/12/1963.<br />

42


Um novo (se) Abril no Brasil.<br />

Brasileiros pós ditadura<br />

Ainda se encontram em estado de coma semi<br />

profundo<br />

E um dos sintomas mais visíveis é a falta de<br />

percepção<br />

Acariciam um lobo<br />

Achando que é o seu animal de estimação<br />

Não consegue diferenciar<br />

Banqueiros de bancários<br />

Mega traficantes de meros funcionários<br />

E assim permanecem estagnados<br />

Quando não regredindo enquanto o comando<br />

delta<br />

Tem cada vez mais motivos pra permanecer<br />

sorrindo. 158<br />

O golpe de Estado brasileiro de abril de 1964 significou a ascensão de militares<br />

ao poder, e uma ditadura civil/militar que duraria duas décadas, controlada pelas forças<br />

armadas e respaldada por vários interesses do capital nacional e imperialista. Hoje já há<br />

uma serie razoável de produções historiográficas e nas Ciências Humanas sobre o golpe<br />

e o período de governo da chamada “revolução”, resultando daí a evidência de diversos<br />

fatores a serem considerados sobre seus embriões e causas. A produção sobre o período<br />

nos permite e ao mesmo tempo exige certa divagação no tema, e nos apresenta algumas<br />

possibilidades interpretativas impondo a pesquisa uma posição quanto ao evento.<br />

Das questões a serem levantadas sobre o golpe, há uma disputa historiográfica<br />

em torno da interpretação de causas. Posicionamentos são diversos, notadamente no<br />

tocante aos sujeitos envolvidos no golpe e sobre quais implicações teriam agido. Alguns<br />

pesquisadores defenderam e defendem a tese segundo a qual a saída para crise política<br />

gerada devido acentuação da luta de classes ao avanço ideológico da esquerda<br />

encontrada pelas frações de classe burguesa associadas ao capital internacional estar em<br />

seria o golpe. Tese que acaba por legitimar uma teoria do anti-democratismo da<br />

esquerda, defendido por militares e setores da classe dominante, e que recentemente foi<br />

muito bem aceita e divulgada em meios populares do país através da mídia 159 . Assim o<br />

158 Trecho da musica “Contexto”, composição de Marcelo D2 do grupo Planet Hemp, 1994.<br />

159 Um exemplo é a obra de Elio Gaspari. Ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2002.<br />

43


golpe seria a alternativa contra uma possível república sindical constituída por uma<br />

revolução dos trabalhadores.<br />

Em contribuição com a uma contestação dessa linha de leitura, pensar o governo<br />

de Jango colabora na compreensão do golpe. Aquele governo representou a tentativa de<br />

sanar problemas tanto econômicos ligados a uma alta inflação e uma estagnação na<br />

economia e ao mesmo tempo conter uma possível convulsão social relacionada ao<br />

avanço político-ideológico dos grupos oprimidos do campo e da cidade. Seu governo<br />

não se caracterizou como um projeto de grupos que tinham orientações programáticas e<br />

ideológicas em oposição aos grupos dominantes pertencentes a frações burguesas, seu<br />

fim último era solucionar os problemas referidos. Desenvolver o capitalismo e conter a<br />

inflação com desenvolvimento, segundo a orientação de Celso Furtado (Plano Trienal).<br />

A reforma agrária seria um passo do desenvolvimento industrial, a meta era converter<br />

latifúndios improdutivos, um dos fatores que gerou a maior discórdia com a burguesia<br />

agrária brasileira e levou a sua organização contra o governo. O apoio esperado da parte<br />

da burguesia industrial nacional não foi conseguido e sua principal reforma de base<br />

ficava sem respaldo. A saída encontrada era recorrer ao apoio popular e da esquerda, em<br />

troca evitaria perseguições políticas de organizações como o PCB, greves e resistência<br />

popular 160 .<br />

Dreyffus realizou um estudo das organizações que articularam o golpe de classe.<br />

Assim a Escola Superior de Guerra o complexo IPES/ IBAD, junto a FIESP e<br />

CONCLAP, são organismos de construção de oposição ao regime populista a que Jango<br />

dava continuidade, constituindo estratégias de construção de uma contra hegemonia<br />

onde; “Essas atividades objetivavam conter forças populares, desagregar o bloco-<br />

historico populista e levar os interesses multinacionais e associados ao governo político<br />

através de um golpe de Estado civil-militar” 161 .<br />

O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) surgiu em 1959 com o<br />

objetivo de financiar candidatos opostos ao populismo e direcionar capital<br />

para propaganda anticomunista. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais<br />

(IPES) foi criado em 1962 por empresários brasileiros, especialmente do<br />

Sudeste, ansiosos por uma forma de organização capaz de enfrentar o<br />

crescimento qualitativo das organizações sindicais dos trabalhadores e<br />

160 Toledo, Caio Navarro de. A Democracia Populista Golpeada. IN: 1964: Visões Criticas do Golpe:<br />

Democracia e Reformas no Populismo. Toledo, Caio Navarro de (Org.). Campinas SP, Editora Unicamp,<br />

1997.<br />

161 DREIFUSS, Rene Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.<br />

Petrópolis: Editora Vozes, 1986.p.229<br />

44


intervir na base do governo – ou contra ele – para reverter os efeitos da<br />

reforma de base em seus empreendimentos 162 .<br />

Os grupos dominantes se apoiavam em organizações de classe como a<br />

CONCLAP, um dos principais órgãos fomentadores do golpe. A CONCLAP tinha<br />

relacionamentos estreitos com a ESG, muitos de seus integrantes eram ex-alunos ou<br />

professores da escola. Esses grupos se organizavam tanto para disputar ideologicamente<br />

as classes populares, como para aproximar a classe média de seus ideais e convencer<br />

industriais e banqueiros e setores dominantes de seus projetos políticos. Um dos<br />

aspectos mais importantes das estratégias desses grupos, a exemplo do IPES/IBAD, era<br />

a doutrinação ideológica através de aparelhos para estabelecimento de hegemonia.<br />

Jornais, revistas, televisão, eram os meios de controlar o juízo publico, pois o que estava<br />

em jogo não era somente conquistar adeptos de seus ideais, mas também estabelecer<br />

padrões de julgamento de atitudes.<br />

O golpe seria necessariamente uma estratégia construída não em torno somente<br />

de uma resposta à ameaça que surgia a partir dos trabalhadores em luta, mas uma<br />

alternativa que se figura como o bloqueio de forma brusca do conjunto do bloco<br />

histórico populista.<br />

Marcelo Badaró 163 chamou atenção de posicionamentos historiográficos recentes,<br />

que tendem a legitimar uma visão interpretativa do golpe que corrobora com o discurso<br />

histórico das classes dirigentes da ditadura, mantendo a afirmação da alternativa<br />

golpista como única saída para classes dirigentes diante da ameaça antidemocrática e<br />

revolucionária de esquerda. Neste argumento ganha destaque a obra Argelina<br />

Figueiredo 164 que propõe essa perspectiva de análise de causas do golpe, contrapondo<br />

contribuições como a de Dreiffuss de um golpe preparado pela direita como estratégia<br />

de tomada de poder de classe. Argelina imagina o golpe como estratégia de um grupo de<br />

classes dominante, porém a elaboração da alternativa se dá com o desenrolar da ameaça<br />

da esquerda de criar uma república sindicalista. Do que se pode concluir da obra de<br />

Argelina sobre o golpe, é que este é uma fatalidade, porém, justificável, pois as classes<br />

econômicas do golpe e os militares agiram com a única alternativa encontrada para<br />

162 DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />

durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.19. (Tese).<br />

163 BA<strong>DA</strong>RÓ, Marcelo. Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiografia. REVISTA<br />

História & Luta de Classes. Nº 1 - Abril – 2005<br />

164 FIGUEIRE<strong>DO</strong>, A. C. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas a crise política: 1961-<br />

1964. São Paulo: Paz e Terra. 1993.<br />

45


conter a ameaça de uma revolução socialista. Quem perdeu e perderia de qualquer<br />

forma seria a democracia que estava sob ameaça da esquerda e da direita do país.<br />

Dreiffus, segundo Carlos Fico 165 , havia supervalorizado o papel de organizações<br />

civis na preparação do golpe. Argelina e Jorge Ferreira 166 deram ênfase a certa<br />

maturidade organizacional e política de esquerda para encontrar suas alternativas sobre<br />

o papel do poder e do Estado. Uns ressaltavam o papel da direita, outros o da esquerda<br />

como causador do golpe. Atentamos para o desenvolvimento dialético que a luta de<br />

classes impôs nos longos anos precedentes do golpe. Os alargamentos ideológicos,<br />

organizacionais das classes se davam não de forma extemporânea às realidades<br />

conjuntas de suas experiências vividas a partir dos conflitos de classes. Se a direita<br />

amadurecia em suas estratégias e organização, a esquerda seguia o mesmo caminho,<br />

pois, o acirramento dos conflitos de classes gerou o desenvolvimento das estratégias de<br />

luta destas, não significando, porém, a pressuposição por parte da esquerda de uma<br />

insurreição contra o Estado democrático. Essa pressuposição foi produto de uma leitura<br />

inclinada de fontes, pois estas não indicam ser este, um período pré-revolucionário por<br />

uma pressão da esquerda e movimentos sociais, não são encontradas propostas ou<br />

organização de caráter golpista, e não havia também uma frente armada ou apoio de<br />

setores militares, o que minimamente fundamental para um golpe/revolução.<br />

Caio Navarro de Toledo, um ano após a publicação de Argelina, replicou sua<br />

visão de ameaça da revolução da esquerda. Concordou sobre antecedentes do golpe, o<br />

governo de Goulart e seu caráter intimidante de setores conservadores nacionais por seu<br />

populismo, os avanços das esquerdas do ponto de vista ideológico e o acirramento da<br />

luta de classes nas cidades e no campo, porém, dissentiu de uma posição que é<br />

condescendente com uma ameaça revolucionaria da esquerda nacional pregada por<br />

frações militares e grupos golpistas.<br />

O apoio da esquerda nacionalista é dado, tensionando forças sociais a lutar por<br />

reformas de base no apoio a Jango, porém, sem saber que o que os esperava era a opção<br />

por parte da direita e setores militares pelo golpe. A ilegalidade da direita se dá com o<br />

afundamento do Estado civil de direito em defesa de interesses de latifundiários,<br />

165 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />

História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />

166 FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira<br />

de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.181-212 – 2004.<br />

46


industriais, financistas, militares e o imperialismo norte-americano. Estava se definindo<br />

o caminho da lutas sociais entre grupos populares e setores dominantes de interesses<br />

distintos para a elite que iria dirigir o Brasil pós-golpe.<br />

Jango se movia paraconseguir o apoio popular que necessitava, a 13 de março de<br />

1963, isso é refletido na passeata dos 200 mil que em contrapartida enfrenta uma<br />

manifestação contraria com cerca de 500 mil pessoas - a “Marcha com a Família com<br />

Deus pela Liberdade” - onde os caminhantes solicitavam o impeachment do presidente<br />

acusando-o de comunização do país e de estar conspirando em favor de uma republica<br />

sindicalista.<br />

Continuando a observação da análise de Argelina às causas, das proposições da<br />

esquerda antidemocrática. Linha interpretativa seguida também por Jorge Ferreira 167 ,<br />

pois a esquerda não propunha a defesa da democracia, estando disposta a irrompê-la. A<br />

Frente de Mobilização Popular (FMP) passa a ser a principal fonte de sustentação para<br />

argumentação de Ferreira. À esquerda sob a direção de Brizola e a FMP, estava em um<br />

estágio de grandes avanços organizativos, ameaçavam as classes dominantes que se<br />

viram sem alternativas, pois estariam prestes a serem golpeadas. Ao contrário dessa<br />

leitura, Badaró considera como irreal este anti-democratismo de esquerda, argumenta<br />

com subsídios de uma pesquisa sobre os trabalhadores no pré golpe. A supervalorização<br />

da FMP por Argelina e Ferreira, segundo estes organizando um processo que<br />

antidemocrático e golpista também apoiado em sua base popular de movimentos<br />

socais 168 , sugere uma visão que respalda o argumento de golpistas quanto o único<br />

caminho de escape de uma república sindicalista a maneira soviética. Se a FMP era uma<br />

frente tão ameaçadora por parte dos trabalhadores, e outra ameaça vinha das ligas<br />

camponesas, tão poderosas quanto a FMP, perdemos na história a análise mais<br />

aprofundada de uma outra frente ampla de direita, a UDN - que desde seus primórdios<br />

era golpista - que surgiu mais de uma década antes do aparecimento da FMP.<br />

Outra critica a Dreiffus é escrita por Gláucio Ary Soares 169 , que inverte a<br />

proposta elucidativa de compreensão de Dreyffus quanto ao caráter do golpe enquanto<br />

conspiração de grupos econômicos com militares, para militares com grupos<br />

167 FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira<br />

de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.181-212 – 2004.<br />

168 A FMP nos estudos de Jorge Ferreira só é entendida com revolucionaria a partir de seus discursos, pois<br />

ele não aprofunda o estudo para compreender se havia ou não bases para uma possível revolução sob sua<br />

direção e de Brizola.<br />

169 SOARES. G. A. D., CASTRO. C. (Org.). Visões do Golpe. A memória sobre 1964. Rio de Janeiro:<br />

Relume-Dumará, 1994.<br />

47


econômicos. O que está em jogo é a interpretação correta dos grupos dirigentes do<br />

golpe, sujeitos principais e coadjuvantes, se de fato tem mais responsabilidade militares<br />

enquanto vanguarda golpista ou grupos econômicos associados. Sua perspectiva partiu<br />

principalmente das análises de entrevistas do CP<strong>DO</strong>C, onde era perceptível um grau de<br />

vanguardismo dos militares.<br />

Na tentativa de solução, ou ao menos uma reflexão para possibilidades, está o<br />

estudo mais aprofundado e um recuo mais longo no debate dos precedentes no que<br />

refere à história militar nacional. Sodré 170 propõe uma análise deste tipo, porém<br />

exacerba o papel dos militares, mas contribui ao analisar a organização militar nacional<br />

onde existe uma mentalidade de longa duração que se enraíza no desejo de governo do<br />

país desde o início do período republicano. Este fez uma análise sobre esse papel no<br />

Estado que os militares tomam para si, inclusive com o ato da Proclamação da<br />

República.<br />

Dadas as dimensões propositivas de Sodré, os militares não são homogêneos em<br />

sua prática política e em perspectivas sociais, é uma organização que não está isenta de<br />

disputas, contradições equivalentes a de classe. Concordamos com a possibilidade real<br />

de uma supremacia de um pensamento de um grupo do alto escalão militar que sempre<br />

se posicionou como assegurador da paz interna no país e de ditos interesses de nação,<br />

pois é um discurso que foi encontrado também fora das forças armadas, sempre que se<br />

definiu como necessário estas foram convocada para salvaguardar os interesses<br />

nacionais. Há grandes divergências entre frações de militares, mesmo que ao fim se<br />

sobreponha uma proposta hegemônica. Desobediência, protestos de sargentos e oficiais<br />

e mesmo disputas de concepção entre Generais levam a uma crise dentro das forças<br />

armadas 171 ,<br />

A crise social e política do governo Goulart foi adensada por vários<br />

movimentos contestatórios, inclusive, motins dentro das forças armadas, a<br />

exemplo do motim de suboficiais da Aeronáutica e da Marinha que eclodira<br />

em Brasília, em 1963, exigindo direito de voto e melhores condições na<br />

tropa. 172<br />

170<br />

SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura: vinte anos de autoritarismo no Brasil. 2. ed.<br />

Petropolis: Editora Vozes, 1984<br />

171<br />

CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005.<br />

172<br />

SILVA, Elizete da. Protestantes e o governo militar: convergências e divergências. IN:<br />

ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos,<br />

Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 35.<br />

48


Havia mesmo um setor militar que se dispôs a resistir ao golpe junto a<br />

movimentos de trabalhadores. 173<br />

Há aspectos que precisam de estudos mais aprofundados sobre os antecedentes<br />

do golpe, como o papel articulador da UDN, enquanto frente golpista, que é de grande<br />

relevância para reconsiderar a preparação do golpe. A UDN em sua trajetória<br />

organizacional se configura a partir de posições contrárias a Getulio Vargas e o<br />

comunismo. Este movimento constrói uma serie de tentativas de golpear o Estado,<br />

sendo a primeira vez em 1945, forçando o abandono de Getulio, em 1954 com o “golpe<br />

branco”, forçando, junto a aliados, a renúncia de Getúlio, que na tese de Otávio<br />

Mangabeira significou uma “revolução pela metade”, “uma tentativa freada pelo<br />

suicídio de Getulio, de uma transformação revolucionaria, como um embrião, o ensaio<br />

geral de 1964”. Outras tentativas de deposições foram focadas porém sem êxito “até no<br />

31 de março de 1964, quando a UDN poderia considerar-se vitoriosa” 174 .<br />

Carlos Fico 175 prefere referenciar seu estudo em causas macroestruturais e<br />

micro-lógicas, produzindo um estudo mais denso com uma perspectiva abrangente. Para<br />

ele o IPES, os militares a condições históricas pela qual o país passava sob o governo<br />

João Goulart, são todas causas do golpe, em menor ou maior grau tudo deve ser<br />

considerado.<br />

Dreiffus não aprofundou em sua analise o papel da UDN para aglutinar setores<br />

dominantes enquanto movimento de classe, que só pode ser entendido a partir dos<br />

conflitos no interior do capital. A UDN representava os anseios de setores de classes<br />

econômicas dominantes, assumindo esse papel e o priorizando como um movimento<br />

liberal que se assombrava com qualquer avanço das classes trabalhadoras, conseguindo<br />

organizar-se somente em torno do medo do avanço das classes trabalhadoras e pela<br />

conquista do Estado. Em seguida ao seu objetivo atingido, se desfaz o núcleo duro da<br />

própria União. Entender a entrada de João Durval na carreira política local as relações<br />

de seu partido com o ideal de modernização da cidade e a participação da UDN como<br />

173 BA<strong>DA</strong>RÓ, Marcelo. Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiografia. REVISTA<br />

História & Luta de Classes. Nº 1 - Abril – 2005<br />

174 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />

brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 91.<br />

175 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />

História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />

49


partido golpista em 1964, nos ajudam a constituir os indícios de um projeto de<br />

modernização (hegemonia) que se assentara em alguns pilares morais, éticos e políticos.<br />

A forma udenista, o discurso de modernização local, o surgimento de órgãos de classe<br />

que se orientavam pelo discurso do progresso, todos eles estão sendo relidos a partir de<br />

sua posição política e de sua disposição ao enfretamento dos problemas que diziam<br />

respeito à manutenção do poder local e assegurando a ordem capitalista ficar livre de<br />

ameaças.<br />

CAPITULO 2<br />

Um progresso para cidade.<br />

50<br />

Havia comparecido, em traje de gala, a várias<br />

festas de São João e São Pedro, tendo comido<br />

canjica e ensaiado passos de baião; era homem<br />

culto, poliglota, cujos pais, alemães da região<br />

polonesa dos Sudetos, haviam sido mortos pelos<br />

comunistas e que por isso se dedicava, sob o<br />

signo de Cristo, a combater o Mal onde quer que<br />

este se apresentasse. Um modernizador, o<br />

homem. 176<br />

Um novo (se) Abril em Feira: um presente para João...<br />

Com o desenrolar do golpe a partir do sudeste e centro-oeste do país, a Bahia se<br />

curva, ou melhor, parte de seus grupos dominantes e oligárquicos aderem prontamente à<br />

nova combinação política nacional. Mesmo a configuração do governo Estadual se<br />

modifica em um novo acordo político. Lomanto Jr., que desenvolvia um governo<br />

próximo das proposições reformista de João Goulart 177 , ficou sem alternativas, sendo<br />

forçada sua adesão aos golpistas,<br />

176 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 58.<br />

177 Lomanto Jr. era adepto das proposições reformista que se gestavam no governo Jango e outras<br />

anteriores, queria autonomia para por em prática as reformas no estado e lutava para recolocar a Bahia<br />

como um Estado de destaque na configuração política e econômica nacional. Ver: FERREIRA, Muniz<br />

Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia. Disponível em:<br />

, p. 14. Acesso em 07/ 09/2009.


O triunfo da Conspiração de Mourão Filho representou, no plano local, a<br />

derrota do “populismo moderado” de Lomanto Jr. e o colapso da política<br />

pendular da ala liberal da UDN 178 .<br />

Ressaltamos que o golpe permitiu aos setores mais conservadores daquele<br />

partido, uma posição política privilegiada. Por outro lado, houve o abandono da UDN<br />

por setores mais abrandados e liberais que se posicionaram contra o golpe. Neste novo<br />

tempo que surgia para a Bahia atores políticos locais e regionais iriam engrandecer-se, a<br />

ditadura permitiria o surgimento de novos homens representantes de projetos políticos,<br />

que não eram tão novos, de grupos dominantes na Bahia e ao mesmo tempo os<br />

surgimento de novas qualidades políticas com novos sujeitos a exemplo do carlismo,<br />

estava se “abrindo caminho a uma democracia átona, sem “irracionalidade” sindicalista<br />

e ideologias “exóticas” 179 .<br />

A cidade de Feira foi um dos lugares do Estado onde esboços de resistência ao<br />

golpe foram encontrados. Francisco Pinto ficou mais de um mês após o golpe no<br />

governo, tendo tempo suficiente para manifestar planos de resistência. O prefeito,<br />

juntamente com outros sujeitos, planejava uma aliança da guarda municipal com o Tiro<br />

de Guerra para resistir ao golpe, o que não aconteceu. Pinto tinha por intenção fortalecer<br />

uma resistência regional para ajuntar-se com o governo federal, sendo forçado a desistir<br />

depois da notícia do abandono da capital federal pelo presidente 180 . Há muitos relatos de<br />

ex-militantes que contam versões sobre essa tentativa frustrada de Pinto, e mesmo o<br />

deslocamento de militantes de outras cidades para a Feira com a intenção de incorporar<br />

a resistência 181 . Porém, nos interessa mais neste momento o comportamento da UDN<br />

em relação ao golpe.<br />

178 Lomanto Jr. era adepto do comício de 13 de março de 1964 do presidente Goulart em Salvador, a<br />

intenção era aproximar-se do executivo nacional já que a Bahia precisa do apoio deste devido a seu<br />

panorama econômico complicado pela estiagem. Ver: DIAS, José Alves. O Golpe de 1964 e as dimensões<br />

da repressão em vitória da conquista. In: ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar<br />

na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 69. &<br />

FERREIRA, Muniz Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia. Disponível em:<br />

http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_02.pdf, p. 14. Acesso em: 07/ 09/2009.<br />

179 <strong>DA</strong>NTAS, Paulo Fábio. Quebra da casca do ovo: A elite baiana e a obra do golpe 1964.<br />

http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_01.pdf, p. 221. Acesso em 08/04/2008.<br />

180 Idem, Ibidem, p.46.<br />

181 Ver; ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos<br />

Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009. Depoimentos de Chico Pinto em: NADER, Ana<br />

Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia: historia oral de vida política. Rio de Janeiro:<br />

Paz e Terra, 1998. Depoimentos de ex-militantes de organizações políticas como o PCB em Feira de<br />

51


Foi da UDN local que saiu a deposição de Francisco Pinto, caso normal em todo<br />

país no período. Na Bahia o golpe também criou a possibilidade de afastamento de<br />

inimigos políticos em prefeituras, como as deposições do prefeito de Vitória da<br />

Conquista, Pedral Sampaio e de Salvador, Vigildásio Senna, e também em câmaras de<br />

vereadores, além claro de militantes de oposição. É com o golpe que os quadros da<br />

UDN poderiam, enfim, afastar o mal da administração local, afinal esta “sempre<br />

obedeceu a orientação comunista” 182 . Com a volta dos vereadores depois do recesso da<br />

Câmara e instalado golpe, Hugo Silva faz questão de propor uma moção de<br />

congratulação às “Forças Armadas do Brasil e a todos os brasileiros que se empenharam<br />

na luta contra o comunismo” 183 , sugerindo na mesma fala a deposição do prefeito por<br />

realizações de atividades subversivas. Era a tão sonhada oportunidade da UDN local de<br />

voltar ao poder e interromper a participação popular nas atividades políticas da cidade.<br />

Feira de Santana contava com atividades desenvolvidas pelo IBAD, instalado em<br />

um “Posto Médico-Dentário” desde 1962, mesmo posto que foi destinado a atividades<br />

de atenção à população pela Frente Democrática Trabalhista na eleição de 1962. No<br />

Folha do Norte, muito obviamente, foram publicados alguns textos que faziam<br />

referência ao IBAD 184 .<br />

Com a montagem do golpe, prefeitos que tinham posicionamentos favoráveis às<br />

reformas de base e aproximações com movimentos populares, passam a “despertar<br />

atenção do comandante Manuel Mendes Pereira – responsável pela coordenação e<br />

execução das ações repressivas no interior -, da 6° Região Militar, em Salvador” 185 .<br />

Esse despertar do comandante seria também responsável pela prisão de prefeitos, mas a<br />

delação de inimigos políticos seria fundamental para as ações de deposição. Na pesquisa<br />

não encontramos indícios de uma perseguição ao prefeito Chico Pinto de forma<br />

espontânea pelo comandante, mas uma delação pública e o projeto de lei que o depôs.<br />

Santana, ver: Seminário Chico Pinto: Democracia e Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo<br />

LABELU – UEFS, em Setembro de 2007. (DVD)<br />

182 Ata da 113° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/04/1964.<br />

183 Moção N° 01/64. Ata da 13° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/04/1964.<br />

184 Sugerimos aqui o obvio, que a atuação do IBAD junto ao Folha do Norte e da UDN local, no combate<br />

a Pinto e ao comunismo são indícios de uma articulações anteriores para em prol da deposição do<br />

Prefeito. Sobre o IBAD em Feira ver: MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na<br />

Margem da Periferia: ação política de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de<br />

Santana, 2009, p. 45. (Dissertação)<br />

185 DIAS, José Alves. O Golpe de 1964 e as dimensões da repressão em vitória da conquista. In:<br />

ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos<br />

Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, p. 76.<br />

52


O conjunto do governo do PSD, entre 1963 e 1964, incomodava a UDN, mas em<br />

especial alguns episódios jamais registrados antes na cidade, chamavam mais a atenção.<br />

Daí a grande revolta de Hugo Silva com o quebra-quebra da câmara em 1963.<br />

Enquanto este acusava o governo de comunização, Joselito Amorim afirmava que não<br />

recuariam os vereadores diante do fato 186 . Mas o golpe permitiria a Hugo Silva uma<br />

nova empreitada junto a seus correligionários. Apesar do atraso da reação, articulação e,<br />

adesão pública udenista ao golpe (devido o recesso da Câmara), esta veio, e em uma<br />

data especialmente simbólica Hugo Silva e a UDN presenteariam seu homem de força.<br />

No dia 08 de maio 187 de 1964, um mês depois do recesso da Câmara, pouco mais de um<br />

mês pós-golpe, e no dia do aniversario do candidato derrotado da UDN a eleição de<br />

1962, Hugo Silva propõe, depois de aprovada uma moção de congratulações a João<br />

Durval pelo seu aniversário - estaria por vir ainda o maior presente - o Projeto de<br />

Resolução n° 55/A64, “declarando impedido no cargo de Prefeito do Município de Feira<br />

de Santana o Bel. Francisco José Pinto dos Santos” 188 aprovado por 08 votos a favor<br />

contra 05 depois de vários constrangimentos aos edis em sucessivas tentativas frustadas<br />

devido a não formação de quórum em reuniões. Na mesma data assumiu a prefeitura o<br />

vereador Joselito Amorim (UDN) 189 , e o poder local começava a se reacomodar na<br />

prefeitura com um golpe civil, desencadeado pelos velhos mandões udenistas 190 . Após a<br />

resolução de impedimento do prefeito, o fato foi comunicado a Juracy Magalhães e este<br />

comunicou a Castelo Branco 191 a solicitação de deposição do prefeito, ocorrendo como<br />

conseqüência à prisão de Francisco Pinto 192 . Juracy e Castelo previam que Feira de<br />

Santana seria um ponto estratégico de refúgio caso a “revolução” não desse certo 193 ,<br />

logo essa cidade certamente não poderia oferecer nenhum tipo de perigo ou resistência<br />

ao golpe.<br />

186<br />

Ata da 111° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 03/12/1963.<br />

187<br />

Vale a pena informar os leitores que esse que vos escreve também nasceu aos oito dias de maio.<br />

188<br />

Ata da 16° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 08/05/1964.<br />

189<br />

Ata da 17° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 11/05/1964<br />

190<br />

SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 146.<br />

191<br />

CAMPOS, Ricardo da Silva. O Putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira<br />

de Santana, 1959-1967. (Monografia), p. 49.<br />

192<br />

Há um relato que diz que o convidado a assumir a prefeitura da cidade teria sido João Durval, este não<br />

aceitou por não ter sido eleito para o cargo. A hipótese deve ser considerada já que o ocupante natural do<br />

cargo deveria ser o presidente da Câmara, que a época não era Joselito Amorim e sim Jackson Amaury.<br />

Ver: Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e<br />

Dia.<br />

193<br />

Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de Santana, n°<br />

2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 20.<br />

53


O “Bicho” está em Feira!<br />

Enfim... Feira de Santana entra em um novo momento, novos experimentos<br />

políticos serão realizados e a cidade seria ocupada por um “Bicho” que vinha com a<br />

função de higienizá-la de um tipo de sujeito e sobretudo práticas que ameaçavam velhos<br />

poderes restabelecidos. Feira se integrava às novas conformações políticas do Brasil que<br />

tinha seu reflexo em configurações locais. O ano de 1964 acarretou para Feira um<br />

tempo de perseguições, prisões e exílios.<br />

Aqui iniciamos a apresentação desse período na cidade através de sensações que<br />

foram mediadas para nós pela literatura. Impressões retomadas por uma memória que<br />

foi provocando este autor. Muniz Sodré 194 descreveu na forma literária este período<br />

repleto de curiosidades, aquilo que aqui estamos dando passos para realizar em forma de<br />

tese acadêmica.<br />

Estamos nos referindo à nova conformação em que ocorre uma retomada de<br />

posições no campo político local de velhos ocupantes deste; velhos ou antigos que<br />

pretendiam renovar-se e renovar a cidade; sendo a principal uma reacomodação, já<br />

descrita anteriormente, a volta da UDN ao executivo e agora a sua preeminência no<br />

poder legislativo. O “Bicho” que chega a Feira de Santana vem para reformar a cidade e<br />

seus sujeitos. Ao referir-se ao sujeito que foi apelidado de “Bicho da Feira”, Muniz<br />

realiza uma alusão a um antigo burburinho vivido na cidade por um estranho bicho que<br />

assustava a população por atacar animais domésticos, o “Bicho” foi o termo utilizado<br />

para significar um novo momento e um sujeito, retomado por causar uma sensação<br />

popular de espanto e medo como no ocorrido com a aparição do primeiro bicho da<br />

Feira.<br />

O famoso “bicho” era, na verdade, o capelão Militar Edmundo Jukevics 195 , que<br />

em suas ações perseguiu pessoas que supostamente eram a antítese do comportamento<br />

necessário para a consolidação da “revolução”. O capelão perseguiu bares, salões onde<br />

eram praticados jogos, casas de prostituição e etc., ganhando notoriedade em páginas do<br />

Folha do Norte. 196 Na saga de diálogos de Antão 197 , personagem principal, em seus<br />

194 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994.<br />

195 Este teria vindo a Feira de Santana na tentativa de encontrar armas da liga camponesa. SODRÉ,<br />

Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, 41.<br />

196 O espanto e medo popular causado pela aparição do segundo “Bicho da Feira” podem ser vistos nos<br />

relatos de pessoas que viveram neste momento, principalmente as vitimas da perseguição deste. Ver:<br />

Depoimento de Sinval Galeão, 17/11/1995. Disponível no CE<strong>DO</strong>C/UEFS, classificador 39. Seminário<br />

54


debates acirrados compostos de análises sociológicas e históricas da cidade com<br />

autoridades locais, Muniz apresenta o capelão como baluarte do discurso da<br />

modernização e da nova moral que deveria acompanhar os empreendimentos para uma<br />

Feira de Santana atualizada com padrões nacionais de produção e consumo. “Os modos<br />

de vida locais, a cultura do gado, a arte, a movimentação política juvenil é renegada e<br />

condenada por este símbolo da aplicação da ideologia que deu sustento ao regime<br />

militar”. 198<br />

Nas palavras de Muniz Sodré a modernização da cidade era um desejo de<br />

“velhos mandões udenistas” 199 possibilitada pela volta destes ao poder local através do<br />

golpe. O empreendimento da modernização é todo tempo relatado no texto, ganha força<br />

com a chegada do “Bicho” que faz um serviço de higienização social da oposição ao<br />

regime militar 200 , e os velhos udenistas se esforçam para, em sincronia com estes,<br />

modernizar a cidade. São criados planos, projetos, comissões como a de<br />

desenvolvimento industrial, obras são realizadas, o Tiro de Guerra torna-se sede de<br />

detenção e torturas dos atrasados que impediam a modernidade. Porém, na avaliação de<br />

Muniz Sodré, isso não passava de uma estratégia política de grupos dos poderes locais<br />

associados aos grupos nacionais. A síntese desta estratégia que envolvia um discurso e<br />

uma prática que seria modernizadora é o próprio capelão, “Um modernizador, o<br />

homem” 201 Esse foi o segundo “Bicho”, um modernizador, e seu projeto de<br />

modernização rápida que assustava uma cidade que se desenvolvia lentamente, pois o<br />

“progresso é rápido, e era irritante para o capelão a “lentidão com que pessoas agem e<br />

caminham em Feira de Santana”. 202<br />

Com a nova configuração política nacional, a UDN local no poder é atravessada<br />

por uma onda discursiva que tem também seus aspectos objetivados em uma prática de<br />

governos. Estamos nos referindo a alguns termos que ganham notoriedade cada vez<br />

maior pela sua capacidade de se popularizar no discurso político e se tornar algo<br />

Chico Pinto: Democracia e Ditadura em Feira de Santana, realizado pelo LABELU – UEFS, em Setembro<br />

de 2007. (DVD). Documentário “Chuvas de Março”.<br />

197<br />

Esta foi uma referência a seu pai. Ver: Entrevista com Muniz Sodré IN: A Pala Revista, n° 01, Feira<br />

de Santana: UEFS, 2011, p. 60.<br />

198<br />

PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />

comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />

Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />

199<br />

SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1994, p. 146.<br />

200<br />

Na gestão de Joselito Amorim, eram entregues relatórios “elucidativos” para o Comando<br />

Revolucionário. Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de<br />

Santana, n° 2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 20.<br />

201<br />

Idem, 58.<br />

202 Idem, Ibidem.<br />

55


comum, porém, que necessita de uma genealogia 203 que nos ofereça um melhor<br />

entendimento.<br />

Modernização e industrialização passam a ser esse discurso comum, que até a<br />

atualidade ainda é tão utilizado, os termos ganham um uso ideológico difundido.<br />

Partimos da concepção que a partir do século XVIII o desenvolvimento urbano foi<br />

impulsionado, em muitos lugares, diretamente ou não, pelo processo de industrialização.<br />

Outros, por processos comerciais e de exploração de matérias primas que muitas vezes<br />

eram destinadas a manufatura. Temos o exemplo no Brasil dos estados da federação que<br />

atingiram os maiores índices de urbanização, como São Paulo e Rio de Janeiro,<br />

associados a um processo de montagem de parques industriais. Em Feira, esse discurso<br />

de modernização torna-se cada vez mais, principalmente pós-golpe, o centro das<br />

atenções e motivações políticas udenistas. Entre os termos que mais chamam atenção na<br />

década de 1960 nos jornais Folha do Norte, Situação e Feira Hoje (a partir de 1971),<br />

estão: industrialização e modernização. Não é apenas em jornais que encontramos o uso<br />

dos termos, mas em atas da Associação Comercial e atas da Câmara de Vereadores.<br />

Porém aquelas palavras que tinham desde a década de 1950 um uso comum ao discurso<br />

dos profissionais da política local, passavam a ganhar cada vez mais o que poderíamos<br />

chamar de um lastro prático, ou seja, a objetivação de um discurso.<br />

Neste momento, a cidade e seus representantes no executivo e legislativo<br />

acompanham a situação dos poderes governamentais no Estado, e a sede política do<br />

governo é o melhor lugar para percebemos como estes termos estavam na moda. Paulo<br />

Fábio Dantas 204 nos oferece uma análise do desenvolvimento de ACM até a construção<br />

de uma política que ganharia notoriedade nacional pela sua organização e conquista de<br />

poder. Paulo nos mostra não só como o Carlismo nasce enquanto mecanismo, mas<br />

como o próprio sujeito fundador cresce dentro de possibilidades históricas nas quais<br />

soube atuar. Dentre os meios usados por este sujeito que ocupou vários cargos de<br />

203 Interessante método é proposto por Foucault para análise discursiva, é necessária a compreensão de<br />

procedimentos internos e externo de domínios da produção discurso. Para Foucault não é qualquer um<br />

que fala, é preciso estar autorizado a isto por regras históricas, exorcizam-se os acasos de seu<br />

aparecimento. Há um meio de preparar o receptor do discurso e, quando enunciado, o discurso perde a<br />

autoria e o pertencimento. Ver: FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège<br />

de France, pronunciado em 2 de dezembro de 1970. 3°. Ed. São Paulo: Loyola, 1996.<br />

No nosso caso, apesar da brevidade da análise, estamos nos referindo a um discurso que perde seu<br />

pertencimento, passa a ser de todos, porém lhe é autorizada a disseminação por elementos que ocupam<br />

determinados lugares sociais.<br />

204 Ver: <strong>DA</strong>NTAS NETO, P. F. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos Magalhães<br />

na modernização da Bahia (1954-1974). 1. ed. Belo Horizonte: Editora da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas<br />

Gerais, 2006.<br />

56


importância, desde a presidência regional da UDN depois de 1964, até o governo do<br />

Estado ainda na ditadura, está o discurso da modernização de Salvador, tanto como<br />

Deputado Estadual como prefeito municipal em 1967. Sua capacidade, e aqui<br />

importância para compreensão da tão falada modernização, estava em sua sincronia<br />

política com o novo regime e as suas transformações. ACM era capaz de se mover<br />

sempre acompanhando os rumos da ditadura, mesmo em pequenas reorientações que<br />

aconteciam com as mudanças de presidentes 205 .<br />

Tanto Joselito Amorim quanto João Durval tiveram essa característica de<br />

sincronia do local com o regional e nacional. A nova onda que UDN acompanha em<br />

Feira é a da modernização, seguindo em um ritmo quase musicado 206 , uma maré que<br />

puxava esta cidade. Para tal prática, surge um herói, ou melhor, anti-herói<br />

transformador, no caso local o capelão Edmund Jukevics sustentáculo da revolução na<br />

cidade, responsável por reorganizar os comportamentos, famoso por uma insistência em<br />

disciplinar a cidade, era a própria modernização, sujeito que sintetizava o novo<br />

momento de Feira de Santana.<br />

A transição de Joselito Amorim em Feira.<br />

Se nos referíamos à ocasião de chegada do capelão e à sincronia 207 que os<br />

grupos locais no poder buscam em relação às esferas de poder superiores, é preciso<br />

demarcar o período com maior análise. Este é o momento do Governo Castelo Branco<br />

(1964-1967) consolidar as novas conformações nacionais da “revolução”. A grande<br />

questão do governo do novo presidente se situava nessa transição, superação de uma<br />

crise econômica. Na grande arena política em que o PSD e o PTB eram contrários ao<br />

golpe e mesmo a UDN tinha divergências internas que a impediam de ser homogênea,<br />

somadas as dificuldades encontradas por um Congresso ocupado por um conjunto de<br />

treze partidos, Castelo Branco buscava através do diálogo a unidade, método usado por<br />

205 Ver: DIAS, José Alves. Rumo ao palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />

durante a ditadura - 1966/198, URJ, Rio de Janeiro, 2009. (Tese de Doutorado)<br />

206 Infelizmente não tivemos fontes de áudio para a pesquisa, porém a sonoridade da escrita de vários<br />

discursos na câmara de vereadores e nos jornais locais nos permite uma experiência sensitiva quase<br />

musical.<br />

207 O termo sincronia aparece bastante no texto, este é tomado por referência da tese de José Dias quando<br />

da sua afirmação sobre a política de ACM na Bahia depois do golpe como a capacidade que este sujeito<br />

tinha de caminhar conforme o passo dos ditadores, concluímos aqui nesta pesquisa que o período<br />

estudado na cidade demonstra uma tentativa semelhante das principais personagens da política local. Ver:<br />

DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia durante<br />

a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, (Tese).<br />

57


grupos nacionais “para reorganização do país os moldes do capitalismo industrializado”<br />

208 . Os problemas e os métodos econômicos para superar a inflação eram o grande<br />

desafio do presidente que encontrava oposições às suas escolhas constantemente em sua<br />

equipe de governo. Porém, como afirmava seu fiel ministro Luis Viana, este estava<br />

ciente de seu papel de “preparar a economia do país para um desenvolvimento ulterior”<br />

209 . A unidade somente seria alcançada, com seus limites, através de duas pautas<br />

aglutinadoras, o anticomunismo e o desenvolvimentismo acarretado pelo processo de<br />

ampliação da indústria no país. 210 Após o golpe, sérias dificuldades de consolidação de<br />

unidade política no governo eram visualizadas. Muitas divergências sobre a ações de<br />

governo surgiam, criticas a uma “revolução” sem projeto. As oposições foram<br />

enfrentadas por Castelo com perseguições e destituições autorizadas pelo AI N°1. As<br />

oposições internas, na UDN, o Ato Institucional n°2 e a criação do bipartidarismo por<br />

este, dariam conta de sanar. Previa o presidente que isso solucionaria a questão, porém,<br />

o partido de governo (ARENA) se revelou possuidor das mesmas divergências internas.<br />

No aspecto econômico o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) visava<br />

combater a inflação, reativar o desenvolvimento econômico e sanear o balanço de<br />

pagamentos. De fato o PAEG logrou êxito no primeiro trimestre de 1964, conseguindo<br />

reduzir a inflação anual em quase 100%, porém plano foi perdendo notadamente sua<br />

capacidade de diminuição progressiva da inflação, chegando a 20% em 1969. 211 O<br />

PAEG tem seus lances importantes e gera transformações fundamentais para o que seria<br />

o futuro do país e da ditadura, tendo reflexos intensos em aspectos locais. Mas aqui<br />

vamos recuperar outro fato relevante para nossa pesquisa, a missão moralizadora do<br />

Governo Castelo e o controle político que era necessário obter em relação aos partidos e<br />

oposições ao regime.<br />

Alguns pesquisadores acreditaram que o governo Castelo Branco 212 teria sido<br />

uma gestão mais amena no que refere ao aspecto de perseguições políticas, exílios e<br />

208<br />

DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />

durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, 24. (Tese).<br />

209<br />

Idem, Ibidem. Ver também: FILHO, Luis Viana. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Livraria<br />

José Olympio, 1975.<br />

210<br />

Idem.<br />

211<br />

Resende, André Lara. A política brasileira de estabilização: 1963/68. Visto em 25/02/2011 em:<br />

http://www.ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/395/336<br />

212<br />

Notadamente quem mais influenciou essa concepção que dividia a ditadura em momentos mais duros<br />

foi Elio Gaspari. Ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,<br />

2002.<br />

58


torturas, tema que já revisado por Calos Fico 213 que mostrou tratar-se de um período<br />

onde percebemos uma intensa perseguição, sendo este o momento de “saneamento” do<br />

país. Sanear, entre outros aspectos, incorporava a necessidade de limpeza política,<br />

exílios e prisões. Por mais que Castelo não fosse representante daqueles que ficaram<br />

conhecidos por linha dura; capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis que, com<br />

“discurso anticorrupção” 214 ; não impediu que em seu governo houvesse torturas, pois a<br />

tortura “existiu desde sempre no Brasil, inclusive nos momentos iniciais no novo<br />

regime” 215 . Não queremos aqui salvaguardar um lugar menos negativo para Castelo na<br />

ditadura, mas reconhecer momentos piores que o de seu governo. As perseguições<br />

foram imediatas assim que tomou posse e, na Bahia já citamos o nosso caso particular<br />

com a deposição do prefeito em Feira de Santana seguido da sua prisão.<br />

A passagem “saneadora” e a construção de bases para o futuro desenvolvimento<br />

do país atraem o executivo e o legislativo municipal em Feira de Santana. Joselito<br />

Amorim Falcão era um sujeito de formação superior. Bacharel em odontologia optou<br />

pela a profissão de professor, lecionando durante anos no Ginásio Santanopólis<br />

pertencente a Áureo Filho empresário e político de carreira de Feira de Santana. No<br />

ginásio, Joselito Amorim também foi discente, escola que como dito no primeiro<br />

capitulo, foi palco das primeiras experiências políticas de João Durval. Muitos dos<br />

sujeitos da política de Feira de Santana estudaram neste Ginásio. Retornando a Joselito,<br />

este era de uma tradicional família empresarial que tinha também reminiscência na<br />

política da cidade, a pomposa família Falcão, investidores do setor comercial, bancário<br />

e industrial no município. 216 Experiente vereador, com a destituição de Pinto é eleito<br />

pela câmara para o cargo de prefeito, constituindo no município bases para a futura<br />

transformação desenvolvimentista que viria no governo de João Durval. Segundo<br />

Joselito Amorim, quando o golpe ocorreu “O comando revolucionário aqui pediu às<br />

lideranças políticas que apoiavam a Revolução cinco ou seis nomes que pudessem<br />

213 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de<br />

História. São Paulo, vol.24, n°47, p 29-60. 2004.<br />

214<br />

FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />

Janeiro: Record,2004, 73.<br />

215<br />

Idem, 82.<br />

216<br />

Ver: FALCAO, João. A vida de João Marinho Falcão: vitória do trabalho e da honra. Brasília: Pax,<br />

1993.<br />

59


ocupar a Prefeitura” 217 , Joselito diz que não queria ocupar o cargo, pois havia lutado<br />

contra a situação dominante, complementa dizendo que não sabia por que foi<br />

escolhido. 218 Depois de eleito pela câmara, Joselito teria se dirigido ao comando<br />

revolucionário na cidade junto com Áureo Filho onde foi recebido pelo Coronel<br />

Humberto Melo para relatar a sua nova condição de Prefeito, porém o coronel havia dito<br />

que “a revolução não era para colocar a UDN no poder” 219 . No memso dia Joselio<br />

Amorim encontrou o General Manoel Pereira para o qual teria feito um discurso sobre a<br />

sua eleição democrática, mesmo que por maioria simples na câmara, sendo que esta<br />

deveria ser aceita caso contrário seria um tipo de vergonha para a cidade.<br />

A gestão de Joselito Amorim é marcada por debates na câmara que prevêem a<br />

solução de problemas estruturais antigos cuja resolução seria importante para a sua para<br />

a constituição de um projeto de modernização que teria sua idéia focada na indústria,<br />

comércio e urbanização. O tema da Estação Rodoviária é visto constantemente: era<br />

necessário uma já que tinha um turismo comercial forte, havia recentemente estradas<br />

construídas e asfaltadas, como a Rio - Bahia em 1963, que ligavam Feira a outras<br />

regiões, logo a estação rodoviária seria o passo a ser dado pelo governo municipal.<br />

Na gestão de Chico Pinto, Feira havia ganhado seu primeiro órgão de classe dos<br />

industriais, a Associação das Indústrias Mecânicas, Metalúrgicas e de Material Elétrico<br />

de Feira de Santana (AIMMEFS), fundada em 1963, tendo como disputa principal a<br />

construção de um bairro industrial 220 que seria concretizada no governo de João Durval.<br />

Em 1965, surge mais um órgão, a Associação das Indústrias de Feira de Santana,<br />

presidida pelo filho de João Marinho Falcão, Manoel Falcão, primo de Joselito Amorim.<br />

Esse novo órgão, segundo Monteiro, teria maior “grau de capilaridade econômica,<br />

política e social” 221 maior que a AIMMEFS, e se propunha, através da articulação do<br />

próprio Manuel Falcão, aglutinar o setor produtivo industrial em um único órgão com<br />

caráter sindical 222 . Este buscava, inclusive na AIMMEFS, o convencimento dos<br />

empresários nessa empreitada 223 . O resultado é a transformação muito rápida da AIFS<br />

em Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS) no mesmo ano de 1965, sendo o<br />

217<br />

Joselito Amorim: O Prefeito da Revolução. Entrevista. Revista Panorama de Feira de Santana, n°<br />

2,. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1° de outubro de 1983, p. 19.<br />

218<br />

Idem, Ibidem, p. 20.<br />

219<br />

Idem, Ibidem, p.19.<br />

220<br />

Ver: MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política<br />

de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 45. (Dissertação)<br />

221<br />

Idem, 54.<br />

222<br />

Manuel Falcão se tornaria o presidente da câmara em 1967.<br />

223 Idem, Ibidem.<br />

60


CIFS o maior representante e articulador das demandas em relação à constituição de um<br />

centro industrial no município. Toda essa transformação por representação era<br />

canalizada pela possibilidade de trazer recursos para investir no setor na cidade foi<br />

demandada pelo fenômeno do planejamento, aventado desde a década de 1950, se<br />

tornou política de governo e condição prioritária para a captação de apoio financeiro e<br />

políticos dos municípios efetivarem seus planos de constituição de parques industriais.<br />

Esta política do período de Kubitschek era o “desenvolvimentismo”, espécie de guia<br />

prático de ação governamental, impregnado de nacionalismo, otimismo e uma firme<br />

vontade de industrializar o país. 224<br />

Os grupos de classe formados em Feira visavam a representação e<br />

definitivamente a luta por projeto político de industrialização do município<br />

pressionando a câmara e o executivo. O projeto para ser efetivo seguiu o caminho<br />

histórico da sociedade civil para atingir a sociedade política, através de articulações e<br />

convencimentos até tornar-se institucional. Numa análise de Gramsci, seria<br />

hegemônico, pois assim ganha a dimensão ampla do que é o Estado, e cumpre a função<br />

política de consensuar a opinião coletiva salvaguardando a dominação política, o status<br />

quo de um grupo social 225 . O projeto que ganharia a sociedade política no governo de<br />

João Durval recebia as primeiras conformações nessa gestão de Joselito Amorim. A<br />

coincidência de fatos entre a fundação desses órgãos e as políticas na breve passagem<br />

do prefeito pelo executivo com a conseqüente preparação das bases para transformação<br />

da cidade com um centro industrial, nos mostram os primeiros delineamentos de parte, e<br />

damos ênfase ao temo “parte”, de um projeto que teria esta industrialização como uma<br />

das metas.<br />

O governo Castelo, assim como nosso sincrônico governo Amorim,<br />

acompanhava uma tendência histórica posta naquele contexto, à organização de projetos<br />

modernizadores para o país, em um momento em que o presidente precisava conter<br />

politicamente as oposições, nos primeiros dez anos de ditadura, o regime utilizava muito<br />

da força ao invés de mecanismos sutis de um Estado moderno de tipo ocidental como<br />

caracteriza Gramsci. Mas essa missão de transição de Castelo levou consigo outras<br />

características ressonantes na gestão municipal. O saneamento do executivo e<br />

legislativo logo aconteceu, mas era preciso mais e Joselito tinha missão pública de<br />

224<br />

SARMENTO, Walney Moraes. Problemas de Implantação de Indústrias novas na Bahia. Salvador:<br />

Era Nova, 1969, 15.<br />

225<br />

Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

2000.<br />

61


concentrar esforços no combate às oposições. Um ambiente quase saneado propiciou o<br />

tom da gestão. Feitos políticos começavam a demarcar os próximos momentos.<br />

Em 1961 o presidente dos Estados Unidos lançara um programa político<br />

conhecido como Aliança Para o Progresso, que tinha por objetivo enfrentar a influência<br />

que a revolução Cubana poderia exercer sobre o subcontinente americano. E esta<br />

aliança previa o investimento em setores estratégicos para consolidação da hegemonia<br />

capitalista 226 , dentre estes setores a educação. A principal agência, com atuação em<br />

Feira, deste projeto yanque era a United States Agency for Internacional Development<br />

(USAID). Em Feira, acordos foram realizados com a articulação do prefeito municipal<br />

com os quais recursos para a implementação de políticas públicas seriam conseguidos.<br />

O prefeito Joselito Falcão Amorim, recebeu a visita do Dr. Carlos Silva<br />

Lemos diretor do SESP, no Estado da Bahia, e do assistente do coordenador<br />

da Aliança para o Progresso, no Brasil, o Dr. Chales Trigg. 227<br />

O prefeito debatia juntos aos visitantes a ampliação dos serviços de água e a<br />

construção de casas populares, e continua a matéria salienta a “mais alta relevância para<br />

Feira de Santana, pois demonstra o interesse do programa” 228 no município 229 . Interesse<br />

que pode estar diretamente ligado à influência de partidos de oposição na política local,<br />

e claramente ao recente governo de Chico Pinto, pois segundo Toledo, esses programas<br />

de investimentos da Aliança se destinavam às “ilhas de sanidade” 230 definidas como<br />

locais de perigo por demonstrar indícios e evidências de propagação de atividade<br />

subversiva. Esta aproximação do executivo municipal com a USAID era prevista pelo<br />

plano econômico do governo Castelo Branco, pois<br />

A restrição do balanço de pagamento era diagnosticada como séria limitação<br />

ao crescimento. Para superá-la, o PAEG propunha uma política de incentivos<br />

à exportação, uma opção pela internacionalização da economia, abrindo-a ao<br />

capital estrangeiro, promovendo a integração com centros financeiros<br />

internacionais e o explicito alinhamento com o sistema norte-americano da<br />

Aliança para o Progresso. 231<br />

226<br />

VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Política exterior e desenvolvimento (1951-1964): o nacionalismo e a<br />

política externa independente. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 3, 1994.<br />

227<br />

Folha do Norte, 05/09/1964.<br />

228<br />

Folha do Norte, 05/09/1964.<br />

229<br />

Em 1965 a indústria feirense Cal Sublime conseguiu empréstimos com a Aliança. A ligação do<br />

prefeito com a Aliança o levaria a uma vista aos EUA em 1966 convidado pelo USAID Ver:<br />

MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 80. (Dissertação)<br />

230<br />

TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro. O governo João Goulart. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 108-109.<br />

231<br />

Resende, André Lara. A política brasileira de estabilização: 1963/68, p. 774. Visto em 25/02/2011<br />

em: http://www.ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/395/336<br />

62


Um dos objetivos do PAEG era descrito assim:<br />

política de estímulos ao ingresso de capitais estrangeiros e de ativa<br />

cooperação técnica e financeira com agencias internacionais, com outros<br />

governos e, em particular com o sistema multilateral da Aliança para o<br />

Progresso... 232<br />

O prefeito acompanhou de perto essa política, não sabemos ao certo se a vinda<br />

da agencia para Feira é precedida de um convite formal deste ou se como afirma o<br />

jornal, o interesse é do SESP junto a esta agência. O importante é que a partir de então<br />

esforços de cooperação são realizados e resultados alcançados. 233 Em 1965, o projeto de<br />

lei “oriundo do Executivo”<br />

abriu crédito especial de Cr$ 60.000.000( sessenta milhões de cruzeiros) para<br />

suplementar as verbas pelos convênios USAID, MEC, SUDENE, Govêrno do<br />

Estado e Plano Trienal, para construção de prédios escolares”. 234<br />

A educação foi um dos setores que mais ganhou investimentos do governo<br />

municipal. Tema dos acirrados debates e confrontos entre a UDN e os estudantes no ano<br />

de 1964, principal ponto da justificativa da acusação de subversão de Chico Pinto, lugar<br />

de organização de membros da futura guerrilha armada, a educação foi também alvo de<br />

Joselito. Arriscamos dizer, obviamente, que a ênfase dada a este setor nada mais era do<br />

que o “saneamento”. “Moralização” e “progresso” equivaliam como binômio 235 do<br />

governo, numa cidade que segundo Áureo Filho, tinha o “maior índice de progresso no<br />

estado” 236 . O investimento na ampliação de salas de aulas rendeu elogios ao prefeito<br />

saneador, como o de Hugo Silva que relatou sobre suas inaugurações principalmente as<br />

escolas, como o ginásio: somente com a educação “é possível acabar com a infiltração<br />

comunista”. 237 Feitos que não provocavam em Eurico Alves tanto regozijo quanto à arte<br />

do prefeito, pois, “calçar ruas, fazer ginásios”, aplicar bem as verbas públicas é “rotina”<br />

e “obrigação”, para o autor de Fidalgos e Vaqueiros,<br />

232<br />

Idem, Ibidem.<br />

233<br />

Nova visita seria feita pela USAID no governo de João Durval para instalação do centro industrial.<br />

Folha do Norte, 04/11/1967.<br />

234<br />

Ata da 22° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 15/06/1965.<br />

235<br />

Folha do Norte, 16/01/1965. Frase de Helder Alencar.<br />

236<br />

Folha do Norte, 16/01/1965.<br />

237<br />

Ata da 11° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 10/05/1965.<br />

63


O que merece encômio diferente no ex-governo da Comuna não é a<br />

construção de um ginásio municipal, nem tampouco a criação de um ginásio<br />

industrial, que a teimosia de certo governo veio perturbar e desassossegar<br />

com o barulho e fonfonar de buzinas, que cheguem ou saiam de teimosa e<br />

mal colocada Estação Rodoviária. 238<br />

O que merecia o elogio de Eurico era a higienização da lagoa de São José, que<br />

permitiu descanso e sossego ao povo, lazer e paz. Este era o despertar do “sentimento de<br />

esteta do prefeito” “artista”.<br />

A breve passagem de Joselito Falcão Amorim pelo executivo municipal traduz-<br />

se em transição, assimilação da idéia de progresso e avanço organizativo de órgão de<br />

classe e poder institucional para a constituição das bases para a futura gestão de seu<br />

correligionário. As bases para o projeto desenvolvimentista e modernizador com<br />

industrialização se assentaram na expansão da rede elétrica, no combate ao comunismo,<br />

na ampliação do sistema de abastecimento de água, na central telefônica, aumento do<br />

funcionalismo público, na chegada do SESI entre outros aspectos que permitiram o<br />

avanço futuro 239 junto às articulações de grupos representantes de classe como o AIFS e<br />

o CIFS com outros órgãos de representação regional e nacional.<br />

O progresso para cidade e o reino do urbano: Feira de Santana e a<br />

inserção compulsória e voluntária (1967-1971).<br />

O capitalismo é um conjunto articulado de relações sociais e econômicas que se<br />

expandiu e compulsoriamente absorveu de forma direta ou indireta até a atualidade, se<br />

não todas, ao menos a maioria das cidades do globo. Este só pode ser compreendido na<br />

sua condição de sistema ou modo de produção totalizante. Assim Feira de Santana entre<br />

1967 e 1971, só será compreendida observando a totalidade na qual está inserida.<br />

Moderniza-se em alguns aspectos, junto ao país, porém, as especificidades do local<br />

aparecem como questões importantes a serem analisadas.<br />

Para João Durval constituir seu projeto político para Feira de Santana, teve de<br />

desenvolver uma série de táticas e mecanismos para consolidação de novos objetivos<br />

para a cidade, articulando o passado comercial e pecuarista em que a cidade vivia com<br />

novas perspectivas de higienização, modernização acelerada, com reforma urbana,<br />

238 Jornal Situação, 05/10/1967.<br />

239 Ver: Ata da 1° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana. 12/04/1965.<br />

64


industrialização e reorganização econômica. Em dissertação, Pacheco 240 defende que a<br />

retirada da feira do centro da cidade, através do projeto CABANA envolveu a<br />

articulação de João Durval com setores de comerciantes que queriam um centro urbano<br />

limpo para exibição de suas vitrines posto que estas estivessem em contraste com o<br />

„antigo‟ representado pela feira que tinha ligações com a zona rural, representando o<br />

velho que deveria ganhar novas feições para uma época em que se desejava um futuro<br />

mais avançado. Isto demonstra uma idéia constante presente numa mentalidade e num<br />

discurso de um grupo social articulado com representação própria.<br />

Assim, para concretizar um projeto de “modernização” local, deveria articular a<br />

inserção da cidade no plano nacional de modernização conservadora e descentralização<br />

da indústria, que previa o Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos<br />

industriais. Na Bahia, o governador do Estado Luis Viana Filho, previa o advento da<br />

indústria na capital e no interior, cogitada desde 1966 pela Secretária de<br />

Desenvolvimento Econômico;<br />

Realmente, o processo de industrialização do Nordeste está já encaminhado, e<br />

a Bahia, como um dos pólos regionais mais importantes, tem se beneficiado<br />

muito disso. No entanto é também fato que a ênfase principal tem sido nas<br />

inversões de infra-estrutura e no estimulo à grande indústria, concentradora<br />

nos grandes centros urbanos, com o conseqüente risco de que o processo<br />

gerado, embora aumente a renda da região, não promova a distribuição por<br />

toda a população. 241<br />

A chegada de Durval ao poder municipal marcou o momento de avaliar a<br />

primeira fase da “revolução” 242 e refletir sobre os novos governos e o regime militar<br />

numa perspectiva progressista. Na consideração feita pelo colunista da Folha do<br />

Norte 243 , Adalberto da Costa Dórea, era um governo mais “democrático” para as classes<br />

240<br />

PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />

comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />

Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana.<br />

241<br />

Secretária de Indústria e Comércio. Plano de Fomento à Industria do Interior. Bahia, 1967.p.19 Apud<br />

Santos, 2002, p.52.<br />

242<br />

Na Bahia é o período de institucionalização do regime civil-militar após o golpe, ou seja, consolidação<br />

e adequação das novas forças políticas nas instituições do Estado e re-elaboração e conformação de<br />

grupos políticos e novos personagens que surgem na cena política, a exemplo de ACM em Salvador.<br />

<strong>DA</strong>NTAS NETO, P. F. Surf nas ondas do tempo: do carlismo histórico ao carlismo pós-carlista.<br />

Cadernos do CRH, Salvador, v. 39, 2003. p.21. Importante lembrar que aqui reproduzimos o golpe como<br />

“revolução” assim como chamado pelos golpistas e adesistas.<br />

243<br />

Jornal criado no inicio do século XX, o qual muito circulou discursos sobre ideais de cidade, civilidade<br />

e modernidade de setores das elites locais. Os editores e diretores do jornal Folha do Norte tomavam<br />

partido de determinados candidatos veiculando apoio entre as décadas de 60 e 70 durante campanhas da<br />

UDN e Arena. Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de<br />

Modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de<br />

65


ebeldes, pois; (...) “o dialogo com a classe operaria é maior, também com a estudantil”<br />

244 . Em tempos de ditadura, na cidade o Folha Norte anunciava em textos melhores<br />

entendimento entre as classes sociais em conflitos, e entre essas e o governo<br />

„democrático‟, um ponto de chegada, a harmonia social.<br />

A democracia estava presente no discurso das classes dominantes organizadas<br />

na ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Esta teria sido salva pela “revolução”, e<br />

deveria se perpetuar sob comando dos golpistas de 1964. O reflexo desse pensamento<br />

aparecia no órgão de imprensa local, Folha do Norte, que defendia e definia a ditadura<br />

como a própria salvaguarda da democracia, pois, não fosse a “revolução” de 31 de<br />

março, ela, a “democracia”, seria arrancada pelos trabalhadores e o governo sindicalista<br />

de Goulart na presidência da república e com Chico Pinto na prefeitura de Feira de<br />

Santana.<br />

Neste recorte temporal, as realizações do governo de João Durval começavam a<br />

chamar a atenção pelo seu caráter antecipatório, que se evidenciava no planejamento<br />

futurista da cidade, precipitando o que seria, segundo previsões de seu grupo e<br />

apoiadores, o progresso econômico e social. Os planejamentos desse grupo, associados<br />

aos discursos políticos e jornais propagadores desse ideal de progresso posto em prática<br />

por Durval, criam em torno da personalidade deste, uma representação de arauto da<br />

modernidade.<br />

No seu governo deu-se a implantação do Centro Industrial do Subaé (CIS) e a<br />

realização de obras publicas para higienização e reorganização espacial da cidade, como<br />

a construção do bairro Cidade Nova 245 , que nas palavras de Raymundo Pinto seria à<br />

época “maior que a maioria das cidades baianas” 246 . A implantação das obras foi<br />

“devidamente programada” 247 . Isso lhes dava a característica de precipitação e<br />

planejamento que não era comum entre prefeitos. Feira de Santana esteve entre os<br />

primeiros municípios brasileiros a adotar um Plano Diretor de Desenvolvimento<br />

Urbano 248 o que amplia a noção de caráter antecipatório de Durval a frente da<br />

prefeitura.<br />

Pernambuco, 2008. No período de governo de João Durval, este [jornal] divulgava textos sobre o projeto<br />

de modernização da cidade e, discursos de elogio ao empreendimento alçado e realizações do prefeito.<br />

244 Jornal Folha do Norte. 29/04/1967.<br />

245 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia<br />

& PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971.<br />

246 PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971. p.58.<br />

247 PINTO, Pequena História...ob. cit. p.59.<br />

248 Ver: FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998. &<br />

PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971.<br />

66


As realizações de governo e a conjuntura propiciam certo prestígio e destaque<br />

para cidade e ao prefeito no cenário político nacional, que no governo de Durval, passa<br />

a receber visitas de prefeitos de outros Estados que se surpreendem com a modernização<br />

de Feira e a tomam como exemplo. 249<br />

O colunista do jornal Folha do Norte e Secretário de Educação Raymundo Pinto<br />

escrevia sobre o projeto modernizador em elogio a Durval, caracterizando-o como<br />

visionário quanto ao futuro da cidade. Observando-o, nos remetemos a Foucault quando<br />

afirma que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de<br />

dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que<br />

procuramos nos assenhorear” 250 . Buscava-se a consolidação de uma imagem do<br />

governo de Durval e da ditadura, onde conflitos sociais desapareciam do cotidiano para<br />

dar lugar a um ideal político já “realizado” e a partir daí, conquistar uma legitimidade<br />

dentro do ideal democrático 251 , mesmo governando em um regime ditatorial. Nas<br />

palavras de Miranda:<br />

Construía-se uma representação de cidade e de sua memória histórica como<br />

fundamentadora de um ideal político e social intermediado pelo presente - por<br />

isto a seleção de certos símbolos e omissão de certos aspectos, temas ou<br />

fatos. 252<br />

Porém, as novas forças políticas no campo do poder no governo local, estadual e<br />

nacional enfrentavam as oposições. Em Feira a oposição aparecia na forma do MDB<br />

dentro do campo político, em grupos que se organizava para a resistência armada, e<br />

mesmo a não recepção favorável ao governo de seus programas. O PCB teve a<br />

participação de militantes na Associação Feirense de Estudantes Secundaristas e<br />

sindicatos da cidade, e o MDB na oposição a ARENA são alguns exemplos 253 das<br />

249 Ver Folha do Norte 1969-1971.<br />

250 FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciado em 2<br />

de dezembro de 1970. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.1.<br />

251 João Durval é convidado assumir o poder municipal em 1964, não aceita por haver, segundo este, a<br />

necessidade de ser eleito. Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos<br />

do Jornal Noite e Dia & PINTO (1971).<br />

252 MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da Memória: Praticas e Representações do<br />

Movimento Estudantil em Feira de Santana (1964-1969). Feira de Santana UEFS, 2001. p.10.<br />

253 Muitos dos relatos da atuação de grupos de esquerda na cidade foram pronunciados numa conversa<br />

entre pesquisadores do LABELU e Hosanah Leite, militante do PCB na época e exilado em 1968. Outros<br />

depoimentos, inclusive de Hosanah Leite e militantes de esquerda foram colhidos no Seminário: Chico<br />

Pinto, ditadura e em Feira e no Brasil, gravados em DVD e disponíveis em acervo do LABELU. É preciso<br />

observarmos que esta atuação da esquerda não é objeto desta pesquisa. Ver também: ZACHARIADES,<br />

Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes.<br />

Salvador: EDUFA, 2009. Em quase todos os artigos di livro, Feira de Santana aparece como local<br />

indicado por militantes de oposição ao regime, como espaço para resistência ou referência dessa.<br />

67


oposições e enfrentamentos ao qual a ditadura e seus tentáculos locais deveriam<br />

concorrer. Além de mais formalizadas ou organizadas, no Jornal Folha do Norte<br />

encontramos constantemente textos que são perceptíveis a não aceitação da população<br />

em relação às propostas do governo municipal, assim é que visualizamos momentos de<br />

criticas por parte de grupos citadinos e, tentativas de convencimento da comunidade dos<br />

benefícios esperados do governo municipal.<br />

Neste ínterim, a disputa de Durval dava-se também contra seu principal opositor,<br />

Francisco Pinto e sua “marca” política junto às classes populares da cidade. Pinto havia<br />

ganhado popularidade por estabelecer um governo de aproximação com grupos<br />

subalternizados da cidade 254 . Durval chegou ao poder em 1967 já na ARENA, como<br />

aliado dos militares, e escolhido por setores da classe dominante local 255 , sendo o<br />

primeiro prefeito eleito no pós-64, sem disputa com seu maior adversário que havia<br />

sido, pouco antes, deposto do poder executivo e não estava na cidade.<br />

O Plano Diretor, Plano de Desenvolvimento Local Integrado (1967), o Projeto<br />

Cabana (1968), projetos de Lei aprovados, discursos políticos de Durval, mostram<br />

objetivos concretos dele e de seu grupo para cidade, com proposições que<br />

transformariam o cotidiano dos feirenses. O governo do Estado também empreendia<br />

certa “modernização” e industrializava-se com a criação do pólo industrial de Aratu.<br />

Essas medidas, articuladas pelo então governador - e aliado de João Durval - Luis Viana<br />

Filho, visavam inserir a Bahia no plano maior do governo federal de industrialização do<br />

interior. Luis Viana desde então passa a ser lembrado por João Durval e pelos jornais da<br />

época e atuais, como seu principal aliado, aparecendo referências sobre este<br />

entrosamento na campanha de Sérgio Carneiro, filho de João Durval, para prefeito em<br />

254 O filme “Pinto vem aí”, demonstra a enorme popularidade que Francisco Pinto havia adquirido,<br />

mesmo com a pouca duração de seu governo, demonstrado no seu retorno a cidade em imagens que<br />

Olney São Paulo para a campanha de Colbert em 1976, depois de sair da prisão com um discurso crítico<br />

sobre Pinochet na posse de Geisel na presidência do país. Outros autores constaram a popularidade<br />

adquirida por Francisco Pinto tanto em suas disputas eleitorais como em sua gestão pública no município.<br />

Ver: PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />

comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009.<br />

Dissertação (Mestrado). <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de Santana. CAMPOS, Ricardo da Silva. O<br />

Putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967.<br />

(Monografia); GOMES, Igor. Na contramão do sentido: origens e trajetórias do PT de Feira de Santana.<br />

(1979-2000). Niterói: 2007. Dissertação (Mestrado) – <strong>Universidade</strong> Federal Fluminense. Seminário:<br />

Chico Pinto, ditadura e em Feira e no Brasil. (DVD).<br />

255 Na documentação usada s para esta pesquisa, a exemplo do jornal Folha do Norte, jornal Situação e,<br />

ata da câmara municipal, aparece o apoio de grupos e indivíduos pertencentes, ou mesmo representantes<br />

de entidades de classe, como a Associação Comercial, a João Durval.<br />

68


2008, onde o próprio João Durval refere-se a essa aliança como o grande motivo de seu<br />

projeto de modernização ter dado certo. 256<br />

Juntamente com sua articulação com o governo do Estado, que previa também<br />

o surgimento de um pólo no interior, João Durval viabilizou seu projeto, conseguido<br />

introduzir Feira num plano maior do governo federal de interiorização da indústria.<br />

João Durval deveria por em prática interesses de setores de classe de Feira de<br />

Santana, uma cidade cujo prefeitos nunca haviam feito planejamentos tão elaborados e<br />

que passava agora a planejar seu futuro devido às exigências Estaduais e Federais para<br />

urbanização e inserção das cidades interioranas em planos de financiamentos. A cidade<br />

passaria a ser um exemplo de desenvolvimento, debatido em um de seus mais<br />

importantes planos desenvolvidos, o PDLI, descrevia que;<br />

A cidade consciente de seu papel na região em que se encontra, deve<br />

reivindicar a realização, por parte dos governos estadual e nacional, de<br />

programas que propiciem o seu desenvolvimento (...) a cidade deve-se munir<br />

de condições urbanísticas e infraestruturais capazes de atrair investimentos, de<br />

reforçar sua condição de pólo industrial e comercial, além de estimular o<br />

desenvolvimento da região em que se situa. 257<br />

As frações de classe local utilizaram o PDLI de modo a tentar convencer setores<br />

empresariais da sociedade civil sobre as vantagens que poderiam obter com a<br />

modernização da cidade em relação aos seus investimentos e, para os trabalhadores, o<br />

foco principal do texto eram as obras de melhoria nas condições de vida urbana e os<br />

sonhados 17.000 empregos. Os principais órgãos de classe publicam textos, participam<br />

de reuniões e usam os jornais locais como o Situação, Folha do Norte e Feira Hoje no<br />

intuito de divulgar a possibilidades e as conquistas alcançadas que advinham deste<br />

processo que eles chamavam de modernização que tinha como um de seus focos<br />

prioritários a inserção da cidade em modelo produtivo industrial, com a conversão de<br />

investimentos locais e a atração de tantos outros nacionais e internacionais. A realização<br />

do projeto deveria enquadrar-se em exigências externas ao município. Modelos técnicos<br />

de escrita e preparação de pesquisas que embasassem o projeto foram consolidadas,<br />

surgiam novas propostas que de um planejamento urbano, econômico, político e<br />

organizacional, qualificadamente mais programático que as nuances surgidas em<br />

gestões anteriores, correspondiam, no entanto, a nova condição histórica, que não<br />

256 Esta avaliação foi vista em campanhas televisivas e panfletos distribuídos pelos candidatos.<br />

257 Plano de Desenvolvimento Local e Integrado. Feira de Santana. 1971, p.144.<br />

69


necessariamente permitia o local aparecer como prioridade, engessando muitas vezes as<br />

realidades municipais em troca da realização de obras com a captação de recursos<br />

moderadas pelo governo militar, tecnicista. Um exemplo compreensível são as<br />

exigências do Sistema Nacional de Habitação<br />

que durante sua existência impõe determinadas linhas de atuação aos<br />

municípios coerentes com as do governo central, onde determinavam, em<br />

muitos casos, a sujeição de prefeitos a um planejamento imposto, não<br />

correspondendo as verdadeiras necessidades e carências de urbanização das<br />

cidades, uma vez que esses tinham que recorre aos financiamentos,<br />

condicionando-se ao enquadramento de diretrizes de desenvolvimento local às<br />

do centralismo autoritário. 258<br />

Através do SNH foram captados recursos para criação de moradias para a<br />

cidade como o caso do já citado bairro Cidade Nova, obras que foram utilizadas com<br />

muito interesse da gestão de João Durval na legitimação de seu projeto político que<br />

divagava sobre um futuro no presente.<br />

A administração de Durval, com sua “modernização”, deveria vencer as<br />

resistências populares ao regime e ao seu grupo na cidade. O passado deveria ser<br />

renovado instantaneamente por um novo presente. Raymundo Pinto parecia ser quem<br />

melhor expressava isso, esse futuro vivido no presente e preparado por João Durval. Em<br />

uma de suas previsões escrevia que,<br />

(...) o comercio tende certamente a progredir ainda mais, contanto perder a<br />

sua antiga primazia. Com a criação da <strong>Universidade</strong>, não posso deixar de<br />

prever também considerável avanço, nos próximos anos no setor cultural. 259<br />

A planificação da modernização em Feira pode ser resultado de um ideal que a<br />

partir da década de 1950 260 começa a ganhar contornos de prática política, recuperado<br />

enquanto método e disputa por uma hegemonia pelos udenistas/arenistas da cidade.<br />

Houve um processo de apropriação/ressignificação dessas utopias que partiu para o ato<br />

da modernização planejada, desencadeada pelos “velhos mandões udenistas” 261 ,<br />

258 OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />

Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />

p.104-105.<br />

259 PINTO, Pequena História...ob. cit. p.51.<br />

260 . Ver Oliveira (2008). Pesquisa que defende a tese de um surto de modernização iniciado na década de<br />

1950 em Feira, nde a cidade era vista, e deveria manter-se, como uma cidade comercial, progressista e<br />

moderna.<br />

261 Ver SODRÉ (1991).<br />

70


identificada por Moniz Sodré como prática política conservadora com um discurso<br />

mordernizante.<br />

A característica moralista e conservadora do exercício político de Durval ocorreu<br />

devido a UDN, que na cidade abrigava homens como Áureo Filho, e outros<br />

conservadores da política de Feira. Porém, é preciso notar que a UDN não era um<br />

partido homogêneo, se configurando localmente, regionalmente e nacionalmente por<br />

tendências diferenciadas. Observamos em Feira de Santana, uma forma mais pura no<br />

que tange a ala conservadora nacional e sua característica golpista, assim como a<br />

ARENA se definiu enquanto grupo heterogêneo. A UDN defendia uma proposta<br />

diferenciada de condução do capitalismo, obtendo grande apoio das de grupos<br />

dominantes para seu êxito político (...) “no 31 de março de 1964, “quando”, “poderia<br />

considerar-se vitoriosa” 262 . Observamos um aspecto peculiar no desenvolvimento<br />

histórico das relações sociais de força onde, no pós-64, a UDN se reveste de coerção<br />

com militares, porém, inicia-se tarefas, no que refere ao aspecto local em Feira de<br />

Santana e principalmente no governo de João Durval, de consensuar os grupos socais<br />

sobre projetos políticos.<br />

Ao interpretarmos a histórica passagem de Feira aos ditos “sonhos da<br />

industrialização” e “modernização”, percebemos que não podemos nos apegar apenas a<br />

um dos aspectos desta relação compulsória, que cria determinantes históricas e impõe a<br />

adequação da política local a uma sintonia com definições políticas nacionais, mas<br />

também ao fator que faz das histórias locais peculiares, que são as opções voluntárias<br />

que são escolhas de adequação a esses ambiente temporais. Nem todas as cidades<br />

escolheram, que tiveram opção de escolha igual ou equiparável a de Feira. Condições<br />

únicas colocaram essa cidade nessa posição, fatores de organização interna,<br />

desenvolvimento local das organizações, articulação com o ex-ministro da casa civil e<br />

governador do estado, Luis Vianna Filho, foram aspectos singulares que possibilitaram<br />

um resultado. Porém em história não temos equações definidas, então o resultado é<br />

variável, os momentos e os lugares são únicos...<br />

A cidade técnica.<br />

262 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />

brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p.91.<br />

71


72<br />

A legibilidade da arquitetura, como<br />

qualquer outra legibilidade, tem como eixo<br />

este principio: a oposição cria uma estrutura<br />

de significação capaz de imbuir-se de valores<br />

contrastantes, cujo caráter é determinado<br />

pela história e pela ideologia em vigor. 263<br />

Segundo Choay 264 , no século XX há um certo desaparecimento da cidade<br />

tradicional 265 , essa perde sua primazia para o pensamento técnico - cientifico do<br />

urbanismo. Com o advento e ação do urbanismo, que “designa uma disciplina nova que<br />

se declara autônoma e se quer ciência da concepção das cidades” 266 , este pressupõe<br />

sempre a ação planejada que prevê as formas de relacionamentos e solidariedades entre<br />

estas.<br />

A partir de 1967, Feira de Santana entra na era do planejamento regularizador<br />

urbano, exigido pela nova configuração política nacional. A prefeitura da cidade, para<br />

realizar seus projetos, se enquadra nos padrões técnicos exigidos na época, assim<br />

conseguirá angariar os recursos e investimentos necessários para concretização destes.<br />

No período, o planejamento urbano baseava-se numa concepção do século XX que<br />

atribuía ao Estado a função racionalizadora para organização urbana. Como efeito a<br />

nível local, a prefeitura deveria concentrar e centralizar esforços para reorganização da<br />

cidade. Assim, as ações do governo local passam a ser técnicas, racionais, planejadas,<br />

esforçando-se por prever e retirar todas as possibilidades de apropriação da cidade pelo<br />

devir 267 .<br />

263<br />

HOLSTON, James. A cidade modernista: uma critica de Brasília e sua utopia. São Paulo, Cia. das<br />

Letras, 1993. p.126.<br />

264<br />

CHOAY, Fraçois. O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />

Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18, 1999.<br />

265<br />

Segundo os romanos a cidade era a solidariedade existente entre a urbis (território físico da cidade) e<br />

civitas (comunidade de cidadãos que a habitavam). CHOAY, Fraçois.O Reino do Urbano e a Morte da<br />

Cidade. IN: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História do<br />

Departamento de História da PUC-SP, n° 18, 1999.<br />

266<br />

CHOAY, Fraçois.O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />

Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18,<br />

1999.p.70<br />

267<br />

Para Michel de Certeau a cidade é um texto que pode ser lido, implicado discursos urbanos de um<br />

poder instituído que planeja a cidade, mas também as apropriações feitas pelos citadinos nas suas ruas.<br />

Refiro a este devir que dá significado aos espaços urbanos em contrário aos poderes instituídos, assim há<br />

um esforço da prefeitura local, em seus planos, de dar o significado definitivo aos espaços. CERTEAU,<br />

Michael de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.


Na era do “reino do urbano”, antes de racionalizar a cidade, constitui-se espaços<br />

de articulação dessa racionalização. Desde então, o município institui esses lugares com<br />

ampliação da administração municipal, para tanto cria o Escritório de Planejamento<br />

Integrado (EPI), o Setor Jurídico e o Serviço de Relações Publicas 268 , e a<br />

Superintendência de Desenvolvimento de Feira de Santana (SURFEIRA), esta, uma<br />

autarquia cujo objetivo era realizar as obras públicas.<br />

Todo plano para cidade, desde então, ganha um caráter técnico e cientifico. É a<br />

partir daí que a prefeitura constitui seu grande projeto, o PDLI 269 , que,<br />

(...) corresponde a uma iniciativa do poder publico criada no final da década<br />

de 1960, com o objetivo de propor ações planejadas, capazes de remover<br />

gradativamente os obstáculos a expansão econômica e urbana de Feira de<br />

Santana. 270<br />

É um plano que visa o domínio global da região urbana da cidade, que propõe<br />

alianças entre frações de classes em torno do consenso sobre a modernização do<br />

município. Este projeto norteia todas as leis aprovadas e outros projetos definidos pelo<br />

município, a exemplo do Projeto Cabana e Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé.<br />

Apesar de não especificar de forma direta a base da teoria de zoneamento, esta é<br />

próximo da teoria de E. W. Burgess 271 ; teórico da “ecologia humana” membro da escola<br />

de Chicago. A “ecologia humana” concebia a cidade como; “(...) uma constelação de<br />

áreas naturais, cada uma delas com seu ambiente característico e a sua função especifica<br />

no conjunto da economia urbana”. 272 Esta escola era composta por pesquisadores com<br />

funções especificas, assim, Burgess, tinha por especialidade estudar e definir um<br />

modelo de pesquisa do crescimento, que fosse generalizável para o crescimento de áreas<br />

naturais. Burgess, “analisava as diretrizes do crescimento urbano, isto é, a organização<br />

física da cidade, aplicando, conceitos como metabolismo, expansão, sucessão extensão,<br />

concentração, mobilidade, organização e desorganização”. 273<br />

Ainda de acordo com Freitas;<br />

268 Hoje seria a Secretária de Comunicação.<br />

269 O Plano de Desenvolvimento Local e Integrado é a principal fonte de pesquisa para o entendimento do<br />

período do governo de João Durval e suas pretensões e ações junto a grupos dominantes na cidade.<br />

270 SILVA, Eunice Paranhos. “Cada macaco no seu galho: ampliação urbana da região sul/sudeste de<br />

Feira de Santana. (1960-2000). UEFS, 2008. p.23.<br />

271 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />

272 BARROS, José D‟Assunção. Cidade e História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. p.34.<br />

273 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana. Salvador: s.n., 1998. p.119.<br />

73


Na expansão, enquanto crescimento físico a cidade é entendida basicamente<br />

através do plano de urbanização e mediante o zoneamento, quando o plano de<br />

urbanização constitui-se um dos elementos de controlo do crescimento físico<br />

da cidade. 274<br />

Este apresenta as influencias do modelo progressista de urbanismo de Le<br />

Corbusier que, “propõe um objeto urbano pulverizado, cujos elementos padronizados<br />

estão distribuídos no espaço segundo uma ordem funcional e geométrica” 275 .<br />

O PDLI apresenta um estudo que concluiu que Feira de Santana estava caótica<br />

no uso de seu solo urbano, principalmente no centro da cidade onde se misturam o<br />

comercio, indústria e habitação. O PDLI concebe para o desenvolvimento local pela<br />

teoria de François Perroux e os “pólos de crescimento”. Segundo este, o<br />

desenvolvimento não se expande por todo o país e suas regiões, concentra-se nos “pólos<br />

de crescimento”.<br />

Identificando o desenvolvimento enquanto um processo exclusivamente<br />

polarizado no econômico, o teórico francês afirma que o desenvolvimento<br />

econômico é função de um certo grau de industrialização, sendo esta<br />

processada de forma delimitada, polarizada em um espaço geográfico. 276<br />

Portanto, para o desenvolvimento local integrado, e integrador da economia<br />

local à totalidade do país, a indústria teria a função motriz 277 , de associar os setores<br />

municipais, sejam o primário, secundário e terciário, integrando-os, também, à<br />

economia baiana e nacional. A solução para o município é técnica-racional.<br />

O projeto definia qual a concepção de cidade do governo municipal, propondo<br />

um projeto político definidor dos seus rumos. Os texto do PDLI e os discursos do Folha<br />

do Norte expressam uma visão onde a velha cidade passaria a ser organizada.<br />

Os conflitos deveriam ser superados pelo esclarecimento do povo. O jornal<br />

expressava bem quando no ano de 1968 tentava acordar o povo para a modernização<br />

urbana da cidade;<br />

274<br />

FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em...op. cit. p.120.<br />

275<br />

CHOAY, François.O Reino do Urbano e a Morte da Cidade. IN: Projeto História: Revista do<br />

Programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP, n° 18,<br />

1999.p.70.<br />

276<br />

SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />

industrialização. UFBA, 2002. p.35.<br />

277<br />

Para uma discussão mais aprofundada das teorias que envolvem o PDLI e sua consonância com<br />

perspectivas nacionais, ver SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade:<br />

o sonho da industrialização. UFBA, 2002 & FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de<br />

Santana. Salvador: s.n., 1998.<br />

74


A falta de divulgação das intenções da URBIS e seu plano de vendas,<br />

acrescido da confusão que se estabeleceu nas suas vendagens (...) Tem<br />

ocasionado várias dúvidas que muitas vezes não estão livres da influencia<br />

maléfica dos derrotistas, dos que raciocinam como “Jeca Tatu” e dos que<br />

pensam diminuir aos olhos do povo uma grande obra com maledicência dos<br />

incapazes, dos que julgam tapar o sol com o dedo. O núcleo habitacional terá<br />

Igreja, praça, açougue, mercado, e espaço para recreação infantil além de<br />

escolas e linhas de transporte. 278<br />

As oposições, ou melhor, derrotistas, são maléficos por não tratarem a verdade<br />

que são os benefícios da URBIS, HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO <strong>DA</strong> BAHIA,<br />

autarquia do governo do estado criada em 1965, e responsável pela construção de<br />

núcleos habitacionais como a Cidade Nova. Era presidida pelo ex-prefeito Joselito<br />

Amorim.<br />

classes.<br />

A cidade racional e a modernização em obras como política de<br />

Na modernização da cidade, o controle social era um dos focos da<br />

administração. Uma higienização que produzisse resultados esperados: o domínio das<br />

“classes rebeldes”, e um belo centro urbano que trouxesse divisas para o município e<br />

seus empresários, seriam focos do novo empreendimento. Novos padrões morais que<br />

não eram tão novos foram reproduzidos no jornal Folha do Norte, que traduzia bem as<br />

exigências de setores da sociedade por uma “nova cidade”. A moralização das ruas e<br />

dos becos era prevista por uma limpeza urbana que exigia a retirada da prostituição. “A<br />

rua do meio outrora centro de baderna desapareceu varrida pelo comércio e vem sendo<br />

vencida pelo progresso...” 279 . O progresso venceria tudo o que representasse o velho ou<br />

inadequado. O jornal ainda prevenia;<br />

Segundo declaração do delegado Osvaldo Franco, as mulheres de vida airada<br />

sofrerão confinamento até as 23 horas e os diversos estabelecimentos<br />

existentes em becos e travessas têm o prazo de 30 dias para fechar. 280<br />

Porém, a principal característica do governo de João Durval é a intensificação de<br />

obras públicas. Ampliação de bairros, organização de infra-estrutura para seu projeto<br />

278 Folha do Norte, 30/11/1968.<br />

279 Jornal Folha do Norte, 19/08/1967.<br />

280 Idem.<br />

75


norteador, que seria a do Centro Industrial do Subaé. Sua articulação com o governo do<br />

estado permitiu a construção de uma adutora para trazer água do rio Paraguaçu. Em<br />

1969, a ELETROBRÁS implanta o sistema de abastecimento de energia pela Usina de<br />

Paulo Afonso, em 1968 já tinha sido inaugurada a escola do SENAI. A URBIS havia<br />

construído até 1971, mais de 1666 casas 281 , a TELEFEIRA havia instalado quase duas<br />

mil linhas telefônicas.<br />

A educação também era um ponto previsto no seu projeto, esta deveria ser<br />

modernizada e ampliada, por isso a chegada em 1968 da primeira escola superior, e em<br />

1970 a aprovação da lei feita pelo então governador Luis Viana, para criação da<br />

<strong>Universidade</strong> de Feira de Santana, além de reformas de escolas e construção de teatro na<br />

cidade.<br />

No período em que esteve na prefeitura, João Durval cultivou a imagem de um<br />

prefeito obreiro. Estes atos são questionados aqui, quanto a sua função ideológica. A<br />

ampla promessa de novas obras, constantemente relatada, principalmente no Jornal<br />

Folha do Norte, em todo seu processo de planejamento e execução, tem uma<br />

funcionalidade para amortizar os conflitos existentes e legitimar um modelo econômico,<br />

político e social. Em tempos de ditadura onde a população tinha pouco espaço para lutar<br />

pelo direcionamento dos investimentos do Estado e municípios, as moradias populares,<br />

através do BNH eram usadas “(...) como forma de cooptação da classe trabalhadora,<br />

como instrumento político, econômico e ideológico” 282 , pois, “Um dos mecanismos<br />

empregados pelo Estado para consubstanciação hegemônica adotada em 64 é a política<br />

habitacional”, ”O Estado vê na habitação popular um meio que atende a demanda<br />

popular e ao mesmo tempo um meio de amenizar o conflito entre forças produtivas e as<br />

relações de produção” 283 . O Estado se afirmou como mediador do conflito social, ou<br />

melhor, como instrumento usado neste conflito para favorecer um grupo no poder,<br />

sabendo o grupo que dirigia o Estado que não se estabeleceria o domínio político sem a<br />

adesão de trabalhadores, sem a cooptação através de programas de beneficiamento<br />

destes. Os grupos dirigentes elaboraram estratégias em um Estado ampliado de<br />

hegemonia. Compreendemos que<br />

281 FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em...op. cit. p. 114.<br />

282 OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />

Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />

p.104.<br />

283 PERUZZO, Dilvo. Habitação: Controle e Espoliação. São Paulo: Cortez,1984. p.38-39.<br />

76


O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em<br />

conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia<br />

será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o<br />

grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas<br />

também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem<br />

envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode<br />

deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na<br />

função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade<br />

econômica. 284<br />

Nesta definição que assumimos do estado moderno, podemos identificar nas<br />

análises realizadas estas estratégias dentro do campo de atuação políticas de grupos<br />

dirigentes, como fundamental para estabelecimento /ou manutenção de uma ordem.<br />

Com os elementos discursivos e as obras relacionadas à urbanização, os grupos<br />

locais no poder buscavam a hegemonia, pelo consenso e coerção sob um Estado em<br />

ditadura civil/militar, que reprimia qualquer suspeição de oposição por parte dos<br />

trabalhadores que ameaçasse as bases das classes dirigentes no país. Como<br />

conseqüência, foram censurados vários mecanismos políticos de participação popular.<br />

João Durval dispunha de aparelhos e organismos de classe para estabelecer uma<br />

hegemonia. Valente 285 , referindo-se aos agentes sociais que tiveram por iniciativa a<br />

industrialização e a modernização em Feira, demonstra o papel importante do governo e<br />

seus mecanismos de poder. Aponta questões pertinentes para compreender a posição<br />

central que João Durval tem como um dos articuladores do projeto, com o pedido de<br />

montagem de um Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Seguindo, faz um recuo<br />

temporal na pesquisa, para entender as entidades de classes e os setores sociais que<br />

enfrentam a tarefa, e mesmo sem experiência formam um grupo de industriais. À frente<br />

disto, João Durval, que nas palavras de Valente “(...) se assemelha ao que Gramsci<br />

chama de “político em ato”, aquele que se coloca como “um criador, um suscitador, mas<br />

não cria a partir do nada nem se move na vazia agitação dos seus desejos e sonhos”, este<br />

“toma como base a realidade efetiva”. 286<br />

No mesmo texto, Valente traz uma reflexão sobre o Rotary Club e o papel<br />

aglutinador para classes dirigentes e, a propagação do americanismo para transformar<br />

284 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Vol.3 p. 48.<br />

285 VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />

industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório de<br />

História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p.7.<br />

286 VALENTE, Andrei de Brito. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o processo de<br />

industrialização em Feira de Santana. Comunicação apresentada no I Seminário Anual do Laboratório de<br />

História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais. Feira de Santana, UEFS, 2006. p.7.<br />

77


Feira em uma cidade industrial, pois, segundo Gramsci um órgão de (...) “difusão de um<br />

novo espírito capitalista (...)”. 287<br />

O “americanismo” torna-se manifesto ao fim do governo Joselito Amorim. Em<br />

1967, antes da chegada de Durval ao poder executivo, Feira passava a ser enunciada em<br />

discursos como cidade imponente e grandiosa que mereceria reconhecimento. Um dos<br />

primeiros textos do ano de 1967 do jornal Folha do Norte mostra os caminhos das<br />

representações criadas sobre a cidade “capital do interior” baiano. Durante a visita de<br />

uma americana do departamento de Estado dos EUA, lê-se no Folha do Norte:<br />

“Importante visitante que vem conhecer e prestigiar a maior obra administrativa do<br />

interior brasileiro” 288 .Vem a Feira Miss Reulah Confer, a convite de Juracy<br />

Magalhães e do prefeito. Com um sentimento de uma cidade que se quer fazer grande<br />

como uma metrópole e importante como uma capital, o jornal reivindica. O texto revela<br />

apreço pela importância de tal visita, demonstrando, de certa forma, a nova referência<br />

de ideal de civismo do colunista feirense, baseado na maneira norte americana de<br />

governo, sociedade e economia, contrariando o ideal comunista que tinha como<br />

referencia a ex-União Soviética, o que pode nos indicar um anseio de um grupo da elite<br />

local. Só não descreveu detalhadamente qual grande obra era esta. Suspeitamos que se<br />

tratasse de um discurso que é produzido em meio a um novo modelo nacional ao qual<br />

Feira se adéqua e, também, uma maneira de formar bases de apoio a esse novo<br />

momento. Não conseguimos identificar nesta pesquisa se este americanismo é parte do<br />

mecanismo de hegemonia, mas por outro lado, está sempre presente em discursos que<br />

visam respaldar a ordem estabelecida.<br />

João Durval é o "intelectual orgânico" de uma modernização, procura dar coesão<br />

às classes nos seus projetos à frente da prefeitura, a coesão no plano político e social.<br />

Pacheco 289 faz um estudo sobre os projetos modernizadores e higienizadores que<br />

pressupunham a retirada da tradicional feira do centro da cidade para transferi-la para<br />

um centro de abastecimento.<br />

No período de Durval, desde 1967, se intensificam os discursos de higienização<br />

do centro da cidade sobre a necessidade da transferência da feira que representava algo<br />

velho, “(...) representantes de entidades de classes e representantes dos poderes<br />

287<br />

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o estado moderno. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1976. p.176.<br />

288<br />

Jornal Folha do Norte. 14. 01.1967(Grifo Meu)<br />

289<br />

PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. A feira e a nova Feira: tradição, costume e conflito em<br />

Feira de Santana-BA 1967-1977. Monografia apresentada no curso de especialização em História da<br />

Bahia, Feira de Santana UEFS, 2007.<br />

78


municipais e intelectuais com certo poder de voz na cidade (...)” 290 , reclamavam da<br />

feira. Pacheco afirma que esta higienização sintetizada no projeto CABANA (1968),<br />

estava atrelada à necessidade dos comerciantes de terem suas vitrines limpas e expostas<br />

para atrair a clientela. A Associação Comercial 291 demonstrava o novo caminho do<br />

comércio que se relaciona com os espaços urbanos, como em 1968:<br />

enviou a Associação Comercial de Feira de Santana oficio de apoio ao<br />

deputado estadual Oscar Marques por este haver indicado a Mesa da<br />

Assembléia do Estado a construção de prédios apropriados para a localização<br />

dos serviços policiais bem como da Cadeia Publica. 292<br />

Em 1969, o Folha do Norte reconhecia esforços do prefeito para solucionar a<br />

questão; “ao que parece está procurando dar uma solução ao problema” 293 . Os espaços<br />

deveriam ser definidos por grupos sociais, é assim que o PDLI define lugares de<br />

trabalhadores, comerciantes e etc.<br />

O projeto CABANA demonstra como João Durval era um articulador e porta<br />

voz no Estado, não somente para a classe industrial emergente, mas para um setor de<br />

comerciantes, cumprindo um papel de intelectual intra-classe dominante, ou seja,<br />

representando e articulando vários setores, mesmo com um papel mais central no<br />

projeto industrial.<br />

Os jornais falavam muito da necessidade de transformação da cidade, de uma<br />

série de elementos que a modernizariam. Antes da vinda da Faculdade, o Folha do Norte<br />

trazia muitos discursos de como Feira para atingir o padrão que merecia precisava do<br />

ensino superior, necessidade expressa na coluna de Raymundo Pinto. 294 O projeto de<br />

Durval precisaria ser acolhedor para vários setores das classes dominantes e dominadas,<br />

o consenso deveria ser buscado entre esses setores para a modernização na Feira de<br />

Santana. A cidade é pensada a partir de concepções que dentro das relações sociais de<br />

força, representam os setores dominantes, pois, “o desenvolvimento atinge a todos,<br />

tanto os que comandam a expansão (o Estado e a classe empresarial) como os que<br />

cooperam com ela (a população em geral) e os que são posteriormente por elas<br />

290 Idem, p.14.<br />

291 Em 1962, é fundada a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas).<br />

292<br />

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

p.177. A Cadeia Publica se localizava no centro comercial da cidade.<br />

293<br />

Folha do Norte, maio de 1969 apud OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de<br />

Santana...p.177.<br />

294<br />

Jornal Folha do Norte 13/05/1967 na coluna Educação e Cultura, Raymundo Pinto elogia o pedido de<br />

Fernando Pinto de uma Faculdade de Filosofia, em 20/05/1967 faz outro pedido de Faculdade.<br />

79


incorporados (a população desempregada e marginalizada)”.<br />

80<br />

295 O Plano de<br />

Desenvolvimento Local e Integrado entra em cena como meio de conseguir a<br />

hegemonia, domínio político, para frações das classes locais. “O PDLI instituiu normas<br />

técnicas e jurídicas para sua implementação, obrigando não apenas os particulares, mas<br />

também o poder público” 296 . Assim procuramos<br />

“desmascarar” a verdadeira função do planejamento, entendido que através<br />

do intervencionismo e do regulacionismo estatal, segundo vários autores,<br />

tinha o intuito de tentar manter na cidade as necessidades do capitalismo, ou<br />

seja, manter condições favoráveis, seja a longo ou médio prazo, o status quo<br />

capitalista. 297<br />

295<br />

SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />

industrialização. UFBA, 2002. p.108.<br />

296<br />

CAMARA, MARCOS PARAGUASSU A; FRANK, HAROL<strong>DO</strong>; SEMINARIO SOBRE O<br />

DESENVOLVIMENTO DE FEIRA DE SANTANA; (1; 1984; Feira de Santana). Legislação<br />

urbanística em Feira de Santana. Salvador: 1985. INTERURB,<br />

297<br />

OLIVEIRA, Eliacy Eduarda. O Desigual Combinado na Urbanização em Feira de Santana IN:<br />

Conselho Regional de economia, 5. Reflexões de Economistas Baianos. Salvador CORECON, 2005.<br />

p.70.


CAPITULO 3<br />

O futuro do passado<br />

81<br />

A memória é a vida, sempre guardada pelos grupos<br />

vivos em seu nome, ela está em permanente evolução,<br />

aberta a dialética da lembrança e do esquecimento,<br />

inconscientes de suas deformações sucessivas e de<br />

súbitas revitalizações. 298<br />

O trabalho de enquadramento da memória pós-64.<br />

Momentos atrás pontuamos a importância de um mecanismo de busca de<br />

hegemonia articulado pela UDN/ARENA tendo como um de seus grandes alvos como a<br />

competição com a memória da gestão de Francisco Pinto. Esse mecanismo foi o<br />

“trabalho de enquadramento” 299 da memória de uma referência positiva da gestão de<br />

Joselito Amorim e João Durval. A memória também é vitima de tecnologias de poder,<br />

objeto importantíssimo para estabelecimento de qualquer dominação política, pois ela<br />

tem por função a construção e manutenção de identidades, pertencimentos a grupos<br />

sociais e é fundamental apara assentar a bases das identidades nacionais e locais.<br />

A memória é compreendida como a interação dialética entre a lembrança e o<br />

esquecimento e, nesta interação é que mecanismos de enquadramento são constituídos<br />

com finalidades políticas que podem ser identificadas pela análise adequada, como<br />

afirma Pollak:<br />

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações<br />

do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas<br />

mais ou menos conscientes de definir e reforçar sentimentos de<br />

pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes:<br />

partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações e etc. 300<br />

298<br />

Decca, Edgar de. Memória e Cidadania. IN: O direito da memória: patrimônio histórico e cidadania.<br />

DPH, SP, 1992, p. 130-131<br />

299<br />

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Vol. 02, n. 03, 1989.<br />

300 Idem, p. 08.


Era função de governo garantir um lugar positivo na memória coletiva local<br />

contra aquela alusão de gestão municipal que seria sua maior opositora. Estamos nos<br />

referindo ao governo de Chico Pinto. A sua aproximação com a população através da<br />

criação de meios para gestão participativa gerou expressiva popularidade que já<br />

mencionamos no primeiro capitulo. Essa popularidade seria, possivelmente, um dos<br />

motivos que levaria a ARENA perder a eleição municipal para prefeito em 1976 para o<br />

MDB, que governaria a cidade dai em diante até o ano de 1982.<br />

Francisco Pinto representava o mal a ser combatido e era o principal opositor de<br />

João Durval, sua base aliada ligada aos movimentos sociais na cidade faziam de si uma<br />

liderança popular. É preciso lembrar que o trabalho de enquadramento da memória era<br />

necessário não somente para definição de disputas locais, mas também regionais e<br />

nacionais. O novo regime deveria estabelecer suas referências, e localmente a resolução<br />

deste conflito da memória deveria ser realizada conjuntamente com a base aliada,<br />

apoiadores do golpe, principalmente a velha UDN.<br />

Diversas são as defesas realizadas pelo regime, através dos adesistas locais, do<br />

processo revolucionário de restabelecimento da segurança do país e da cidade contra o<br />

perigo vermelho. São vários os sujeitos que sustentam a versão otimista do golpe e do<br />

novo regime, sujeitos que atuam na esfera do debate público e muitas vezes da<br />

perseguição generalizada daqueles que potencialmente, para eles, seriam inimigos da<br />

nova ordem. Assim notamos alguns colunistas que como Hugo Silva, também vereador,<br />

assumiu para si o papel de defensor da nova ordem. Outros podem ser discriminados<br />

pelo seu importantíssimo papel como Helder Alencar e o colunista social do Folha do<br />

Norte, Emme Portugal. 301 Helder ainda se afirmava comunista até quando o partidão<br />

(PCB) acolhe a decisão de apoiar nas eleições para prefeito em Salvador em 1962,<br />

Osório Vilas Boas ao invés de Virgildásio Sena. 302 O que sabemos é que Helder Foi<br />

responsável por uma coluna anticomunista no Folha do Norte.<br />

O jornal Folha do Norte, o Jornal Situação e o Feira Hoje, eram fornecedores de<br />

quadros e pontos de referências dessa busca de enquadramento de uma memória<br />

positivada do golpe e das gestões pós-golpe da UDN/ARENA.<br />

301 Há algumas especulações midiáticas que diziam que os textos de Emme Portugal eram, na verdade,<br />

escritos peã esposa de João Durval, Yeda Barradas Carneiro. Entrevista com Helder Alencar,<br />

http://www.blogdafeira.com.br/noticia.asp?id=5184 visto em 18 de agosto de 2010.<br />

302 DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia<br />

durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.18. (Tese).<br />

82


Um dos mais vigorosos momentos de enquadramento de memória aconteceu<br />

com o tema do Ginásio Municipal. Já descrevemos como a disputa por educação pública<br />

gerou conflitos entre sujeitos subalternizados organizado na sociedade civil. Apoiado na<br />

gestão de Chico Pinto, grupos sociais disputaram a construção do Ginásio Municipal,<br />

provocando a resistência da parte da oposição udenista no inicio da década de 1960 para<br />

aprovação do projeto. Segundo Ana Maria Fontes<br />

Para fazer silenciar a memória incômoda, elaboram-se e reelaboram-se<br />

estigmas e símbolos de maior efeito persuasivo. A primeira iniciativa para<br />

apagar a gênese do Ginásio Municipal da história da cidade e, ao mesmo<br />

tempo, o projeto político que lhe tornara possível, ocorreu em 1966, com a<br />

ampliação das suas instalações. 303<br />

A proposta de ampliação viria do próprio executivo municipal, porém, a<br />

sugestão de nomeação de Ginásio Municipal Professor Joselito Amorim 304 , partiria do<br />

vereador Godofredo Filho, um edil que encontramos poucas vezes em grandes debates<br />

ou mesmo propondo projetos, mas famoso por suas poesias.<br />

(...) em 1966, é “homenageado” com o nome de um dos políticos enfileirados<br />

no partido político União Democrática Nacional (UDN) que, no momento<br />

imediatamente anterior, assumiram a posição de combatentes contrários<br />

àquelas lutas na preservação de interesses privados, na área da educação, em<br />

beneficio de aliados políticos. 305<br />

Ana Maria chama atenção para o monopólio privado do acesso à educação, neste<br />

caso o dono do ginásio privado era Áureo Filho, também filiado a UDN. Em 1968 ainda<br />

vemos a disputa no trabalho de enquadramento em sua tentativa de efetivação de<br />

resultados, Hélio Barbosa, que no período de 1968 é colunista do Folha do Norte,<br />

espaço repleto de textos em oposição clara os movimentos sociais, publica um escrito<br />

descrevendo a sua versão sobre a fundação do Ginásio Municipal, enaltecendo os<br />

professores e militares e a autoridade na educação. Destacando alguns ambientes físicos<br />

disciplinares da escola, como a sala da repressão, ressalta o colunista que “obedecendo<br />

se aprende mandar”. 306<br />

303 SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em Feira de<br />

Santana (1963-1964). Revista Sitientibus, nº 24, Feira de Santana, UEFS, 2001, p. 32.<br />

304 Projeto de Resolução n° 66/66. Ata da 1° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Feira de Santana.<br />

12/04/1966.<br />

305 Idem, Ibidem, p.33.<br />

306 Folha do Norte, 17/08/1968.<br />

83


O Ginásio Municipal é apenas um dos temas em que se ocuparam o adesistas do<br />

golpe e do projeto de modernização local. Freqüentemente tiveram oportunidade de<br />

exaltar as realização da gestão de Joselito Amorim, mesmo que tenham se esforçado<br />

menos do que em relação à gestão posterior. O jornal Situação, fundado em 1967 e que<br />

tinha como Superintendente Antônio José Laranjeira, também Diretor de Turismo do<br />

Governo de João Durval, elogiava a gestão de Amorim pronunciando, neste mesmo ano,<br />

que “os trabalhos executados na gestão do Prefeito Joselito Amorim, já é{SIC}<br />

comentado nos altos círculos governamentais do país”. 307 O prefeito recebeu elogios de<br />

outras formas, em discursos de vereadores e etc. O proferido dialogo com a classe<br />

operária e estudantil, estimado pelo Folha do Norte são exemplos de trabalho de<br />

enquadramento de memória. Enquanto o jornal pronunciava este discurso, militantes<br />

eram presos e acusações de subversão eram feitas. Segundo o Pollak:<br />

Esse trabalho de enquadramento da memória tem seus atores<br />

profissionalizados, profissionais da história 308 das diferentes organizações de<br />

que são membros, clubes e células de reflexão. 309<br />

Na cidade conseguimos identificar um representante destes profissionais da<br />

História. Raymundo Pinto, Secretário de Educação do governo de João Durval e<br />

também colunista do Folha do Norte. Em 1971ele publicou um livro intitulado<br />

“Pequena História de Feira de Santana”. Obra que resumidamente trata, principalmente,<br />

da experiência política institucional da cidade na segunda república. Trata-se de uma<br />

análise sintética do autor sobre a gestão de prefeitos e interventores do município até o<br />

ano de lançamento do texto, documento privilegiado para reconhecermos o ambiente<br />

cultural de busca de um consenso sobre a ditadura e a gestão no executivo municipal<br />

entre 1967 e 1971. A estratégia textual é um dialogo realizado entre o autor e uma<br />

personagem, Zé, sobre a História política do município. O texto de fácil entendimento<br />

parecia ser voltado para um público em idade escolar, talvez um livro didático, bastante<br />

apelativo.<br />

Em seus capítulos um chama atenção para nosso estudo, o que analisa a historia<br />

do tempo presente do autor. Raymundo Pinto nos oferece uma reflexão tendenciosa<br />

307<br />

Situação, 02/03/1967.<br />

308<br />

Grifos meus. Desconfiei que talvez o termo fosse História, referindo-se a produtores de textos. Pode<br />

haver um erro de tradução.<br />

309<br />

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Vol. 02, n. 03, 1989.p.<br />

09.<br />

84


sobre a ditadura de 1945 e a “revolução” de 1964. Getúlio Vargas recebe referências<br />

mais incisivas seu papel enquanto ditador que os presidentes militares pós-golpe. 310<br />

O texto é bastante educativo, composto por concepções de honestidade e<br />

referência ao progresso da cidade, esta sempre sendo mencionada em acordo com a<br />

importância que lhe era dada pelos jornais, governos e grupos civis, como na passagem<br />

em que fala sobre o exército, “vale registrar que, também em 1968, o Exercito<br />

Brasileiro, reconhecendo a importância da nossa cidade, instalou aqui um Batalhão de<br />

Infantaria, o 35º BI” 311 , coincidentemente o ano de lançamento do Ato Institucional nº<br />

5, momento de intensificação das perseguições do regime que tem seus efeitos sentidos<br />

na região.<br />

Os capítulos que tratam respectivamente do governo de Chico Pinto e Joselito<br />

Amorim, são bastante breve sem contar muitas realizações dos prefeitos, por outro lado<br />

a gestão do jovem João Durval é muito bem tratada; “Duvido que um velho tivesse feito<br />

mais que ele” 312 . O argumento é sempre usado em forma de comparação, João Durval<br />

era o futuro, todos os outros, mesmo que aliados, pertenciam ao passado da cidade, pois,<br />

a cidade havia crescido de “1960 a 1970” “cerca de 100%” 313 , porém toda essa<br />

explosão de amadurecimento foi concentrada principalmente no governo de João<br />

Durval. O prefeito havia inaugurado o tão procurado Sistema de Abastecimento de<br />

água do Paraguassu, “Uma grande obra que resultou, todavia, dos esforços do Prefeito<br />

anterior e o apoio decisivo do ex-governador Luis Viana”. 314<br />

São várias as realizações de João Durval citadas em capitulo sobre sua gestão,<br />

como a construção de casas populares, a sanção da lei, por parte do governador do<br />

Estado, que criava a <strong>Universidade</strong> de Feira de Santana, a Faculdade de Educação que já<br />

funcionavam os cursos de Letras e Estudos Sociais desde 1968 dentre outras obras. São<br />

bem pontuados como mais importante em sua gestão, o planejamento, a indústria e o<br />

crescimento do comércio. Sobre a penúltima dizia que “Um município pode ser grande<br />

e ter muita terra inaproveitada. Enquanto um bem pequeno, se tiver muitas indústrias,<br />

por exemplo, será varias vezes mais importante” 315 .<br />

310 Ver: PINTO, Raymundo A.C. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de Santana: Sicla, 1971,<br />

p.64 e 70. Ver também a introdução da obra.<br />

311 Idem, Ibidem, p. 60.<br />

312 Idem, Ibidem, p.63.<br />

313 Idem, Ibidem, p.98.<br />

314 Idem Ibidem, p. 57.<br />

315 Idem, Ibidem, p.47.<br />

85


Conseguimos concluir nestas análises que havia um critério fundamental para o<br />

enquadramento de uma memória local sobre o golpe e seus governos conseqüentes na<br />

esfera local principalmente, a exaltação da gestão principalmente de João Durval em<br />

oposição critica a de Chico Pinto, tendo como meio o emudecimento de projetos que<br />

eram opositores da UDN/ARENA, assim é que são silenciadas as perseguições, prisões,<br />

torturas e qualquer forma de expressão cultural que os deixassem, os dominantes, em<br />

posição de ameaça. A estratégia discursiva sempre passava pela afirmação do progresso<br />

efetivo que ocorria no município contra o silenciamento de oposições 316 .<br />

O endurecimento do regime: testemunho de acusações e o ataque as<br />

oposições.<br />

Em 1968 há um endurecimento do regime militar/civil no país. 317 Com fim do<br />

governo Castelo Branco e sucessão de Costa e Silva o regime ganha novas orientações<br />

sobre a questão da perseguição política e torturas. É um momento onde vários grupos de<br />

oposição ao regime, optam pela luta armada, tomando para si a tarefa de enfrentar o<br />

sistema com a vida. Neste ínterim é que o regime demonstra também reações mais<br />

duras, que segundo calos Fico não podem ser justificadas como sendo uma contra-<br />

reação à oposição,<br />

Havia, desde o inicio do regime militar, a vontade, por parte dos setores<br />

mencionados da linha dura, de constituição de um aparato global de controle<br />

da sociedade, tanto quanto, aliás, a opção de parte da esquerda pela “luta<br />

armada” antecedeu o próprio golpe de 1964. 318<br />

Concordamos com Fico, o regime endurece sobre a influência de frações que<br />

sendo parte deste conseguem alinhar seu projeto dentro da formalidade legal. A<br />

316 Para ler sobre oposições ao regime e ao governo da UDN/ARENA em Feira de Santana ver: SANTOS,<br />

Claudiana Ferreira. O golpe Civil/Militar de 1964 em Feira de Santana: Visões e Versões de<br />

Militantes., Feira de Santana, 2009. (monografia) & MIRAN<strong>DA</strong>, Luciana de Oliveira. Em Busca da<br />

Memória: Praticas e Representações do Movimento Estudantil em Feira de Santana (1964-1969).<br />

Feira de Santana UEFS, 2001. (monografia)<br />

317 São exemplos: GASPARI, Elio. A Ditadura escancarada. Vol. 2, São Paulo: Companhia das Letras,<br />

2003. & FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio<br />

de Janeiro: Record,2004.<br />

318 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />

Janeiro: Record, 2004, p. 81-82.<br />

86


“Operação Bandeirantes” (OBAN) surge neste momento com a intenção clara de ter<br />

maior autonomia legal em relação às torturas e a perseguição dos ditos opositores. O<br />

documentário “Cidadão Boilesen” 319 conta a história de administrador dinamarquês<br />

naturalizado brasileiro que se torna presidente da empresa “Ultragaz”, e de seu<br />

envolvimento com os militares e a tortura no país.<br />

No vídeo citado, aparece depoimento de ex-militares como do Coronel Erasmo<br />

Dias que confirma a associação entre militares e setores privados empresariais que<br />

arrecadavam recursos financeiros para a manutenção das atividades da OBAN. O vídeo<br />

defende tese da participação de Boilesen como caixeiro, homem que atuavam<br />

diretamente no contato entre militares e empresários para arrecadação de fundos,<br />

chamando a atenção o perfil psicológico de alguém que tinha como prática a visitação a<br />

torturas de acusados de subversão.<br />

O mais importante, é a referência a associação necessária entre militares e civis<br />

para o combate às oposições ao regime. Em Feira de Santana o regime instalado em 64,<br />

volta sua atenção para o potencial de subversão social que a cidade demonstrava ter. O<br />

governo Chico Pinto e seus aliados são as primeiras vitimas da nova política, sendo que<br />

o regime em seu nível nacional e de seus dirigentes máximos (militares), necessitavam<br />

de adesistas que sustentassem o modelo. Assim na criação do modelo CODI-<strong>DO</strong>I<br />

entram as policias Estaduais junto com a estrutura militar do país. Antes mesmo disso<br />

temos a experiência do Serviço Nacional de Informação que contava com elementos da<br />

sociedade civil para seu pleno funcionamento.<br />

Sempre foi necessário, para consolidação da ditadura o esforço civil para gerir o<br />

regime. A deposição de Chico Pinto e sua base aliada na cidade, estão intimamente<br />

ligadas à solicitação da Câmara de Vereadores e a influência do exército. Nessa<br />

conjuntura, Hugo Navarro desenvolveu papel impar quando recomenda a deposição do<br />

prefeito articulado a justificativa de perigo a ordem nacional e local, diga-se perigo a<br />

manutenção da ordem capitalista, eles foram acusados de comunismo, que em tese é a<br />

superação do sistema capitalista.<br />

Durante todo o regime militar a cidade é tida como suspeita devido a sua<br />

herança perturbadora que tem continuidade com sujeitos que passam a ocupar papéis<br />

importantes em movimentos de vanguarda armada. “Tratando-se de VAR-Palmares, as<br />

bases desta no interior espalhavam-se pelas cidades de Cruz das Almas, Feira de<br />

319 Cidadão Boilesen (Brasil/ 2009, 92 min.) - Documentário. Direção de Chaim Litewski.<br />

87


Santana, Vitória da Conquista...” 320 , também são encontradas na cidade membros do<br />

MR-8, como Luis Antônio santa Bárbara morto em 1871 quando encorpava as forças<br />

guerrilheiras do Capitão Carlos Lamarca, “A cidade de Feira de Santana foi a principal<br />

base do MR-8, além da capital baiana”. 321<br />

O município de Feira está cheio de exemplos que solidificam as suspeitas<br />

militares, mas nos interessa neste momento o apoio recebido por estes para o ataque às<br />

oposições. Apoio que gera uma relação de troca muito clara para nós, a delação de<br />

suspeitos e sua posterior perseguição, prisão e/ou tortura, tinha como resultado local a<br />

diminuição das atividades contrárias a gestão e, ao mesmo tempo, a criação de uma<br />

relação de proximidade entre militares e civis na cidade que não podemos neste<br />

momento avaliar.<br />

No ano de 1968 começam a ser realizadas agitações políticas por parte de<br />

estudantes no município que coincidem com o assassinato do estudante Edson Luis.<br />

Além da denúncia, são incorporados outros pontos pautados por alunos do Colégio<br />

Estadual. No dia 24 de julho os estudantes haviam parado para reivindicar “laboratório<br />

para aulas práticas de Física, Química e Biologia, atualização salarial de tarefeiros e<br />

alguns professores e ainda substituição de professôres que apontavam como<br />

incapazes”. 322 A testemunha era a diretora da escola que delatava que esse tipo de<br />

atividade acontecia desde 1964 quando esta ainda não ocupava o cargo referido, e que<br />

inclusive no ano de 1969 realizaram uma assembléia geral dirigida por um professor de<br />

Biologia, a qual foi convidada a participar, porém ela provocou a sua dissolução. 323<br />

Dentre os nomes que podemos citar nas acusações de subversão aparecem o do vereador<br />

pelo MDB, Luciano Ribeiro, e o do estudante Luis Antonio santa Bárbara. Um fato<br />

chama atenção para compor nosso argumento principal desta dissertação, a ligação da<br />

ex-diretora do colégio estadual com a gestão da ARENA na cidade. Ela já havia<br />

ocupado o cargo de vereadora em 1966, quando assumiu em suplência de Hugo Navarro<br />

320 SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Silva. Bandeira vermelha: aspectos da resistência armada na<br />

Bahia. IN: ZACHARIADES, Grimaldo Carneiro. (Org.) Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares,<br />

Novos Objetos, Novos Horizontes. Salvador: EDUFA, 2009, p. 137.<br />

321 Idem, Ibidem, p.143.<br />

322 Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM. Feira de Santana –<br />

Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -<br />

IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />

323 Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM. Feira de Santana –<br />

Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -<br />

IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />

88


que solicitou sua exoneração par ocupar outro cargo público. Foi a primeira vereadora<br />

do município. Pertencente à ARENA, desenvolve durante o governo João Durval o<br />

papel de testemunha e delatora de atividades subversivas praticadas pela oposição.<br />

Situação interessante ocorreu quando ela foi interrogada sobre a ligação de Luciano<br />

Ribeiro com o ex-prefeito Francisco Pinto, se este era porta voz dele, ela “respondeu<br />

que não pode afirmar, mas sabe que existe ligação entre ambos, por ser o ex-prefeito<br />

deposto, presidente do (partido)”. 324<br />

O caso de processo mais emblemático para nossa pesquisa foi o de Luciano<br />

Ribeiro, que à época era vereador e estudante. Na posse de João Durval, Ribeiro realiza<br />

um discurso que foi considerado subversivo. Segundo o relato da condenação final<br />

deste, ele ainda,<br />

deixou as suas obrigações de Edil para, utilizando sua experiência política e a<br />

sua condição de estudante da Faculdade Estadual de Educação, incitar a<br />

SUBVERSÃO <strong>DA</strong> ORDEM PILITICA, no meio estudantil. 325<br />

O discurso na posse de João Durval foi encontrado nos autos do processo como<br />

prova de suas atividades. Neste discurso Luciano reconhece a entrada democrática de<br />

João Durval no executivo, “eleito pelo voto direto do povo deste município” 326 , porém,<br />

ressalva que isso não queria dizer que ocupava uma função “en nome da maioria” 327 ,<br />

pois a maioria se quer votava na cidade e no país. Muitos tinham essa atitude de não o<br />

fazer assim para demonstrar sua indiferença ou mesmo discordância com o regime e<br />

mais aqueles que não votavam pela imposição do regime de “exceção” segundo o<br />

mesmo.<br />

Luciano demarcava seu lugar de oposição em relação à nova gestão e seu<br />

antecessor, disse que sua eleição para vereador, diferente da ARENA,<br />

324 Aqui o documento fica ilegível, mas supomos que o termo seguinte seria MDB, que era presidido por<br />

ele naquele momento. Oficio enviado da Diretora do Colégio Estadual ao Sr. Major Encarregado do IPM.<br />

Feira de Santana – Bahia, 11 de abril de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e<br />

Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-BNM – UNICAMP.<br />

325 AUDITORIA <strong>DA</strong> 6º REGIÃO MILITAR. EXÉRCITO, MARINHA E AERONAUTICA.<br />

PROCURA<strong>DO</strong>RIA MILITAR, Fl. 5, Salvado, 03 de novembro de 1969. Arquivo Edgard Leuenroth,<br />

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH. Fundo Brasil Nunca Mais no processo numero 307-<br />

BNM – UNICAMP.<br />

326 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo numero 307-BNM – UNICAMP, p.01.<br />

327 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo numero 307-BNM – UNICAMP,p. 01. Em 1968 Luciano afirmou que a eleição foi fraudulenta.<br />

Ver: Ata da 8° Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Vereadores. 09/05/1968.<br />

89


serviu para assinalar e representar a vontade abafada dos brasileiros deste<br />

município, tolhida já por fôrça do regime em que vivemos agravada com o<br />

movimento político militar, de abril de 1964. A nossa eleição foi um protesto<br />

contra aqueles que distorceram de tal maneira as coisas, que ser patriota e<br />

defender honestamente os interêsses do país, passou a ser crime. A nossa<br />

eleição foi um protesto contra aqueles que prenderam os estudantes porque<br />

estudavam o nosso país, e prenderam os professores porque ensinavam a mar<br />

o Brasil. 328<br />

Dando continuidade a critica ao regime, o Edil é mais enfático e diz que,<br />

Substituiu-se o amor entre homens de uma mesma Pátria pela delação.<br />

Substitui-se as cátedras pelos tribunais militares. Substitui-se a nossa<br />

tentativa para tornarmoo um país soberano pela subserviência total a grupos<br />

estrangeiros que traçam nossa política econômica a sua maneira. 329<br />

O tom se torna cada vez mais agressivo contra o regime. Luciano reconhece que<br />

fora derrotado, porém compreende que é uma fase histórica a ser superada, que todos os<br />

regimes ditatoriais são assim e que o povo já entende desta forma. A luta era desonesta,<br />

porque “Os detentores do poder, tomado à base de tanques de guerra e fuzil,<br />

procuravam destruir de toda a maneira nosso diálogo com o povo". 330 Continua falando<br />

sobre o Brasil ter sido transformado em quartel militar e informa ao prefeito que<br />

contribuirão (MDB) para seu governo em tudo aquilo que seja de interesse do povo,<br />

com honestidade, porém “Não seremos “bons” e “prudente” nos têrmos que a nós se<br />

referiram”, “Pois ser bonzinhos é concordar em fazer conchavos com as classe<br />

dominantes contra o povo, se ser bonzinhos é concordar com o regime de exceção que<br />

aí ainda está. É renunciar a luta pela liberdade econômica e política do nosso país,<br />

confessamos que não seremos”. 331<br />

O discurso de Luciano Ribeiro chamou atenção, e foi aí que começou a<br />

perseguição deste que, como consequência foi indiciado pelo ato de incitação a<br />

subversão na câmara e outras acusações. Testemunhou contra Luciano um funcionário<br />

328 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo número 307-BNM – UNICAMP, p.01.<br />

329 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo número 307-BNM – UNICAMP, p.02. Obs.: Todos os termos citados não foram alterados.<br />

330 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo número 307-BNM – UNICAMP, p.02.<br />

331 Discurso de Luciano Ribeiro na posse do prefeito João Durval Carneiro, 07 de abril de 1967. Arquivo<br />

Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no<br />

processo número 307-BNM – UNICAMP, p.03.<br />

90


da Câmara Municipal de Feira de Santana que, quando perguntado se exercia naquele<br />

ou em outro momento atividades políticas, e respondeu que participou de um comitê<br />

estudantil em 1962, pró-candidatura de João Durval Carneiro, sendo que se afastou<br />

deste tipo de atividade quando em 1963 assumiu o cargo municipal, continuando até o<br />

ano de 1969 participando como militante de atividades políticas estudantis. 332 Foi<br />

ouvido ainda o Oficial de Gabinete do Prefeito de Feira de Santana, que não esteve<br />

presente na sessão da câmara, mas disse “que tais discursos segundo os comentários<br />

ouvidos tinham caráter subversivo” 333 . Em entrevista, Luciano Ribeiro afirmou que na<br />

passagem da ditadura, ele seus companheiros queriam “lutar contra o exército e contra<br />

todos com uma maquina de escrever e um mimeografo”, 334 continua dizendo que estes<br />

não usavam armas, a opção de seu grupo não era pela luta armada.<br />

O mais importante destes processos é que podemos identificar oposições ao<br />

governo e resistência ao regime, perseguições antidemocráticas e sujeitos que prestam<br />

testemunhos ligados diretamente ao governo de João Durval e a ARENA. Mas algo<br />

mais chamou nossa atenção no discurso de Luciano Ribeiro. Foi o trato dado à<br />

modernização da cidade, a necessidade de infra-estrutura para preparar o município para<br />

a industrialização, o elogio às organizações privadas de frações de classe como a do<br />

comércio e indústria, tudo isso media para nós como mesmo aquele que traz à tona a<br />

alocução mais radical de oposição ao governo de João Durval, não divirja de seu<br />

principal empreendimento enquanto gestor público, e ressalta que trabalhará para esta<br />

modernização da cidade, é neste momento onde o tom do discurso se torna mais ameno.<br />

Mais do que isso, identificamos nessa base do governo que testemunha e<br />

denunciam atos subversivos, os indícios de ligações entre civis e militares em Feira, a<br />

condenação destes sujeitos, eliminam as oposições mais emergente em prol de um<br />

projeto que se quer hegemônico e só pode ser efetivado em consonância com os<br />

gestores maiores do país. 335<br />

332<br />

30º SESSÃO <strong>DO</strong> CONSELHO PERMANETE DE JUSTIÇA PARA EXÉRCITO REFERENTE AO<br />

2º TRIMESTRE <strong>DO</strong> ANO DE 1970. PROCESSO Nº 22/69. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de<br />

Filosofia e Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM –<br />

UNICAMP, p.V.<br />

333<br />

Inquirição de Testemunhas. 24 de abril de 1970. Arquivo Edgard Leuenroth, Instituto de Filosofia e<br />

Ciências Humanas - IFICH.Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM – UNICAMP.<br />

334<br />

Depoimento de Luciano Ribeiro, colhido em 22/11/1995. Disponível no CE<strong>DO</strong>C, UEFS. Classificado<br />

44.<br />

335<br />

Há uma lista bem maior de acusados de subversão, decidimos aqui preservá-la neste momento.<br />

Também decidimos não citar nomes em consonância com as orientações legais sobre uso de processos<br />

crimes e também optamos por não usar as iniciais de testemunhas de acusação. Alguns nomes que<br />

aparecem sendo acusados são em razão de já ser público o conhecimento do caso e seus nomes.<br />

91


A sociedade civil e o projeto de modernização da cidade.<br />

92<br />

Ora, se na concepção do curso da história separarmos<br />

as idéias da classe dominante da própria classe<br />

dominante e as tronarmos autônimas, se permanecermos<br />

no plano da afirmação de que numa época dominaram<br />

estas ou aquelas, sem nos preocuparmos com as<br />

condições da produção nem com os produtores dessas<br />

idéias, se portanto, desconsiderarmos os indivíduos e as<br />

condições mundiais que se constituem o fundamento<br />

dessas idéias, então poderemos dizer, por exemplo, que<br />

durante o tempo em que aristocracia dominou<br />

dominaram os conceito de honra, fidelidade e etc.,<br />

enquanto durante o domínio da burguesia dominaram os<br />

conceitos de liberdade, igualdade e etc. 336<br />

Para Antonio Gramsci, a sociedade civil e seu desenvolvimento na sociedade<br />

ocidental tiveram como conseqüência histórica uma reformulação do Estado em seu<br />

sentido puramente coercitivo. A sociedade civil comporta organizações que difundem<br />

pensamentos, ideologias, nela encontramos grupos, frações de classe, organizados para<br />

disputar idéias, avançar em posições no que tange a perspectivas de incorporação no<br />

conjunto do Estado moderno ocidental (sociedade civil e política) lutas por sua direção<br />

política, intelectual e moral através do consenso. Marx diz;<br />

A sociedade civil abarca o conjunto do intercambio dos indivíduos no interior<br />

de um estagio determinado das forças produtivas. Ela abarca o conjunto da<br />

vida comercial e industrial de um estagio e, nessa medida, ultrapassa o<br />

Estado e a nação, apesar de, por outro lado, ela ter de se afirmar ante o<br />

exterior como nacionalidade e se articula no interior como Estado. 337<br />

O Estado em seu sentido puro é revertido de coerção, dirigido pela classe<br />

dominante, é onde esta tem os mecanismos reunidos para monopolizar a repressão e<br />

violência, este Estado é controlado por um sistema burocrático. Para alguns 338 , este é<br />

manifestação do poder político que acaba a guerra, porém,<br />

336<br />

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.p. 48.<br />

337<br />

Idem, Ibidem, p. 74.<br />

338<br />

Ver: HOBBES DE MALMESBURY, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado<br />

eclesiástico e civil. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. & ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato<br />

social: princípios de direito político. 18. ed Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.


(...) se é verdade que o poder político acaba a guerra, tenta impor a paz na<br />

sociedade civil, não é para suspender os feitos da guerra ou neutralizar os<br />

desequilíbrios que se manifestaram na batalha final, mas para reinscrever<br />

perpetuamente estas relações de força, através de uma espécie de guerra<br />

silenciosa, nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e<br />

até no corpo dos indivíduos. A política é a sanção e a reprodução do<br />

desequilíbrio das forças manifestadas na guerra. Em segundo lugar, quer<br />

dizer que, no interior desta “paz civil”, as lutas políticas, os confrontos a<br />

respeito do poder e pelo poder, as modificações das relações de força em um<br />

sistema político, tudo isto deve ser interpretado apenas como continuações da<br />

guerra, como episódios, fragmentos, deslocamentos da própria guerra. 339<br />

O Estado é no capitalismo um instrumento segundo Marx;<br />

é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus<br />

interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época,<br />

segue-se que todas as instituições coletivas são mediadas pelo Estado,<br />

adquirem por meio dele uma forma política. 340<br />

Já situamos, em outro momento do texto, o surgimento de grupos que tinham por<br />

objetivo a promoção da industrialização da cidade. O mais importante foi o CIFS, grupo<br />

que melhor expressou seu desejo de forma organizada e consequentemente obteve<br />

maior influência sobre o preparo de um projeto de industrialização local. A<br />

possibilidade deste projeto de industrialização deveria ser consensuado na sociedade<br />

civil e política e esteve diretamente ligado às oportunidades e interesses encontrados em<br />

órgão regionais e nacionais para interiorização da indústria.<br />

A Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste (FUNDINOR) foi<br />

um órgão prioritário para a construção do projeto. Na presidência de Ulisses Barbosa<br />

(1967-1968) que já havia sido representante do órgão na Bahia, começa a cruzada pela<br />

industrialização do interior. Isto permitiu o encontro dos interesses do CIFS com a<br />

FUNDINOR, ampliando as relações institucionais e mais, a conjunção de uma fração de<br />

classe em formação na cidade, com frações que tinham um movimento em escala<br />

nacional. 341 A FUNDINOR tinha o predomínio de grupos do Centro-Sul do país e<br />

339<br />

FOUCAULT, Michel; MACHA<strong>DO</strong>, Roberto, Org. Microfisica do poder. 21. ed. Rio de Janeiro:<br />

Graal, 2005, 176.<br />

340<br />

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.p. 76.<br />

341<br />

Os escritos que aqui serão expostos neste tópico, estão baseados principalmente nos textos de:<br />

MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009. (Dissertação) &<br />

SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />

industrialização. UFBA, 2002. (Dissertação)<br />

93


uscava através de caravanas para mobilização de frações da classe dominante local, a<br />

adesão de grupos para expansão econômica das regiões ligando-se aos interesses do<br />

Centro-Sul, sendo que a primeira caravana do interior da Bahia visitou Feira de Santana,<br />

convocando de lideranças de grupos como o Lyons Club, o Rotary Club, Associação<br />

Comercial entre outros. 342<br />

Foi criado na cidade o primeiro comitê baiano para fomento da indústria, a<br />

Promotora de Desenvolvimento Econômico de Feira de Santana (PRODEFESA),<br />

transformando, segundo Monteiro, a antiga reivindicação de um “bairro industrial” em<br />

um projeto que visava “dirigir os rumos do conjunto da cidade” ampliando o “raio de<br />

ação do CIFS” 343 . O argumento local para a implantação da industrialização baseava-se<br />

no risco de perda do ritmo de progresso que poderia ser ocasionada pelo isolamento,<br />

pois segundo o CIFS e a FUNDINOR, as benesses da localização de entroncamento<br />

rodoviário eram instáveis, a cidade precisava consolidar uma capitalização dos<br />

empreendimentos aproveitando as políticas de financiamentos e incentivos fiscais. Mas<br />

havia mais que isso, a idéia era promover o crescimento do empresariado local, e as<br />

possibilidades externas colocadas pelos grupos do nordeste da Bahia, coadunados pelo<br />

antigo projeto da SUDENE, alavancavam as frações locais. Em 1967 veio a calhar o I<br />

Encontro de Comitês de Fomento Industrial da Bahia em Vitória da Conquista 344<br />

objetivando a formulação de um modelo político de desenvolvimento industrial para o<br />

Estado, combinando as iniciativas privadas com a do setor público, integrando os<br />

esforços da SUDENE, governo estadual e Federação das Indústrias da Bahia. 345<br />

A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi crida com<br />

intuito de diminuir as diferenças econômicas regionais entre o Centro-Sul do país e o<br />

nordeste. O órgão compreendia que os poderes dos latifundiários da região<br />

prejudicavam o desenvolvimento e a modernização do Nordeste. Sob orientação de<br />

Celso Furtado como Secretário Executivo, e com a autonomia que lhe fora concedida<br />

enquanto autarquia, este desenvolveu as estratégias de atuação da Superintendência,<br />

342 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 62-64. (Dissertação)<br />

343 Idem, Ibidem, p.64.<br />

344 Já havia ocorrido no ano de 1965 um encontro para empresários do Centro-Sul do país para debater a<br />

importância da iniciativa privada no desenvolvimento do nordeste. SANTOS, Alane Carvalho. Feira de<br />

Santana nos tempos da modernidade: o sonho da industrialização. UFBA, 2002, p. 47.<br />

345 Idem, Ibidem, p. 67.<br />

94


sendo modificada com a ditadura a partir de 64. A SUDENE foi uma iniciativa<br />

influenciada pelas teses Cepalinas 346 sendo que<br />

A industrialização preconizada pela CEPAL, enquanto estratégia de<br />

desenvolvimento, absorveria o excedente de mão-de-obra não empregado nas<br />

atividades primárias e seria responsável principalmente em substituir<br />

inúmeros produtos da pauta de importações. Essa “substituição de<br />

importações” não deveria se restringir apenas aos artigos de consumo, mas se<br />

estender até à produção de máquinas e equipamentos (bens de capital). Dessa<br />

forma, o desenvolvimento local (tão almejado) seria internalizado sem estar<br />

sujeito a determinações das economias externas de outros países. 347<br />

No mesmo ano de 1967, Luis Viana havia lançado o Programa de<br />

Industrialização do Interior (PROINTER), e a cidade recebia o seu I Encontro para o<br />

Desenvolvimento de Feira de Santana patrocinado pelo poder público, CIFS, ACFS<br />

entre outros. 348<br />

A cogitação da industrialização do interior prevista desde 1966 seria realizada<br />

com capitais diversos, internacional, estatal e nacional, pois com isso havia a<br />

possibilidade de completar o parque industrial da capital subsidiando-o, e aliviar a s<br />

tensões sociais 349 . Crescer e conter se juntava com interesses locais que ganhavam<br />

caráter organizado, no conjunto do Estado ampliado, ARENA no executivo e na câmara<br />

e os agrupamentos na sociedade civil.<br />

A importância da leitura destas movimentações na sociedade civil nos ajuda a<br />

fircarmos cada vez mais mais próximos de uma explicação convincente dos motivos que<br />

levaram à consolidação de um projeto de modernização da cidade. Os grupos, frações<br />

de classe, surgidos em Feira que se moveram na busca do consentimento com esse<br />

projeto, sabiam de suas limitações estratégicas 350 . Foi necessário incorporar ao plano,<br />

objetivos que favorecessem outras frações da sociedade, comerciantes, setor agrário e<br />

mesmo trabalhadores deveriam ter certas benesses. O CIFS disputa constantemente a<br />

sociedade civil e pressiona a política para definir as bases para industrialização, para<br />

captação de recurso e planejamentos necessários para consolidação desta. Os jornais<br />

346<br />

A Comissão Econômica para o Planejamento da América Latina (CEPAL) foi criada em 1949,<br />

abrigando intelectuais como Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. Esta produzia análise sobre o<br />

desenvolvimento capitalista da América Latina a partir da concepção de desenvolvimento desigual e<br />

combinado e propunha soluções para questões econômicas do continente.<br />

347<br />

SANTOS, Alane Carvalho. Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da<br />

industrialização. UFBA, 2002, p. 21.<br />

348<br />

Idem, Ibidem, p. 68.<br />

349<br />

Idem, Ibidem, p. 53.<br />

350<br />

Quando é fundado a AIFS, a Câmara de Vereadores passa receber seus boletins. Ver Atas da Câmara<br />

Municipal de Vereadores. 1965.<br />

95


locais demonstram a busca continua do convencimento projeto e em 1967, Manoel<br />

Falcão assume o cargo de vereador, posição estratégica para a disputa que mostra a<br />

ascensão de um representante direto da industrialização atuando agora na sociedade<br />

política. Em 1968 na inaugruração do Centro de Educação Profissional do SENAI, que<br />

fo inaugurado por João Durval, Manoel e Ulisses Barbosa Filho, presidente da FIEB e o<br />

governardor Luis Vinana, Ulisses disse ser uma “apenas uma inauguração de centro<br />

profissional”. Parte de um programa entusiasta para a Bahia em que pesava o papel de<br />

Manoel como preponderante pelo seu “dinamismo” na presidência da<br />

PRODEFESA. 351 Depois de articulados os representantes na sociedade civil deste<br />

projeto, era o momento de institucionalizar as pretensões na forma política, escolhia-se<br />

o porta-vozes do projeto e definia-se o mecanismos necessários para efetivação deste.<br />

Era o período da vontade coletiva nascida das frações classe atingir um caráter mais<br />

amplo na sociedade política.<br />

A Associação Comercial de Feira de Santana.<br />

O comércio de Feira de Santana desde seus primórdios foi fator preponderante<br />

para seu crescimento político, econômico e social, o dito “progresso” da cidade sempre<br />

esteve associado à expansão das relações comerciais estabelecidas principalmente no<br />

centro urbano do município. 352 No período estudado ainda havia o predomínio das<br />

atividades comerciais como as que mais cresciam, no PDLI elas apareciam com<br />

crescimento acima de 100% no período entre 1950 e 1960. Segundo Guilherme Lopes,<br />

os comerciantes sempre associaram o “desenvolvimento do comércio ao progresso da<br />

cidade, fortalecendo assim a sua posição dominante”. 353<br />

A ACFS surgiu em 1945 um momento quando<br />

351 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 71.<br />

352 Ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em Tempos de Modernidade:<br />

olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, 2008.<br />

(Tese de Doutorado), OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana. De Empório á Princesa do Sertão:<br />

utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). (Dissertação), PACHECO, Larissa Penelu.<br />

Trabalho e costume de feirantes de alimentos (1960-1990). Feira de Santana: 2009. Dissertação<br />

(Dissertação), SILVA, Aldo Jose Morais. Natureza sã, civilidade e comercio em Feira de Santana:<br />

elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1937). Salvador,<br />

BA, 2000. (Dissertação), ANDRADE, Celeste Maria Pacheco. Origens do povoamento de Feira de<br />

Santana um estudo de historia colonial. 1990. (Dissertação).<br />

353 LOPES, Guilherme Augusto Almeida Santos. A Permanência de uma hegemonia: comerciários e<br />

comerciantes varejistas em Feira de Santana entre 1970 e 1992. Feira de Santana: UEFS, 2006.<br />

(mimeo)<br />

96


Os comerciantes feirenses estavam atentos às mudanças em curso e<br />

preocupados em caminhar “pari passu” com era das transformações,<br />

decidiram se organizar enquanto classes produtoras visando contribuir para o<br />

progresso da cidade e o desenvolvimento do comércio através da defesa dos<br />

seus interesses mediante a criação de uma entidade de classe. 354<br />

A autora se refere ao processo de crescimento da produção e consumo de bens<br />

domésticos, aparelhos elétricos, artigos têxteis, enlatados e etc, que são importados epra<br />

venda em Feira. O nascimento da ACFS nasce com a participação de personagens como<br />

Arnold Silva e João Marinho Falcão, articula interesses particulares dos comerciantes e<br />

projeta comerciantes para a disputa em torno de projetos políticos. Em 1970-71, ganha o<br />

titulo de Utilidade Publica Municipal. 355<br />

Foi possível compreender durante a pesquisa a participação direta da ACFS nos<br />

rumos políticos da cidade, interferindo em decisões través de formulações de<br />

proposições e pressão no executivo e legislativo, com representantes do setor que<br />

ocupavam cargos eleitorais e mesmo o envio de sugestões à câmara. Protegendo seus<br />

objetivos de; “defender, orientar, coligar e instruir as classes” em parceria com outros<br />

órgãos “representativos de classe” da Bahia e do país”, “indicando aos poderes<br />

competentes soluções práticas” para problemas de quaisquer assuntos relacionados aos<br />

seus interesses de classes “tendo em vista o bem coletivo” 356 , a Associação realizou<br />

cursos, palestras, seminários, encaminhamentos e solicitações aos poderes locais,<br />

federais e estaduais e estabeleceu parcerias com diversas entidades “em especial a<br />

Associação Comercial da Bahia” 357 e também participou de vários conselhos da cidade.<br />

No governo de João Durval foi coadjuvante da solicitação ao Estado para<br />

constituição do sistema de abastecimento de água para o município. 358 Interferiu<br />

diretamente na contenda pela pavimentação de rodovias, como na participação de<br />

mobilizações em Santo Amaro para asfaltamento da ligação de Feira com esta cidade.<br />

354<br />

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos (Org.). HISTÓRIA E MEÓRIA <strong>DA</strong> ASSOCIAÇÃO<br />

COMERCIAL DE FEIRA DE SANTANA 1945-2005. Feira de Santana, 2005, p.13. (mimeo) Com e<br />

reforma da sala do arquivo da Associação Comercial de Feira de Santana para posterior organização de<br />

seu acervo, não tivemos acesso aos arquivos, porém nos foi cedida uma cópia do livro citado acima que<br />

foi fundamental para pensarmos a relação desta com a cidade.<br />

355<br />

Idem, Ibidem.<br />

356<br />

Idem, Ibidem, p. 42.<br />

357<br />

Idem, Ibidem, p. 42. A associação Comercial da Bahia foi segundo Dias, um canal de propagação do<br />

anticomunismo no Estado. Ver: DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos<br />

espaços políticos na Bahia durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.44. (Tese).<br />

358<br />

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos (Org.). HISTÓRIA E MEÓRIA <strong>DA</strong> ASSOCIAÇÃO<br />

COMERCIAL DE FEIRA DE SANTANA 1945-2005. Feira de Santana, 2005, p.47. (mimeo)<br />

97


A Associação Comercial desenvolveu papel importantíssimo para organização<br />

do projeto de modernização da cidade. Desde seu nascimento ela defendeu a idéia de<br />

progresso da cidade e de sua modernização através da reorganização do espaço urbano,<br />

melhores investimentos em reurbanização, controle do trânsito no centro da cidade e<br />

outros temas de interesses direto. Mesmo antes da criação de órgão de defesa da<br />

industrialização, esta já debatia a modernização da cidade e falava em industrializar o<br />

município. Chegou a tentar a fusão entre ela e o CIFS, aprovada 359 em 1968 pelos<br />

comerciantes, o que pode ser compreendida pela defesa dos próprios comerciantes da<br />

possibilidade e estabilidade econômica por meio da indústria, diferente da de<br />

localização enquanto entroncamento 360 . Foi pensada também a união com o Sindicato<br />

Rural. A ACFS acompanhou debates importantes na Câmara e sempre participou de<br />

reuniões do CIFS. Sua direção foi lugar comum de passagem de vários políticos antes,<br />

durante, ou mesmo depois da chegada a cargos eletivos ou por comissão. Entre 1961 e<br />

1971, ocupou cargos na ACFS, Áureo Filho (Junta Deliberativa entre 1961e 1963),<br />

importante para constituição do projeto de modernização da cidade com deputado e<br />

líder da Assembléia Legislativa do Estado no período de Lomanto Junior (1963-1967),<br />

quando tinha como “bandeira a educação” 361 . Foi um dos fundadores da <strong>Universidade</strong><br />

Estadual de Feira de Santana, segundo João Durval, que se posiciona como admirador<br />

seu 362 . Em 1963, Áureo<br />

procurou reviver com o Projeto de Lei por ele apresentado, a Lei 1802, de 25<br />

de outubro de 1962, que criava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras<br />

em Feira de Santana, Ilhéus, Jequié, Caitité e Vitória da Conquista” 363<br />

tendo como promessa do governador à composição de uma comissão para encaminhar o<br />

assunto, o que não vingou. Ele conseguiria resultados definitivos em seu empenho e<br />

com apoio do governador Luis Viana com a Lei 27884/. Além do desempenho para a<br />

fundação de uma <strong>Universidade</strong>, Áureo, também teve papel na busca da “regularização<br />

da energia para a cidade” 364 e foi um dos fundadores do Rotary Club de Feira onde<br />

também ocupou o cargo de presidente. As ligações da ACFS com o projeto de<br />

359 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 75.<br />

360 Idem, Ibidem.<br />

361 JUNIOR, Lomanto. Áureo, o Líder. In: AMORIN, Joselito Falcão (Org.). Áureo de Oliveira Filho<br />

(1902-1976). Feira de Santana, 2002, p. 17.<br />

362 Idem, Ibidem, p. 69.<br />

363 Idem, Ibidem, p. 35.<br />

364 Idem, Ibidem, p. 144.<br />

98


modernização da cidade ficam mais compreensíveis quando identificamos seus<br />

interesses compondo o texto do PDLI, o Código de Posturas Municipal e o projeto<br />

Cabana.<br />

Já foi citado o estudo do caso da transferência da feira do centro da cidade. As<br />

mudanças do PDLI tinham por meta principal modificações na “produção econômica”<br />

365 do município. É muito objetivo no que refere à pretensão maior de integração<br />

econômica dos setores produtivos; comercial, agrário e pecuário e industrial, diz;<br />

(...) as perspectivas regionais de crescimento econômico e das relações destas<br />

com a cidade sejam coerentes e se compatibilizem entre si, e, segundo,<br />

promover o aumento da renda urbana, através do crescimento das atividades<br />

econômicas e de ocupação para mão de obra... 366<br />

O texto defende que esta seria a solução para o combate à desocupação, desemprego<br />

crescente que também preocupava a gestão. Os interesses do comércio aparecem<br />

expressos nas formulações principalmente do projeto Cabana e a mudança da feira e nos<br />

ajustes realizados pelo novo código de posturas que tinham suas orientações formuladas<br />

no PDLI. O Código de posturas tentava organizar os aspectos da produção de alimentos,<br />

gado, comércio no centro da cidade, divertimentos públicos e etc. Chamou-nos a<br />

atenção que o centro é o principal alvo das orientações juntamente com o perímetro<br />

urbano são os focos das reorganizações orientadas pelo código: proibições de circulação<br />

de animais e criação deste na cidade, andar de patins em logradouros não destinados a<br />

tal fim, manutenção da ordem social nos bares por responsabilidade de seus<br />

proprietários, trajes adequados em cinemas e teatros e etc. 367<br />

A atenção dedicada aos impedimentos do Código, atingiam diretamente as<br />

populações pobres vindas da zona rural em favor da concorrência de grandes<br />

comerciantes que, por meio desse código e dos projetos, tornavam seus desejos práticas<br />

políticas do governo municipal. A proibição de buzinas, alto falantes, impedia o uso<br />

costumeiro destes que as usavam para chamar atenção para seus produtos. A decretação<br />

de ilegalidade da produção de hortaliças nos quintais no perímetro urbano jogava a<br />

margem trabalhadores que viviam pela venda desses produtos nas feiras.<br />

365 PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />

comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009, p<br />

121. (Dissertação).<br />

366 PDLI. Prefeitura Municipal de Feira de Santana, 1969.<br />

367 Código de Posturas. Feira de Santana, 1967.<br />

99


O projeto Cabana nitidamente estava vinculado aos grupos comerciais<br />

dominantes, estava contido nele o plano de construção de grande galpões para<br />

comercialização de produtos da feira no centro de abastecimento. Estes galpões seriam<br />

especializados, “baseado agora na distribuição em grande porte dos produtos<br />

alimentícios” 368 o que mudava as orientações do governo de Chico Pinto e sua relação<br />

com o mercado de alimentos e sua priorização dos grupos mais pobres, mesmo que<br />

existisse no projeto espaços para pequenos produtores. Como já dito, sua pretensão<br />

maior eram as mudanças da feira para limpeza do centro em favor dos grandes<br />

comerciantes do atacado e varejo.<br />

Vimos no conjunto da pesquisa a influência da ACFS no município<br />

transformando suas vontades em desejos comuns através da imprensa eventos, da<br />

eleição de emissários, cartas, ofícios e etc. Sua influência certamente se prolongou na<br />

sociedade política pelo seu poder eletivo e o arranjo da UDN/ARENA por vários de<br />

seus componentes. Importante afirmar que na participação de órgãos de classe na<br />

construção do projeto de modernização da cidade não foi encontrado nenhum órgão que<br />

representasse os trabalhadores, com a exceção do Sindicato Rural que também<br />

representava trabalhadores, segundo os jornais locais.<br />

Um Príncipe moderno feirense<br />

100<br />

Tarefa educativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar<br />

novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a<br />

“civilização” e a moralidade das mais amplas massas<br />

populares às necessidades do continuo desenvolvimento<br />

do aparelho econômico de produção e, portanto, de<br />

elaborar também fisicamente tipos novos de<br />

humanidade. 369<br />

Neste texto analisamos a UDN e a ARENA em Feira de Santana atentando para<br />

sua característica de partido organizador de um discurso do progresso e modernização<br />

da cidade no recorte entre 1954 a 1971. O discurso da modernização da cidade ganha<br />

368 PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costumes de feirantes de alimentos: pequenos<br />

comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Feira de Santana, 2009, p<br />

129. (Dissertação).<br />

369 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de janeiro,<br />

2000, Vol.3 p. 23.


força quando transformado em projeto/plano de modernização local empreendido no<br />

governo João Durval Carneiro (1967-1971) na prefeitura. Este agrupamento se torna<br />

representante e porta voz de um projeto de busca por dominação política, direção<br />

intelectual e moral da sociedade local, portanto, um príncipe moderno na cidade.<br />

A bibliografia mais recente sobre a ARENA 370 , traz novas possibilidades<br />

interpretativas sobre o partido, dando-nos novos referenciais para a pesquisa. A grande<br />

questão elaborada por Lúcia Grimberg se refere à interpretação sobre a ARENA ser<br />

apenas um bode expiatório para a ditadura ou se essa se conformou enquanto partido<br />

político.<br />

A fundação da ARENA surgiu pela necessidade do regime manter um sistema<br />

institucional que garantisse a sua sobrevivência. Era sabido dos militares no poder que<br />

não bastava a força e o jugo das forças armadas para sustentação de um regime,<br />

principalmente um em que o processo de surgimento foi pela tomada do Estado em<br />

nome da defesa da democracia. O regime precisava de sustentação, a transição de<br />

Castelo para Costa e Silva deveria ocorrer com tranqüilidade e apoio que não fosse<br />

somente o 371 militar. O AI-2 era em parte expressão/ resultado de conjunturas. Castelo<br />

precisou encontrar alternativas para os rumos do país, pois a existência do<br />

pluripartidarismo e de certa liberdade de expressão inviabilizava a sustentação do<br />

regime, já que oposição através de denuncias, votações contrárias aos militares<br />

tornavam o clima inseguro para o ditador e seus aliados. Alguns grupos levaram a<br />

instituição do ato como o ajuste legal da eleição indireta para presidente, maior<br />

autonomia para perseguição através de condenações que viriam da investidura do Ato à<br />

Justiça Militar no julgamento de civis que cometessem crimes contra a segurança<br />

nacional.<br />

A eleição de 1965 que deu a antigos apoiadores de JK cargos eletivos havia<br />

preocupado os militares e seria sem dúvida um motivo para reação com o AI-2, porém,<br />

“Trata-se de um conjunto de medidas de alcance muito maior, que na verdade,<br />

ensejaram a retomada da “operação limpeza”, tal como desejava a linha dura” 372 . Nesta<br />

ocasião a linha dura mostrava a sua força de delinear os caminhos que posteriormente<br />

levariam ao AI-5. A linha dura reclamava no governo Castelo uma série de coisas e<br />

370 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />

Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.<br />

371 Idem, Ibidem, p. 85.<br />

372 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de<br />

Janeiro: Record, 2004, 74.<br />

101


propunha soluções sistemáticas, assim enumerou Carlos Fico sobre os fatores e<br />

exigências que levou este grupo ao AI-2:<br />

102<br />

ampliação do número de punições; pedido de prorrogação do Ato<br />

Institucional no que se refere às punições sumarias; boatos de sobre a<br />

decretação iminente de estado de sitio quando da aproximação da data-limite<br />

de 15 de junho de 1964; demanda por uma lei de inelegibilidade que<br />

afastasses candidatos indesejados; insubordinações militares; declarações<br />

sobre a perda de rumos da “Revolução” 373 .<br />

Para nós, um fator importante depois da publicação do ato foram as manchetes<br />

de jornais que destacavam o silêncio da UDN sobre a extinção de partidos 374 . A UDN<br />

aglutinou diversos setores da sociedade brasileira em torno de seu ideal anticomunista,<br />

caberia à UDN o papel ostensivo na divulgação das teses de “guerra<br />

revolucionária” Inspiradas pela Escola Superior de Guerra que se<br />

constituíram em arcabouço ideológico para congregação de todas as forças de<br />

centro e de direita( empresários, políticos, militares, imprensa, famílias,<br />

Igreja contra a “ameaça comunista 375<br />

o partido e a base da ARENA, que na cidade de Feira tem quase que a mesma<br />

composição. O AI-2 pouco alterou a UDN que na cidade que se converteu em ARENA,<br />

recenbendo em suas fileiras alguns políticos que estavam ligados a partidos de base da<br />

UDN ou mesmo do PSD, assim como membros do PSD que em sua maioria, aqueles<br />

que não foram cassados, fundaram o MDB local.<br />

A ARENA não seria simplesmente um bode expiatório. Se o fosse seriam pouco<br />

profundas as possibilidades dadas por nosso texto já que, seria razoável a priori, supor<br />

que os fatores que levaram à formulação e consolidação de um projeto de modernização<br />

estavam no exterior, exógenos à cidade, e seriamos tolos ao supor que este poderia ser<br />

interpretado como um projeto de hegemonia. Seria..., se não ocorresse a movimentação<br />

da sociedade civil local em torno de suas demandas e que a participação da<br />

UDN/ARENA não fosse fundamental na representação e apresentação pública do<br />

projeto como seu. A ARENA foi mais que bode expiatório, localmente ela formulou,<br />

disputou e realmente se articulou com os militares, pois foram eles que deram a<br />

possibilidade de sua volta ao poder.<br />

373 Idem, Ibidem, p. 75.<br />

374 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />

Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 60.<br />

375 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o Udenismo: Ambigüidades do liberalismo<br />

brasileiro (1945-1965). Paz e Terra, 1981. p. 124.


Lucia Grimberg ofereceu uma nova possibilidade para entender o partido da<br />

ARENA através do entendimento do que a fazia ser um partido. Contrariando as<br />

análises que retiravam a possibilidade de existência real enquanto partido pelo que ela<br />

não realizava, não tinha para tal, a autora insere para compreensão aquilo que ela tinha.<br />

A ARENA pode organizar suas demandas internas e de interesses diversos em relação à<br />

ditadura, mesmo que fosse um período de intensa participação dos militares e sua<br />

intervenção na política, retirando o monopólio deste campo dos políticos profissionais,<br />

que viviam de e para a política.<br />

Podemos encontrar na ARENA, mesmo sem negar a sua condição primária de<br />

sustentação do sistema, formulações autônomas e mesmo contrárias ao regime,<br />

continuidades da UDN:<br />

103<br />

Ao investigarmos as circunstâncias de extinção dos partidos, o que<br />

encontramos foi o esforço de várias lideranças para preservar as<br />

características de seus partidos nas novas organizações que seriam criadas, o<br />

que evidentemente, aponta para a importância dos mesmos, 376<br />

Podemos observar que em Feira houve a continuidade do discurso udenista além de suas<br />

lideranças e representações, e a ARENA foi escolhida em 1966 como porta voz de seu<br />

maior empreendimento. ARENA como partido inspirou-se naquilo que dava coerência e<br />

unidade nacional à própria UDN, o anticomunismo, sendo que na sua seção regional se<br />

apoiou mais em seu “grande” projeto que estava sendo levado à frente.<br />

Gramsci adverte:<br />

Deve-se sublinhar a importância e o significado que têm os partidos políticos,<br />

no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções de mundo, na<br />

medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a<br />

elas. 377<br />

A ARENA tem por função na cidade dar a forma e consolidar o projeto de<br />

modernização, atentando para um fator que era a seleção da massa atuante e de ser porta<br />

voz e articulador do projeto que deveria ser da sociedade política. Afinal era exatamente<br />

os contornos que este projeto atingia, a proporção política que ele ganhava que poderia<br />

troná-lo efetivo. João Durval foi à “bola da vez”, referência na cidade como vereador e<br />

376 GRIMBERG, Lúcia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora<br />

Nacional ARENA (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 62.<br />

377 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro,<br />

2002, Vol.1 p. 105.


pela acirrada disputa com Pinto em uma eleição que teve várias urnas impugnadas 378 e<br />

uma derrota por pequena margem de votos. Ele tinha as características necessárias que o<br />

colocavam em sincronia com as exigências da ARENA para as eleições de 1966<br />

listadas:<br />

104<br />

a) Dispor de bom trânsito nos meios políticos e revolucionários; b) Ser filiado<br />

à ARENA; c) Não ter antagonismos frontais com o presidente da República e<br />

o governador do estado nem, de modo geral, com a orientação administrativa<br />

de nenhum deles; d) Não ser elemento de posições radicalizadas, nem ter<br />

comprometimento com erros e vícios do passado, notadamente com<br />

corrupção e a subversão; e) Poder reunir em torno de seu nome a maioria dos<br />

representantes da ARENA na Assembléia Legislativa; f) Permitir por sua<br />

formação moral, plena confiança quanto a manutenção dos compromissos<br />

com o atual esquema político da ARENA ou do partido em que ela se<br />

transformar e bem assim com o presidente da Republica a ser eleito pela<br />

ARENA. 379<br />

João Durval se encaixava em todas as orientações dispostas pelo partido e,<br />

exerceria uma função específica para o projeto assumido pelo grupo. Ele seria o político<br />

em ato, que “é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na<br />

vazia agitação dos seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva...”. 380 A<br />

realidade efetiva é compreendida como as relações de forças existentes, o político em<br />

ato se move nela fortalecendo as forças que se consideram progressistas para criação de<br />

um novo equilíbrio, movimento que Gramsci diz estar dentro da realidade efetiva para<br />

dominá-la e superá-la, ou contribuir para isso. O político em ato se ocupa com o “dever<br />

ser”, paixões e posições. Através de atos realizados por João Durval, pensando a<br />

industrialização, desde sua vereança quando prometia esta, encontramos a sua pretensão<br />

de criar novas relações com seu projeto e assim visualizou e tentou concretizar o que<br />

“deveria ser” a cidade.<br />

O político em ação foi escolhido entre muitos outros que poderiam ser<br />

representantes do projeto. Mesmo Joselito Amorim que é o primeiro no executivo a<br />

falar da industrialização da cidade não consegue ser o “porta voz” do projeto. João<br />

Durval se tornaria em seu mandato o arauto da modernização da cidade. Articulador do<br />

projeto para todas as classes e suas frações.<br />

378 Jornal Noite e Dia, setembro de 2006, Caderno IV, Comemorativo de oito anos do Jornal Noite e Dia.<br />

379 ALZIRA, Abreu (coord.). Juracy Magalhães: minhas memórias provisórias. Rio de janeiro:<br />

Civilização Brasileir, 1972. Apud DIAS, José Alves. Rumo ao Palácio: as estratégias de dominação dos<br />

espaços políticos na Bahia durante a ditadura (1966-1982). UFRJ, 2009, p.25. (Tese).<br />

380 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,<br />

2000, Vol.3 p. 35.


Para a constituição de sua imagem como arauto deste projeto foi preciso<br />

estabelecer um discurso comum na mídia local que fortalecesse sua imagem enquanto<br />

tal. Os jornais impressos cumpriram bem a função, Folha do Norte, Feira Hoje e<br />

Situação foram os responsáveis pela opinião pública 381 .<br />

Este último acompanha prontamente a gestão de João Durval e disputa a opinião.<br />

Após a polêmica posse do prefeito o jornal publica um texto sobre ser prefeito que<br />

reproduzimos abaixo.<br />

105<br />

Vivemos em uma estrutura política em que se baseiam os nossos partidos, já<br />

superada. O que o povo quer não é mais homens que apenas preencham<br />

vagas de outros políticos de visão ultrapassada. O que o povo exige é que os<br />

políticos novos que surgem, tragam em si esta independência necessária aos<br />

bons governantes justamente com idéias novas, capaz de sepultar tudo que a<br />

própria evolução superou. 382<br />

Seguindo, o Jornal diz que João Durval “Tomou para si a grande<br />

responsabilidade de resolver o problema da <strong>Universidade</strong>, água e esgoto de Feira de<br />

Santana”, e continua, no mesmo número, promovendo uma leitura sobre a posse e o<br />

discurso de Luciano Ribeiro. Segundo o referido jornal, João Durval não teria oposição<br />

na câmara, pois segundo o vereador arenista José Ferreira Pinto, Luciano Ribeiro, Nóide<br />

Cerqueira e José Falcão da Silva do MDB, entraram em acordo com o prefeito de lutar<br />

pelo bem coletivo, o prefeito era “a esperança de um povo”. Não era exatamente este o<br />

teor do discurso dos edis, porém já pudemos ver o que gerou esse dia na Câmara.<br />

Em julho de 1967 os esforços da industrialização e modernização começavam a<br />

demonstrar seus caminhos. Foi a primeira visita de Rubens Costa Superintendente do<br />

Banco do Nordeste e ex da SUDENE no governo Castelo Branco, recebido pelo prefeito<br />

para falar das potencialidades para indústria observando o seu crescimento e discutir<br />

possíveis investimentos de recursos do Banco aqui. No Jornal Situação, este aparece<br />

numa foto ao lado do prefeito, acompanhada de um texto que diz que Rubens Costa<br />

“comprometeu-se moralmente” 383 a ajudar o movimento industrializante no que fosse<br />

possível. Em 15 de junho Ângelo Sá, Secretário de Indústria e Comercio da Bahia<br />

381 Tínhamos a rádio Sociedade de Feira no período, mas não encontramos pautas de programas ou<br />

qualquer documentação que nos ajudasse na pesquisa, porém nos jornais muitas vezes eram publicados<br />

debates que começavam na rádio. O teor do que é encontrado em jornais sobre rádios em Feira não é nada<br />

diferenciado dos textos dos jornais.<br />

382 Jornal Situação, 07/04/1967.<br />

383 Jornal Situação, 16/06/1967.


havia dito que a “industrialização de Feira é minha meta” 384 , e no dia 23 o governador<br />

do estado Luis Viana garantiu; “ Nossa Feira terá Água do Paraguassu em meu<br />

governo” 385 no momento em que o prefeito o entregou dois relatórios com cerca de 30<br />

mil assinaturas apoiando a vinda da água do Paraguaçu. O prefeito ainda é provocado<br />

por Ulisses Barbosa, que realizou contatos também com Manoel Falcão presidente do<br />

CIFS, a doar um terreno para o SESI para construção de um centro social para os<br />

operários, próximo ao estádio. O centro, que leva o nome de João Marinho Falcão. está<br />

em pleno funcionamento até a atualidade.<br />

Estamos falando aqui do primeiro ano de governo de JD e seus compromissos<br />

firmados para a modernização do município. Vários contatos são estabelecidos e há um<br />

intenso esforço do executivo para captação de recursos e trazer novas empresas, após o<br />

primeiro ano de governo este avaliava sua gestão;<br />

106<br />

Levamos para o Govêrno da Feira de Santana a convicção plena de que o<br />

progresso da nossa terra estava necessitando de obras de infra-estrutura, que<br />

alicerçasse em têrmos concretos, o seu futuro. Construir o presente, mas com<br />

o pensamento voltado para o futuro, tem sido a constante da nossa<br />

administração, certo de que olhando o futuro estamos realizando o mais<br />

proveitoso para a Feira de Santana. Procuramos, nestes doze meses, conduzir<br />

a Feira de Santana dentro de um clima de paz, tranqüilidade e harmonia, que<br />

possibilite ao seu povo condições de trabalhar e produzir, entrelaçando a<br />

fôrça do público com a fôrça da iniciativa privada. A Feira de Santana<br />

atravessa um momento difícil da sua História. Necessita, urgente, de<br />

desenvolver-se, de maneira considerável, no setor econômico, para que possa<br />

realizar as grandes obras de que precisa. Este é o momento da arrancada<br />

definitiva da Feira de Santana para o seu magnífico destino. E, para isso, ela<br />

convoca todos os seus filhos e habitantes, todos os que aqui empregam os<br />

seus esforços. O desenvolvimento da Feira de Santana é fator preponderante<br />

para a vida do Município. A sua significação é tão grande que êle não pode<br />

ficar restrito a partidos, a grupos, a classes. Ele deve ser de todo um povo, um<br />

povo conscientizado, que tem a missão maravilhosa de lutar pelo bem e pela<br />

felicidade das gerações do porvir. E a meta primordial do nosso Govêrno é<br />

esta: a promoção do desenvolvimento em benefício do futuro. 386<br />

No Folha do Norte as colunas de Emme Portugal acompanhavam as solenidades<br />

que demonstram passos para a modernização da cidade, doação de terras, termos para<br />

asfaltamento junto ao DERBA, entre outros. Emme foi um colunista bastante conhecido<br />

na cidade, foi organizador da “marcha com Deus” em Feira em adesão ao golpe de<br />

1964, fato importante que demonstra como os militares haviam conseguido apoio<br />

popular de alguns setores da comunidade. Em agosto de 1968 Emme avisa à<br />

384 Jornal Situação, 15/06/1967.<br />

385 Jornal Situação, 23/06/1967.<br />

386 Jornal Folha do Norte, 20/04/1968.


comunidade em sua coluna dizendo “O Prefeito João Durval, desapropriou esta semana,<br />

mais uma área de 70 mil metros destinada a expansão industrial. Vamos industrializar a<br />

Feira” 387 . Uma constante foram esse textos comunicando as homenagens e visitas que o<br />

prefeito recebia, as empresas que vinham trazer suas instalações para cidade e<br />

principalmente os eventos sociais e culturais freqüentados por grupos de elite da cidade.<br />

Na equipe administrativa do executivo que contava com os jornais em pleno<br />

vapor apoiando a meta da modernização com foco principal na indústria, tem cargos<br />

importantes são ocupados por pessoas estratégicas, na URBIS o ex-prefeito Joselito<br />

Amorim, e na assistência direta do prefeito Helder Alencar também colunista do Folha<br />

do Norte. Todos os jornais tiveram membros de sua equipes editoriais ocupando cargos<br />

comissionados na gestão do então prefeito.<br />

Para ser convincente e não dividir os grupos dominantes dos setores econômicos<br />

da cidade, o prefeito articulou no PDLI um discurso de unidade política para<br />

crescimento econômico dos setores mais ricos do município, assim que o PDLI informa:<br />

107<br />

Tudo leva a crer que estê venha a ser o mais importante passo para o<br />

desenvolvimento da cidade. A indústria poderá induzir o crescimento dos<br />

demais setores por seu poder dinâmico de aumentar a demanda de bens<br />

agrícolas, e de serviços. Assim seu crescimento geraria novos empregos<br />

diretos e indiretos, e faria crescer a renda da comunidade. 388<br />

Em seu segundo ano de gestão o prefeito assinou convênio com a Secretaria<br />

Estadual de Agricultura para construção de mais um pavilhão para o Parque de<br />

Exposição, local do comércio de gado e derivados da agricultura que atendia aos anseios<br />

de produtores rurais. O prefeito compreendia a importância do setor: em 1969 na II<br />

Exposição de Animais e Produtos Derivados, o prefeito reconheceu a importância do<br />

setor, do comercio e etc. falando sobre a possibilidade da indústria trazer maiores<br />

benefícios econômicos para o crescimento deste. 389 O emprego aparece como<br />

prioridade, pois a cidade viva o crescimento do número de desempregados, o que<br />

preocupava os empresários e o executivo. A mendicância demonstrava um pouco da<br />

situação da falta de trabalho e possíveis soluções eram encaminhadas pelo prefeito<br />

387 Folha do Norte, 24/08/1968.<br />

388 FEIRA DE SANTANA, Prefeitura Municipal de. Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Feira<br />

de Santana. Feira de Santana: COPLAN, 1968, p.154.<br />

389 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses Hegemônicos na Margem da Periferia: ação política de<br />

dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983), Feira de Santana, 2009, p. 94.


como doação as campanhas de cobertor de Emme Portugal e a através de obras de<br />

amparo da Secretaria de Assistência Social, como sua solicitação de verba no valor de<br />

100 milhões de cruzeiros à Câmara para um Centro de Recuperação de Mendigos. 390 A<br />

educação também era foco de investimentos, ampliações de prédios escolares, aumento<br />

do número de estudantes no ensino gratuito, contratação de muitos professores e<br />

aumento da verba da Residência Universitária Feirense, contando segundo Mattos, com<br />

a “experiência, dinamismo e ampla visão de sua esposa Yêda Barradas Carneiro,<br />

então à frente da Secretaria de Educação e Cultura do Município” 391 , além do maior<br />

feito, a criação junto com Luis Viana, da <strong>Universidade</strong> de Feira de Santana.<br />

O PDLI foi à síntese do projeto de hegemonia e ao mesmo tempo o instrumento<br />

de resultante de sua busca. Projeto de hegemonia que aqui estudamos o seu surgimento,<br />

e não a sua efetivação enquanto objetivo de consenso e através da atuação dos grupos<br />

dominantes na forma de frações de classes na esfera do que é o Estado ampliado no pós<br />

1971. Segundo o Folha do Norte;<br />

108<br />

Esse planejamento definiu, perante o Brasil, com repercussões internacionais,<br />

a nova Feira em que estamos começando a viver, construída pelo igual<br />

espírito de compreensão do seu Govêrno, – Executivo e Legislativo – e do<br />

seu povo. São os resultados dessa política de compreensão e planejamento<br />

que trazemos hoje à apreciação desta Colenda Câmara. E começamos pela<br />

industrialização. Nossa comunidade, prestes a deixar de ser aquêle obrigatório, a que se referem os estudiosos de geografia<br />

econômica, percebeu em tempo a necessidade de iniciar, sem delongas, um<br />

nôvo ciclo de sua economia. O caminho escolhido não poderia ser outro que<br />

não o de transformar-se o centro pecuário comercial, já de avantajadas<br />

proporções, também, num parque industrial capaz de atender aos nossos mais<br />

justos anseios desenvolvimentistas. 392<br />

Sabemos que João Durval e seu grupo tiveram como projeto de modernização local a<br />

busca da direção moral, uma nova forma dita moderna de comportamento civil e<br />

político, o domínio político nos campos de poder executivo e legislativo e direção<br />

intelectual exercida pelos grandes figurões da intelectualidade formal e orgânica da<br />

cidade como a dos jovens editores do Feira Hoje, que se assumira como fruto da novas<br />

necessidades da modernização da cidade.<br />

390<br />

Jornal Situação, 16/06/1967.<br />

391<br />

MATTOS, José Batista. Um Sertanejo no Governo. 3° Edição. S/E, S/L, 1983, p.24. (Negrito do<br />

autor)<br />

392<br />

Jornal Folha do Norte. 11 de abril de 1970.


109<br />

Todos indagam: por que não temos um – ou mais de um – jornal à altura do<br />

progresso de Feira de Santana? Um grupo de jovens, incomodado de tanto<br />

ouvir essa pergunta, resolveu tomá-la como desafio. O resultado está aí em<br />

suas mãos. Desejamos ter uma ativa e constante participação política,<br />

equidistante, todavia, das paixões políticas, das lutas partidárias e de<br />

interesses outros que não reflitam os mais elevados anseios da comunidade.<br />

Também não seremos governistas bajuladores, nem opositores sistemáticos.<br />

Um objetivo nos apaixona e nos obrigará sempre a ficar na primeira linha de<br />

ataque: o desenvolvimento de Feira de Santana – município e região – em<br />

todos os sentidos, seja econômico, social, político ou cultural. 393<br />

Na tentativa de encontramos as razões os sentidos do projeto no conjunto<br />

globalizante, de intervenção em todos os setores da economia e integração desta entre si<br />

e com a economia externa ao município, percebemos que os planejamentos/projetos<br />

foram os principais instrumentos para captação de recursos, convencimento dos sujeitos<br />

e ao mesmo tempo, que foram o principal fator de articulação das frações de classe local<br />

e com órgãos do governo fora da Bahia. Percebemos as ligações de frações de classes de<br />

Feira com de outras regiões, a sua organização para a consolidação do projeto de<br />

modernização local através de seu “porta voz” público, João Durval. A<br />

institucionalização de um anseio particular pelo poder público demonstrou que as<br />

organizações de classes conseguiram atingir objetivos, a vontade coletiva de grupos<br />

tornou-se vontade maior e foram usados mecanismos para que ela se virasse de todos,<br />

“O PDLI instituiu formas técnicas e jurídicas para sua implementação, obrigando não<br />

apenas os particulares, mas também o poder público” 394 , o plano “definiu as diretrizes<br />

do desenvolvimento e outorga poderes ao Escritório de planejamento Integrado para<br />

executá-lo” 395 . O projeto teve João Durval como personagem central para a<br />

compreensão do momento pelo papel exercido de articulador, escolhido pelos grupos<br />

locais para efetivação do desejo de modernização. Um príncipe moderno (partido) local<br />

foi encontrado na UDN e na sua continuidade histórica local como ARENA, única<br />

agremiação que desde a década de 1950, reunia grandes empresários do diversos setores<br />

e que se organizou para tornar a idéia de modernização e industrialização da cidade um<br />

projeto concreto.<br />

393 Jornal Feira Hoje, 1971.<br />

394 1° Seminário Sobre o Desenvolvimento de Feira de Santana. Caderno Feirense n° 07. P.14. Este<br />

documento encontra-se na Biblioteca Central Julieta Carteado, <strong>Universidade</strong> Estadual de Feira de<br />

Santana.<br />

395 Idem, Ibidem.


CONCLUSÃO<br />

O presente, o passado e o futuro.<br />

Passou o primeiro momento da pesquisa, dizemos isso por que chegamos à<br />

conclusão que há muito por se fazer para melhorar o desenvolvimento do tema.<br />

Buscamos realizar um estudo que pudesse ser capaz de compreender como surge e<br />

ganha força um projeto de modernização da cidade enquanto um projeto de hegemonia<br />

política. Sabemos de parte de nossas deficiências e desde o inicio especulávamos que o<br />

tempo seria curto para avançarmos mais, o que será realizado mais para frente, como<br />

pesquisadores que já se sentem mais maduros depois desta fase.<br />

Feira de Santana, no primeiro momento do golpe, foi tida como “cidade<br />

vermelha”, enquadrada no esquema de segurança nacional. Em 1964 os militares<br />

juntamente com a maioria dos vereadores, depuseram Francisco Pinto, apesar de<br />

caracterizar, pelo jornal Folha do Norte, como uma renúncia, para substituí-lo por<br />

Joselito Amorim, prefeito biônico, que faz um governo transição.<br />

No momento político da ditadura civil/militar buscava-se um estado de “paz<br />

social”, estado ideal que impunha como estratégia a consolidação de uma imagem onde<br />

conflitos sociais desapareciam dos jornais para dar lugar a um ideal político já realizado<br />

e conquistar uma legitimidade dentro do ideal democrático, mesmo governando em um<br />

regime ditatorial.<br />

Combatendo a memória e popularidade de “Pinto” e as utopias de esquerda,<br />

Durval criou junto aos grupos dominantes da cidade sua própria utopia, um<br />

planejamento global da cidade para uma modernização acelerada. O projeto organizou o<br />

ideal de frações de classe local diretamente ligado a projetos nacionais com vistas a<br />

estabelecer uma relação de hegemonia sobre o os sujeitos do município.<br />

O projeto foi alimentado por uma forte publicidade, um discurso político intenso<br />

no Folha do Norte, imbuído de sentidos ideológicos de busca de legitimidade. A forma<br />

de governar de Durval era algo novo para a cidade, que nunca tinha visto crescimento<br />

tão intenso e rápido, nem um projeto de modernização desta envergadura que atingiria<br />

Feira quase como um todo, ao menos na área urbana. O “futuro” era a grande promessa.<br />

O rompimento com o velho e a preparação para um novo presente.<br />

110


O que não ocorreria no presente, certamente estaria por vir no futuro, este foi o<br />

estilo marcante nos jornais e em debates entre os vereadores no período. Planejar para<br />

executar, mesmo que o executor não fosse este, característica não muito comum entre<br />

prefeitos na execução de demandas de frações de classe na cidade. A cidade deveria<br />

progredir por fatores simultaneamente endógenos e exógenos, ou seja, a articulação<br />

local dos setores econômicos para sua integração, junto a articulação com programas de<br />

financiamentos e grupos externos ao município para conseguir trazer os benefícios<br />

necessários à consolidação do projeto. Chamamos a atenção também para o fato<br />

importante de programas federias e estaduais que previam a industrialização do interior.<br />

Quanto à hegemonia, chegamos a uma conclusão, diferente de Jhonatas<br />

Monteiro, de que não se tratava de um projeto de industrialização apenas, mas de um<br />

projeto de intervenção global no município, que articulava interesses de várias frações<br />

de classes da cidade. O projeto previa a integração da economia local em todos os seus<br />

setores e entre si e, ao mesmo tempo, a integração dessa economia local ao padrão de<br />

crescimento regional e nacional apoiado em programas de desenvolvimento do<br />

nordeste. Na verdade, atualizamos e aprofundamos mais, aquilo que Andrei Valente<br />

sugeriu em seu texto: João Durval cumpriu o papel de arauto da modernização, um<br />

político em ato.<br />

Contribuímos para compreensão do Estado e sua ampliação no município.<br />

Pudemos analisar momentos em que a sociedade civil torna-se agente e protagonista do<br />

Estado (em sentido estrito). Feira de Santana vive avanços históricos com seus grupos<br />

organizados em frações de classe na disputa pelo Estado de hegemonia (sociedade civil<br />

e política).<br />

A atuação de João Durval como representante de grupos sociais dominantes e<br />

organizados em frações de classe em Feira de Santana, legou a cidade mecanismos de<br />

construção e manutenção de hegemonia forjadas no período do regime civil/militar<br />

entre 1964-1984. Dentre as heranças, a prática de governos municipais sucessórios que<br />

se baseiam em discursos que colocam a cidade como referencia de modernização e<br />

“futuro” e o desenvolvimento urbano como lugar de expressão da dominação política,<br />

da hegemonia.<br />

A sociedade civil é um espaço importante para definirmos as continuidades das<br />

frações dominantes locais como detentoras da hegemonia. Organismos de classe ainda<br />

usufruem do espaço de disputa conquistado, como é o caso do Centro das Indústrias de<br />

Feira de Santana e da Associação Comercial de Feira de Santana. Espaços importantes<br />

111


de memória coletiva foram objetos de políticas de esquecimento, como o governo de<br />

Chico Pinto em decorrência da valorização de um governo “modernizador” de João<br />

Durval. Mas, como era de se esperar, Pinto também tem herdeiros que disputam o<br />

pertencimento filial e político do projeto desenvolvido em seu governo entre 1967 e<br />

1971.<br />

João Durval exerceu papel importante para a articulação local do bloco político<br />

conservador renovado, articulado a setores nacionais que produziam uma reacomodação<br />

das forças políticas a partir do golpe de 1964. Ele se coloca como condutor e defensor<br />

político de um projeto local de modernização que estivesse articulado às novas<br />

configurações das relações sociais de força e política nacional. Deste modo é que<br />

representando setores das classes dominantes locais no campo político feirense, este<br />

organizou as bases do novo modelo hegemônico da classe capitalista nacional e local na<br />

cidade.<br />

Importante configuração política atual também se refere aos tempos da disputas<br />

entre a ARENA e o MDB. Herdeiros e militantes diretos, tanto da oposição como da<br />

situação na época, se mantém na ocupação dos cargos públicos eletivos. Assim é que a<br />

identificação dos sujeitos do período estudado permite traçar alguns importantes<br />

momentos de suas trajetórias, transformações, e mais importante definir as estruturas e a<br />

transformações dessas no campo político local.<br />

Estudando o projeto de modernização (hegemonia) conseguimos identificar<br />

interesses e grupos que estavam por trás e aqueles que foram atraídos, o poder de<br />

barganha desses em relação ao poder público estatizado, num Estado que se ampliava<br />

cada vez mais. As pressões de frações de classes pela incorporação de projetos na<br />

sociedade política, nos evidenciou esta compreensão. Podemos, agora, nos<br />

posicionarmos em relação a este passado!<br />

112


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Fundo Brasil Nunca Mais no processo número 307-BNM – UNICAMP.<br />

113


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