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MP investiga contratação da FGV, sem licitação, para a realização do Plano Diretor de Niterói

Contrato com a instituição custou R$ 1,9 milhão ao município

Plano deve fazer diagnóstico para desenvolvimento de bairros como o Centro, que deve ser revitalizado
Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Plano deve fazer diagnóstico para desenvolvimento de bairros como o Centro, que deve ser revitalizado Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo

NITERÓI - Catorze anos atrasado e sem revisão, o Plano Diretor de Niterói, que deve ser concluído em dezembro de 2015, esbarra numa nova polêmica. O Ministério Público estadual abriu uma investigação para apurar a contratação, pelo município, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com dispensa de licitação, por R$ 1,9 milhão, para elaborar o planejamento urbano da cidade. O município justifica que a escolha da fundação se deu por “notoriedade e experiência” em projetos de porte semelhante, conforme prevê a Lei de Licitações. Contudo, a promotoria apura suspeita de improbidade administrativa decorrente da falta de licitação. O Plano Diretor também é alvo de uma ação civil pública que tramita na Promotoria de Meio Ambiente, na qual se pretende a suspensão de todo e qualquer licenciamento na cidade até que ocorra a revisão da legislação urbanística.

UFF FEZ MODELO PARA O CONLESTE

Renata Scarpa, promotora de Tutela Coletiva Cidadania e Urbanismo, oficiou a UFF e a UFRJ para saber se as universidades também têm um corpo técnico apto a realizar o estudo que pudesse ter sido convocado para uma eventual concorrência pública acerca do Plano Diretor.

— Se houve a escolha da instituição (FGV) por sua expertise, esta é medida pelo seu quadro de pessoal. Oficiamos a instituição para que apresente seu corpo técnico — diz Renata.

Para Guilherme Fernandes, professor do Instituto de Geociência da UFF, a universidade tem capacidade para executar o Plano Diretor por meio da Fundação Euclides da Cunha (FEC), que é ligada à instituição:

— A UFF não foi procurada pela prefeitura para tratar do plano. Se fosse, teria corpo técnico capacitado a desenvolver um estudo para Niterói, sobretudo pelo conhecimento acumulado que temos da cidade.

A UFF chegou a desenvolver em 2010 um modelo referencial para os planos diretores dos municípios do Consórcio Intermunicipal da Região Leste Fluminense (Conleste), que abrange Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, entre outras cidades. A universidade também participou da elaboração do primeiro Plano Diretor de Niterói, em 1992.

Augusto Cesar Alves, que é conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e membro do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur), também questiona a contratação:

— Há muitas empresas e universidades que têm conhecimento para fazer esse serviço.

O secretário de Participação Social, Anderson José Rodrigues, o Pipico, defendeu a escolha da FGV no Compur, alegando que a entidade tem capacidade técnica para elaborar o plano:

— Estamos adequando a contratação e a formulação do plano desde janeiro, com amparo legal da Procuradoria do Município — disse Pipico, segundo consta em ata do Compur disponível no site da Secretaria de Urbanismo e Mobilidade.

A prefeitura de Niterói informou, por meio de nota, que “a escolha da fundação partiu da necessidade de se contratar uma instituição que possa assessorar o município na estruturação da revisão do Plano Diretor, tendo em vista a complexidade que envolve o trabalho”.

Especialista em Direito Administrativo, o advogado Thiago Sexto discorda do município. Sexto afirma que a contratação da FGV não atendeu aos requisitos previstos para dispensar a licitação e que, neste caso, não se pode privilegiar apenas uma instituição quando existirem outras com a mesma capacitação e especialização — ferindo o princípio constitucional da isonomia:

— Esse tipo de contratação já foi amplamente debatida nos tribunais de Contas e estes já firmaram o entendimento de que, para a contratação de um serviço sem concorrência pública baseado na dispensa de licitação, a instituição deve possuir vocação voltada para aquela atividade fim a ser desempenhada na execução do contrato. Ou seja, o trabalho a ser executado deve ser inerente à própria função da instituição. A FGV possui múltiplas finalidades, que vão desde a especialização no ensino superior à elaboração de índices estatísticos econômicos.

MENOR PREÇO ENTRE TRÊS EMPRESAS PESQUISADAS

Segundo a prefeitura, “são atividades de desenvolvimento institucional que autorizam dispensa de licitação aquelas que, fugindo do comum, permitem à contratante a melhora no cumprimento de suas funções”. De acordo com o município, a Secretaria de Urbanismo buscou instituições que tivessem a expertise na elaboração de planos diretores. “Tendo em vista a complexidade que envolverá a elaboração e discussão do projeto, optou pela FGV por ter ela oferecido o menor preço entre as três empresas pesquisadas”, conclui o texto da nota.

A FGV informou que foi procurada pelo MP para fornecer uma cópia do contrato. De acordo com a instituição, “a contratação foi absolutamente regular, seguindo todos os princípios de legalidade, moralidade e publicidade.”

FGV FEZ PLANO DIRETOR DE BÚZIOS

Em 2001, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi contratada para fazer o Plano Diretor da cidade de Búzios. Na época, o estudo apresentado para a cidade da Região dos Lagos foi alvo de questionamentos do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), sob o argumento de que não condizia com a geografia do balneário. Três anos depois, o Plano Diretor sequer tinha ido à votação na Câmara Municipal, devido à grande polêmica provocada em grupos da sociedade civil contrários aos parâmetros apresentados.

— O plano foi bastante contestado. Com a mobilização que havia em torno do Plano Diretor, a prefeitura teve que formar um grupo de arquitetos para concluir o estudo, fazendo as alterações necessárias — conta Alexandre Alvariz, presidente do IAB do núcleo Búzios.

A arquiteta e urbanista Marlene Ettrich, servidora aposentada da prefeitura do Rio, foi contratada à época para prestar consultoria na conclusão do estudo. Ela avalia que o plano da FGV não agradou porque permitia adensamento do perímetro urbano:

— O diagnóstico e boa parte do estudo da FGV foram aproveitados. As mudanças foram em relação aos parâmetros ambientais e urbanos do projeto, que permitiam um adensamento maior da área urbana e a criação de reservas ambientais isoladas.

A FGV informou que desconhece a existência de um parecer oficial de qualquer instituto a respeito do trabalho realizado em Búzios.

PUR DE PENDOTIBA FICA PARA O ANO QUE VEM

Anunciado para ser apresentado ainda esse ano, o Plano Urbanístico (PUR) de Pendotiba ficou para 2015. De acordo com a prefeitura, o projeto será enviado à Câmara depois de fevereiro, mas será concluído antes do Plano Diretor da cidade. O PUR da Região Leste, que inclui Várzea das Moças e Rio do Ouro, é uma reivindicação antiga dos moradores.

A ausência do PUR deixa brechas para o crescimento desordenado e os moradores apreensivos a cada novo empreendimento que surge em Pendotiba. O atual Plano Diretor data de 1992, quando a cidade tinha 436.155 habitantes. No último Censo, realizado pelo IBGE em 2010, a população do município era de 487.562, um aumento de 11,7% no período. Esse crescimento fez o plano vigente ficar defasado. O desenvolvimento da cidade, durante esses anos, ocorreu por meio de leis complementares, aplicadas nas liberações de novas licenças, e a região de Pendotiba nunca contou com planejamento específico para a área.

Regina Bienenstein, coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da UFF, contesta a ordem planejada pela prefeitura para a execução dos estudos.

— Defendo que o PUR de cada região seja feito depois do Plano Diretor, que é o plano principal, segundo o Estatuto das Cidades. Portanto, deve ser feito em primeiro lugar e com participação popular — defende.

Segundo o cronograma divulgado pelo município, as discussões com a população se darão durante este mês e em janeiro e fevereiro, por meio de audiências públicas. Sobre a ordem de realização dos estudos, a prefeitura esclarece, em nota, que a “revisão do Plano Diretor levará em consideração as questões diagnosticadas pelo processo de elaboração do PUR”.