águas pantaneiras nos ritos, mitos e gritos da educação ... - UFMT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />
ÁREA EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE<br />
LINHA DE PESQUISA: “EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE”<br />
GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
ÁGUAS PANTANEIRAS NOS RITOS, MITOS E<br />
GRITOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
DOLORES APARECIDA GARCIA-WATANABE<br />
PROF.ª ORIENT. MICHÈLE SATO
Cuiabá/2005<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />
ÁREA EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE<br />
LINHA DE PESQUISA: “EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE”<br />
GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
ÁGUAS PANTANEIRAS NOS RITOS, MITOS E GRITOS DA<br />
EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
DOLORES APARECIDA GARCIA-WATANABE<br />
Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós-<br />
Graduação em Educação, do Instituto de Educação<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso, como parte<br />
dos requisitos para a obtenção de título de “Mestre<br />
em Educação”, na linha de pesquisa em Educação e<br />
Meio Ambiente, sob a orientação <strong>da</strong> PROF.ª DR.ª<br />
MICHÈLE SATO<br />
CUIABÁ – MT<br />
2005
G216a Garcia-Watanabe, Dolores Apareci<strong>da</strong><br />
Águas <strong>pantaneiras</strong> <strong>nos</strong> <strong>ritos</strong>, <strong>mitos</strong> e g<strong>ritos</strong> <strong>da</strong> <strong>educação</strong><br />
ambiental / Dolores Apareci<strong>da</strong> Garcia-Watanabe._ _ Cuiabá:<br />
<strong>UFMT</strong>/IE, 2006.<br />
xiii, 123 p.:il. color.<br />
Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós-Graduação em<br />
Educação, do Instituto de Educação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de<br />
Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do<br />
título de “Mestre em Educação”, na linha de pesquisa em<br />
Educação e Meio Ambiente, sob a orientação <strong>da</strong> Profª Drª<br />
Michèle Sato.<br />
Bibliografia: p. 122-123<br />
Índice para Catálogo Sistemático<br />
1. Educação Ambiental<br />
2. Mitos<br />
3. Len<strong>da</strong>s<br />
CDU – 37: 504
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA <strong>UFMT</strong><br />
Professores Componentes <strong>da</strong> Banca Examinadora<br />
________________________________________________<br />
Prof.° Dr.Valdo Barcelos<br />
Examinador Externo<br />
________________________________________________<br />
Prof.° Dr. Luiz Augusto Passos<br />
Examinador Interno<br />
Prof.ª Dr.ª Michèle Sato<br />
Orientadora<br />
Cuiabá, 16 de dezembro de 2005
SÃO PEDRO DA JOSELÂNDIA<br />
Imagem 2: religiosi<strong>da</strong>de de São Pedro<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: São Pedro Joselândia<br />
Data: maio/2005<br />
iv
DEDICATÓRIA<br />
Tenho Tenho como como espelho espelho de de minhas minhas lutas, lutas, imputa<strong>da</strong>s imputa<strong>da</strong>s a a alcançar alcançar o o meu meu intento, intento, a<br />
a<br />
dedica<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong> e e incansável incansável Professora Professora Michèle Michèle Sato, Sato, no no papel papel de de orientadora. orientadora. Seu Seu incontestável incontestável incontestável e<br />
e<br />
profundo profundo conhecimento conhecimento na na área área de de Educação Educação Ambiental, Ambiental, proporcionou proporcionou-me proporcionou me me momentos momentos de<br />
reflexão, reflexão, orientando orientando-me orientando me me por por qual qual caminho caminho trilhar trilhar para para que que pudesse pudesse a a contento, contento, compartilhar<br />
compartilhar<br />
com com as as pesquisas pesquisas envere<strong>da</strong><strong>da</strong>s envere<strong>da</strong><strong>da</strong>s no no contexto contexto entre entre <strong>mitos</strong> <strong>mitos</strong> e e len<strong>da</strong>.<br />
len<strong>da</strong>.<br />
Tendo Tendo em em vista vista a a degra<strong>da</strong>ção degra<strong>da</strong>ção desenfrea<strong>da</strong> desenfrea<strong>da</strong> provoca<strong>da</strong> provoca<strong>da</strong> pelo pelo ser ser humano, humano, tenta<br />
tenta<br />
de de certa certa forma forma trazer trazer trazer a a tona tona len<strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s mitifica<strong>da</strong>s mitifica<strong>da</strong>s com com o o passar passar dos dos a<strong>nos</strong>. a<strong>nos</strong>. No No intuito intuito intuito de<br />
de<br />
gerarmos gerarmos avivamentos avivamentos de de medo medo para para que que tentássemos tentássemos imputar imputar respeitos respeitos à à natureza. natureza. Tendo<br />
Tendo<br />
como como foco foco primordial primordial as as <strong>águas</strong> <strong>águas</strong> e e seus seus entes entes míticos.<br />
míticos.<br />
Dedico Dedico principalmente principalmente aos aos meus meus pais pais Antônio Antônio e e Alice, Alice, que que tanto tan<br />
to to lutaram lutaram lutaram para para<br />
para<br />
<strong>da</strong>r <strong>da</strong>r-me <strong>da</strong>r<br />
me me <strong>educação</strong> <strong>educação</strong> e e estudos, estudos, sacrificando sacrificando seus seus próprios próprios benefícios benefícios e e prol prol do do meu meu futuro, futuro, para<br />
para<br />
que que conseguisse conseguisse chegar chegar onde onde cheguei cheguei até até o o presente presente momento, momento, sem sem os os quais, quais, creio creio não não ter-me ter<br />
me me<br />
sido sido sido possível.<br />
possível.<br />
Nem Nem mesmo mesmo tive tive tempo tempo tempo festivo festivo para para para comemor comemorar comemor comemorar<br />
ar minhas e e <strong>nos</strong>sas <strong>nos</strong>sas vitórias, vitórias, vitórias, pois<br />
pois<br />
meigamente meigamente impuseram impuseram-me impuseram me continuar continuar continuar sem sem medir medir esforços, esforços, esforços, estimulando estimulando-me estimulando me seguir em frente e<br />
a a a galgar galgar o o o flamular flamular de de novas novas bandeiras.<br />
bandeiras.<br />
Tenho Tenho reservado reservado também, também, com com carinho, carinho, um um cantinho cantinho especial especial em em meu meu coração<br />
coração<br />
à à à minha minha filha filha Pâmell Pâmella, Pâmell a, que soube entender entender-me entender<br />
me nas horas horas <strong>da</strong> minha ausência. Foi Foi e<br />
continuará continuará sendo sendo de de fun<strong>da</strong>mental fun<strong>da</strong>mental importância importância o o apoio apoio de de meus meus queridos queridos irmãos irmãos Márcia,<br />
Márcia,<br />
Fátima, Fátima, Leandro Leandro e e Paulo Paulo que que infelizmente infelizmente já já não não se se encontra encontra entre entre nós, nós, mas mas que que acudiam acudiam-me acudiam me<br />
nas nas horas horas de de de aflição, aflição, não permitindo permitindo-me permitindo<br />
me em nenhum momento renúncias.<br />
A A Comuni<strong>da</strong>de Comuni<strong>da</strong>de de de São São Pedro Pedro de de Joselândia Joselândia pelo pelo carinho carinho com com que que <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> receberam.<br />
receberam.<br />
Imagem Imagem 3: 3: Riozinho<br />
Riozinho<br />
Fonte Fonte : : Dolores Dolores Garcia<br />
Garcia<br />
Local: Local: Pantanal<br />
Pantanal<br />
Data: Data: Data: maio/2005<br />
maio/2005<br />
Aos Aos meus meus pais, pais, em em especial, especial, Alice Alice e e Antonio Antonio por por tterem<br />
t erem me proporcionado<br />
uma uma <strong>educação</strong> <strong>educação</strong> de de primeira primeira linha.<br />
linha.<br />
As As minhas minhas irmãs, irmãs, Márcia Márcia e e Fátima, Fátima, e e e aos aos meus meus irmãos, irmãos, Leandro Leandro que que me<br />
me<br />
acudia acudia nas nas horas horas de de aflição aflição e e ao ao meu meu irmão, irmão, Paulo, Paulo, que que já já não não está<br />
está<br />
mais mais aqui, aqui, mas mas tenho tenho tenho no no coração coração os os belos belos momentos.<br />
momentos.<br />
A A A minha minha filha filha Pâmella Pâmella que que soube soube me me entender entender nas nas horas horas <strong>da</strong> <strong>da</strong> ausência.<br />
ausência.<br />
v
AGRADECIMENTOS<br />
Para Para que que tenhamos tenhamos sucessos sucessos em em <strong>nos</strong>sos <strong>nos</strong>sos intentos, intentos, é é de de fun<strong>da</strong>mental<br />
fun<strong>da</strong>mental<br />
importância importância o o apoio apoio de de pessoas pessoas que que visem visem visem o o bem bem estar estar de de uma uma vitória,<br />
vitória,<br />
imputando imputando forças forças forças conjuntas. conjuntas. conjuntas. Pessoas Pessoas essas essas como: como: profess professores, profess ores, amigos,<br />
parentes, parentes, instituições instituições que que de de certa certa forma forma <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> proporcionaram proporcionaram conforto, conforto, e e o<br />
o<br />
próprio próprio meio meio ambiente ambiente em em que que vivemos, vivemos, que que <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> deu deu respaldo respaldo para para que<br />
que<br />
efetuássemos efetuássemos as as pesquisas.<br />
pesquisas.<br />
À À professora professora Michèle Michèle Sato, Sato, minha minha orientadora. orientadora. Sempre Sempre presente presente para para me<br />
me<br />
orientar rientar de forma forma sábia e afetuosa.<br />
Ao Ao professor professor Valdo Valdo Barcelos. Barcelos. Ao Ao Prfº Prfº Passos. Passos. Ao Ao prof° prof° Silas Silas pelas pelas valorosas<br />
valorosas<br />
contribuições contribuições que que aju<strong>da</strong>ram aju<strong>da</strong>ram a a reconstruir reconstruir esse esse trabalho.<br />
trabalho.<br />
À À instituição instituição <strong>UFMT</strong> <strong>UFMT</strong> e e to<strong>da</strong> to<strong>da</strong> equipe equipe <strong>da</strong> <strong>da</strong> Pós Pós-graduação Pós graduação do Instituto de<br />
Educação.<br />
Educação.<br />
A A todos todos os os professores professores e e professoras professoras do do mestrado, mestrado, pelas pelas contribuições contribuições para<br />
a a construção construção do do conhecimento, conhecimento, em em especial especial aos aos <strong>da</strong> <strong>da</strong> linha linha de de Educação Educação e<br />
e<br />
Meio Meio Ambiente: Ambiente: Profº Profº Drº Drº Germano Germano Guarim Guarim Neto, Neto, Profª Profª Drª Drª Suise<br />
Suise<br />
Monteiro Monteiro Monteiro Leon Leon Bordest Bordest e e e a a Prfª Prfª Prfª Drª Drª Miramy Miramy Macedo.<br />
Macedo.<br />
À À equipe equipe do do SESC SESC Pantanal Pantanal pelo pelo apoio apoio nas nas realizações realizações <strong>da</strong>s <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des ativi<strong>da</strong>des .Aos<br />
guar<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>s-parque, guar<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>s parque, e, e, com com com carinho carinho especial especial especial ao ao Manezinho Manezinho e e ao ao Cássio, Cássio, guias guias e<br />
e<br />
piloteiros piloteiros de de <strong>nos</strong>sa <strong>nos</strong>sa pequena pequena pequena equipe.<br />
equipe.<br />
Ao Ao CNPQ, CNPQ, Conselho Conselho Nacional Nacional de de Desenvolvimento Desenvolvimento Científico Científico e<br />
e<br />
Tecnológico<br />
Tecnológico<br />
Ao Ao motori motorista motori motorista<br />
sta Francisco, Francisco, carinhosamente carinhosamente chamado chamado de de Chico, Chico, <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>UFMT</strong> <strong>UFMT</strong> que<br />
que<br />
gentilmente gentilmente gentilmente <strong>nos</strong> levou até até até o local <strong>da</strong> <strong>da</strong> Pesquisa, Pesquisa, <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> auxiliando.<br />
auxiliando.<br />
À À Roberta Roberta minha minha companheira companheira de de viagem viagem e e de de pesquisa.<br />
pesquisa.<br />
A A todos todos e e to<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as as colegas colegas do do mestrado, mestrado, particularmente, particularmente, Celso, Celso, Fernan<strong>da</strong>,<br />
Fernan<strong>da</strong>,<br />
João, João, João, Imara, Lika, Michele, Regina e Samuka.<br />
Às Às minhas minhas amigas amigas Carla, Carla, Edna, Edna, Glauce, Glauce, Giovana, Giovana, Lúcia, Lúcia, Márcia Márcia e e Rosana<br />
Rosana<br />
Ao Ao meu meu amigo amigo amigo Rosemar, Rosemar, Ferraz Ferraz e e Thiago. Thiago. E E em em especial especial ao ao meu meu amigo<br />
amigo<br />
Paulo, Paulo, amizade amizade que que se se fez fez virtualmente, virtualmente, pela pela leitura leitura e e a a contribuição<br />
contribuição<br />
carinhos carinhosa. carinhos a.<br />
Aos Aos meus meus pais, pais, Antonio Antonio e e Alice, Alice, minha minha filha, filha, Pâmella, Pâmella, minhas minhas irmãs, irmãs, Márcia<br />
Márcia<br />
e e Fátima, Fátima, meus meus irmãos, irmãos, irmãos, Mário, Mário, Paulo Paulo (in (in memoriam), memoriam), Leandro Leandro e e aos aos aos meus<br />
meus<br />
sobrinhos sobrinhos e e sobrinhas. sobrinhas. Em Em especial especial Marcos.<br />
Marcos.<br />
E E E finalmente, finalmente, finalmente, A A Deus Deus Senhor Senhor Senhor Supremo Supremo e e e Absoluto Absoluto, Absoluto Absoluto , por permitir permitir-me permitir me<br />
caminhar caminhar com com saúde saúde para para que que possa possa também também <strong>da</strong>r <strong>da</strong>r um um pouco pouco de de mim mim em<br />
em<br />
prol prol dos dos me<strong>nos</strong> me<strong>nos</strong> assistidos.<br />
assistidos.<br />
Imagem Imagem 4: 4: Pássaro Pássaro<br />
Pássaro<br />
Fonte: Fonte: Fonte: Dolores Dolores Dolores Garcia Garcia<br />
Garcia<br />
Local: Local: Local: Pantanal Pantanal<br />
Pantanal<br />
Data: Data: Data: maio/2005 maio/2005<br />
maio/2005<br />
vi
vii
Sumário<br />
PRÓLOGO – Cenários Inicias 01<br />
1.Paisagens Iniciais 03<br />
1.2 Caminhos trilhados 14<br />
1.3 A organização dos atos 16<br />
ATO – I – Revisão literária 19<br />
1. Aprendizagens Literárias 20<br />
1.1 Educação Ambiental 23<br />
1.2 Len<strong>da</strong>s e Mitos 29<br />
1.3 Comuni<strong>da</strong>de Pantaneira com seus Ritos e Mitos 38<br />
ATO – II – Esperança 44<br />
2. Meta 45<br />
2.1 Espaço do Pantaneiro 48<br />
2.2 Água 54<br />
2.3 Dimensões Míticas <strong>da</strong> água 57<br />
2.4 Pequeno Histórico do Processo de ocupação do Distrito de<br />
São Pedro <strong>da</strong> Joselândia<br />
2.5 Estância Ecológica SESC Pantanal e Reserva Preserva<strong>da</strong> do<br />
Patrimônio Natural - RPPN<br />
2.6 Pesquisa ecológica de Longa Duração – PELD 67<br />
2.7 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental - GPEA 68<br />
ATO – III - Metodologia 70<br />
3. Caminhos percorridos 71<br />
3.1 Pesquisa Qualitativa 72<br />
3.2 Fenomenologia 74<br />
3.3 Coleta de Dados 76<br />
3.4 Os Mistérios do Pantanal<br />
59<br />
64<br />
82<br />
viii
ATO – IV – Interpretando o mito 85<br />
4 A Água Mítica e as Len<strong>da</strong>s na Educação Ambiental 86<br />
4.1 A Serpente e o imaginário 91<br />
4.2 O Minhocão do Pantanal 94<br />
4.3 Palavras Finais 114<br />
4.4 Bibliografia Cita<strong>da</strong> 119<br />
4.4.1 Bibliografia Consulta<strong>da</strong> 122<br />
4.4.2 Webliografia 123<br />
ix
Imagem 1:<br />
Imagem 2:<br />
Imagem 3<br />
Imagem 4<br />
Imagem 5<br />
Imagem 6<br />
Imagem 7<br />
Imagem 8:<br />
Imagem 9:<br />
Imagem 10<br />
Imagem 11<br />
Imagem 12<br />
Imagem 13<br />
Imagem 14<br />
Imagem 15<br />
Imagem 16<br />
Imagem 17<br />
Imagem 18<br />
LISTA DE FIGURAS E FOTOS<br />
Ninhal cabeça-seca<br />
Religiosi<strong>da</strong>de de São Pedro<br />
Riozinho<br />
Pássaro<br />
A porta<br />
Igreja<br />
Mapa reserva<br />
In loco<br />
Altar <strong>da</strong>s Casas<br />
Céu cambará<br />
Tuiuiú<br />
Saboreando causos<br />
Loco Móvel<br />
Posto telefônico<br />
Ninhal<br />
Divino Espírito Santo<br />
Jacá<br />
Árvore cabeça<br />
I<br />
Iv<br />
v<br />
Vi<br />
01<br />
08<br />
10<br />
11<br />
12<br />
19<br />
44<br />
52<br />
53<br />
63<br />
70<br />
85<br />
103<br />
114<br />
x
EA Educação Ambiental<br />
LISTA DE ABREVIATURAS<br />
EESPC Estância Ecológica Sesc Porto Cercado<br />
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental<br />
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />
PELD Programa de Ecologia de Longa Duração<br />
PIE Programa Integrado de Ecologia<br />
RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural<br />
SESC Serviço Nacional do Comercio<br />
<strong>UFMT</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso<br />
xi
Resumo<br />
Foi no Pantanal mato-grossense, numa região paradisíaca, onde o imaginário<br />
toma conta e invade <strong>nos</strong>sa alma, onde no mundo <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> surgem os <strong>mitos</strong> e<br />
len<strong>da</strong>s, que fazem parte do ambiente ribeirinho. Nesse contexto realizamos<br />
<strong>nos</strong>sa pesquisa nas comuni<strong>da</strong>des localiza<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> Reserva Particular<br />
de Patrimônio Natural, localiza<strong>da</strong> no Município de Barão de Melgaço – Mato<br />
Grosso, entre os rios Cuiabá e São Lourenço a 145 km <strong>da</strong> capital mato-<br />
grossense. Esse trabalho faz um registro cultural nas comuni<strong>da</strong>des<br />
<strong>pantaneiras</strong>, onde pesquisamos várias len<strong>da</strong>s com sabedorias e versões<br />
diferencia<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>s tendo como protagonistas os seres guardiões <strong>da</strong> natureza,<br />
mas para essa pesquisa <strong>nos</strong> delimitaremos em apenas duas len<strong>da</strong>s d’água, por<br />
considerar muito profundo o estudo, focalizaremos <strong>nos</strong>sa pesquisa na len<strong>da</strong> do<br />
Minhocão e do Peixe que cai do céu. A Educação Ambiental e as len<strong>da</strong>s e<br />
<strong>mitos</strong> <strong>da</strong> região foi o meio utilizado para sensibilizarmos as populações, quanto<br />
à necessi<strong>da</strong>de de preservar, conservar ou recuperar as matas, rios, animais e<br />
até mesmo os seres huma<strong>nos</strong>.<br />
Palavras-chave: Educação Ambiental;<strong>mitos</strong>; len<strong>da</strong>s.<br />
xii
Abstract<br />
It was in the Pantanal of Mato Grosso, in a paradise-like region, where the<br />
imaginary catches and invades our soul, where from the water world arise the<br />
myths and legends that are a part of the riparian environment. Within this<br />
context we conduced our research of the communities located in the<br />
neighborhoods of the Particular Reserve of the Natural Patrimony, in the<br />
Municipality of Barão de Melgaço – Mato Grosso, between the Cuiabá and São<br />
Lourenço rivers, in a distance of 145 km from the capital of Mato Grosso. This<br />
paper makes a cultural registration of the Pantaneiro communities, where we<br />
researched various legends with differentiated wisdoms and versions, all of<br />
them having as protagonists the guardian entities of Nature, but for this<br />
research we are going to delimit only two water-related legends, in<br />
consideration to the excessive depth of the study, focusing our research in the<br />
legends of the Minhocão (Big Worm) and the Fish Falling from the Sky. The<br />
Environmental Education, the legends and the myths of that region have been<br />
the means utilized to sensitize the population about the necessity to preserve,<br />
conserve or recuperate the forests, rivers, animals and even the Human being.<br />
Palavras-chave: Environmental Education; myths; legends; fenomenologia.<br />
xiii
Imagem 5: A Porta<br />
Fonte: Magritte<br />
PRÓLOGO – Cenários iniciais<br />
A PORTA<br />
Eu sou feita de madeira<br />
Madeira, matéria morta<br />
Mas não há coisa no mundo<br />
Mais viva do que uma porta.<br />
Eu abro devagarinho<br />
Pra passar o menininho<br />
Eu abro bem com cui<strong>da</strong>do<br />
Pra passar o namorado<br />
Eu abro bem prazenteira<br />
Pra passar a cozinheira<br />
Eu abro de sopetão<br />
Pra passar o capitão.<br />
Só não abro pra essa gente<br />
Que diz ( a mim bem me importa...)<br />
Que se uma pessoa é burra<br />
É burra como uma porta.<br />
Eu sou muito inteligente!<br />
Vinicius de Moraes<br />
1
A escolha <strong>da</strong> poesia - A PORTA – de Vinicius de Moraes representa<br />
metaforicamente à abertura para uma viagem ao imaginário pantaneiro, devido<br />
aos contorcionismos dos movimentos <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> dos rios, fantasia-se e<br />
assemelha-se como o movimento de um minhocão, onde uivos ou gargalha<strong>da</strong>s<br />
entendi<strong>da</strong>s como o cocorocar <strong>da</strong>s galinhas, levam-<strong>nos</strong> a turbilhar de<br />
imaginações amedrontadoras, como o mito do lobisomem, seu grito <strong>nos</strong> põe em<br />
pânico, assustador também é o pé-de-garrafa, pronto para atacar-<strong>nos</strong>, quando<br />
incautos e perversos seres agridem ou devastam as matas. Len<strong>da</strong>s, essas<br />
Mitológicas, que <strong>nos</strong> levam acreditar que as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, vivem ca<strong>da</strong> vez<br />
mais fortes no dia a dia dos pantaneiros, pois é nesse imaginário de encantos<br />
que conseguem preservar a fauna e a flora. Formando um conjunto de <strong>mitos</strong><br />
que se relacionam com doutrinas, dessa forma não deixando morrer o<br />
imaginário.<br />
No fundo, muitas <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, devemos respeitar como se fossem reais,<br />
compartilhando, alimentando, incentivando e as fortalecendo. Portanto, só<br />
conseguiremos enxergar mentalmente esses seres encantados e mitológicos,<br />
ao compartilhamos com o próprio coração, que aberto para os encantos <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong>, sensibiliza-<strong>nos</strong> e capta a diversi<strong>da</strong>de de conhecimentos míticos e de<br />
novos saberes, povoando e fertilizando <strong>nos</strong>sas mentes, principalmente se<br />
estivermos em locais onde a penumbra chega mais cedo que a reali<strong>da</strong>de do<br />
tempo. Em <strong>nos</strong>sas an<strong>da</strong>nças, conhecemos pessoas que armazenam estudos<br />
mais profundos em suas pesquisas e que merecem todo o <strong>nos</strong>so respeito.<br />
2
1. PAISAGENS INICIAIS<br />
Há momentos, em <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s que <strong>nos</strong> induzem a conhecer e explorar<br />
a ci<strong>da</strong>de na qual nascemos e suas histórias. Muitos seriam os caminhos a<br />
trilhar, mas não querendo desvirtuar, escolhemos como tema <strong>da</strong> dissertação o<br />
Pantanal e suas len<strong>da</strong>s. Pesquisando entre renoma<strong>da</strong>s bibliografias que<br />
continham informações que puderam atuar como elo enriquecendo ain<strong>da</strong> mais<br />
<strong>nos</strong>sas pesquisas, que pouco a pouco foi <strong>nos</strong> envolvendo a tal ponto de <strong>nos</strong><br />
deixar insacia<strong>da</strong>s e entusiasma<strong>da</strong>s com as descobertas jamais imagina<strong>da</strong>s,<br />
mantendo assim, ca<strong>da</strong> vez mais acesa a chama do descobrir e do por vir, pois<br />
um sopro, provindo do interior do <strong>nos</strong>so ser, manteve acesas as chamas <strong>da</strong><br />
busca incessante. Existia, existe e existirá por tempos sem fim, compulsão e<br />
ansie<strong>da</strong>de por novas revelações e descobertas. Perguntas mal formula<strong>da</strong>s e<br />
respondi<strong>da</strong>s permanecem presentes como pa<strong>nos</strong> de fundo na <strong>nos</strong>sa<br />
consciência, vindo à tona, a in<strong>da</strong>gação:<br />
Onde estão os elos necessários para se estabelecer o contato entre as<br />
len<strong>da</strong>s e a Educação Ambiental? Foi então que reconhecemos estar diante de<br />
uma in<strong>da</strong>gação que iria exigir uma pesquisa mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> e detalha<strong>da</strong>,<br />
para que pudéssemos chegar a um consenso.<br />
À medi<strong>da</strong> que o ser humano desrespeitou a natureza e dela se afastou<br />
passou a vê-la não mais como lugar de possível vi<strong>da</strong>, mas como lugar de<br />
riquezas para poucos, transformando-a em lucro egoístico com as destruições<br />
devastadoras. Somos reféns de uma socie<strong>da</strong>de consumista, de uma civilização<br />
depre<strong>da</strong>dora, onde muitos estudiosos alertam-<strong>nos</strong> de que devemos mu<strong>da</strong>r os<br />
<strong>nos</strong>sos relacionamentos com a terra, ou vamos ao encontro do pior (BOFF,<br />
2003).<br />
3
Hoje se tem percebido com maior efetivi<strong>da</strong>de que o ser humano, e outras<br />
espécies, necessitam desse planeta para sobreviver, pois há alguns a<strong>nos</strong> não<br />
tinham consciência quanto ao futuro, pouco se falava e me<strong>nos</strong> ain<strong>da</strong> agiam,<br />
portanto, somente o ser humano tem essa consciência e pode usar <strong>da</strong><br />
sensibilização para tentar amenizar os malefícios causados pelo próprio ser<br />
humano na sua ânsia de poder. Nesse ínterim, necessita-se de uma reflexão<br />
sobre as relações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de/natureza e em <strong>nos</strong>sa forma de pensar a<br />
<strong>educação</strong> como um todo.<br />
Surgiu na déca<strong>da</strong> de 60 e 70 a <strong>educação</strong> ambiental, com o propósito de<br />
melhorar a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> não só dos animais como de nós seres huma<strong>nos</strong>.<br />
Assim sendo, acredita-se que a socie<strong>da</strong>de poderá ser mais participativa e<br />
comprometi<strong>da</strong> com o seu próprio bem estar.<br />
Através de <strong>nos</strong>sas pesquisas, não pretendemos fornecer receitas de<br />
como fazer Educação Ambiental, mas sim, fortalecer as reflexões em cima <strong>da</strong>s<br />
len<strong>da</strong>s quanto à forma em que estamos aproveitando do meio ambiente em que<br />
vivemos. Desta forma, tentaremos sensibilizar as pessoas e mostrar que<br />
através do levantamento <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, é possível conhecer pessoas preocupa<strong>da</strong>s<br />
com o seu meio.<br />
Com esta pesquisa pretendemos também fazer um registro cultural <strong>da</strong>s e<br />
nas comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>, onde catalogamos len<strong>da</strong>s concretiza<strong>da</strong>s com<br />
versões diferencia<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>s tendo como protagonistas folclóricos os seres<br />
guardiões <strong>da</strong> natureza. Tanto <strong>da</strong> água, quanto do mato, com isto, tivemos árdua<br />
tarefa em escolhermos as len<strong>da</strong>s que poderíamos dentro dos parâmetros<br />
interpretarmos. Difícil foi a escolha, mas delineando afazeres, optamos por<br />
duas, por considerarmos adequa<strong>da</strong>s ao que <strong>nos</strong> propusemos fazer.<br />
Procuraremos mostrar às pessoas a necessi<strong>da</strong>de e a importância de<br />
recuperarmos os mananciais, matas, encostas e tantos outros lugares que nós<br />
4
mesmos os poluímos e, dessa forma, cui<strong>da</strong>ndo dos que ain<strong>da</strong> não estão.<br />
Procurando harmonizar a <strong>nos</strong>sa pesquisa <strong>da</strong>remos ênfase as len<strong>da</strong>s<br />
“Minhocão” e um breve recorte do “Peixe que cai do céu”.<br />
Criado em 2002 o Projeto Pantanal, tendo como parcerias o SESC -<br />
Serviço Nacional do Comércio – Pantanal, o Programa de Ecologia de Longa<br />
Duração (PELD) e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental (GPEA),<br />
coordenados pela Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso (<strong>UFMT</strong>). Os recursos<br />
provenientes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e<br />
Tecnológico - CNPq gerou a principal fonte financiadora dos estudos realizados.<br />
As comuni<strong>da</strong>des pesquisa<strong>da</strong>s estão localiza<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> Reserva<br />
Particular de Patrimônio Natural (RPPN) –– SESC - Pantanal, localiza<strong>da</strong> no<br />
Município de Barão de Melgaço - MT, entre os rios Cuiabá e São Lourenço<br />
distante 145 km <strong>da</strong> capital, composta por uma área de 110 mil hectares. A<br />
pesquisa teve início em fevereiro de 2002, juntamente com pesquisadores e<br />
pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Educação, abrangendo na<br />
linha Educação e Meio Ambiente.<br />
O procedimento inicial <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa pesquisa foi delinear a área de estudo,<br />
para que pudéssemos abor<strong>da</strong>r a rica cultura regional com suas len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>.<br />
As entrevistas foram inicia<strong>da</strong>s primeiramente com os guar<strong>da</strong>s-parque <strong>da</strong> RPPN<br />
SESC Pantanal, ribeirinhos e moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des do entorno.<br />
Daremos ênfase às personagens <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa pesquisa, ora os chamando de<br />
ribeirinhos, ora de pantaneiros. De forma controversa, a população ribeirinha<br />
não é chama<strong>da</strong> de pantaneira. Atribui-se esta denominação aos fazendeiros e<br />
do<strong>nos</strong> de terra. Para as comuni<strong>da</strong>des, entretanto, que se sentem próximas a<br />
terra, com identi<strong>da</strong>des tradicionais do Pantanal, elas se sentem Pantaneiras.<br />
Em reconhecimento a esta biofilia, ou ao amor ao local pertencido proposto por<br />
Gaston Bachelard, estaremos tratando este universo estu<strong>da</strong>do, ora como<br />
ribeirinhos, ora como pantaneiros. Tivemos a liber<strong>da</strong>de de empregar esses dois<br />
termos como se fossem sinônimos, embora mesmo sabendo que não o são na<br />
5
visão dos estudos gramaticais. Iremos também, identificar <strong>nos</strong>sos<br />
colaboradores com nomes fictícios, por questões éticas.<br />
Segundo os narradores, entre 1960 a 1970 englobavam, dentro <strong>da</strong><br />
reserva, 16 fazen<strong>da</strong>s, com aproxima<strong>da</strong>mente 15 a 20 famílias, tendo em ca<strong>da</strong><br />
família, cerca de cinco pessoas. Teoricamente tem-se um total aproximado para<br />
mais ou para me<strong>nos</strong> de 160 pessoas, conforme pesquisas elabora<strong>da</strong>s pelo<br />
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.<br />
Os fazendeiros <strong>da</strong> região concentravam em suas fazen<strong>da</strong>s grandes<br />
concentrações de gado. Alguns deles, por razões adversas, venderam suas<br />
terras para pessoas desprepara<strong>da</strong>s para as manterem produtivas. Os novos,<br />
também despreparados, não souberam trabalhar com as próprias famílias e a<br />
dos seus colo<strong>nos</strong> na limpeza dos pastos. Introduziu-se então, máquinas.<br />
Tempos depois, chegaram à conclusão que não seria viável criar gado no<br />
Pantanal <strong>da</strong> maneira como pretendiam. Ain<strong>da</strong> hoje, desde 1980, existem locais<br />
na região pantaneira que não possuem gado e nenhum outro tipo de produção,<br />
nem mesmo agropecuária, a não ser a própria vegetação natural.<br />
Esses procedimentos levaram à diminuição drástica <strong>da</strong> população<br />
pantaneira. Muitos agricultores vindos do sul de <strong>nos</strong>so País, desfazendo de<br />
suas terras no intuito de imigrarem em massa na esperança do “Eldorado” na<br />
agricultura a ser implanta<strong>da</strong> no Pantanal, trazendo máquinas e novas<br />
tecnologias de ponta, que também não foram suficientes para mantê-los fixos<br />
no solo adquirido, fracassaram. Tentaram introduzir na região pastagem<br />
artificial, mas também não obtiveram êxito. Somente os pantaneiros de famílias<br />
tradicionais continuaram na região, por saberem respeitar o ciclo <strong>da</strong> seca e <strong>da</strong><br />
cheia no Pantanal, sem subestimarem a sábia natureza, que merece respeito e<br />
cui<strong>da</strong>dos. A biodiversi<strong>da</strong>de pantaneira hoje violenta<strong>da</strong>, tem tido muitos inimigos,<br />
começando pela violência e a expulsão permanente de homens e mulheres de<br />
suas terras que sempre as defenderam e que eram passa<strong>da</strong>s de gerações para<br />
6
gerações. Onde fazendeiros desorganizados e sem escrúpulos, sem a mínima<br />
preocupação ambiental têm devastado a região com agriculturas não orienta<strong>da</strong>s<br />
através de tecnologias, lançando resíduos químicos nas lavouras que através<br />
<strong>da</strong>s chuvas escorrem e se acumulam <strong>nos</strong> rios pantaneiros (SATO & PASSOS<br />
2002).<br />
Dezenas de pessoas de diferentes culturas, interesses e regiões<br />
compraram fazen<strong>da</strong>s e passaram a morar na região, Como isso, muitos<br />
ribeirinhos sentiram-se sufocados, acuados e, conseqüentemente, foram<br />
desaparecendo <strong>da</strong> região. O SESC apropriou-se de algumas dessas antigas<br />
fazen<strong>da</strong>s tornando-as produtivas, funcionando também, como posto de<br />
observação <strong>da</strong> RPPN. Em algumas fazen<strong>da</strong>s, foram construí<strong>da</strong>s igrejas, onde<br />
as pessoas se reuniam não só como religiosos, mas também para tratarem de<br />
assuntos políticos envolvendo a região e a comuni<strong>da</strong>de. Muitas delas, por falta<br />
de conservação e interesses, não suportaram as intempéries do tempo, se<br />
transformando em ruínas caindo no esquecimento, coberta por mato, como se<br />
no passado, não muito distante, não tivessem tido a menor importância para as<br />
pessoas <strong>da</strong> região, (figura 6).<br />
A reserva é considera<strong>da</strong> umas <strong>da</strong>s maiores do país, (fig.7), e dessa<br />
forma, vemos o quanto as comuni<strong>da</strong>des foram ficando separa<strong>da</strong>s, corta<strong>da</strong>s pela<br />
reserva, deixando um grande vazio na sua tradição, rompendo com o passado,<br />
como nessa igreja, (fig.6) hoje esqueci<strong>da</strong> por muitos e ignora<strong>da</strong> por todos que<br />
nela e dela dependeram um dia.<br />
7
imagem 6: Igreja<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: RPPN do SESC<br />
Data: julho/2004<br />
No entorno <strong>da</strong> RPPN existem dezenas de comuni<strong>da</strong>des que sofrem com<br />
a desigual<strong>da</strong>de social. Preocupados com a preservação e o futuro dos rios que<br />
alimentam o pantanal, os ribeirinhos, que vivem <strong>da</strong> pesca, admitem que várias<br />
espécies de peixes já não são mais encontrados com a mesma facili<strong>da</strong>de, os<br />
submetendo a pescas de subsistência, ou seja: sem muita opção de escolha<br />
por peixes mais nobres, acabando assim, por matarem qualquer um dos peixes<br />
que caem em suas redes ou anzóis.<br />
8
Figura 7: Reserva Preserva<strong>da</strong>-Sesc Pantanal<br />
Fonte: SESC<br />
9
Com isto, concluímos que não mais são boatos, mas sim, confirmados<br />
pelos ribeirinhos através de <strong>nos</strong>sa pesquisa in loco, que por unanimi<strong>da</strong>de<br />
disseram que: “os peixes estão sumindo”, e que para que tenham sucesso<br />
precisam submeter-se a ficar muito mais horas a disposição <strong>da</strong> pesca, às vezes<br />
levando um dia inteiro, e que também, não são raras as suas frustrações, após<br />
longas jorna<strong>da</strong>s. Quando de retorno e in<strong>da</strong>gados, falam de suas frustrações,<br />
niti<strong>da</strong>mente percebido em suas falas estorva<strong>da</strong>s de muita tristeza, pois já estão<br />
sentindo o efeito <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s ocupações desordena<strong>da</strong>s, provocando<br />
avalanches de lixos que acabam como tendo destino final os próprios rios que<br />
deles dependem e tiram os seus sustentos.<br />
Também constatamos em <strong>nos</strong>sas árduas pesquisas, que não foram<br />
poucas às vezes em que an<strong>da</strong>ndo de sol a sol, desbravando cau<strong>da</strong>losos rios,<br />
num vai e vem frenético, castigados pelos mosquitos, pela fome, sede, diversos<br />
foram os intempéries do tempo, que <strong>nos</strong> forçou a interromper por momentos,<br />
acarretando o prolongar dos <strong>nos</strong>sos trabalhos de pesquisas de campo.<br />
10
Imagem 8 : in loco<br />
Fonte: Fernan<strong>da</strong> Machado<br />
Local: Pantanal<br />
Data: julho de 2005<br />
Ficamos cientes que as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas estão sendo enxota<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s margens dos rios demarca<strong>da</strong>s pelas reservas ambientais. Assim sendo,<br />
separando-as, desaparecendo to<strong>da</strong> uma cultura, essa que mantém viva a<br />
memória de um povo.<br />
O excesso de burocracia envolvido numa pesquisa de campo é<br />
realmente algo desmotivador. Mosquitos, pernilongos e muriçocas <strong>nos</strong> fazem<br />
de alimento colocando em dúvi<strong>da</strong> quem, de fato, ocupa o topo <strong>da</strong> cadeia<br />
alimentar. Adversi<strong>da</strong>des alheias as <strong>nos</strong>sas vontades põem em risco o tempo<br />
cronológico <strong>da</strong> finalização de um mestrado em 24 meses. Entretanto,<br />
transcendendo a avaliação do programa de pós, é inegável o prazer de se<br />
deliciar as aventuras de uma pesquisa empírica no Pantanal, (fig. 8).<br />
11
A adoção do “grupo pesquisador” no marco <strong>da</strong> sociopoética faz com que<br />
a sociabili<strong>da</strong>de, do grupo possibilite a amizade. E não há palavra que traduz o<br />
significado de se aprender através de coletivos – ambos educadores e amigos<br />
Aproveitando as reuniões festivas e religiosas nas comuni<strong>da</strong>des,<br />
reivindicavam constantemente seus direitos de ir e vir que foram tolhidos <strong>da</strong><br />
liber<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> reserva. Constatamos a presença marcante <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de<br />
na vi<strong>da</strong> dos pantaneiros E em suas casas, ao longo do rio Cuiabá, preservam<br />
hábito de cultivar pelo me<strong>nos</strong> um “nicho”, onde podem ser encontra<strong>da</strong>s uma<br />
vasta iconografia diversifica<strong>da</strong>s por cultos.<br />
A foto que mostramos a seguir, <strong>nos</strong> garante a reali<strong>da</strong>de do fato (imagem<br />
9) observamos que a idolatria religiosa é marcante nas comuni<strong>da</strong>des<br />
<strong>pantaneiras</strong>:<br />
Imagem 9: altar <strong>da</strong>s casas<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local São Pedro <strong>da</strong> Joselândia<br />
Data: julho de 2005<br />
No cenário vemos quadros, estátuas de Santos de devoção, velas,<br />
Santos impressos em papéis, bandeirolas, e também fotos <strong>da</strong> família e de<br />
amigos, para pedir proteção a todos. Nesta iconografia estão presentes<br />
12
imagens de pessoas famosas como: artistas, políticos, militares, cantores e<br />
tantos outros de que algumas formas comovem e mexem com os seus<br />
sentimentos. Sem esquecermos dos sonhos de consumo, como: barcos,<br />
aviões, roupas elegantes, pessoas bonitas, as mais diversifica<strong>da</strong>s orações,<br />
receitas e bulas de remédios, até mesmo radiografias constatando lesões<br />
traumáticas por acidentes e que com o passar dos tempos se sentiram curados<br />
por santos de suas religiosi<strong>da</strong>des e nelas colando.<br />
Podemos afirmar com to<strong>da</strong> certeza, ao presenciarmos as festas de<br />
santos na comuni<strong>da</strong>de de Pimenteira, que a cultura e o folclore dos ribeirinhos<br />
deixaram-<strong>nos</strong> fascinados, pois sentimos a força de um povo reunido e<br />
esperançoso na luta por uma vi<strong>da</strong> melhor. Viver no Pantanal se faz sentir a<br />
terra vibrante, captando conceitos e espí<strong>ritos</strong> folclóricos de ca<strong>da</strong> lugar, inseridos<br />
na história. Os pantaneiros que lá ain<strong>da</strong> vivem, apesar de escorraçados, se<br />
sentem prisioneiros, devido as marcantes vi<strong>da</strong>s de seus ancestrais,<br />
acostumados e conhecedores profundos <strong>da</strong> geografia pantaneira, como<br />
também <strong>da</strong> variação constante <strong>da</strong>s intempéries típicas do clima <strong>da</strong> região, com<br />
regime de chuvas e constantes ventos (BOFF, 2001).<br />
Dentre as comuni<strong>da</strong>des situa<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> RPPN, deu-se mais<br />
ênfase às entrevistas conduzi<strong>da</strong>s no distrito de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia,<br />
devido a uma maior aproximação de nós pesquisadoras com a comuni<strong>da</strong>de.<br />
13
1.2 CAMINHOS TRILHADOS<br />
14<br />
Se todo mundo olhasse<br />
Prestasse bem atenção<br />
No jeito que vive os bichos<br />
Na água, no ar e no chão<br />
O homem aprendia muito<br />
A respeitar seu irmão.<br />
Marly A. Serejo<br />
Em <strong>nos</strong>sas pesquisas conseguimos formar uma teia de informações<br />
obti<strong>da</strong>s através de entrevistas, que obedeceram aos critérios e procedimentos<br />
<strong>da</strong> pesquisa qualitativa, usando a metodologia fenomenológica, onde pudemos<br />
registrar os fatos. Esta metodologia <strong>nos</strong> deu suporte para as interpretações<br />
volta<strong>da</strong>s para a pesquisa a qual <strong>nos</strong> destinamos. Optando assim, pelas<br />
entrevistas semi-estrutura<strong>da</strong>s, levando em conta que estas técnicas<br />
reconhecem <strong>nos</strong>sas presenças ativas enquanto investigadoras e ao mesmo<br />
tempo não cerceavam, e nem inibiam os personagens investigados, abrindo<br />
espaços para liber<strong>da</strong>des e confianças mútuas com a espontanei<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
respostas dos <strong>nos</strong>sos participantes. Chamo-os de participante por<br />
considerarmos que sem as preciosas aju<strong>da</strong>s dessas vozes ribeirinhas e<br />
comuni<strong>da</strong>des, este trabalho de pesquisa não teria sido realizado.<br />
Compartilhamos e vivenciamos ca<strong>da</strong> fase com os narradores que<br />
souberam, com carinho, <strong>da</strong>r-<strong>nos</strong> a atenção devi<strong>da</strong>, pois, pacientemente<br />
mostraram-<strong>nos</strong> e <strong>nos</strong> acompanharam, conduzindo-<strong>nos</strong> entre caminhos, trilhas e<br />
rios, para que pudéssemos obter e <strong>nos</strong> aproximarmos o mais possível <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de e principalmente boa vontade <strong>nos</strong> fornecendo as informações<br />
necessárias.<br />
Algumas leituras se tornaram imprescindíveis para o entendimento de<br />
alguns aspectos, as quais foram como suporte para a pesquisa. Lemos e
elemos para que pudéssemos melhor interpretar e refletirmos, destacando<br />
pontos que <strong>nos</strong> respal<strong>da</strong>ram como objeto de estudo. Temos ciência, de que<br />
muito que conseguimos captar, muito mais <strong>nos</strong> passou despercebido, mas com<br />
o tempo retornaremos às novas pesquisas, sempre que necessário se faça para<br />
esclarecer dúvi<strong>da</strong>s que por ventura venham surgir.<br />
Esta pesquisa tem como pauta a Educação Ambiental dentro <strong>da</strong> cultura<br />
pantaneira junto às comuni<strong>da</strong>des, abor<strong>da</strong>ndo suas len<strong>da</strong>s e o imaginário<br />
histórico fictício. Tivemos como meta defini<strong>da</strong> a in<strong>da</strong>gação sobre como o<br />
registro <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural, mais especificamente as len<strong>da</strong>s, poderiam<br />
contribuir para a <strong>educação</strong> ambiental. Partimos <strong>da</strong> hipótese de que os<br />
conhecimentos <strong>da</strong>s práticas sociais, que orientam a formação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />
servem como balizadores na reconstrução <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de dos indivíduos.<br />
Para esse devaneio ao imaginário, real ou fictício - propagaram um<br />
paradoxo, nas comuni<strong>da</strong>des do entorno <strong>da</strong> RPPN. Para que pudéssemos<br />
galgar êxitos em <strong>nos</strong>sas primeiras pesquisas, utilizamos barcos, entrevistamos<br />
guar<strong>da</strong>s-parque que se prontificaram a <strong>nos</strong> acompanharem até as comuni<strong>da</strong>des<br />
ribeirinhas do entorno. Por ser à época <strong>da</strong>s cheias muitos moradores deixaram<br />
de ser entrevistados por terem sidos expulsos de suas terras com a subi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
<strong>águas</strong>, abandonando suas casas e indo para a ci<strong>da</strong>de de Poconé e só retornam<br />
na época <strong>da</strong> vazante.<br />
Para irmos a São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, utilizamos o veículo cedido pelo<br />
PELD e também contamos com a gentileza simpática do motorista que tão bem<br />
conhece os caminhos que transpomos na época <strong>da</strong> seca. Para que<br />
pudéssemos manter em registro as entrevistas e depoimentos dos <strong>nos</strong>sos<br />
colaboradores fizemos o uso de um gravador, facilitando assim a transcrição e<br />
interpretação dos relatos com as devi<strong>da</strong>s respostas às <strong>nos</strong>sas perguntas semi-<br />
elabora<strong>da</strong>s, como também uma máquina fotográfica para o registro iconográfico<br />
<strong>da</strong>s imagens. Imagens estas e interpreta<strong>da</strong>s que compõem o corpo do trabalho<br />
15
escrito. O registro cultural, nesse contexto, é essencial para o despertar <strong>da</strong><br />
valorização do que lhe é próprio, e inerente à identi<strong>da</strong>de cultural pantaneira.<br />
O ser humano é o resultado do meio cultural, herdeiro do processo<br />
acumulado de conhecimentos e experiências adquiri<strong>da</strong>s pelas numerosas<br />
gerações que o antecederam (LARAIA, 2003). To<strong>da</strong>s as manifestações<br />
culturais são váli<strong>da</strong>s e deveriam ser respeita<strong>da</strong>s. As diversi<strong>da</strong>des – biológicas,<br />
culturais, religiosas, étnicas, ideológicas – são na ver<strong>da</strong>de as <strong>nos</strong>sas riquezas<br />
socioambientais, e hoje fazemos uso destes conhecimentos e experiências para<br />
realizarmos esta dissertação.<br />
Existem palavras que transportam idéias perenes.<br />
E, quando o que elas querem dizer começa a ser<br />
esquecido, ou começa a ser sepultado por outras<br />
palavras, então é o momento de voltar a elas.<br />
De recriá-las em ca<strong>da</strong> tempo.<br />
Carlos Rodrigues Brandão (2002)<br />
1.3 A ORGANIZAÇÃO DOS ATOS<br />
Na tentativa eficaz pós-moderna contra a exagera<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />
científica, este trabalho se propõe a dividir os cenários em atos. Sem a<br />
arrogante pretensão de sermos dramaturgos Shakespearia<strong>nos</strong> ou literários,<br />
como Jorge Amado. Em <strong>nos</strong>sos panoramas encontramos uma gama muito<br />
grande de diversificações de caminhos, uns epistemo-metodológicos que<br />
merecem ser destacados individualmente, inclusive para melhor organização<br />
didática favorecendo a compreensão <strong>da</strong> pesquisa.<br />
A apresentação deste trabalho está dividi<strong>da</strong> em quatro atos “assim<br />
chamados”, por questões metodológicas. Classificamos em Atos pelo fato que a<br />
ca<strong>da</strong> tópico seria como se estivéssemos abrindo um cenário diferenciado em<br />
um palco como o <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Na abertura que antecede o primeiro ato, teremos em<br />
16
destaque “O O PRÓLOGO<br />
PRÓLOGO” PRÓLOGO<br />
como introdução ao <strong>nos</strong>so trabalho de pesquisa,<br />
recebendo o nome de “PAISAGEM PAISAGEM INICIAL INICIAL”, INICIAL com abor<strong>da</strong>gens amplas quase<br />
que generalizando um todo, onde se encontram peque<strong>nos</strong> recortes ilustrando a<br />
<strong>nos</strong>sa pesquisa, bem como, <strong>nos</strong>so objeto de investigação e a metodologia<br />
privilegia<strong>da</strong>:<br />
O O Primeiro Primeiro Ato Ato - Aprendizagens literárias -<br />
abor<strong>da</strong>ndo pequenas revisões dos principais aspectos <strong>da</strong>s pesquisas<br />
por nós realiza<strong>da</strong>s. Também destacamos tópicos de suma<br />
importância que <strong>nos</strong> deram conceitos, para sugerirmos sobre a<br />
importância <strong>da</strong> Educação Ambiental, entre len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> pertinentes<br />
às Comuni<strong>da</strong>des Pantaneiras.<br />
O O Segundo Segundo Ato Ato Ato – Esperança – trata-se do Objetivo <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa<br />
pesquisa, os espaços pantaneiro, <strong>águas</strong>, dimensões míticas <strong>da</strong>s<br />
<strong>águas</strong>, os contextos históricos <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong>des Pantaneiras de São<br />
Pedro de Joselândia, como parceiros <strong>da</strong>s pesquisas, temos o SESC,<br />
RPPN e PELD.<br />
O O Terceiro Terceiro Ato Ato - Caminhos Percorridos – De<br />
comum acordo, debatemos questões metodológicas dentro do<br />
contexto sugerido, buscando esclarecer a metodologia adota<strong>da</strong>.<br />
17
No No No Quarto Quarto Ato Ato – A vez e a hora dos <strong>mitos</strong> -<br />
compreende a pesquisa empírica propriamente dita, onde ca<strong>da</strong> ato<br />
leva-<strong>nos</strong> aos mistérios do Pantanal, em forma de narrativa.<br />
Procuramos retratar as histórias e len<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong>des<br />
Pantaneira, finalizando <strong>nos</strong>sa pesquisa, que apesar de árdua, tornou-<br />
se prazerosa, pelos conhecimentos adquiridos e pelas honrosas<br />
amizades que fizemos ao longo de <strong>nos</strong>sas pesquisas. Compartilhando<br />
com os/as companheiros (as) de equipe e colaboradores, que se nós<br />
pudéssemos escolher entre tantos temas, com muita honra faríamos<br />
tudo novamente.<br />
18
ATO - I – Revisão Literária<br />
QUERO QUE A LEITORA E O LEITOR SAIBAM DE MINHAS<br />
PEQUENAS SENSAÇÕES, POIS SÃO ELAS QUE ME FAZEM<br />
GRANDE - TALVEZ NÃO TANTO COMO O MAR, RIOS OU<br />
BAÍAS DO PANTANAL, MAS INTENSO NO SENTIDO DE<br />
ACREDITAR NA UTOPIA, DE QUERER MUDANÇAS E<br />
PROTAGONIZAR ESPERANÇAS.<br />
MICHÉLE SATO/2004<br />
Imagem 10: céu cambará<br />
Fonte Dolores Garcia<br />
Local: RPPN – SESC<br />
Data: julho/2005<br />
19
1. - APRENDIZAGENS LITERÁRIAS<br />
No quadro dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, é ca<strong>da</strong> vez<br />
mais comum falarmos em “interdisciplinari<strong>da</strong>de” e conceitos que traduzem<br />
modos de li<strong>da</strong>rmos com os objetos propostos para estudos mais aprofun<strong>da</strong>dos,<br />
como também com os pla<strong>nos</strong> teóricos e metodológicos. Os estudos <strong>da</strong>s<br />
relações comparativas entre Educação Ambiental e outros campos de<br />
investigação, buscam na medi<strong>da</strong> do possível a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />
aproxima<strong>da</strong>, pois sabedores somos, que na<strong>da</strong> na face <strong>da</strong> terra ou em qualquer<br />
dimensão, chega-se a uma ver<strong>da</strong>de final, já que amanhã, novas pesquisas <strong>nos</strong><br />
levam a acreditar que seja definitivo aquele tema <strong>da</strong> nova descoberta e que<br />
também no amanhã do dia seguinte, seja novamente o mesmo tema definitivo.<br />
Sucessivamente, novas descobertas ocorrem com os mesmos temas<br />
que antes eram definitivos. Propomos discutirmos aceitando críticas ao<br />
criticarmos os modos de colaboração entre EA e outras áreas de estudo,<br />
especificamente relacionado ao tema que <strong>nos</strong> propomos defender na<br />
dissertação, que são as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> conhecidos e vividos pelas<br />
comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. A transversali<strong>da</strong>de e a disciplina não convencional<br />
são muitas vezes morosas, polêmicas e complexas (SATO, 2002.a).<br />
A <strong>educação</strong> Ambiental, por sua interdisciplinarie<strong>da</strong>de, tem um importante<br />
papel na reflexão e na construção de novos hábitos e conhecimentos, portanto<br />
propiciando as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas a participarem dos problemas locais.<br />
Temos na EA, teóricos preocupados com a <strong>educação</strong>, ca<strong>da</strong> um com<br />
diálogos entre as diferentes áreas do conhecimento. Tentaremos neste trabalho<br />
<strong>da</strong>r mais um passo na aproximação <strong>da</strong> EA, <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s. Isto é possível<br />
tendo em vista o uso de vastas bibliografias, que são elos que formam a<br />
interdisciplinarie<strong>da</strong>de. O levantamento cultural dos temas de pesquisa forma um<br />
contexto, que fortalecido se torna essencial para o despertar <strong>da</strong> consciência na<br />
20
valorização do que lhe propôs ser próprio e inerente à sua identi<strong>da</strong>de cultural<br />
resgata<strong>da</strong> de outrora, que não é somente uma resposta específica apresenta<strong>da</strong><br />
frente a desafios a nós impostos. Sabemos que necessita irmos mais além <strong>da</strong><br />
consciência ecológica que conseguimos através de <strong>nos</strong>sos estudos<br />
conhecermos.<br />
Sabemos também que a <strong>educação</strong> é a base para o desenvolvimento e a<br />
vi<strong>da</strong> civiliza<strong>da</strong>. Por meio dela, temos subsídios para exigir <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des<br />
competentes os <strong>nos</strong>sos direitos e o cumprimento dos mesmos. Portanto, em<br />
punhos cerrados amparados pela maioria que luta pela <strong>educação</strong> como um<br />
todo, fortalecidos teremos o importante papel de sermos ci<strong>da</strong>dãos de uma<br />
grande nação, como a que vivemos. Desta forma, nós os educadores,<br />
participamos ativamente em todos os sentidos e formas <strong>da</strong>s questões<br />
pertinentes à socie<strong>da</strong>de. Na vi<strong>da</strong>, por mais que tenhamos a certeza de<br />
estarmos imunes, mais ignorantes somos, por não conhecermos o dia seguinte.<br />
Pesquisas comprovam que o desleixo, o egoísmo, a displicência, o<br />
interesse pessoal, causam a degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente, permitindo o<br />
surgimento ca<strong>da</strong> vez me<strong>nos</strong> controlado de grandes programas de reflexão<br />
interdisciplinar, pondo em relevo críticos importantes questões de ordem<br />
epistemológica propícios a domínios diferenciados de <strong>educação</strong>, cultura e<br />
poder, na interação <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> terra, <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong><br />
natureza e <strong>da</strong>s ciências sociais. Apesar de uma abun<strong>da</strong>nte literatura no campo<br />
interdisciplinar, as respostas continuam sendo busca<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> que,<br />
paradoxalmente lapi<strong>da</strong>dos por grandes monopólios, tamanhos é a ina<strong>da</strong>ptação<br />
dos fun<strong>da</strong>mentos paradigmáticos na concepção tradicional <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
e <strong>da</strong> frágil natureza (PENA-VEGA, 2003).<br />
Para que pudéssemos compreender e chegarmos a um consenso na<br />
diferenciação <strong>da</strong>s expressões exigiu-<strong>nos</strong> um longo diálogo com interpretações<br />
de gestos e comportamentos em ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, por isto de comum acordo<br />
21
optamos: seguirmos a compreensão fenomenológica de Bachelard. Podemos<br />
dizer que as leituras realiza<strong>da</strong>s aju<strong>da</strong>ram-<strong>nos</strong> a interpretar as narrativas<br />
registra<strong>da</strong>s, principalmente as relaciona<strong>da</strong>s à água, essas são respeita<strong>da</strong>s e<br />
temi<strong>da</strong>s pelos moradores.<br />
Esse líquido tão precioso <strong>nos</strong> propõe ver<strong>da</strong>deiro devaneio ao mundo<br />
imaginário, onde olhamos e não vemos somente este ou aquele líquido,<br />
fornece-<strong>nos</strong> estudos e curiosi<strong>da</strong>des, abre um vasto leque de informações, uma<br />
dessas, com intermináveis respostas, colocou-se em suspense: O que poderia<br />
ser encontrado no fundo de um rio, mar ou até mesmo oceano? Ficará por<br />
infinitos a<strong>nos</strong> a pergunta, tanto quanto as infinitas respostas.<br />
A visão e a morfologia <strong>da</strong>s imagens capta<strong>da</strong>s pelos <strong>nos</strong>sos olhos,<br />
dialogam por si de forma harmônica, transformando-as em sinfonia fina, assim<br />
sendo, comparamos com simetrias mitológicas narrativas orais, que <strong>nos</strong><br />
mostram o quanto devemos <strong>nos</strong> preocupar com a EA, <strong>da</strong>ndo importância<br />
primordial para as <strong>águas</strong> que compõem o <strong>nos</strong>so eco sistema. O quanto tem que<br />
gritar sobre a importância <strong>da</strong> água hoje e no futuro, não podemos pensar<br />
somente no futuro temos que refletir e agir agora. Os rios do pantanal têm<br />
gritado por meio <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s.<br />
Deslumbrados ficam com o Minhocão, as <strong>águas</strong> que formaram o seu<br />
contorcionismos seduzem e <strong>nos</strong> encantam, afagando <strong>nos</strong>sas utopias e <strong>nos</strong><br />
levando para conceitos quiméricos. Portanto, devemos e temos que usufruir<br />
desses meios para que possamos sensibilizar autori<strong>da</strong>des, órgãos competentes<br />
e as próprias pessoas como um todo, dependentes, para que dela cuidem antes<br />
que falte, fazendo com que aos rios voltem devi<strong>da</strong>mente trata<strong>da</strong>s. Devemos ter<br />
cui<strong>da</strong>do com a <strong>nos</strong>sa água. “Se quero estu<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s imagens <strong>da</strong> água,<br />
preciso, portanto, devolver ao rio e as fontes de minha terra seu papel principal”<br />
(BACHELARD, 2002, p. 8).<br />
22
Tivemos como principal elo de apoio às <strong>nos</strong>sas pesquisas, as<br />
bibliografias do pensador francês Gaston Bachelard. Suas obras <strong>nos</strong> deram<br />
respaldo para que pudéssemos construir e defender também em tese, a <strong>nos</strong>sa<br />
dissertação, respal<strong>da</strong><strong>da</strong> em pesquisas, por ser ele, um dos intérpretes e<br />
conhecedor no campo de estudos do imaginário, facilitando a abertura em<br />
direção a EA e as len<strong>da</strong>s que são rechea<strong>da</strong>s de <strong>mitos</strong>, como um instrumento de<br />
sensibilização. E foi na beleza do imaginário desse extraordinário pesquisador<br />
que ilustrou seres <strong>da</strong>ndo-os vi<strong>da</strong>, influenciando de certa forma no alavancar <strong>da</strong><br />
EA. Proporcionando-<strong>nos</strong> prazeres diversificados para desenvolvermos esta<br />
pesquisa, e não apenas a obrigatorie<strong>da</strong>de para obtermos o título de mestre,<br />
mas, sobretudo, como dissemos no início desta dissertação, uma inquietação e<br />
uma angústia sentem na busca do conhecer e do saber, sobre as len<strong>da</strong>s e a<br />
EA.<br />
Consideramos que a Educação Ambiental deve gerar,<br />
com urgências, mu<strong>da</strong>nças na quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e maior<br />
consciência de conduta pessoal, assim como harmonia<br />
entre os seres huma<strong>nos</strong> e destes com outras formas e<br />
fontes de vi<strong>da</strong>. Tratado de Educação Ambiental para<br />
Socie<strong>da</strong>des Sustentáveis e Responsabili<strong>da</strong>de Global.<br />
Fórum Global / ECO 92<br />
1.1 - EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
A EA apresentou como uma preocupação no âmbito <strong>da</strong> <strong>educação</strong> na<br />
déca<strong>da</strong> de 70, quando o meio ambiente deixou de ser notado somente pelos<br />
amantes <strong>da</strong> natureza e passou a se tornar preocupação como um todo, pois as<br />
pessoas estavam tendo um descontrole generalizado de desrespeito com a<br />
natureza. Num olhar radical, haverá aqueles que afirmam que i 1º impacto<br />
ambiental surge ain<strong>da</strong> no Paleolítico, quando o ser humano passa de nômade a<br />
agricultor. A aragem <strong>da</strong> terra, plantio e exaustão do solo podem ser a 1ª<br />
evidência deste impacto. Uma outra parte <strong>da</strong> literatura, em especial ao modelo<br />
23
ecologista mundial, ai usa a industrialização como causadora <strong>da</strong><strong>nos</strong>a dos<br />
dilemas ambientais. Estamos convictas de que o capital é 1º grande<br />
responsável pelas mu<strong>da</strong>nças, entretanto, convém sublinhar que mesmo <strong>nos</strong><br />
países do bloco socialista, os impactos ambientais existem. É fato, assim, que<br />
os problemas ambientais transcendem o espectro <strong>da</strong> direita e <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />
“norte e sul”, ocidente e oriente, demonstrando que a complexi<strong>da</strong>de ambiental<br />
não enxerga fronteiras e que a terra é um só planeta sofrendo <strong>da</strong> catástrofe<br />
sócio-ambiental.<br />
Uma outra questão, muito discuti<strong>da</strong>, é que a EA não deveria ser uma<br />
disciplina. Ao contrário, deveria sim representar a contribuição de diversas<br />
disciplinas e experimentos educativos, acoplando ao conhecimento e<br />
compreensão do meio ambiente, assim como, à resolução dos seus problemas<br />
e gestões. O enfoque interdisciplinar poderia abrir para o mundo educações<br />
compartilha<strong>da</strong>s com as comuni<strong>da</strong>des, incitando seus coman<strong>da</strong>dos e<br />
coman<strong>da</strong>ntes à ação e não ficarem a mercê.<br />
A EA deve ter como meta, uma ação transformadora e incentivadora<br />
permanente, uma vez que está estreitamente vincula<strong>da</strong>, direciona<strong>da</strong> e a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong><br />
para o pleno exercício dos direitos e deveres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Podemos considerar<br />
que a EA, no Brasil, surge e se mantém ain<strong>da</strong> hoje desde as déca<strong>da</strong>s de 80/90,<br />
quando as lutas ecológicas e as afirmações dos direitos ambientais foram mais<br />
extensas e debati<strong>da</strong>s, o que antes eram considerados uma denúncia dos<br />
ambientalistas, hoje, por meio de fiscalizações e comunicações mais<br />
abrangentes e rápi<strong>da</strong>s, passou a ser divulga<strong>da</strong> quase que ao mesmo tempo de<br />
seu surgimento, causando sensibili<strong>da</strong>des entre as socie<strong>da</strong>des civis gerando<br />
opiniões públicas diversifica<strong>da</strong>s quanto à questão ambiental.<br />
24<br />
Ela não está vincula<strong>da</strong> simplesmente à transmissão<br />
de conhecimento sobre natureza, mas sim, à<br />
possibili<strong>da</strong>de de ampliação de participação política<br />
<strong>da</strong>s pessoas a medi<strong>da</strong> em que ela reivindica e
25<br />
prepara os ci<strong>da</strong>dãos para exigir justiça social,<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia nacional e planetária autorização e ética<br />
nas relações sociais e com a natureza (...) a melhor<br />
quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> para todos (...) a Educação<br />
Ambiental deve orientar-se para a comuni<strong>da</strong>de e<br />
procurar incentivar o indivíduo a participar<br />
ativamente (...) atuando nas suas comuni<strong>da</strong>des<br />
(REIGOTA 1994, p.10 e 58).<br />
A Educação Ambiental tem o intuito de informar e de dialogar com as<br />
linhas teóricas que se entrelaçam nessa rede, que costumamos chamar de EA,<br />
mas também, sobretudo, construirmos outras trilhas investigativas, que<br />
entendemos serem tão “pertencentes” a EA, como a água é para nós.<br />
Abor<strong>da</strong>remos não a história <strong>da</strong> EA, mas sim, o que representa, mediante<br />
levantamentos feitos pelos teóricos a respeito de sua importância em <strong>nos</strong>so<br />
meio. Voltaremos <strong>nos</strong>sa atenção para teóricos brasileiros, pois como disse<br />
Barcelos “A Educação Ambiental brasileira é uma <strong>da</strong>s mais criativas e<br />
diversifica<strong>da</strong>s do mundo” (2004, p.198).<br />
Apostamos neste diálogo entre as diferentes disciplinas e saberes que<br />
poderá levar-<strong>nos</strong> a construção de caminhos diferenciados em EA. Contudo,<br />
quando falamos em caminhos reafirmamos que não acreditamos em uma<br />
fórmula, ou metodologia única e salvadora para este e tantos outros desafios,<br />
mas sim em parcerias sóli<strong>da</strong>s, bem construí<strong>da</strong>s e com os mesmos interesses,<br />
pois mesmo aquelas ações que às vezes consideramos como sendo simples ou<br />
me<strong>nos</strong> abrangentes, podem vir a ser globais. A <strong>educação</strong> ambiental tem como<br />
base o respeito pela diversi<strong>da</strong>de natural e cultural, que inclui as especifici<strong>da</strong>des<br />
de classes, etnias e gêneros. Ao fazermos o estudo dos <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s,<br />
buscamos interpretar fenomenologicamente as possíveis contribuições para o<br />
entendimento <strong>da</strong>s questões ambientais no intuito de reunir subsídios<br />
(teóricos/epistemonológicos) para a construção de alternativas de EA. Nestas<br />
perspectivas as <strong>nos</strong>sas crenças, <strong>nos</strong>sos <strong>ritos</strong> e <strong>mitos</strong> são <strong>nos</strong>sos companheiros<br />
inseparáveis. Os <strong>mitos</strong> acompanham <strong>nos</strong>sas imaginações desde as mais<br />
remotas épocas (BARCELOS, 2001).
Para Freire (1977, p.75) a <strong>educação</strong> se define como um processo<br />
constante de libertação do ser humano. “A <strong>educação</strong> como prática, não é a<br />
transferência do saber nem <strong>da</strong> cultura; não é extensão de conhecimentos<br />
técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos <strong>nos</strong> educando. É um<br />
esforço através do qual, os homens decifram a si mesmos como homens”.<br />
A <strong>educação</strong> ambiental (EA) tem sido muito discuti<strong>da</strong> em diferentes<br />
contextos. Por isto vamos falar do compromisso que todos devem ter. A EA tem<br />
o compromisso de formar ci<strong>da</strong>dãos capazes e ambientalmente responsáveis<br />
para atuar na socie<strong>da</strong>de, mostrando forma e não a fórmula de educar para que<br />
possam exercer seus direitos e deveres. É necessário que esses conjuntos de<br />
práticas e experiências se apliquem, de maneira crítica construtiva, tendo o<br />
caráter social e educativo, onde devem promover o desenvolvimento e a<br />
socialização de todos os ci<strong>da</strong>dãos. A interdisciplinari<strong>da</strong>de e até a<br />
transdisciplinari<strong>da</strong>de vêm sendo constantemente menciona<strong>da</strong>s como enfoques<br />
teóricos, metodológicos e <strong>da</strong> <strong>educação</strong> (TRISTÃO, 2003).<br />
A sustentabili<strong>da</strong>de de um povo é coloca<strong>da</strong> em destaque, quando o saber<br />
tradicional em concordância com o saber acadêmico podem subsidiar decisões<br />
compartilha<strong>da</strong>s que visem o planejamento de um bem estar social, abrangendo<br />
o relacionamento humano e sua complexibili<strong>da</strong>de sócio cultural morfológica<br />
com o passar dos tempos, tratando <strong>da</strong> forma exterior dos organismos e suas<br />
transformações sociais, culturais e antropológica, pois, percebemos que as<br />
propostas educacionais ti<strong>da</strong>s como específicas para o meio ambiente têm, em<br />
geral, sido trata<strong>da</strong>s somente os aspectos técnicos e biológicos <strong>da</strong> questão<br />
ambiental. Significa que devemos ficar mais atentos aos problemas sócios<br />
culturais que mereceriam serem vistos com outros olhos, para que a própria<br />
humani<strong>da</strong>de desfrutasse de maneira contemplativa e participativa de<br />
conhecimentos esclarecedores. Compreensões equivoca<strong>da</strong>s dos problemas<br />
que merecem ser esclarecidos, a paixão, o prazer e o amor pelo conhecimento<br />
e pelas pessoas, fazem <strong>nos</strong> ter a necessi<strong>da</strong>de de pesquisarmos (SATO, 2000).<br />
26
A EA quando trabalha<strong>da</strong> em conjunto com as comuni<strong>da</strong>des sem <strong>nos</strong><br />
preocuparmos com patentes e desníveis sócio cultural ou social, vincula<strong>da</strong>s às<br />
questões humanas, partilharia responsabili<strong>da</strong>des éticas para o enfrentamento<br />
de desafios impactuados naturalmente com novas ações propostas. Além disso,<br />
temos a certeza necessária à efetivação <strong>da</strong> EA no transcurso <strong>da</strong> tentativa de<br />
melhorias <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> ambiental, mostra<strong>da</strong> em desigual<strong>da</strong>de com a<br />
comuni<strong>da</strong>de e seu meio. As len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> estão para a EA, assim como, o<br />
meio ambiente está à mercê <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de política defensoras do bem estar,<br />
entrevendo não necessariamente com a comuni<strong>da</strong>de. Desta forma, ao<br />
resgatarmos as conversas de raiz, significa inflar-mos historias cui<strong>da</strong>ndo de<br />
conseguir aviventar os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s que ain<strong>da</strong> afloram fortes em <strong>nos</strong>sos<br />
meios. Teremos com isso, uma certeza viva de melhor conhecermos as<br />
comuni<strong>da</strong>des e suas interações com o meio ambiente (PEDROSO-JUNIOR &<br />
SATO, 2003).<br />
Paulo Freire sempre lutou por uma <strong>educação</strong> crítica, que visa combater o<br />
comportamento mecânico, imitativo e dependente produzido por determina<strong>da</strong>s<br />
propostas e práticas pe<strong>da</strong>gógicas, ou práticas decorrentes do excesso de<br />
racionali<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>so tempo (FREIRE,1977).<br />
Para se adquirir uma sensibilização crítica sobre as questões ambientais,<br />
é preciso que todos se envolvam em um aprendizado constante, pois as<br />
transformações naturais também se dão de maneira continua<strong>da</strong>. Esse processo<br />
de aprendizagem envolve ações coletivas, entre a socie<strong>da</strong>de e indivíduos, onde<br />
todos possam participar <strong>da</strong> construção do seu conhecimento, favorecendo uma<br />
aprendizagem com a EA. Ana Maria Freire (2003, p. 18) comenta que “um<br />
mundo melhor significa não apenas a sobrevivência dos seres, mas o <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
saudável e feliz”.<br />
Para que possamos esclarecer o contexto, mostramos em evidência a<br />
real necessi<strong>da</strong>de de educarmos não só os futuros ci<strong>da</strong>dãos brasileiros e de<br />
27
outros países como empreendedores de modo responsável e sustentável do<br />
meio ambiente e <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s que <strong>nos</strong> cercam, pois a sensibilização não deve ser<br />
transmiti<strong>da</strong> e nem medi<strong>da</strong> somente nas escolas, mas sim, também, dentro de<br />
<strong>nos</strong>sos próprios lares. A <strong>educação</strong> ambiental não deve ser direciona<strong>da</strong> somente<br />
nas escolas, para alu<strong>nos</strong>, alunas, professores e professoras, mas a todos e a<br />
to<strong>da</strong>s, as crianças e a jovens que manifestam cui<strong>da</strong>dos ecológicos (SATO &<br />
PASSOS, 2002).<br />
A EA deve ser considera<strong>da</strong> como uma grande contribuição filosófica e<br />
metodológica à Educação em geral, ela tem um importante papel, não só na<br />
possibili<strong>da</strong>de de percepção do ser humano em seu meio. Ela possui um<br />
compromisso político de enorme envergadura. Para reivindicar este status,<br />
porém, necessita de um arcabouço teórico-metodológico que consiga cumprir<br />
seus compromissos de forma consistente. Isso não implica, entretanto, que ela<br />
seja desprovi<strong>da</strong> de uma alma, construí<strong>da</strong> também através dos afetos, <strong>da</strong><br />
emoção, do carinho e do desejo <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de humana. A <strong>educação</strong> ambiental<br />
tem, por premissa, que a reflexão sobre as ações individuais e coletivas e sua<br />
ação prática respondem pelo processo de aprendizagem (NAIME & GARCIA,<br />
2004, p. 80).<br />
28
Mito designa clichês ou crenças<br />
coletivas acerca de temas relevantes que circulam na<br />
cultura. [...] Constitui uma forma autônoma de<br />
pensamento; diferente <strong>da</strong> razão. É então legítima como<br />
qualquer outra. Constitui uma expressão <strong>da</strong> inteligência<br />
emocional, distinta <strong>da</strong> funcional.[...]<br />
O mito configura sempre representações <strong>da</strong> consciência coletiva, ditas e reditas em ca<strong>da</strong> geração.<br />
1.2 LENDAS E MITOS<br />
29<br />
Leonardo Boff.<br />
Neste tópico, proporemos viajarmos juntos através do inimaginável no<br />
intuito de mantermos viva a cultura de uma raça através dos <strong>mitos</strong>, len<strong>da</strong>s e<br />
vivência sócios cultural, para que não mergulhemos em vagas lembranças<br />
através dos tempos. Que fique clara a <strong>nos</strong>sa intenção, não queremos com isto<br />
que se assumem convivências de ares excursionistas e que muito me<strong>nos</strong><br />
vaguem em devaneios não contemplativos no resgate de uma cultura.<br />
Entregaremo-<strong>nos</strong> à leitura de corpo e alma, para que possamos viajar<br />
literalmente no intuito de descobrimos através <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de pessoal <strong>nos</strong>sas<br />
próprias paisagens míticas imagináveis. Deparando e comparando, o quanto a<br />
EA e os <strong>mitos</strong> podem vagar em on<strong>da</strong>s de interpretações pelos labirintos<br />
significativos de <strong>nos</strong>sas mentes.<br />
Os <strong>mitos</strong> constituem um gênero especial de literatura. Não são<br />
usualmente esc<strong>ritos</strong> ou criados por um ser individual, porque na reali<strong>da</strong>de são<br />
produtos de uma imaginação coletiva, são experiências de to<strong>da</strong> uma era, de<br />
to<strong>da</strong> uma cultura. Parece que eles se formam gra<strong>da</strong>tivamente quando certos<br />
motivos emergem; e são proposita<strong>da</strong>mente às vezes por interesses elaborados<br />
com requintes de detalhes. Uma vez lapi<strong>da</strong>dos, emergem com força e<br />
finalmente se perpetua, à medi<strong>da</strong> que as pessoas contam e recontam as<br />
histórias que sofrem severas metamorfoses com o passar dos tempos e que de<br />
uma forma ou de outra acabam prendendo a <strong>nos</strong>sa atenção e muitas <strong>da</strong>s vezes
<strong>nos</strong> amedrontam fortalecido pelo <strong>nos</strong>so inconsciente fragilizado devido aos<br />
<strong>nos</strong>sos imprevisíveis sentimentos. Deste modo, temas que são exatos e<br />
universais mantêm-se vivos, mesmo sofrendo impactos adversos nas<br />
socie<strong>da</strong>des, enquanto que aqueles que tendem aos elementos peculiares de<br />
alguns povos ou comuni<strong>da</strong>des estes desaparecem. Resgatados o são quando<br />
necessários o fazem trazer a tona para estudos do abalo psicológico ou moral<br />
causado por um acontecimento.<br />
Mitos, portanto, retratam acontecimentos, imagens coleta<strong>da</strong>s de alguma<br />
forma, e que mostram coisas que são ver<strong>da</strong>deiras e conheci<strong>da</strong>s por todos em<br />
um determinado grupo, comuni<strong>da</strong>de ou socie<strong>da</strong>de. Sentimentos estes que<br />
aparecem quando alcançamos o imaginário que os <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> trazem. Os <strong>mitos</strong><br />
são arcaicos e distantes <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong> por nós que vivemos afastados <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des carentes onde normalmente eles ganham corpo, mas se<br />
prestarmos bastante atenção e os encararmos com mais acui<strong>da</strong>de,<br />
começaremos por ouvi-los com mais serie<strong>da</strong>de e entender-lhes o significado.<br />
Estes saberes se caracterizam pela tentativa de responder muitas questões,<br />
que se encontram inacessíveis para uma “reali<strong>da</strong>de vigente e de outrora”<br />
concreta ao universo humano e existencial a exemplo de como o mundo<br />
surgiu? E quem o criou? Os <strong>mitos</strong> são narrativas que <strong>nos</strong> respondem em tese<br />
essas perguntas.<br />
Originou-se o mundo, que fomentou o ser humano, o seu estatuto, a sua<br />
sociabili<strong>da</strong>de e a sua sorte de luta na e pela natureza. Criaram-se crenças, as<br />
mais diversifica<strong>da</strong>s relaciona<strong>da</strong>s com os deuses e os espí<strong>ritos</strong> míticos. Mas os<br />
<strong>mitos</strong> não falam por si só de cosmos, não falam por si só de passagem ou<br />
miragens, muito me<strong>nos</strong> de naturezas cultua<strong>da</strong>s, mas também de tudo que<br />
concerne à identi<strong>da</strong>de de um passado ou de um povo passado para o futuro, do<br />
possível, e do impossível, e de tudo o que suscita as interrogações, e às<br />
curiosi<strong>da</strong>des. Assim como as necessi<strong>da</strong>des, as aspirações. Transformando as<br />
histórias <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. Fortalecidos os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, construíram-se,<br />
30
vilarejos os transformado em ci<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>ndo-lhes origens às diversificações de<br />
povos e crenças. “Torna-se lendária, e mais geralmente, tendem a desdobrar<br />
tudo que acontece no <strong>nos</strong>so mundo real e no mundo imaginário para ligá-los<br />
projetar juntos no mundo mitológico” (MORIN,1986, p. 150).<br />
Os <strong>mitos</strong> também tentam explicar costumes e rituais de uma determina<strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. Além de fornecer explicações, são usados para justificar o modo de<br />
vi<strong>da</strong> que constituem como forma de entender a reali<strong>da</strong>de e de saber sobre o<br />
início <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. A narrativa lendária pertence à tradição<br />
cultural e oral de um povo que explica através do apelo sobrenatural, ao divino<br />
e ao misterioso a origem do universo, assim como, o funcionamento <strong>da</strong><br />
máquina natureza. Os <strong>mitos</strong> aju<strong>da</strong>m a captar a mensagem dos símbolos, pois o<br />
ser humano precisa e busca esclarecimentos, de modo que compreen<strong>da</strong> o<br />
sentido e significado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> morte, do eterno e principalmente do<br />
misterioso.<br />
O universo mitológico, para Morin (1986, p. 151) aparece como um<br />
universo, <strong>nos</strong> quais as características fun<strong>da</strong>mentais dos seres animados se<br />
encontram com coisas inanima<strong>da</strong>s “(...) nas mitologias antigas ou em mitologias<br />
contemporânea de outras civilizações (...) o universo é povoado de espí<strong>ritos</strong>,<br />
gênios, deuses”.<br />
Com uma <strong>educação</strong> volta<strong>da</strong> para a socie<strong>da</strong>de industrial à cultura é<br />
transforma<strong>da</strong>, disto, resulta que os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s vão sendo desqualificados<br />
<strong>da</strong>quilo que os legitimavam na origem. Os indivíduos, constituintes de memórias<br />
dinâmicas, estão relacionados com a natureza, essa que se modifica com o<br />
decorrer dos a<strong>nos</strong>, essa que corresponde a um passado de uma determina<strong>da</strong><br />
pessoa, autora, de sua própria história e pensamento, traz na sua narrativa a<br />
reali<strong>da</strong>de, como constata Merleau-Ponty (1996, p. 389), “O mito considera a<br />
essência na aparência, o fenômeno mítico não é uma representação, mas uma<br />
ver<strong>da</strong>deira presença”.<br />
31
São infinitamente diversifica<strong>da</strong>s as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, teorias surgem de<br />
maneiras adversas também <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de descrita trazendo contrastes e<br />
problemas que a humani<strong>da</strong>de não consegue absorver com facili<strong>da</strong>de através de<br />
atitudes impensa<strong>da</strong>s, ou de “interesses” mal elabora<strong>da</strong>s. Tanto é que <strong>da</strong><br />
mesma forma, <strong>mitos</strong> componentes advindos de relatos de experiências vivi<strong>da</strong>s<br />
ou vivencia<strong>da</strong>s adquirem importâncias específicas quando à natureza a que são<br />
agregados.<br />
Assim sendo, len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> são envolvidos na complexi<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />
ambiente oriundos <strong>da</strong> junção com a <strong>educação</strong> e a socie<strong>da</strong>de que se preocupam<br />
direta ou indiretamente com a conservação de suas mitici<strong>da</strong>des. A mítica é<br />
ain<strong>da</strong> mais representativa quando oriun<strong>da</strong>s fantasmagoricamente eleva<strong>da</strong>s ao<br />
inimaginário sentimental do adentrar nas profundezas <strong>da</strong>s florestas sombrias<br />
que estão no imaginário, cheias de entes sobrenaturais e amedrontadores que<br />
punem os que as destroem. Podemos citar entre tantas a “Caipora/Curupira”;<br />
“Mãe <strong>da</strong> Mata/Boitatá”; “Pé-de-Garrafa”, entre outros. Tendo como protetor dos<br />
animais que vivem e procriam nas matas o “Anhangá” Nas <strong>águas</strong>... Diz a len<strong>da</strong>,<br />
que a “Mãe d´água”, quando enfureci<strong>da</strong> com a matança indiscrimina<strong>da</strong> de<br />
peixes, vira as canoas dos. Pescadores que retiram peixes além de suas<br />
necessi<strong>da</strong>des, pondo-os em desperdícios (DIEGUES, 1998).<br />
O Minhocão, assim chamado pelo povo cuiabano, reside nas<br />
proximi<strong>da</strong>des do poço do Rio Cuiabá. Diz à len<strong>da</strong> que o "Minhocão", mito<br />
folclórico <strong>da</strong> terra, também conhecido culturalmente por ribeirinhos e<br />
pescadores freqüentadores dos rios do sul do país desde os primórdios os<br />
tempos coloniais. A mitologia diz que aterrorizava as pessoas e todos os seres<br />
vivos ao se apresentar altivo em forma de cobra em tamanho descomunal.<br />
Com isso, a mitologia perniciosa, provocava desabamentos de<br />
preconceitos de machismos medidos por forças de sentimentos de<br />
masculini<strong>da</strong>de, provocado pela fúria do Minhocão, que era capaz <strong>da</strong>s mais<br />
32
enfadonhas façanhas, quando sentia fome ou era proposita<strong>da</strong>mente despertado<br />
de sua hibernação alimentar, afun<strong>da</strong>ndo barcos, dizimando comuni<strong>da</strong>des<br />
inteiras ao destruir casas, roçados e alimentando-se dos animais domesticados.<br />
É um mito que se perpetua no imaginário do barranqueiro, sendo a len<strong>da</strong><br />
mais conheci<strong>da</strong> em todo o Estado do Mato Grosso. Alguns descrevem o<br />
Minhocão como uma serpente descomunal com olhos esbugalhados e<br />
lumi<strong>nos</strong>os. Diz a len<strong>da</strong>, que planava sobre as calmas <strong>águas</strong>, num silêncio<br />
profundo com sua cabeça alta parecendo à proa de um barco. Seus olhos<br />
pareciam dois faróis a luminar seus caminhos. O monstro ao encurralar sua<br />
presa soltava um gemido ensurdecedor e apavorante capaz de paralisar a<br />
preza por alguns instantes, tempo suficiente para saboreá-la. Tão logo saciado,<br />
saracoteava a cau<strong>da</strong> espanando as <strong>águas</strong> ou seu redor formando on<strong>da</strong>s<br />
gigantescas capazes de solaparem encostas, devastando margens.<br />
Boiúna é o nome <strong>da</strong>do ao Minhocão na Amazônia, que significa cobra<br />
grande, uma mito que aterroriza as crianças, as mulheres e muitos crédulos<br />
caboclos. Mesmo os mais destemidos homens, sentem-se incomo<strong>da</strong>dos em<br />
seus sentimentos de homens bravos e valentes, mas se inevitável for<br />
depararem-se frente a frente, tremerão com medo <strong>da</strong> terrível assombração que<br />
se apresenta de maneira imponente como o palco <strong>da</strong> imensa vastidão<br />
amazônica. As noites amazonenses são temerosas para os ribeirinhos que a<br />
ca<strong>da</strong> tempestade como guardiã <strong>da</strong> noite, aparecia camufla<strong>da</strong> sob os focos de<br />
luzes de seus olhos parecendo arco-íris. Acredita-se ain<strong>da</strong>, que é, por causos<br />
contados sobre a Sucuri, que correm to<strong>da</strong>s estas len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> que a<br />
imaginação temerosa teceu por a<strong>nos</strong> a fio.<br />
Não resta a menor dúvi<strong>da</strong> que na apuração <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s entre as várias<br />
serpentes do mundo a <strong>nos</strong>sa sucuri é uma <strong>da</strong>s maiores, podendo chegar,<br />
segundo as recentes estimativas há mais de 14 metros. Note-se que uma<br />
serpente com metade deste tamanho, pode asfixiar um homem ao apertá-lo.<br />
33
Conta-se também que em Goiás, uma gigantesca cobra Sucuri,<br />
encurralou um cavaleiro e sua montaria. Após várias tentativas de fuga, abatido<br />
e engolidos inteiros, tanto o homem como o seu cavalo. Dias depois, foi<br />
expelido apenas o arreio/cela, em perfeito estado como se na<strong>da</strong> tivesse<br />
acontecido.<br />
Mitos e len<strong>da</strong>s são muitos, mas a desobediência e o espírito de aventura<br />
podem acabar em tragédias. A serpente é o animal que mais provocou<br />
interpretações míticas e simbólicas. Animal muito estranho, rastejador, faz eco<br />
aos primórdios dos tempos, como fonte do pecado e de todos os terrores.<br />
Ambígua, masculina ou feminina, ela desafia suas contradições. É a expressão<br />
apavorante <strong>da</strong> noite, intimamente liga<strong>da</strong> a terra, vive em buracos escuros e<br />
sombrios.<br />
Fantasiosamente acredita-se que o minhocão possua o poder de auto-<br />
renovação, por causa de sua habili<strong>da</strong>de de renovar a sua pele. Este caráter deu<br />
origens às crenças e <strong>mitos</strong> que he atribuíram o poder <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de. Acredita-<br />
se que através <strong>da</strong> mente os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s <strong>nos</strong> mostram a abertura de<br />
<strong>nos</strong>sos sentimentos para enxergarmos o que queremos e o que <strong>nos</strong> contam<br />
mesmo sendo temerosos <strong>nos</strong> fazemos perceber frágeis. Também vinculados<br />
aos padrões sócio-econômicos <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, principalmente carentes, mal<br />
informa<strong>da</strong>s e com poucas instruções.<br />
Muitas <strong>da</strong>s vezes as conotações de crenças e de como são conta<strong>da</strong>s<br />
possibilitam-<strong>nos</strong> que compreen<strong>da</strong>mos a ca<strong>da</strong> conotação de medo. Situações<br />
estas, que <strong>nos</strong> dão respaldo dos conhecimentos e <strong>da</strong>s experiências vivi<strong>da</strong>s em<br />
<strong>nos</strong>sas pesquisas de campo, pois possuem significados diferenciados<br />
dependendo, entretanto, do rumo <strong>da</strong>do a ca<strong>da</strong> história e a ca<strong>da</strong> maneira de se<br />
interpreta.<br />
34
As respostas pesquisa<strong>da</strong>s dos <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> são forneci<strong>da</strong>s na<br />
individuali<strong>da</strong>de pela própria natureza que de alguma forma os gerou. De certa<br />
forma, tem como origem os animais, as plantas e o próprio ser humano que<br />
detém através do medo, inúmeras histórias relaciona<strong>da</strong>s aos seres<br />
sobrenaturais. Podemos até mesmo dizer que existe, e que os Entes<br />
Sobrenaturais desenvolveram muito uma atitude criadora no princípio (ELIADE,<br />
1996).<br />
Nos tempos Antes de Cristo, e ain<strong>da</strong> hoje, povos e seres huma<strong>nos</strong>,<br />
idolatram imagens e objetos inanimados como se fossem deuses, <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong><br />
às coisas abstratas, as qualificando abrangendo característica de força e poder.<br />
Quando decepcionados com a não satisfação de um desejo ou de um encanto,<br />
caem em desespero de consciência, refletindo sobre equívocos na sua vi<strong>da</strong>.<br />
Outros permanecem fieis aos seus deuses, mesmo sofrendo conseqüências<br />
malignas, ingenuamente personificam fenôme<strong>nos</strong> sobrenaturais, <strong>da</strong>ndo-os vi<strong>da</strong>,<br />
os transformando em <strong>mitos</strong>, que ao passar dos a<strong>nos</strong> tornam-se len<strong>da</strong>s.<br />
Os povos antigos que acreditavam em tudo que era obscuro e que<br />
pudessem trazer-lhes mal feitos ou assombros generalizados espalhavam que<br />
as pessoas tinham medo até mesmo de se olharem <strong>nos</strong> espelhos. Ain<strong>da</strong> hoje,<br />
quando o ser humano percebia quali<strong>da</strong>des e características humanas como<br />
pertencentes a objetos ou coisas inanima<strong>da</strong>s, essas quali<strong>da</strong>des e<br />
características não eram tão somente idéias arbitrárias, mas reflexão <strong>da</strong>s suas<br />
quali<strong>da</strong>des inconscientes. Encarava fenôme<strong>nos</strong> naturais, personificados, como<br />
<strong>nos</strong> <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, interpretava a natureza de acordo com sua representação<br />
<strong>da</strong> natureza. Compreender o mito não é acreditar no mito, é verificar o que ele<br />
quis dizer (MERLEAU-PONTY, 1996).<br />
Em <strong>mitos</strong> folclóricos pouco conhecidos de povos antigos encontram-se<br />
relíquias do pensar primitivo, estas, entretanto, não estão extintas, mas<br />
reaparecem hoje entre povos fervilhando no inconsciente, como forma de<br />
35
sonhos e fantasias amedrontadoras, muitos símbolos que se transformaram<br />
<strong>mitos</strong> fazendo parte do ser humano, quando comparados com as mais diversas<br />
espirituali<strong>da</strong>des que envolvem divin<strong>da</strong>des, como a religiosi<strong>da</strong>de significativa de<br />
uma socie<strong>da</strong>de que se busca sentido na captação <strong>da</strong>s mensagens dos <strong>mitos</strong> e<br />
len<strong>da</strong>s referen<strong>da</strong>ndo símbolos através dos tempos. O mito é formado com a<br />
representação do imaginário nem sempre social, onde as imagens mitifica<strong>da</strong>s<br />
passam de gerações arrastando-se <strong>nos</strong> tempos, causado pelo impacto <strong>da</strong><br />
simbologia forma<strong>da</strong> pelos <strong>nos</strong>sos inconscientes, passando de geração a<br />
geração (CAMPBELL, 1990).<br />
Ressaltamos a importância dos aspectos míticos dentro dos impactos<br />
causados pelas simbologias referentes a um determinado lugar ou coisa,<br />
sabedor se faz que o aspecto mítico possa exercer fortes influências nas várias<br />
categorias sócio culturais na vi<strong>da</strong> de comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas principalmente<br />
entre povos me<strong>nos</strong> aquinhoados e afastados <strong>da</strong> civilização.<br />
O termo mitologia remete ao imaginário alegórico, idéia em forma<br />
figura<strong>da</strong>, participando <strong>da</strong> construção de mundos, partindo <strong>da</strong> constatação de<br />
que o ser humano está indissociável em relação à natureza. A mitologia tenta<br />
explicar os cui<strong>da</strong>dos que se devem ter com os ambientes e através dos <strong>mitos</strong>,<br />
muitas <strong>da</strong>s vezes ignorados. Compreende-se que estes, não são milagrosos no<br />
sentido de solucionarem os problemas ambientais causados pelos seres<br />
huma<strong>nos</strong>, tentar-se ao contrário, é refletirmos sobre as relações que se<br />
estabelecem com os ambientes que <strong>nos</strong> propomos compartilhar.<br />
To<strong>da</strong> herança mítica, traz <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de, contribuições que contribuem<br />
para a sensibilização <strong>da</strong>s populações em relação e a necessi<strong>da</strong>de de se<br />
conhecer um pouco <strong>da</strong> história de seu surgimento e as preservarmos,<br />
conservando assim, através do medo ou até mesmo com forte probabili<strong>da</strong>de de<br />
recuperação de reservas florestais ou de matas isola<strong>da</strong>s, abrangendo os lagos,<br />
36
ios e animais, além de outros elementos <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa biodiversi<strong>da</strong>de (CINTRA &<br />
MUTIM, 2002).<br />
A len<strong>da</strong> é uma narrativa que contextualizaria o mito, situando-o, não é<br />
uma ficção, fábula ou romance, mas uma história que quando conta<strong>da</strong>, pode<br />
sofrer alterações na intencionali<strong>da</strong>de, onde é passível de forma de acordo com<br />
a relação que estabelece com o local e as relações existentes.<br />
Os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s são capazes de insinuar o que está visível<br />
aju<strong>da</strong>ndo a delinear a “alma” de um povo. Uma mesma versão pode apresentar<br />
diferentes possibili<strong>da</strong>des de interpretação de uma mesma reali<strong>da</strong>de e, ain<strong>da</strong><br />
assim, manter a essência <strong>da</strong> história perpetuando o mito. Isso contribui para a<br />
idéia de que o mito é vivo.<br />
Em determinados contextos ambientais as len<strong>da</strong>s foram altera<strong>da</strong>s no<br />
decorrer do tempo, deixando muitas vezes de existir, mas mesmos sendo<br />
fantasiosos, na<strong>da</strong> deve ser desqualificado, pois eles, muitas <strong>da</strong>s vezes,<br />
sinalizam a necessi<strong>da</strong>de de terem algum elo, que garanta o prosseguimento <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong>. Esses entes possuem diferentes papéis, eles podem <strong>nos</strong> proteger, <strong>nos</strong><br />
castigarem, <strong>nos</strong> assustarem, <strong>nos</strong> presentearem, ou até mesmo <strong>nos</strong> anunciarem<br />
e <strong>nos</strong> pedirem algo quando a eles <strong>da</strong>mos vi<strong>da</strong>. Porém, possuem sempre algo a<br />
<strong>nos</strong> passarem, são esses os <strong>mitos</strong> que possuem regras de comportamentos<br />
sentimentais, preserva-los e respeitá-los, faz parte <strong>da</strong>s culturas, que como a<br />
natureza precisam ser respeitados e preservados (CINTRA & MUTIM 2002).<br />
Assim sendo, conseguimos comparar e separar valores que no fundo<br />
somam e compartilham com a consoli<strong>da</strong>ção do mito com o imaginário, que ao<br />
ser evocado instintivamente, estimulam diálogos com os sentimentos <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de de maneira a de reduzirmos o isolado e sombrio e misterioso<br />
consciente que existem dentro de nós. Bombardeados somos todos os dias<br />
com poluições visuais e auditivas, influenciando-<strong>nos</strong> aos resgates de<br />
37
lembranças afáveis ou não, enchendo-<strong>nos</strong> de palavras marca<strong>da</strong>s, as<br />
apeli<strong>da</strong>ndo-as.<br />
Porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de<br />
nós mesmos, Rodeados de distância e lembranças, é botando<br />
enchimento nas palavras. É botando<br />
apelidos, contando lorotas. É enfim, através<br />
<strong>da</strong>s validias palavras, ir alongando <strong>nos</strong>sos limites.<br />
(Manoel de Barros)<br />
1.3 COMUNIDADE PANTANEIRA COM SEUS RITOS E MITOS<br />
Mesmo hoje, através do uso sustentável com tecnologias avança<strong>da</strong>s e<br />
em nome <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> se tem mentali<strong>da</strong>des, e metodologias<br />
retrógra<strong>da</strong>s em relação ao meio ambiente que sofre com os desmatamentos<br />
controlados (dito controlados) e ambiciosos, que vem sendo, ao longo dos<br />
a<strong>nos</strong>, explorados de forma egoísta e errônea como são mostrados e<br />
bombardeados pela mídia a todo instante, sem que as autori<strong>da</strong>des<br />
competentes, que também tiram proveito, tomem as devi<strong>da</strong>s providências<br />
cabíveis para frear e interromper a morte do <strong>nos</strong>so ecossistema. Com isso os<br />
grandes contingentes <strong>da</strong> natureza encontram-se em falência de vi<strong>da</strong> por serem<br />
conseqüentemente explorados com intensa e descontrola<strong>da</strong> rapidez.<br />
Por isto, sentimos, diante <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de ribeirinha do Pantanal Mato-<br />
grossense a necessi<strong>da</strong>de de trabalharmos no contexto <strong>da</strong> parceria, para que<br />
pudéssemos ter perspectivas positivas no intuito de contribuirmos de forma<br />
responsável, e mantermos a todo custo a sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> formação<br />
planeja<strong>da</strong> dos ci<strong>da</strong>dãos pantaneiros e ribeirinhos, para que pudéssemos suprir<br />
de maneira cultural que seria o forte desejo globalizado <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des,<br />
contribuindo assim com equivalência, senão a extinção <strong>da</strong>s diferenças<br />
determinantes que envolvem as degra<strong>da</strong>ções do meio ambiente.<br />
38
Iniciamos <strong>nos</strong>sas pesquisas com caminha<strong>da</strong>s entre as comuni<strong>da</strong>des,<br />
buscando e conhecendo suas culturas e modos de vi<strong>da</strong>. Enaltecidos e<br />
glorificados com as descobertas que <strong>nos</strong> deixaram cientes <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des de<br />
serem compreendidos mostraram-<strong>nos</strong> através de seus olhos em súplicas, que<br />
enxerga a reali<strong>da</strong>de ao ufanar-se com a multiplici<strong>da</strong>de de formas ao mostrar-<br />
lhes semelhanças de se enxergar ao verem o mundo comparativo com outros<br />
mundos fora do seu ambiente natural, ou até mesmo levando a eles os outros<br />
mundos de interesses <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des que visam o seu próprio bem estarem<br />
e não a manterem a diferenciação de um povo entre culturas.<br />
Um mesmo espaço no Pantanal, por exemplo, pode ser percebido e<br />
utilizado de maneira diferencia<strong>da</strong>. Da mesma maneira o tempo é vivenciado de<br />
maneiras particulares por diferentes culturas; um pescador do pantanal observa<br />
o rio, o movimento <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, a fase <strong>da</strong> lua, as estações, eles entendem o seu<br />
lugar. Alguém que vive no campo sabe observar os sinais provenientes <strong>da</strong><br />
natureza, do comportamento dos animais, do céu, <strong>da</strong>s estrelas, <strong>da</strong> lua, enfim<br />
desenvolver um conhecimento extremamente refinado de seu meio para que<br />
possa planejar melhor suas ativi<strong>da</strong>des e tirar o maior proveito possível de suas<br />
ativi<strong>da</strong>des.<br />
39<br />
O que aprendem <strong>da</strong> natureza é necessariamente<br />
inferido para o mundo do conhecimento. Enquanto<br />
coletivi<strong>da</strong>de, eles são parte integrante viva e<br />
dinâmica <strong>da</strong> natureza que os recorta e define<br />
como parte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de circun<strong>da</strong>ntes. Seu corpo<br />
carrega simbolicamente os desejos, as<br />
necessi<strong>da</strong>des e o movimento geral que cerca o<br />
mundo que os apreende (SATO & PASSOS 2002,<br />
p. 25).<br />
Percebemos através de pesquisas por nós engendra<strong>da</strong>s que ca<strong>da</strong> vez<br />
mais os imaginários governam de maneira sustentável as <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s no<br />
cotidiano, organizando com planejamentos vitais para se viver política e<br />
socialmente em comuni<strong>da</strong>des. Comparamos os relatos supostamente
imaginários e míticos de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de por nós visita<strong>da</strong>s. Chegamos à<br />
conclusão de que o imaginário se desenvolve com mais pertinência nas<br />
comuni<strong>da</strong>des me<strong>nos</strong> desenvolvi<strong>da</strong>s, onde seus mundos parecem<br />
profun<strong>da</strong>mente imersos nas divergentes extensões que separam uma<br />
comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> outra dentro do pantanal.<br />
Como exemplos comparativos, temos a população de São Pedro <strong>da</strong><br />
Joselândia, onde em parte concentramos <strong>nos</strong>sos estudos, e onde existem duas<br />
estações de transição, onde a seca e a cheia são entremea<strong>da</strong>s por - a vazante<br />
que leva à seca e a enchente que leva às cheias transbor<strong>da</strong>ntes. São<br />
considera<strong>da</strong>s estações com níti<strong>da</strong>s diferenciações <strong>da</strong>s passagens do ciclo do<br />
tempo.<br />
Nas cheias, as comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong> ficam com seus povos<br />
aprisionados e encurralados, impossibilitados de se movimentarem livremente<br />
pelas trilhas e estra<strong>da</strong>s por causa <strong>da</strong> elevação <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. Perdendo com isso,<br />
o contato via terrestre com Cuiabá. Só sendo possível através de embarcações,<br />
tornando ain<strong>da</strong> mais distantes e isola<strong>da</strong>s as comuni<strong>da</strong>des. Os recados quando<br />
necessários se fazem para serem <strong>da</strong>dos a parentes que moram em Cuiabá, são<br />
utilizados rádios, no intuito de passarem os devidos recados. Por serem muitas<br />
<strong>da</strong>s vezes, comuni<strong>da</strong>des pequenas onde todos se conhecem e sempre existe<br />
um membro atento aos recados ouvidos através de seu radinho de pilha,<br />
existente em boa parte <strong>da</strong>s casas <strong>nos</strong> longínquos alagados do pantanal.<br />
O transir <strong>da</strong> cultura local, repassa<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s <strong>da</strong>nças como as do<br />
Siriri e a do Cururu, permanece através dos tempos, evidentes e marcantes,<br />
nas reuniões por ocasião <strong>da</strong>s festas de Santos, aniversários, casamento ou<br />
eventos culturais, onde os contos de “causos” se intensificam em peque<strong>nos</strong><br />
grupos, onde ferrenhas disputas proverbiais fazem-se o imaginário fluir<br />
livremente sem receios de represálias, pelo contrário, o sorriso faz parte <strong>da</strong><br />
festança. As junções de espirituali<strong>da</strong>des opostas fazem com que transcrevam<br />
40
decisões concebi<strong>da</strong>s em reuniões antes jamais imagina<strong>da</strong>s que pudessem<br />
acontecer na certeza manifesta, devido as divergência de idealismos inerentes<br />
a ca<strong>da</strong> culto.<br />
Nas paisagens <strong>da</strong> natureza, a presença do ser humano tem peso, tanto<br />
quanto as constantes mu<strong>da</strong>nças climáticas, sendo de relevante consideração a<br />
escassez de <strong>águas</strong>, que mortificam drasticamente a <strong>nos</strong>sa biosfera. O clima<br />
não está só, como causador <strong>da</strong> desertificação de áreas de <strong>nos</strong>sas terras, mas<br />
também culpamos os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s, que impõem culturas de povos<br />
extrativistas e que não contemplam a reposição na mesma proporção, achando<br />
que não fará falta uma árvore tomba<strong>da</strong>, mas se esquecem que milhões de vi<strong>da</strong>s<br />
dela dependem não só para seus próprios sustentos como de um povo. Com<br />
isso, os ciclos ecológicos sofrem também, restringindo ao quebrar as cadeias<br />
de renovações necessárias e fun<strong>da</strong>mentais para o crescimento <strong>da</strong> fauna e <strong>da</strong><br />
flora.<br />
A paisagem passa por modificações sucessivas que estão condiciona<strong>da</strong>s<br />
a presença ou ausência <strong>da</strong> água <strong>da</strong>s enchentes; os espaços passam por<br />
importantes modificações condiciona<strong>da</strong>s aos ciclos ecológicos, tais como a<br />
oferta e disponibili<strong>da</strong>de de recursos e /ou sua utilização, presença de animais<br />
migratórios e de pastagens. Assim, a paisagem em São Pedro é<br />
incessantemente modificável, nunca é a mesma; onde hoje é um caminho,<br />
amanhã pode não ser, o aspecto <strong>da</strong> vegetação obedece a este ritmo <strong>da</strong><br />
temporali<strong>da</strong>de e do cíclico, ou seja, é como se tudo parecesse como um círculo.<br />
Os cururueiros exaltam a grandeza <strong>da</strong> festa aderindo ao miticismo<br />
folclórico pertinente ao santo festivo ou protetor, que geralmente é obrigatório<br />
em certos cultos o levantamento do mastro com uma bandeira ilustrando o<br />
santo festivo <strong>da</strong> época. Dando exaltação sentimental aos cururus, os siriris e a<br />
diversi<strong>da</strong>de de comi<strong>da</strong>s típicas. O ponto alto <strong>da</strong> festa é o momento em que os<br />
devotos prestam suas homenagens ao santo, cantando e <strong>da</strong>nçando. Num <strong>da</strong>do<br />
41
momento, quando estão <strong>da</strong>nçando em ro<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s mulheres dirige-se ao<br />
centro e saracoteia em <strong>da</strong>nças e requebrados, segurando com louvores e<br />
glórias a imagem do santo festivo sobre a cabeça.<br />
Os cururueiros manifestam-se em constantes duelos musicais que o<br />
fazem tocam ao lado ou à frente do altar, que é considera<strong>da</strong> como a presença<br />
viva desse santo "violeiro", cuja imagem é representa<strong>da</strong>, em Mato Grosso,<br />
carregando uma viola de cocho. Como não poderíamos deixar de citar, a festa<br />
gira varando a madruga<strong>da</strong> ao som do Cururu que, tem como tema central, o<br />
santo "cururueiros", vinculados a ele os seus milagres.<br />
Os santos cururueiros têm também a função indireta de reunir pessoas e<br />
o de incentivar os reencontros entre parentes, que distantes uns dos outros,<br />
muitas <strong>da</strong>s vezes só se vêem de ano em ano, como sendo também uma forma<br />
de trocarem olhares ao procurarem um sonho de união, de descontração em<br />
<strong>da</strong>nças envolventes e a renovação de valores e significados dos grupos.<br />
As festas locais considera<strong>da</strong>s tradicionais sofrem fatores de identi<strong>da</strong>de e<br />
expressões constitucionais coletiva. A religiosi<strong>da</strong>de entre pessoas, está<br />
diretamente proporcional liga<strong>da</strong> a satisfações pessoas que pedem proteção ao<br />
santo de sua devoção. O pantanal, com a sua furtivi<strong>da</strong>de mística, <strong>nos</strong> mostrou<br />
sua espirituali<strong>da</strong>de onde agrega uma gama de fantasias sem limites de<br />
extensão e compreensão para os pantaneiros e <strong>pantaneiras</strong>. Deram-<strong>nos</strong> a<br />
entender que a crença e a espirituali<strong>da</strong>de, dão-<strong>nos</strong> sugestões complexas de<br />
podermos compreender alguns fenôme<strong>nos</strong> sobrenaturais e não corriqueiros que<br />
acontecem com as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas dentro do Pantanal. Considerando<br />
os intrínsecos elos, que fazem as ligações entre o místico e o mítico,<br />
alavancados pela percepção de um povo. A diferença entre mítico e místico é o<br />
próprio mito que não tem e nunca teve vi<strong>da</strong> real, enquanto místico relaciona-se<br />
a divin<strong>da</strong>de de coisas espirituais idolatra<strong>da</strong>s religiosamente.<br />
42
Quando se devasta uma área pantaneira os moradores dela dizem que<br />
estão invadindo a mora<strong>da</strong> do “encantado”. Ele habita um lugar de divin<strong>da</strong>de e<br />
de espirituali<strong>da</strong>de. O pantanal é amplo, cheio de surpresa. Sua longa extensão<br />
de terras, com moradias distantes, proporciona certo distanciamento entre as<br />
pessoas, porém nas festas religiosas, casamento, competições esportivas,<br />
música, <strong>da</strong>nça e as comilanças, torna-se pequena à distância <strong>da</strong>s pessoas <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des do entorno, elas vão participar por vários dias, com muita carne e<br />
bebi<strong>da</strong>, cantando e <strong>da</strong>nçando o Cururu e o Siriri.<br />
A espirituali<strong>da</strong>de do homem/mulher e a espirituali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza são<br />
gêmeas e mantém uma uni<strong>da</strong>de no Pantanal. Eles formam o tripé <strong>da</strong> existência<br />
do próprio Pantanal. Tudo está ligado à natureza e à razão de ser <strong>da</strong> mesma<br />
natureza. Os fenôme<strong>nos</strong> naturais do Pantanal transformam-se nas linguagens<br />
do mistério, e por esse olhar vemos algo a mais, algo que não víamos com um<br />
simples olhar, os fenôme<strong>nos</strong> são as leis que orientam os que vivem neste<br />
mundo.<br />
As pessoas devem se preocupar mais com o pantanal, com os rios e as<br />
matas do <strong>nos</strong>so Pantanal. O homem pantaneiro e a mulher pantaneira como<br />
conhecem a natureza e o meio ambiente obedecem ao ritmo de vi<strong>da</strong>, sabe que<br />
uma atitude impensa<strong>da</strong> pode levar o extermínio do viver e <strong>da</strong> beleza natural,<br />
patrimônio inerente a este espaço natural em que vivem.<br />
43
ATO - II- ESPERANÇA<br />
O rio não precisa ser<br />
<strong>nos</strong>so; a água não<br />
precisa ser <strong>nos</strong>sa. A<br />
água anônima<br />
conhece todos os<br />
segredos. E a mesma<br />
lembrança jorra de<br />
ca<strong>da</strong> fonte. GASTON<br />
BACHELARD<br />
Imagem 11: Tuiuiu<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: Riozinho - RPPN<br />
Data: 07/ 2005<br />
44
2. META<br />
A meta <strong>da</strong> pesquisa foi compreender as len<strong>da</strong>s e os <strong>mitos</strong> pantaneiros do<br />
entorno <strong>da</strong> RPPN, mostrando a relação desses seres com a EA, e a real<br />
necessi<strong>da</strong>de de preservarmos, conservando as matas, os lagos, os rios, os<br />
animais e o próprio ser humano, desta forma, também, estaríamos resgatando<br />
memórias culturais dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des visita<strong>da</strong>s.<br />
Estabelecemos paralelos entre as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> com os devidos<br />
cui<strong>da</strong>dos para que não desvirtuássemos a procedência <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> len<strong>da</strong> ou<br />
mito e com os seres em geral, respeitando os limites do uso do <strong>nos</strong>so<br />
patrimônio ambiental, que muitas <strong>da</strong>s vezes em <strong>nos</strong>sas caminha<strong>da</strong>s,<br />
constatamos explorações estarrecedoras e fora de controle. Vinculados a EA,<br />
tem-se a consciência vital <strong>da</strong> importância comparativa através <strong>da</strong>s pesquisas<br />
narrativas obti<strong>da</strong>s junto aos ribeirinhos, como sendo o instrumento vital <strong>da</strong><br />
possibili<strong>da</strong>de de se manter discussões ininterruptas <strong>da</strong>s partes em prol de um<br />
todo. Porém, constatamos que as populações ribeirinhas podem apresentar<br />
conhecimentos diferenciados e refinados dependendo do ambiente em que<br />
vivem e <strong>da</strong> maneira em que são estimulados culturalmente.<br />
Os motivos que <strong>nos</strong> levaram a pesquisarmos as len<strong>da</strong>s, os mito e<br />
paralelamente a EA, foi o de mostrarmos que caminha visando o mesmo<br />
objetivo, o de formarem e perpetuarem fenôme<strong>nos</strong> que manifestem os espí<strong>ritos</strong>.<br />
Necessário se faz deixarmos os espí<strong>ritos</strong> se manifestarem, para que possam<br />
fluir idéias e conceitos que estão dentro de ca<strong>da</strong> um, por isso é necessário ter-<br />
se um contador, que transcen<strong>da</strong> os relatos a sua maneira, resgatando os<br />
folclores através de seus conhecimentos e que compartilhem nas ro<strong>da</strong>s de<br />
conversas <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong> ao seu imaginário, fortalecendo fantasias que ao serem<br />
resgata<strong>da</strong>s trazem o medo. Assim sendo, prenderá a atenção de todos.<br />
45
Em to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, existe e sempre existirão, pessoas que se destacam<br />
e cativam outras através de um bom papo e carisma, fazendo-se se sentir<br />
admira<strong>da</strong>, principalmente quando acoberta<strong>da</strong> de conhecimentos amplos que as<br />
possibilitem deliberarem com rapidez de raciocínio as resoluções suscitas de<br />
interesses mútuos, e também os alheio circunstanciais concernentes a um<br />
indivíduo ou a própria comuni<strong>da</strong>de. “E possibili<strong>da</strong>des de pensar e resolver<br />
situações e de momentos <strong>nos</strong> quais possam alcançar a plenitude ao envolver o<br />
bem-estar coletivo como parte de si mesmas” (CINTRA & MUTIM, 2002, p. 18).<br />
Em <strong>nos</strong>sas pesquisas, quando em descanso, sentávamos às margens do<br />
rio, sob frondosa sombra provoca<strong>da</strong> pela copa de espessas árvores. Em<br />
silêncio, imposto por nós mesmo sem esboçarmos uma única palavra, para que<br />
pudéssemos contemplar a sabedoria <strong>da</strong> natureza e tentar entendê-la,<br />
decifrando momentos por momento de sua mutação, provoca<strong>da</strong> pelas<br />
intempéries climáticas e o soprar dos ventos entrementes. Sublime se faz<br />
embevecido de encantos entre uivos ao forçar passagens entre galhos e folhas.<br />
De repente, robusto e valente se fez impor respeito, desfolhando árvores<br />
com voraz tenaci<strong>da</strong>de jamais vista por nós. Pós calmaria, por meio dos<br />
sentidos, aperfeiçoamos ain<strong>da</strong> mais <strong>nos</strong>sos conhecimentos, chegando à<br />
seguinte consideração: infinitos foram os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, que através dos<br />
ventos surgiram. Nós, os pesquisadores, protegidos entre árvores, notamos que<br />
folhas mais espessas passavam raspando em nós, e muitas <strong>da</strong>s vezes se<br />
chocavam nas árvores que delas fizemos <strong>nos</strong>sos escudos, fazendo barulhos<br />
amedrontadores, com isso, <strong>nos</strong>sos sentimentos atemorizados deixavam fluir<br />
com certas facili<strong>da</strong>des a adrenalina do pavor. Chegamos até mesmo quase que<br />
por unanimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>rmos corpo e alma a uma folha mais afoita que adentrou<br />
pelo mato em veloci<strong>da</strong>de descomunal, batendo em um galho, dividiu-se caindo<br />
em mergulho no mato desaparecendo.<br />
46
Ao retratarmos como se fosse algo enviado pelo além. Daí, as <strong>nos</strong>sas<br />
suspeitas de que como nós, talvez outras pessoas, também tenham enfrentado<br />
situações semelhantes e que o medo pelo e do desconhecido tenha tomado<br />
outras conotações, que interpreta<strong>da</strong>s viraram <strong>mitos</strong>, acrescidos de símbolos,<br />
personagens ou qualquer outra coisa que a eles foram-lhes <strong>da</strong>ndo os devidos<br />
nomes, acrescidos de histórias fantasiosas, sendo eles, fonte inesgotável de<br />
sabedoria. Para essa sabedoria contamos com a colaboração de contadores,<br />
moradores do Pantanal.<br />
O contador, por sua vez, compartilha nas suas ro<strong>da</strong>s de conversa, tendo<br />
como pano de fundo sua sabedoria, <strong>nos</strong> seduz com as palavras, gestos e com<br />
as expressões visíveis em sua face. Descreve a mesma passagem inúmeras<br />
vezes, fundindo lembranças de outrem, trocando palavras, adicionando<br />
personagens. Pelos caminhos trilhados, os contadores de pulhas talvez<br />
soubessem que não haveria a possibili<strong>da</strong>de de buscas interpretações<br />
universais. Como subterfúgios reflexivos e exagerados <strong>da</strong>s histórias narra<strong>da</strong>s<br />
com as emoções dos contadores acresci<strong>da</strong> de vestimentas maltrapilhas em<br />
frangalhos, como se tivessem sido atacados por um ser fantasioso ou vestidos<br />
à mo<strong>da</strong> de uma época festiva, onde em ro<strong>da</strong>s de Cururu, a imaginação corria<br />
solta no mundo místico, vagando na crença <strong>da</strong> existência do ocultismo.<br />
47
No Pantanal ninguém pode passar a régua. Sobretudo<br />
quando chove. A régua é existidura de limites e o<br />
Pantanal não tem limites ( Manoel de Barros)<br />
2.1 ESPAÇO PANTANEIRO<br />
Como introdução a este tópico, na<strong>da</strong> melhor do que citarmos Manoel de<br />
Barros, poeta mato-grossense, que muito se preocupa com o pantanal, deixou<br />
isto bem claro nas suas poesias. As preocupações com o pantanal são temas<br />
constantes de poesias, dissertações, teses. Temos no Pantanal além dos<br />
ribeirinhos e pantaneiros mais de 10 etnias indígenas. Resguar<strong>da</strong>mos-<strong>nos</strong> em<br />
falarmos do povo indígena localizado no Pantanal, assunto que trataremos<br />
oportunamente.<br />
Tantos os índios como os ribeirinhos, não só enfrentam problemas com<br />
as intempéries climáticas, como também com a alavanca<strong>da</strong> pesca pre<strong>da</strong>tória,<br />
em todo o Pantanal Mato-grossense, como também com o turismo<br />
desordenado. O que mais afeta todo o sistema pantaneiro são a discriminação<br />
e o descaso do poder público. Nos corixos, considerados os berços <strong>da</strong><br />
renovação <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, estão sofrendo com a pesca pre<strong>da</strong>tória, pois são<br />
nessas materni<strong>da</strong>des que os pescadores pre<strong>da</strong>dores estão invadindo, sem um<br />
mínimo de respeito.<br />
Já os pantaneiros, conhecedores <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> renovação de vi<strong>da</strong>s,<br />
acostumados com os ciclos <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, respeitam piamente o espaço onde<br />
vivem, conhecedores inclusive dos intricados caminhos que as <strong>águas</strong> delineiam<br />
na época <strong>da</strong>s cheias. As curvas dos rios desaparecem embaixo de um mar de<br />
<strong>águas</strong>, peixes circulam livremente pelos pânta<strong>nos</strong> formados, na vazante, muitos<br />
ficam presos em pequenas poças d´água, onde a fábula diz: esses são os<br />
“peixes que caíram do céu”. Len<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> região, pois não são<br />
poucos os ribeirinhos que deles se alimentam, mas também baseado no mítico<br />
por medo de comerem os preparam para <strong>da</strong>rem de comer aos seus cachorros,<br />
48
pois acreditam segundo a len<strong>da</strong>, que os arco-íris após as cheias, devolvem os<br />
peixes, que sugaram dos rios nas épocas de seca, os depositando <strong>nos</strong> lagos<br />
para morrerem a mingua, quando <strong>da</strong> vazante <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>.<br />
As populações ribeirinhas são forma<strong>da</strong>s por uma mescla de índios,<br />
brancos, negros, bugres e mamelucos, <strong>da</strong>í surgiram, contradições de<br />
tempestuosi<strong>da</strong>de e meiguice entre pessoas nas comuni<strong>da</strong>des pantaneira. Desta<br />
forma, com as constantes transições de culturas entre diferentes pessoas e de<br />
i<strong>da</strong>des, tendem provocar a disseminação de culturas folclóricas tradicionais.<br />
Podemos observar os traços dos pantaneiros através do seu modo de vi<strong>da</strong>.<br />
Normalmente gostam de tomarem banhos <strong>nos</strong> rios, dormirem nas redes,<br />
an<strong>da</strong>rem sobre montarias, tanto a cavalos, como sobre búfalos, mas também<br />
não dispensam as canoas, mantendo o lamentável hábito <strong>da</strong>s queima<strong>da</strong>s.<br />
Quando <strong>nos</strong> referimos aos pantaneiros, vemos pessoas que valorizam<br />
suas liber<strong>da</strong>des e seus hábitos, falam com cadência, normalmente são<br />
hospitaleiros, conhecem os remédios <strong>da</strong> flora medicinal, gostam de uma boa<br />
prosa, de contar e ouvir “causos” de assombração, <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s her<strong>da</strong><strong>da</strong>s ou de<br />
fatos do dia-a-dia. Talvez isso ocorra influenciado pelo lugar e provavelmente<br />
pelo pequeno isolamento ou talvez por ser um lugar encantado, que faz fluir as<br />
inspirações.<br />
A baixa declivi<strong>da</strong>de faz com que o pantanal se comporte como uma<br />
esponja, retendo a água que chega pelos rios <strong>da</strong> Bacia do Alto Paraguai,<br />
liberando-a lentamente para a parte sul. A bacia está localiza<strong>da</strong> no centro <strong>da</strong><br />
América do Sul, tem uma área de cerca de 360 mil quilômetros quadrados.<br />
O clima é quente e úmido no verão, considera<strong>da</strong> baixa para a região.<br />
Ninguém deve ficar espantado se encontrar uma lareira nas casas <strong>pantaneiras</strong><br />
porque podem ocorrer gea<strong>da</strong>s. De junho a outubro é a época de seca e o<br />
49
período <strong>da</strong>s cheias vai de novembro a maio. As chuvas se concentram <strong>nos</strong><br />
meses de dezembro e janeiro.<br />
A penúria do Pantanal está liga<strong>da</strong> diretamente com a política não<br />
ambiental de preservação, onde a mítica reali<strong>da</strong>de faz histórias. As políticas<br />
públicas de sustentação an<strong>da</strong>m paralelamente de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com a EA nas<br />
formações de consciências e de participações em comitês que tratam dos<br />
estudos <strong>da</strong>s bacias hidrográficas. Como também, no aproveitamento <strong>da</strong><br />
produção intelectual e de materiais educativos para o desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />
pesquisas visando alternativas renova<strong>da</strong>s de metodologias <strong>da</strong> pesquisas<br />
científicas direciona<strong>da</strong>s para linguagens compreensíveis visando a capaci<strong>da</strong>de<br />
pe<strong>da</strong>gógica como um elo de defesas <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de.<br />
A baixa declivi<strong>da</strong>de do terreno provoca as cheias. E no ciclo <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />
rege a vi<strong>da</strong> do pantaneiro: em época de cheia, os peões são obrigados a<br />
levarem o gado para as terras mais altas. É mais fácil ver as aves, pois se<br />
alojam na copa <strong>da</strong>s árvores, enquanto os mamíferos, por exemplo, se<br />
escondem <strong>nos</strong> capões e cordilheiras - trechos de vegetação mais altos -<br />
esperando as <strong>águas</strong> baixarem. Mas ninguém consegue dizer o que é mais<br />
bonito: o Pantanal coberto de água ou quando está seco.<br />
50<br />
Basicamente, distinguem-se no Pantanal três<br />
zonas: uma permanentemente alaga<strong>da</strong>, chama<strong>da</strong><br />
aquática; outra alagável temporariamente,<br />
denomina<strong>da</strong> hidrófila; e a mesófila, sempre a salvo<br />
<strong>da</strong>s inun<strong>da</strong>ções. Observe-se que essas divisões e<br />
terminologia estão em correspondência, e se<br />
definem, a partir <strong>da</strong>s relações do espaço com a<br />
água (LEITE, 2003, p. 37).<br />
Ao lado <strong>da</strong> pesca, ain<strong>da</strong> hoje a pecuária extensiva de corte representa a<br />
mais importante ativi<strong>da</strong>de regional - com mais de dez milhões de cabeças - e<br />
tem se mostrado compatível com a preservação/conservação do Pantanal. O
sistema de criação de livre pastoreio em pastagens nativas, sem nenhuma<br />
seleção, forjou um tipo de gado a<strong>da</strong>ptado às condições adversas <strong>da</strong> região.<br />
Nos últimos 50 a<strong>nos</strong> deu-se a explosão de ven<strong>da</strong>s de terras, passando a<br />
serem ocupa<strong>da</strong>s por sulistas, mineiros, cariocas, paulistas, que insaciáveis e<br />
sem nenhuma ou quase pouco formação agropecuária compraram fazen<strong>da</strong>s e<br />
suas terras foram subdividi<strong>da</strong>s, modificando as técnicas de manejo de livre<br />
pastoreio, passando para o confinamento. Com isto, ocorreram fortes<br />
mu<strong>da</strong>nças <strong>nos</strong> hábitos e principalmente <strong>nos</strong> valores.<br />
Algumas comuni<strong>da</strong>des do extenso Pantanal as conversas, os Cururus e<br />
as ro<strong>da</strong> de fogueira não estão ocorrendo com a mesma assidui<strong>da</strong>de como<br />
<strong>da</strong>ntes, legitimando a culpabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> modernização e a forças impostas pelos<br />
aparelhos de televisões que hoje tem volumes expressivos. Como em to<strong>da</strong><br />
regra existem exceções, algumas comuni<strong>da</strong>des por falta de energia elétrica<br />
presenciar pessoas se reunindo para contar causos de assombração,<br />
independente de faixa etária, onde podemos observar idosos e jovens nessa<br />
ro<strong>da</strong> de causos (imagem 12)<br />
.<br />
51
Imagem12: saboreando os causos<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: Escola São Pedro Joselândia<br />
Data; 07/2004<br />
Através de <strong>nos</strong>sas pesquisas, entre outros fatos, presenciamos<br />
alterações comportamentais dos peões pantaneiros, que estão sentindo na<br />
própria pele, as novas normas com distribuição de funções, adequa<strong>da</strong>s às<br />
novas técnicas impostas pelos grandes latifundiários dentro do conglomerado<br />
pantaneiro. Proprietários estes, que estão enfrentando a falta de mão de obra<br />
especializa<strong>da</strong>, e ao tentarem impor suas técnicas estão propiciando e<br />
incentivando o êxodo rural dos pantaneiros que praticamente de gerações em<br />
gerações, ali criaram suas famílias. Poucas ou quase nenhuma, são as<br />
comitivas contrata<strong>da</strong>s que continuam tirando o gado <strong>da</strong>s áreas alaga<strong>da</strong>s e as<br />
levando para as áreas mais altas do pantanal. Com o passar dos tempos, foram<br />
substituí<strong>da</strong>s por comboios de caminhões, restringindo o espaço de tempo gasto<br />
em mais de três quartos, reduzindo a mortali<strong>da</strong>de e o desgaste dos animais e<br />
dos próprios boiadeiros.<br />
Na déca<strong>da</strong> de 1970, fazendeiros paulistas compraram terras no<br />
Pantanal, desconhecendo os ciclos <strong>da</strong> chuva e <strong>da</strong> seca, ou seja, seis meses de<br />
52
chuva e seis meses de seca, trouxeram de São Paulo uma loco móvel (imagem<br />
13), uma locomotiva movi<strong>da</strong> à lenha para puxar a água do rio São Lourenço e<br />
irrigar o pantanal. Tamanho despreparo e desconhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
climática e do próprio solo fizeram tamanho descalabro com a própria natureza,<br />
devastando matas, fazendo lenhas, para sustentarem a famigera<strong>da</strong> locomotiva<br />
que trabalhava dias e dias ininterruptos para “irrigar o Pantanal”. Após 35 a<strong>nos</strong>,<br />
essa geringonça encontra-se no mesmo lugar, encoberta por matos e sujeiras.<br />
Virando um ver<strong>da</strong>deiro mausoléu, contribuindo com a poluição do Pantanal. Isto<br />
é a prova de que pessoas gananciosas e sem o mínimo de conhecimento<br />
geológico e histórico a respeito <strong>da</strong> região. Fazendo do Pantanal seus<br />
laboratórios particulares de desastres ecológicos, atingindo no alvo o<br />
ecossistema em contraparti<strong>da</strong> a todos nós.<br />
Imagem 13: Loco móvel<br />
Fonte: João Carlos Gomes<br />
Local: RPPN – Rio São Lourenço<br />
Data: 07/2004<br />
53
As <strong>águas</strong> risonhas,os riachos irônicos,<br />
as cascatas ruidosamente alegres encontram-se nas mais<br />
varia<strong>da</strong>s paisagens literárias. Esses risos, esses chilreios<br />
são, ao que parece, a linguagem pueril <strong>da</strong> Natureza. No<br />
riacho quem fala é a natureza criança<br />
GASTON BACHELARD<br />
2.2 A ÁGUA<br />
Ao submergirmos nas <strong>águas</strong> do Pantanal, muito temos que aprender<br />
com os <strong>mitos</strong> e <strong>ritos</strong> para que possamos interpretá-los, caso a caso de seu<br />
surgimento. A água é de fun<strong>da</strong>mental importância, presente e em to<strong>da</strong>s as<br />
vi<strong>da</strong>s existentes na face <strong>da</strong> terra, mas que muitas <strong>da</strong>s vezes passa-<strong>nos</strong><br />
despercebidos a sua importância.<br />
São temas para diferentes teses, dissertações e tantos outros estudos<br />
que surgem com o intuito de <strong>nos</strong> alertarem sobre o futuro deste líquido, que é<br />
de responsabili<strong>da</strong>de de todos nós.<br />
A ausência de tão precioso líquido <strong>nos</strong> assombra tanto quanto os<br />
caminhos dos <strong>mitos</strong> e os <strong>da</strong>s ciências, que tendem para um ponto comum. “O<br />
mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos” (CASSINER,<br />
1992). A água está no princípio de to<strong>da</strong>s as coisas, ao <strong>da</strong>rmos uma olha<strong>da</strong> para<br />
trás veremos que ela existe desde que o mundo é mundo, esculpindo, saciando<br />
e inspirando. A água <strong>nos</strong> envolve a todos: répteis, aves e mamíferos, ela é<br />
versátil, serve para tantas e com diversifica<strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des.<br />
O fun<strong>da</strong>mento desta proposta se centrou na idéia de que a participação<br />
<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des é um elemento chave para o êxito dos programas de comitês<br />
de Bacias hidrográficas, por isso, a mobilização de diversos grupos e a<br />
possibili<strong>da</strong>de de que tenham acessos às informações sobre o tema,<br />
constituindo-se em um fator importante para as promoções de ações concretas<br />
54
nestes campos. Assim sendo, fica consagrado o dia 22 de março, como sendo<br />
o dia Mundial <strong>da</strong> água, durante a conferência <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s sobre Meio<br />
Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) promovido no Rio de Janeiro.<br />
O Pantanal, pela sua beleza impar, está sendo invadido também pelos<br />
turistas e pescadores, de final de semana, pre<strong>da</strong>dores, pois quem tira férias<br />
quer um lugar que tenha água, sejam em forma de rios, lagos, baias,<br />
cachoeiras, praias e afins, mas infelizmente muitos visitantes não se preocupam<br />
com o lugar que a eles não pertencem. Quando de retorno para seus lares,<br />
abandonam nas matas e rios tonela<strong>da</strong>s de lixos, dessa forma resulta em<br />
degra<strong>da</strong>ções e poluições, ca<strong>da</strong> vez mais constantes <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e matas,<br />
destruindo também as espécies que fazem parte dos ecossistemas que<br />
dependem também <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. A repetição periódica <strong>da</strong> poluição <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />
exterminam espécies fun<strong>da</strong>mentais de seres vivos que proporcionam o<br />
equilíbrio ambiental. Portanto, para termos a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e seu<br />
potencial é importante que haja uma sensibilização e <strong>educação</strong> ambiental, e<br />
nesse trabalho propomos que por meio dos <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />
possamos atingir o maior número de pessoas e sensibiliza-las com as<br />
preocupações que <strong>nos</strong> afligem a falta d’ água, que poderá vir a ser o principal<br />
motivo de disputas sangrentas entre nações.<br />
Inúmeros fatores contribuíram para que as <strong>nos</strong>sas preocupações com as<br />
<strong>águas</strong>, pudessem <strong>nos</strong> trazer tantos desconfortos, principalmente com o<br />
crescimento populacional desordenado que desestrutura qualquer planejamento<br />
sócio ambiental e de impacto na natureza, discernindo ca<strong>da</strong> vez mais<br />
assustadores as famigera<strong>da</strong>s poluições por falta de saneamentos básicos, os<br />
desmatamentos, as construções de hidrelétricas mesmo com estudos de<br />
impactos ambientais não são precisos e capazes a mu<strong>da</strong>rem os cursos<br />
originais dos rios. Junto com os desperdícios, geram fatores de estudos<br />
específicos e qualificados, o que não é a <strong>nos</strong>sa meta de estudos dentro <strong>da</strong>quilo<br />
que planejamos, mas sim, <strong>da</strong>ndo ênfase.<br />
55
Sabemos que o Brasil, num futuro não muito distante, será alvo de<br />
cobiça por termos em sua extensão enormes mananciais de estoques de<br />
<strong>águas</strong>, como a Amazônia, considera<strong>da</strong>s a maior bacia hidrográfica do mundo e<br />
no Pantanal, temos uma <strong>da</strong>s maiores áreas úmi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> face <strong>da</strong> terra, onde seu<br />
ecossistema vem sofrendo com a expansão <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> soja, que avançou<br />
rapi<strong>da</strong>mente, tomando espaço <strong>da</strong> pecuária extensiva, tradicional <strong>da</strong> região e<br />
vem encurtando as áreas ain<strong>da</strong> preserva<strong>da</strong>s do Pantanal.<br />
Percebemos também, que o desmatamento nas barrancas dos rios e<br />
lagos, conheci<strong>da</strong>s como matas ciliares ou matas de galerias que tem a função<br />
de aju<strong>da</strong>r a reter as margens dos rios e as erosões para que não desbarranque,<br />
o que torna ca<strong>da</strong> vez mais debilitado pelo próprio homem com a destruição <strong>da</strong>s<br />
matas e suas vegetações rasteiras. Podemos dizer com to<strong>da</strong> a certeza <strong>da</strong><br />
importância viva <strong>da</strong>s “vi<strong>da</strong>s dos rios”.<br />
É possível, através de estudos mais apurados, podemos regular e<br />
controlar o fluxo de água no canal, através <strong>da</strong> sustentação <strong>da</strong>s margens. que<br />
nas cheia ou <strong>nos</strong> períodos chuvosos, seriam impedidos pelas <strong>águas</strong> correntes e<br />
aos ventos, de serem levados para os leitos dos rios. Com isso, os solos<br />
ficariam exposto à chuva e ao vento, sem sofrerem tanto com o arrastar <strong>da</strong>s<br />
<strong>águas</strong>, que arrastam tudo que encontram pelo caminho depositam no fundo dos<br />
rios, acumulando ca<strong>da</strong> vez mais resíduos, causando o assoreamento, um<br />
fenômeno que faz com que o rio fique mais raso consequentemente com me<strong>nos</strong><br />
capaci<strong>da</strong>de de escoamento, sem falar nas grandes barragens que modificam<br />
<strong>nos</strong>so ecossistema, trazendo inúmeras conseqüências desfavoráveis e de peso<br />
comparados com a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />
56
A vi<strong>da</strong> é uma viagem experimental feita<br />
involuntariamente.<br />
É uma viagem do espírito através <strong>da</strong> matéria<br />
e como é o espírito que viaja, é nele que se vive<br />
Fernando Pessoa<br />
.2.3 DIMENSÕES MÍTICAS DA ÁGUA<br />
Inúmeras e distintas são as características relaciona<strong>da</strong>s ás <strong>águas</strong> como:<br />
berço <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, na religiosi<strong>da</strong>de é ti<strong>da</strong> como purificadora dos pecados do mundo,<br />
e assim por diante As <strong>águas</strong> propiciaram as origens <strong>da</strong>s civilizações, que<br />
conglomeraram às margens dos rios e mares, <strong>da</strong>ndo força fertilizadora.<br />
Contribuiu para que se tornasse um símbolo de vastos e complexos significados<br />
nas mais diferentes culturas, estando presente <strong>nos</strong> seus <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s.<br />
Para entendermos de onde provém a água, torna-se necessário<br />
relembrarmos os estados em que ela se encontra. Existe na natureza a água no<br />
estado gasoso em suspensão na atmosfera, provenientes <strong>da</strong>s evaporações<br />
causa<strong>da</strong>s por to<strong>da</strong>s as superfícies úmi<strong>da</strong>s existentes – rios, lagos, mares,<br />
ocea<strong>nos</strong> em estado líquido, como sendo os maiores tanques de depósitos de<br />
água do planeta, e no subsolo, constituindo os chamados lençóis freáticos; e<br />
em estado sólido, nas regiões frias do planeta. Da atmosfera, a água se<br />
precipita em estado líquido, como chuva, orvalho ou nevoeiro, ou até mesmo<br />
em estado sólido, como neve ou granizo. To<strong>da</strong>s estas formas de água são<br />
intercambiáveis e representam o Ciclo <strong>da</strong> Água ou Ciclo Hidrológico.<br />
As primordiais civilizações que antecederam a propagação de <strong>nos</strong>sas<br />
espécies trazem incógnitas do surgimento e formação <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> no planeta,<br />
alimentando o imaginário dão força aos <strong>mitos</strong> <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e a eles credenciam<br />
mé<strong>ritos</strong>, como os animais que habitam as profundezas. Sem a água, fica<br />
57
impossibilitado de se ter vi<strong>da</strong> ao redor, mas também, o líquido precioso como<br />
sendo a fonte de vi<strong>da</strong>, transforma-se em vil, quando não respeita<strong>da</strong><br />
transformando-se em monstro mortífero.<br />
Dentre infinitos <strong>mitos</strong>, podemos citar de origem grega o mito relacionado<br />
ao jovem Narciso, de beleza estonteante que provocavam nas mulheres<br />
independentes de classes sociais, quando para ele direcionava os olhos,<br />
paixões alucinógenas, até que um dia, uma delas decepciona<strong>da</strong>, humilha<strong>da</strong> e<br />
escorraça<strong>da</strong> por ele, antes de se afastar de seu convívio, lançou-lhe a maldição<br />
<strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>da</strong> razão momentânea aonde ele iria apaixonar-se por si mesmo e não<br />
seria correspondido.<br />
Assim diz a len<strong>da</strong> e assim aconteceu ao debruçar-se às margens de um<br />
rio para beber água, Narciso, o homem encantador se viu encantado com a<br />
própria imagem refleti<strong>da</strong> nas <strong>águas</strong>. A paixão por si mesmo, o alucinou,<br />
cegando-o para a reali<strong>da</strong>de a ponto de atirar-se ao rio na tentativa de abraçar a<br />
sua própria imagem refleti<strong>da</strong>, que o levou a morte. No lugar do término de sua<br />
existência, como sábia a natureza, frondosa e exuberante nasceu uma flor de<br />
suas lágrimas que recebeu o nome de Narciso.<br />
A água presente em <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s necessita ser cui<strong>da</strong>dosamente<br />
preserva<strong>da</strong> e respeita<strong>da</strong>. Desta forma, através de estudos de diferentes<br />
dimensões, poderemos <strong>da</strong>r ênfase a real necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> grande importância<br />
que temos que <strong>da</strong>r às <strong>águas</strong> em prol <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s. A água<br />
está para <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s, como os <strong>mitos</strong> a ela intricado, gerando crenças<br />
adversas, tanto quanto doenças, fontes de energias e abastecimentos, meios<br />
de transporte, opções de lazeres e alimentos. Tantos são os mé<strong>ritos</strong> e razões<br />
de preservarmos tão precioso e mítico líquido, que <strong>nos</strong> leva acompanhar suas<br />
trajetórias contorcionistas entre curvas de cau<strong>da</strong>losos rios para que possamos<br />
refletir no intuito de preservarmos <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s, antes que caiamos no<br />
imaginário de um dia ali as <strong>águas</strong> passaram trilhando caminhos.<br />
58
A mitologia diz que as <strong>águas</strong>, dos ocea<strong>nos</strong>, armazena<strong>da</strong>s em um imenso<br />
tanque a céu aberto, são reservas de vi<strong>da</strong> do universo, e é sem dúvi<strong>da</strong> seu<br />
maior, símbolo, ocultando segredos ain<strong>da</strong> não decifrados pela própria ciência,<br />
quando revolto, sua fúria a todos nós, nas mais varia<strong>da</strong>s formas, apavoram-<strong>nos</strong><br />
ao ligarmos com a evocação dos elementos míticos em <strong>nos</strong>sas mentes.<br />
Ao contemplarmos um rio, tanto cau<strong>da</strong>loso como em aparente remanso<br />
(de calmaria), traz-<strong>nos</strong> sentimentalmente lembranças ouvi<strong>da</strong>s de <strong>mitos</strong> a ele<br />
atribuídos. Nós, os seres huma<strong>nos</strong>, deparamos com situações e desafios ca<strong>da</strong><br />
vez mais complexos, os quais com sabedoria que temos <strong>nos</strong> safarmos, visto<br />
que desde a gênese <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s civilizações os domínios <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> foram e<br />
serão sempre perseguidos por povos ca<strong>da</strong> vez mais cobiçantes. Os deuses<br />
podiam simbolizar a admiração pelas <strong>águas</strong>, como a comparando também, com<br />
os grandes fenôme<strong>nos</strong> provocados pelas destruições causa<strong>da</strong>s pelas<br />
sismologias naturais.<br />
O homem é o resultado do meio cultural<br />
em que foi socializado. Ele é um herdeiro de<br />
um longo processo acumulativo, que reflete o<br />
conhecimento e a experiência adquiri<strong>da</strong>s pelas<br />
numerosas gerações que o antecederam.<br />
Laraia, 2003<br />
2.4 PEQUENO HISTÓRICO DO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO<br />
DISTRITO DE SÃO PEDRO DA JOSELÂNDIA<br />
No município de Barão de Melgaço, encontra-se localizado o distrito de<br />
São Pedro de Joselândia com uma população estima<strong>da</strong> de 1.500 habitantes, e<br />
estatisticamente considerados aptos a votos totalizam 780 eleitores. As<br />
comuni<strong>da</strong>des fronteiriças que limitam as extensões territoriais e formam um<br />
59
conglomerado de pequenas colônias são: as comuni<strong>da</strong>des de: Colônia Santa<br />
Isabel, Colônia Pimenteira, Colônia <strong>da</strong> Lagoa de Algodão, Colônia do Brejo<br />
Grande, Colônia do Retiro de Brandão, Colônia do Porto Bocaiuval e Colônia do<br />
Porto Limoeiro; como também as fazen<strong>da</strong>s Santa Maria e Espírito Santo, de<br />
proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> RPPN-SESC .<br />
Segundo os historiadores e <strong>da</strong>dos levantados junto aos cartórios, a Comuni<strong>da</strong>de<br />
conheci<strong>da</strong> como Macacos, vinculado a grande quanti<strong>da</strong>de de primatas existentes nas<br />
matas e que hoje, tendo o nome trocado para distrito de São Pedro de Joselândia, onde<br />
os pioneiros Sabino Brandão, José Ferreira <strong>da</strong> Silva, José Dias de Moura e os irmãos<br />
Antônio José <strong>da</strong> Silva e Lourenço Xavier <strong>da</strong> Silva, deram início ao processo de<br />
povoamento <strong>da</strong> região, formando comuni<strong>da</strong>des que hoje se orgulham de intitularem-se<br />
como ci<strong>da</strong>des.<br />
Os moradores do distrito de São Pedro de Joselândia contam em<br />
divergentes conversas e controverti<strong>da</strong>s certezas sobre como e de que maneira<br />
iniciou-se a ocupação <strong>da</strong> colônia. A história diz, que dois negros fugitivos <strong>da</strong><br />
Usina Flexas lá fixaram moradia, contribuindo no aumento <strong>da</strong> contingência<br />
populacional <strong>da</strong> região.<br />
A Em 1931 fundou-se a Igreja de São Pedro, localiza<strong>da</strong> no Município de<br />
São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1931. Sob as lideranças de Fernando<br />
<strong>da</strong> Costa Leite, mais conhecido como raizeiro, teve como mestra do<br />
bramanismo e conselheira e líder espiritual de visão direciona<strong>da</strong> para o local a<br />
ser destinado à construção <strong>da</strong> igreja de São Pedro, Doninha de Caeté que, por<br />
sua vez, o incumbiu de construir a igreja na comuni<strong>da</strong>de. Doninha, ou Senhora<br />
Laurin<strong>da</strong> Lacer<strong>da</strong> Cintra, nasci<strong>da</strong> em 1931, moradora do povoado de Tanque<br />
Novo – comuni<strong>da</strong>de localiza<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> colônia de Poconé. Curandeira<br />
conheci<strong>da</strong>, Doninha, tinha em sua bagagem profundos conhecimentos de curas<br />
provenientes <strong>da</strong>s plantas medicinais, com as quais curava pessoas<br />
manipulando ervas e pelo intermédio <strong>da</strong> fé que remove montanhas, mas<br />
60
também tinha o dom de fazer previsão futurísticas. Concluí<strong>da</strong> a construção <strong>da</strong><br />
Igreja de São Pedro, em plebiscito comunitário com a unanimi<strong>da</strong>de dos votos<br />
dos eleitorados acrescentou-se ao nome São Pedro o de Joselândia. Assim<br />
sendo, aos 29 dias do mês de junho no ano de 1932, foi realiza<strong>da</strong> a primeira<br />
missa e festa de São Pedro.<br />
Comuni<strong>da</strong>de crescente, com políticos influentes como Alfredo <strong>da</strong> Costa<br />
Marques, prefeito de Santo Antônio de Leverger, comuni<strong>da</strong>de vizinha, fundou a<br />
primeira escola em 1949. A ci<strong>da</strong>de passou a ser chama<strong>da</strong>, após a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />
igreja, de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia. Com o tempo, outras escolas e igrejas<br />
católicas e evangélicas foram se instalando, formando uma comuni<strong>da</strong>de<br />
fortaleci<strong>da</strong> pelas divergentes crenças. Em tempos de festas espirituais,<br />
casamentos, ou quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> nas casas dos festeiros a concentração de<br />
pessoas tem seu número em quanti<strong>da</strong>des eleva<strong>da</strong> devido à aproximação <strong>da</strong>s<br />
outras colônias de moradores, que muitas <strong>da</strong>s vezes fazem <strong>da</strong> praça central<br />
ponto de referência, concentração e acampamentos por dias durante as<br />
festivi<strong>da</strong>des. Onde se alimentam e <strong>da</strong>nçam o Siriri, mais ao entardecer de ca<strong>da</strong><br />
dia festivo, dirigem-se às casas de bailes.<br />
Normalmente participam <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des na maioria os moradores<br />
carentes e necessitados em infinitos aspectos, e que procuram nas festivi<strong>da</strong>des<br />
uma oportuni<strong>da</strong>de de emprego, vinculando protestos pelo descaso no sistema<br />
de tratamento de água <strong>da</strong>do pelas autori<strong>da</strong>des, que fazem do palanque festivo,<br />
seu próprio palanque político, no intuito de angariar votos nas próximas eleições<br />
prometendo mundos e fundos sem na<strong>da</strong> concretizarem. Não são poucas as<br />
crianças <strong>da</strong>s escolas comunitárias que adoecem após ingerirem a água a elas<br />
forneci<strong>da</strong> sem um mísero tratamento bacteriológico ou higiênico plausível e<br />
aceitável conforme normas <strong>da</strong> Secretaria de Saúde Pública.<br />
Os moradores de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, conforme <strong>nos</strong> relatou Carlos,<br />
com a explosão demográfica, passou a sofrerem discriminações devido às<br />
61
desigual<strong>da</strong>des sociais, trazendo-os desconfortos e dificul<strong>da</strong>des financeiras, uma<br />
vez pobres, mas felizes, hoje explorados pelos latifundiários, assemelham suas<br />
tristes sinas aos maus políticos.<br />
Carlos, morador antigo de São Pedro, cabisbaixo, lamentava a crescente<br />
transformação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, não conseguíamos fixar uma resposta<br />
convincente que pudéssemos fazer âncora, pois imediatamente rebatia,<br />
acusando veementemente o descaso com o povo <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e porque <strong>da</strong><br />
discriminação ao caírem no esquecimento dos governantes que deles só<br />
precisam na hora do voto, oferecendo bugigangas fortaleci<strong>da</strong>s com promessas<br />
de ilusões. Revoltado em suas palavras, segundo ele, nenhum político<br />
manifestou-se ou teve interesses pela comuni<strong>da</strong>de, a não ser em disputas para<br />
angariar votos de seus eleitorados, que não tinham outra opção a não ser<br />
continuarem aceitando promessas e mais promessas e na<strong>da</strong> mais que<br />
promessas políticas. Seu semblante de uma tristeza profun<strong>da</strong> não mediu<br />
sentimentos em suas palavras.<br />
62<br />
Nós já passamos uma tempora<strong>da</strong> ruim, sem<br />
conforto de saúde...mas nós <strong>da</strong>qui, não temos meio<br />
de transporte, aqui só funciona uns três caminhos<br />
você vai na carroceria......na seca..de avião .e de<br />
barco.Antes não tinha nem estra<strong>da</strong>....nós<br />
atravessamos do outro lado.(...)Como eu mesmo,<br />
eu estou sofrendo, tem dia, sorte que meu filho tem<br />
um que acompanha aqui que a gente tira água aí do<br />
poço um... que deixa que nós passa o dia, né, mas<br />
é um perigo também<br />
Entre as ativi<strong>da</strong>des, destacam-se a agricultura de subsistência com o<br />
cultivo de arroz, mandioca, milho e feijão. O comércio local é movimentado pelo<br />
salário dos aposentados e dos funcionários públicos. Na comuni<strong>da</strong>de não há<br />
saneamento básico e nem energia elétrica. A comuni<strong>da</strong>de conta com um<br />
orelhão movido por energia solar, (imagem, 14) um campo de futebol, um
cemitério, um cartório, um posto de saúde, um auxiliar de enfermagem, um<br />
tabelião e um juiz de paz.<br />
Imagem 14: Posto telefônico<br />
Fonte:Dolores Garcia<br />
Local: São Pedro de Joselândia<br />
Data: 07/2005<br />
O acesso à comuni<strong>da</strong>de é dificultado em períodos de chuvas, onde<br />
somente se tem acesso através do rio Cuiabá via barco ou canoa. Dentre os<br />
lazeres, os pantaneiros optam pela reza na igreja, pelo futebol, pela pareia de<br />
cavalos, pelas festas de santos e pelos bailes à luz de velas ou lampiões, som<br />
mecânico alimentado por baterias cansa<strong>da</strong>s e de pouca duração, que são<br />
63
constantemente troca<strong>da</strong>s por outra carrega<strong>da</strong>, atrapalhando os casais que<br />
estão curtindo o embalo do som.<br />
Viver em uma socie<strong>da</strong>de sem poesia<br />
seria como viver em uma socie<strong>da</strong>de sem palavras.<br />
sem palavras <strong>nos</strong>so diálogo<br />
certamente se empobreceria em muito<br />
Barcelos, 2003<br />
2.5 ESTÂNCIA ECOLÓGICA SESC PANTANAL E RESERVA<br />
PRESERVADA DO PATRINÔNIO NATURAL<br />
A Estância Ecológica SESC Pantanal é uma organização que atua como<br />
hotel favorecendo e incrementando o turismo local. Estabelecendo parcerias<br />
para desenvolvimento de projetos em diversos estudos e pesquisas sobre a<br />
fauna, flora, recursos hídricos, solos, clima, turismo, organização social, meio<br />
ambiente e <strong>educação</strong> ambiental (SESC).<br />
O gerente de Infra-estrutura do SESC, <strong>nos</strong> relatou <strong>da</strong>dos sobre como a<br />
RPPN é subdividi<strong>da</strong>, sendo que a maior parte cabe RPPN SESC – Pantanal,<br />
caracteriza<strong>da</strong> como Zona Primitiva e de preservação ambiental, onde pouca ou<br />
quase nenhuma ocorrência ocasionou a invasão humana a ponto de intervir na<br />
cadeia natural de preservação ambiental, mesmo com a formulação de<br />
pastagens artificiais que somam não mais que 5%, implanta<strong>da</strong>s pelos antigos<br />
fazendeiros, que abandonaram as áreas que com o passar dos tempos,<br />
começam a se restaurarem naturalmente, aju<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos animais e aves que<br />
ao deixarem seus excrementos, trazem com sigo sementes que germinam<br />
reformulando o ciclo de vi<strong>da</strong>.<br />
64
Considerado como Posto de Proteção Ambiental, o SESC Pantanal, tem<br />
demarcado, zonas de uso especial, designados especificamente para a<br />
manutenção <strong>da</strong> administração, onde devi<strong>da</strong>mente através de estudos de<br />
impacto ambiental, são instala<strong>da</strong>s as briga<strong>da</strong>s de incêndio e defesa, conheci<strong>da</strong>s<br />
como Casas dos Guar<strong>da</strong>s Parques, oficina e posto de observação dos<br />
pesquisadores <strong>da</strong> fauna, flora e to<strong>da</strong> a biodiversi<strong>da</strong>de sob e sobre solo. Paralela<br />
a área demarca<strong>da</strong> para pesquisas, foram demarca<strong>da</strong>s outras áreas para a<br />
recreação, e palco com expressivas belezas naturais, no intuito de<br />
desempenhar o papel de escola, visando à <strong>educação</strong> ambiental para todos que<br />
do Pantanal fazem passagem de lazer ou dele dependem de sua sobrevivência.<br />
Com isso, ensina-se o respeito que devemos ter e compreender a natureza,<br />
para que no futuro possamos inúmeras vezes contemplar as mesmas<br />
paisagens, caminhando entre matas e trilhas com as mesmas admirações e<br />
vislumbramentos.<br />
O Complexo do Pantanal, com 186,5 mil ha., é um exuberante exemplo<br />
de áreas alaga<strong>da</strong>s abrangendo o Parque Nacional do Pantanal Mato-<br />
grossense. O Pantanal representa a maior planície de água doce alaga<strong>da</strong> do<br />
mundo, concentrando as maiores e mais espetaculares populações <strong>da</strong> fauna<br />
silvestre neotropical. A vegetação é um prolongamento do Cerrado brasileiro e<br />
ao norte sofre influência <strong>da</strong> região amazônica, possuindo características de<br />
ambos os ecossistemas. Exatamente por isso, guar<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s faunas mais<br />
varia<strong>da</strong>s do planeta.<br />
No obstante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, constata<strong>da</strong> por <strong>nos</strong>sa equipe, conseguimos<br />
entender do porquê do êxodo pantaneiro. Os colo<strong>nos</strong>, mal orientados,<br />
aceleraram o processo de degra<strong>da</strong>ção de algumas reservas, com a exploração<br />
inadequa<strong>da</strong>, com isso, enfraqueci<strong>da</strong> a terra a desertam, deixando a mercê <strong>da</strong>s<br />
próprias intempéries <strong>da</strong> natureza em se regenerarem. Outros ribeirinhos,<br />
mesmo em conflito com o seu bem estar, permanecem nas terras onde sempre<br />
viveram, só que, com maiores dificul<strong>da</strong>des do que <strong>da</strong>ntes. Como a Comuni<strong>da</strong>de<br />
65
de Pimenteira que faz divisa com a RPPN. Desabafava para a <strong>nos</strong>sa equipe,<br />
uma jovem moradora <strong>da</strong> colônia, em tons ríspidos e ofensivos a nós dirigidos.<br />
Imaginando que fôssemos funcionários do SESC Pantanal. Esclarecidos os<br />
equívocos, <strong>nos</strong> identificando como sendo pesquisadores <strong>da</strong> <strong>UFMT</strong>, e que<br />
estávamos defendendo uma dissertação, para conclusão de <strong>nos</strong>sos estudos e<br />
graduação, mesmo assim, ain<strong>da</strong> bastante abala<strong>da</strong> e revolta<strong>da</strong> com a<br />
construção <strong>da</strong> reserva RPPN. Sua instalação trouxe agravos generalizando<br />
discordâncias entre os ribeirinhos, exaltando ain<strong>da</strong> mais com os problemas<br />
sociais existentes dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que com o tempo, tomou proporções<br />
desfavoráveis para o bem estar geral <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Pimenteira.<br />
Os povos ali antes existentes inibiam a invasão de pre<strong>da</strong>dores huma<strong>nos</strong><br />
que não tinham e nem se importavam com a necessi<strong>da</strong>de de preservarem<br />
absolutamente na<strong>da</strong>, apostamente, queriam sim, gananciosamente usarem<br />
todos os subterfúgios possíveis para alimentarem suas ambições de ganhos<br />
monetários, embora tivessem ciências <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se evitarem a<br />
devastação e o extermínio de boa parte de <strong>nos</strong>sa fauna e flora.<br />
Os ribeirinhos sempre trouxeram harmonias mútuas com a natureza,<br />
postergando benefícios próprios, visando sempre o bem estar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e<br />
em prol de todos. Infelizmente não deparamos com essas reali<strong>da</strong>des,<br />
principalmente por terem sido tolhidos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de ir e vir, na ver<strong>da</strong>de seus<br />
passos são rigorosamente monitorados pela RPPN, como se fossem animais.<br />
Nem mesmo a pesca de sustento de suas famílias pode ser livre, devendo <strong>da</strong>r<br />
satisfações a quem de direito, caso contrário o transtorno será eminente. Isso<br />
influencia sem a menor sombra de dúvi<strong>da</strong>s, podendo cair no esquecimento boa<br />
parte de alguns <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s pertinentes às <strong>águas</strong>, o que seria lastimável<br />
para as culturas ribeirinhas e para o próprio meio ambiente, que seria<br />
desbravado pelos homens sem receios <strong>da</strong>s lendárias assombrações<br />
imaginárias mitiga<strong>da</strong>s.<br />
66
Ao matizarem os espaços <strong>da</strong>s reservas <strong>pantaneiras</strong>, por razões<br />
supostamente científicas, inibem espécies <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, a se reproduzirem<br />
livremente. Com isso, muitas <strong>da</strong>s espécies de animais e vegetais tendem a<br />
desaparecer devido às manipulações indevi<strong>da</strong>s e inadequa<strong>da</strong>s. Embora<br />
tenhamos em mente, a certeza, que a natureza tem sons mudos, ouve e fala<br />
em suplícios ao <strong>nos</strong> exibir majestosamente encantadora, para que possamos<br />
compreendê-la e respeitá-la, a preservando para futuros distantes de nós hoje<br />
presentes, pois as poesias <strong>da</strong>s matas ditam versos, que <strong>nos</strong> encantam. O que<br />
seria de nós se não houvesse os diálogos, obviamente que seria um mundo<br />
sem sonhos, sem beleza, sem digni<strong>da</strong>de e o pior sem razão de viver<br />
(BARCELOS, 2003).<br />
67<br />
Uma <strong>da</strong>s bonitezas de <strong>nos</strong>sa maneira de estar<br />
No mundo e com o mundo como<br />
Seres históricos, é a capaci<strong>da</strong>de de,<br />
intervindo no mundo, conhecer o mundo.<br />
Freire, 1996<br />
2.6 PESQUISA ECOLÓGICA DE LONGA DURAÇÃO – PELD<br />
Em decorrência dos estudos preliminares <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de parcerias,<br />
as áreas “core” do Site Pantanal Norte é a RPPN SESC - Pantanal, que fazem<br />
parte <strong>da</strong> Estância Ecológica SESC - Pantanal. A rede nacional forma o<br />
Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), do CNPq. O<br />
PELD é um subprograma do Programa Integrado de Ecologia – PIE. Destina-se<br />
a estruturar e programar redes de pesquisas ecológicas de longa duração e a<br />
promoverem suportes a um conjunto de áreas destina<strong>da</strong>s às pesquisas<br />
representativas dos biomas brasileiros, mediantes editais dirigidos às<br />
instituições responsáveis pelas programações científicas, tecnológicas e de<br />
manutenções <strong>da</strong>s áreas pré demarca<strong>da</strong>s.
O programa PELD visa permitir o desenvolvimento de estudos ecológicos<br />
de longa duração, segundo uma agen<strong>da</strong> comum de pesquisas garanti<strong>da</strong>s por<br />
linhas especiais de financiamentos que contemplam alguns temas como a<br />
conservação <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, padrões e controles <strong>da</strong>s produtivi<strong>da</strong>des<br />
primárias e secundárias, dinâmicas de populações e organizações de<br />
comuni<strong>da</strong>des e ecossistemas.<br />
Dinâmicas de nutrientes e efeitos de perturbações naturais e impactos de<br />
ativi<strong>da</strong>des antrópicas. Através <strong>da</strong>s parcerias constituí<strong>da</strong>s entre a RPPN do<br />
SESC/PANTANAL, estas Instituições tiveram acessos as áreas ecologicamente<br />
preserva<strong>da</strong>s, possibilitando estudos ecológicos, que serviriam de subsídios na<br />
concorrência nacional do Programa Ecológico de Longa Duração (PELD) do<br />
CNPq. Foi elaborado e aprovado pelo CNPq um grande projeto Multidisciplinar,<br />
envolvendo 20 grupos de pesquisas de diversas áreas com a cooperação <strong>da</strong><br />
<strong>UFMT</strong>. Para que as pesquisas alcancem objetivos favoráveis e contemplativos,<br />
é fun<strong>da</strong>mental que a EA desenvolva projetos, que ensejam a construção <strong>da</strong><br />
consciência global sobre as questões diretamente relaciona<strong>da</strong>s com o bem<br />
estar, <strong>da</strong>ndo-lhes conforto e esperança de vi<strong>da</strong>s melhores.<br />
A Educação Ambiental deve ser desenvolvi<strong>da</strong> com os<br />
objetivos de auxiliaros alu<strong>nos</strong> a construírem uma<br />
consciência global <strong>da</strong>s questões relativas ao meio, para<br />
que possam assumir posições afina<strong>da</strong>s com valores<br />
referentes à vi<strong>da</strong>.<br />
Michèle Sato<br />
2.7 GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL - GPEA<br />
A <strong>UFMT</strong>, junto ao seu corpo docente, forma Grupos de Pesquisadores<br />
em Educação Ambiental - GPEA, com títulos de graduação e pós graduação<br />
68
abrangendo projetos relacionados com a Educação Ambiental, com finali<strong>da</strong>des<br />
de promoverem diálogos com e entre comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, para que<br />
possam definir metas que gerem o bem estar social e apazigúem<br />
harmoniosamente com a biodiversi<strong>da</strong>de, preservando a formação de totali<strong>da</strong>de<br />
dos circuitos e dispositivos de comutação que permitam as ligações entre as<br />
enti<strong>da</strong>des nacional ou internacionais, com metas específicas de reordenar<br />
critérios que possam garantirem programas específicos que aten<strong>da</strong>m dentro<br />
<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des a Educação Ambiental.<br />
Tivemos incluídos em <strong>nos</strong>sas bagagens de pesquisas, a oportuni<strong>da</strong>de de<br />
compartilharmos de uma forma ou de outra, contribuindo sistematicamente para<br />
uma melhor formação dos membros <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des visita<strong>da</strong>s por <strong>nos</strong>sa<br />
equipe. Varia<strong>da</strong>s foram as formas e temas, com complexi<strong>da</strong>des pertinentes de<br />
caso a caso, relacionados com os conjuntos de indivíduos unidos por<br />
características somáticas, culturais e lingüísticas comuns às comuni<strong>da</strong>des.<br />
O fato de sermos pesquisadoras causou-<strong>nos</strong> entusiasmos múltiplos, ao<br />
sermos lisonjea<strong>da</strong>s com elogios, por fazermos parte de um grupo de pessoas<br />
que não só se preocupam com o bem estar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de ribeirinha e entorno<br />
como também, promovemos debates com a participação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
comunitária sobre assuntos diversos, diag<strong>nos</strong>ticando o potencial do turismo<br />
rural, que deve ter primordial controle físico e cultural. Assim sendo,<br />
colaboramos com os resgates de <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s. Concretizamos em <strong>nos</strong>so<br />
cenário mato-grossense de pesquisas, resultados plausíveis de orgulho de<br />
<strong>nos</strong>sa equipe que <strong>nos</strong> honrou ao desenvolvermos pesquisas direciona<strong>da</strong>s a EA,<br />
fortalecendo <strong>nos</strong>sos currículos acadêmicos, definidos e acrescentados pelas<br />
in<strong>da</strong>gações minuciosas promovi<strong>da</strong>s pelo grupo, junto às comuni<strong>da</strong>des, com<br />
diversi<strong>da</strong>des de dificul<strong>da</strong>des.<br />
69
ATO - III – METODOLOGIA<br />
Imagem 15: ninhal<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: Pantanal – RPPN<br />
Data: 07/2004<br />
Esta não é minha voz, mas de muitas <strong>águas</strong>, aqui<br />
não se organiza simplesmente um texto, aqui se<br />
fala de encantamentos.<br />
Lya Luft (2002)<br />
70
3. CAMINHOS PERCORRIDOS<br />
As dificul<strong>da</strong>des inicialmente falando, foram ínfimas em comparação ao<br />
que vimos na prática, principalmente ao enfrentarmos desconfianças e receios<br />
mútuos quando <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem para coletarmos informações pertinentes a<br />
<strong>nos</strong>sa pesquisa. Para que pudéssemos evoluir, tivemos que <strong>nos</strong> respeitarmos,<br />
formando ligações de amizades ou dependência moral, com simpatias mútuas<br />
entre pesquisadores e narradores. Com isso, descobrimos valores ocultos aos<br />
ouvidos do povo, ao depararmos com indivíduos que só conseguem se<br />
expressar poetizando, o que <strong>nos</strong> deixou encantados, que deverá ser um<br />
método e não uma pesquisa metodológica, diferenciando métodos novos a<br />
serem construídos, de métodos de conhecimentos construídos e ultrapassados.<br />
Formando pesquisadores capazes de discernir junto às comuni<strong>da</strong>des,<br />
propostas sociais, mesmo que não as transformem em reali<strong>da</strong>des <strong>nos</strong>sas<br />
propostas, mas consequentemente passarão a permanecerem em pauta para<br />
cobranças futuras, já que <strong>nos</strong>so grupo de pesquisas detectou afazeres,<br />
capazes de gerar conceitos e bem estar comunitário, consequentemente<br />
resgatando <strong>mitos</strong>. Este propósito é concretizado através <strong>da</strong> formação do<br />
grupo-pesquisador. As pessoas que compõem os sujeitos <strong>da</strong> pesquisa são<br />
transforma<strong>da</strong>s em co-pesquisadores, enquanto os pesquisadores oficiais se<br />
tornam os facilitadores <strong>da</strong> investigação. Assim, o conhecimento produzido na<br />
pesquisa emerge do grupo-pesquisador como todo. O método do grupo-<br />
pesquisador é o <strong>da</strong> sóciopoética. A transformação <strong>da</strong>s pessoas pesquisa<strong>da</strong>s<br />
em grupo-pesquisador é uma exigência ética e política fun<strong>da</strong>mental<br />
(GAUTHIER, 1999).<br />
Apesar de a Sóciopoética tratar-se essencialmente de um meio de<br />
pesquisa e conseqüentemente, de in<strong>da</strong>gação e não de transformação explícita<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, o pesquisador oficial pode incorrer na tentação de tentar<br />
transformar os co-pesquisadores, ao invés de escutá-los e aprender com os<br />
71
mesmos. Queremos também alertar, primordialmente sobre o respeito que<br />
temos que ter com as diferencia<strong>da</strong>s cultura e seus valores, principalmente<br />
quando abortados para entrevistas.<br />
Realmente não creio, porque não concebo que possa<br />
vir um dia em que a ciência esteja completa e acaba<strong>da</strong>.<br />
Haverá sempre novos problemas, e, ao mesmo<br />
tempo ritmo com que a ciência foi capaz de resolver<br />
problemas que se consideravam filosóficos há uma dúzia<br />
de a<strong>nos</strong> ou há um século, voltarão a aparecer novos<br />
problemas que não haviam sido apercebidos como tais.<br />
Claude Levi-Strauss/1978<br />
3.1 PESQUISA QUALITATIVA<br />
As pesquisas por nós elabora<strong>da</strong>s são essencialmente qualitativas e<br />
instrutivas, pois quando <strong>da</strong> elaboração do conteúdo, trouxemos conhecimentos<br />
e interpretações diversifica<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s descrições por nós observa<strong>da</strong>s entre<br />
entrevistas e vivências, elas foram primordiais para nós em todos os sentidos.<br />
Fun<strong>da</strong>mentalmente como base foi consequentemente a <strong>nos</strong>sa<br />
persistência para que pudéssemos conseguir chegarmos o mais perto possível<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de uma evidência focaliza<strong>da</strong>. Por isto, tivemos como ponto alto, a<br />
quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações hipoteticamente defini<strong>da</strong>, mesmo porque,<br />
andávamos de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com o abstrato num universo de significados, pelas<br />
inspirações fortaleci<strong>da</strong>s pelas crenças.<br />
A <strong>nos</strong>sa pesquisa se conteve qualificativamente na busca de objetivos,<br />
<strong>da</strong>ndo-lhes formas e quali<strong>da</strong>des genuínas <strong>da</strong>s coisas <strong>nos</strong> exatos momentos de<br />
suas essências de sentido, conotando sentimentos as experiências e<br />
descobertas através dos <strong>nos</strong>sos olhares. Compreendermos os significados de<br />
acordo com a teoria <strong>da</strong> alma. Concebi<strong>da</strong> como origem <strong>da</strong> alma individual, às<br />
imagens ancestrais e simbólicas materializa<strong>da</strong>s e existentes nas len<strong>da</strong>s e <strong>nos</strong><br />
72
<strong>mitos</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de constitui os inconscientes coletivos que revelam <strong>nos</strong><br />
indivíduos através dos sonhos, delírios, perturbações e em alguns, despertam<br />
manifestações artísticas jamais imagina<strong>da</strong>s pelo indivíduo, que passam a<br />
contribuir instintivamente com a EA.<br />
As entrevistas elabora<strong>da</strong>s por nós abrangeram várias pessoas,<br />
seleciona<strong>da</strong>s entre moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas do Pantanal Mato-<br />
grossense. As pessoas, com diversificação de i<strong>da</strong>des, tempo de moradia na<br />
região, sexo, religião, idolatria, cultura para que pudéssemos obter informações<br />
não generaliza<strong>da</strong>s, mas sim, com interpretações pessoais, que muito <strong>nos</strong><br />
surpreenderam com a diversi<strong>da</strong>de de informações.<br />
Tivemos o cui<strong>da</strong>do de ao entrevistarmos, usarmos de metodologias<br />
direciona<strong>da</strong>s com a interação social, sem a qual esta pesquisa, provavelmente<br />
poderia sofrer desvirtuações significativas e tumultua<strong>da</strong>s. Ao tentarmos resgatar<br />
a reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> símbolo, a sua interação com a ciência, com a fisionologia,<br />
com a maturi<strong>da</strong>de de sua existência e procedência.<br />
73<br />
...resgatamos conversas, histórias <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de e,<br />
através de seus <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, buscamos<br />
conhecer a população através <strong>da</strong> interação<br />
simbólica que então se estabelece. O<br />
conhecimento científico dos símbolos, se<br />
realmente existe, dependerá <strong>da</strong> articulação de<br />
to<strong>da</strong>s as demais ciências (SATO & PASSOS,<br />
2002, p. 03).<br />
Temos em mente, que o imaginário se torna popular, quando se vê ou se<br />
depara com sentimentos de perigo e isolamento, forçando a mente ver coisas<br />
que a transformem em reais seres e a elas dão vi<strong>da</strong>s, poderes, corpo,<br />
tamanhos vinculados aos fenôme<strong>nos</strong>, subjetivando ramificações míticas,<br />
gera<strong>da</strong>s pelo olhar humano. É impossível uma vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de sem que haja<br />
uma rede simbólica de sustentação de uma reali<strong>da</strong>de polissêmica relaciona<strong>da</strong> a<br />
um mito.
Falar na fenomenologia é falar de uma perspectiva<br />
Do olhar humano por sobre<br />
Uma reali<strong>da</strong>de polissêmica, é de alguma maneira ver<br />
o mundo a partir de um sujeito que o acolhe, luta,<br />
se contrapõe, distingue, ama, recusa.<br />
Passos/1998<br />
3.2. FENOMENOLOGIA<br />
Para descrever, meditar para interpretar a percepção e os fenôme<strong>nos</strong><br />
sobrenaturais e fora do cotidiano, mas vividos por comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas,<br />
contamos com os estudos <strong>da</strong> fenomenologia que busca interpretações, a<br />
fenomenologia é aquilo que <strong>nos</strong>sas mentes imaginária deixou gerar como foco<br />
de um fato, ou seja: deu vi<strong>da</strong> ao imaginário, gerando um corpo presente com<br />
múltiplas formas e feroci<strong>da</strong>des distintas a ca<strong>da</strong> ser mitificado. É muito fácil<br />
contar uma história acrescentando heroísmos, muito mais fácil ain<strong>da</strong> é gerar um<br />
monstro construído do imaginário e ao mundo mostrar-lhes com vi<strong>da</strong>.<br />
O espaço do medo que dá vi<strong>da</strong> ao medo e <strong>nos</strong> protege sem o qual,<br />
seríamos afoitos e destemidos, sendo assim, poucos de <strong>nos</strong> conseguiríamos<br />
viver nesse mundo mítico, impulsionado por desafios.<br />
A fenomenologia é a essência do estudo de um fato mitológico, que<br />
busca na origem, espaços para se resgatar <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s alienáveis a ca<strong>da</strong><br />
acontecimento, e cujo esforço contenta-se em encontrar parâmetros plausíveis<br />
de sustentação. Promovendo a busca <strong>da</strong> pureza enquanto permanece como<br />
fenôme<strong>nos</strong> de essências e referências, filtrando componentes incômo<strong>da</strong>s a<br />
natureza histórica do fato.<br />
Considera<strong>da</strong> pela fenomenologia, quando o brilho perde a sonori<strong>da</strong>de de<br />
um contexto, iguala-se ao precipício de um eclipse gerando histórias e coisas<br />
74
tangíveis provenientes dos fenôme<strong>nos</strong> que rapi<strong>da</strong>mente geram manifestos pela<br />
interpretações, que antes de serem mitificados, deveriam ser considera<strong>da</strong>s as<br />
manifestações perceptivas, significando secun<strong>da</strong>riamente as subjacências que<br />
uma história proporciona quando <strong>da</strong> posição de linhas que divergem ao se<br />
afastarem progressivamente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de do fato <strong>da</strong> além <strong>da</strong> acepção em que<br />
é emprega<strong>da</strong>.<br />
Por mais que ouça sobre teoria <strong>da</strong> fenomenologia, por diversos teóricos,<br />
não posso deixar de citar Merleau-Ponty, pois é para nós um dos grandes<br />
teóricos sobre fenomenologia. A ver<strong>da</strong>deira filosofia de <strong>nos</strong>sos estudos e<br />
pesquisas <strong>nos</strong> fortalece ao captarmos o mundo místico, com isto,<br />
reaprendemos a respeitar as len<strong>da</strong>s, sentir e compartilhar de uma história<br />
elabora<strong>da</strong> e narra<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo-<strong>nos</strong> a oportuni<strong>da</strong>de de certificarmos <strong>da</strong><br />
profundi<strong>da</strong>de filosófica miticamente estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. As reflexões de <strong>nos</strong>sos<br />
sentimentos <strong>nos</strong> responsabilizam pelos <strong>nos</strong>sos desti<strong>nos</strong>. “Nós tomamos em<br />
<strong>nos</strong>sas mãos o <strong>nos</strong>so destino, tornamo-<strong>nos</strong> responsáveis pela reflexão em que<br />
empenhamos <strong>nos</strong>sa vi<strong>da</strong>” (MERLEAU-PONTY, 1980, p. 71).<br />
A fenomenologia mostra os parâmetros conscienciosos de todos os<br />
indivíduos, sejam eles adultos, crianças ou idosos, gerando métodos e<br />
diretrizes de investigações mais apura<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> ciência interpretativa dos<br />
fenôme<strong>nos</strong> que causa choque, impactuados com os sentimentos de defesa, ou<br />
seja, o que se mostra para si a própria relação. Defesa e conceito ao ser<br />
amedrontado pela maneira e procedência do relato a ele imposto. E em si<br />
mesmo tal como é. Desta feita, “...as investigações fenomenológicas mostram a<br />
consciência do sujeito, através dos relatos de suas experiências internas, e<br />
trata de viver em sua consciência – por empatia – os fenôme<strong>nos</strong> relatados pelo<br />
outro” (ASTI-VERA, 1980, p. 71).<br />
Bacherlad (2002) em seu livro “A água e os sonhos’ completou a chave<br />
para uma leitura possível, através de sua filosofia poética do sonho e <strong>da</strong><br />
75
fenomenologia do cotidiano, sobretudo nas simbologias e imagens relativas à<br />
água. Seu livro traz uma definição atraente a respeito <strong>da</strong> imaginação que<br />
somente pode ser esclareci<strong>da</strong> pelos poemas que ele inspira: ”A imaginação<br />
inventa mais que coisas e dramas; inventa vi<strong>da</strong> nova, inventa mente nova; abre<br />
olhos que têm novos tipos de visão” (p. 18).<br />
De tudo que se escreve, aprecio somente o que alguém<br />
escreve com seu próprio sangue e aprenderás que o<br />
sangue é espírito - (NIETZSCHE)<br />
3.3 PRODUÇÃO DOS DADOS<br />
Ao sairmos a campo, percebemos que a situação não seria tão fácil, pois<br />
para tudo tínhamos que ter a autorização do SESC e do próprio PELD, pois<br />
dependíamos de barco, hospe<strong>da</strong>gem, alimentação, carro e motorista. Muitas<br />
<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>sas viagens acabavam sendo cancela<strong>da</strong>s por não conseguirmos<br />
autorizações pertinentes a <strong>nos</strong>sa locomoção ou motivos adversos aos <strong>nos</strong>sos<br />
desejos.<br />
Registramos em <strong>nos</strong>sas pesquisas, uma infini<strong>da</strong>de de fatos que geraram<br />
len<strong>da</strong>s direciona<strong>da</strong>s às comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. Cui<strong>da</strong>dosamente<br />
assemelha<strong>da</strong>s com sua origem, e de versões diferencia<strong>da</strong>s, como em uma<br />
peça teatral, com seus protagonistas os seres guardiões <strong>da</strong> natureza. Apesar<br />
<strong>da</strong> varia<strong>da</strong> gama de <strong>mitos</strong>, destacamos em epígrafe apenas duas len<strong>da</strong>s<br />
d’água, por considerarmos serem necessários estudos mais profundos. Tendo<br />
por mérito a pesquisa fortaleci<strong>da</strong> pela len<strong>da</strong> do “Minhocão” com comentários<br />
breves não me<strong>nos</strong> desprezíveis <strong>da</strong> len<strong>da</strong> do “Peixe que cai do céu”.<br />
Quanto às entrevistas, procuramos son<strong>da</strong>r o cotidiano dos moradores,<br />
com isso, fluía com mais naturali<strong>da</strong>de por parte dos <strong>nos</strong>sos colaboradores<br />
76
visitados no decorrer do dia varando noites em conversas de fogueiras. Os<br />
pantaneiros têm por hábito, no período de 10 <strong>da</strong> manhã até às 15:00 horas,<br />
tirarem uma “cesta”, devido ao sol resplandecente e de clari<strong>da</strong>de intensa o que<br />
estimula não só a uma soneca, como muitos a não saírem de suas casas nesse<br />
período. Em to<strong>da</strong>s as entrevistas, sempre havia aqueles que se mostravam<br />
resistentes quanto ao assunto. Achavam que estávamos ali para debochar de<br />
suas crendices, como disse Curupira.<br />
Deparamos também com entrevistados que nem sequer conheciam os<br />
<strong>mitos</strong> de sua comuni<strong>da</strong>de, chegando a <strong>nos</strong> dizer que jamais haviam visto falar<br />
do minhocão.<br />
77<br />
Nunca o vi, apesar de constantemente cruzar o rio<br />
em todos os seus sentidos. Inúmeras foi às vezes<br />
que adormeci dentro do barco, o deixando a deriva<br />
ou ancorado às margens. Acho que se ele existe,<br />
tem medo de mim. Todo mundo diz que ele existe,<br />
e eu particularmente acho que ele também existe.<br />
Se existiu no passado ele tem que existir agora, só<br />
que ninguém mais o viu. Dizem os amigos de meu<br />
pai que ele está hibernando desde que se<br />
alimentou com uma porção de gente do barco que<br />
ele pôs a pique. Se existia no passado, porque não<br />
agora, apesar de ninguém ter conseguido chegar<br />
nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> de <strong>nos</strong>so Pantanal<br />
onde ele se acomo<strong>da</strong> em sua caverna.<br />
Portanto, muitos até acostumarem com a <strong>nos</strong>sa presença, omitiam<br />
informações, mas com o passar do tempo, após algumas conversas se<br />
sentiram bem à vontade, e dessa forma fluíam os causos com naturali<strong>da</strong>de.<br />
Dando-<strong>nos</strong> rescaldo para continuarmos <strong>nos</strong>sas pesquisas, com isso,<br />
aproveitamos to<strong>da</strong>s as insinuações e gestos de ca<strong>da</strong> um para que pudéssemos<br />
somar esforços.
Utilizamos como instrumento o auxílio de um gravador, para facilitar a<br />
transcrição e análise dos relatos; e ain<strong>da</strong> uma máquina fotográfica para o<br />
registro iconográfico <strong>da</strong>s imagens. Não causamos nenhum constrangimento<br />
com os <strong>nos</strong>sos entrevistados, pelo contrário, na primeira visita ao registrarmos<br />
as fotos, os mesmos pediram que retornássemos lá para levar as fotos tira<strong>da</strong>s<br />
deles, pois eles disseram que muitos pesquisadores iam ate lá tiravam foto e<br />
informações deles, mas que não voltavam para levar o relato e nem as fotos. O<br />
que <strong>nos</strong> comprometemos tão logo fosse possível a eles mostraríamos o<br />
compartilhamento de <strong>nos</strong>sas pesquisas.<br />
Nas visitas subseqüentes, mais precisamente na segun<strong>da</strong>, honrados <strong>nos</strong><br />
sentimos gloriosos em poder cumprir o que havíamos prometido. A todos eles,<br />
mostramos as fotos aos colaboradores, e a ca<strong>da</strong> um fizemos questão de<br />
entregar-lhes um exemplar a eles. Gesto simples que <strong>nos</strong> deu sensatez de<br />
confiança mútua, abrindo portas para futuros pesquisadores, com isso,<br />
pudemos observar a alegria contagiante em seus olhares, causando sorrisos e<br />
comentários.<br />
Para preservarmos a identi<strong>da</strong>de e a intimi<strong>da</strong>de dos <strong>nos</strong>sos<br />
cooperadores, reportaremos a eles com nomes fictícios. Acreditamos não<br />
serem necessários às identificações pelos nomes verídicos. Durante as<br />
pesquisas de campo não privilegiamos a i<strong>da</strong>de, nem o sexo, nem a<br />
religiosi<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sos colaboradores entre 12 a<strong>nos</strong>, até pessoas com i<strong>da</strong>des<br />
mais avança<strong>da</strong>s próximas aos 86 a<strong>nos</strong>. Os entrevistados <strong>nos</strong> encantaram com<br />
o jeito mágico dos sons <strong>da</strong>s suas palavras, divertindo-<strong>nos</strong> com os movimentos<br />
de seus gestos, expressões e onomatopéias que na<strong>da</strong> mais é, que a formação<br />
de uma palavra cujo som tenta imitar ou reproduzir o que significa e isso <strong>nos</strong><br />
levou a sorrisos desconcertantes, trazendo-<strong>nos</strong> conforto de espírito e presenças<br />
satisfatórias dentro <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, com a quais compartilhamos dias e dias<br />
de prazerosas entrevistas.<br />
78
A liber<strong>da</strong>de e satisfação mútua proporcionaram-<strong>nos</strong> a ouvirmos o contar<br />
repetitivo dos fatos inúmeras vezes, mas a ca<strong>da</strong> relato, acrescentavam-se<br />
novas informações hora análoga, ora divergente relacionado ao mesmo mito.<br />
Estes levantamentos permitiram uma relação lendária do passado, basea<strong>da</strong> no<br />
tempo e na sua origem até o momento presente. Pelas interpretações<br />
memoriais em relação ao passado, misturando-se com as percepções<br />
imediatas, ativas, latentes e penetrantes, ocultamente invasora.<br />
A fala pantaneira mol<strong>da</strong> <strong>nos</strong>sos ouvidos, como se o som fosse uma<br />
melodia, os pantaneiros imprimem sentidos nas suas falas, <strong>nos</strong> contagiando. As<br />
onomatopéias criam, fazendo com que o ouvinte seja levado para o momento<br />
<strong>da</strong> ação. Por exemplo: Iara relatou-<strong>nos</strong> a len<strong>da</strong> do Minhocão <strong>da</strong> seguinte forma:<br />
“Eu morava lá pra baixo onde tem aquela volta, eu morava ali, ai de fronte era<br />
uma fauna, você escutava o barranco fazer assim; ruc, ruc, ruc, ruc, de repente<br />
caia o barranco, eu tenho medo do bicho, eu já andei de canoa, aqui em Piraim,<br />
onde estava desta altura de espuma” (Mostrava). Os efeitos sonoros e visuais<br />
de suas falas fazem-<strong>nos</strong> vivenciarmos os momentos imaginários, como se lá<br />
tivéssemos tido antes, tornando-se quase que realista suas narrativas.<br />
Os contadores de causos, independentes <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, fazem<br />
harmoniosamente entre gesto e a onomatopéia, o sentido de vi<strong>da</strong>, deixando<br />
<strong>nos</strong>sas mentes vagarem livremente, pois um bom narrador utiliza desses<br />
recursos para prender a atenção de quem está apreciando sua narrativa,<br />
porque não basta narrar, é preciso <strong>da</strong>r vi<strong>da</strong> às palavras. A voz pantaneira é<br />
poética e melodiosa.“A voz poética assume a função coesiva e estabilizante,<br />
sem a qual, o grupo social não poderia sobreviver (...) o espelho mágico do qual<br />
a imagem não se apaga mesmo que eles tenham passado” (ZUMTHOR, 1993,<br />
p. 139).<br />
As variações lingüísticas existentes no Pantanal são peculiares à região,<br />
mol<strong>da</strong>m <strong>nos</strong>sos ouvidos, como se suas falas fossem sinfonias. Os termos<br />
79
egionais chamam-<strong>nos</strong> à atenção, pelas maneiras narrativas, que ao <strong>nos</strong>so ver<br />
eram algo mágico. Os olhares, a pausas <strong>da</strong><strong>da</strong>s nas horas convenientes, os<br />
gestos, as entonações, os movimentos, todos esses ingredientes <strong>nos</strong> faziam<br />
ficarmos embriagados e envolventes ao ouvirmos os causos com profun<strong>da</strong><br />
atenção. Compreendemos que não basta ouvirmos as narrações, é<br />
fun<strong>da</strong>mental termos a precisão do sentido, <strong>da</strong>ndo graças e serie<strong>da</strong>des às<br />
palavras ditas. Como relatou-<strong>nos</strong> o Pai do mato:<br />
80<br />
Sim, mais as crianças não gosta que eu saio, mas<br />
quando eu chequei num riozinho chamado Sopé,<br />
que deságua no rio Cuiabá mesmo, eu ia indo, vi<br />
aquele negócio num lugar de poço fosfosco<br />
escumando de um lado pro outro, ficou nessa<br />
artura ,(mostrou-<strong>nos</strong> com gestos de sua mão a<br />
altura) ai eu ia remando assim, assim,<br />
assim,(mostrou-<strong>nos</strong> como) bem na beiradinha do<br />
barranco, assim onde era a barranqueira, meio<br />
parado, eu vi fundo um trocinho assim, (gesto)<br />
que foi afun<strong>da</strong>ndo, afun<strong>da</strong>ndo, afun<strong>da</strong>ndo, assim,<br />
eu vi falei né, pensei cá comigo o que será que é,<br />
quem sabe é a aba de alguma arraia e ele foi<br />
fazendo um friozinho assim um borbulha<br />
cumpriduuu, eu passei e ain<strong>da</strong> fico esse<br />
borbulhadinho <strong>da</strong> água né, aí peguei o anzó e fui<br />
numa distancinha assim (gesto) e joguei o anzó, foi<br />
só que joguei o anzó eu vi tava boianu que tava,<br />
até ferveu, ai eu joguei o anzó quando acabei de<br />
jogar a linha estirou, eu ferrei era um pacu, um<br />
pacu desse bom assim,(gesto) aí eu puxei ele,<br />
peguei na linha suspendi aqui na canoa, a hora eu<br />
suspendi o pacu, o rabinho do anzó rebentou e o<br />
pacu caiu na canoa e começou corcovano,<br />
corcovano, corcovano e eu carquei ele nessa<br />
hora, a hora que eu tava carcanu ele assim, eu já<br />
tinha pegadu o cacete, como <strong>da</strong>qui ali naquele<br />
com barzinho assim, mais dispencou um trecho de<br />
barranco. Nossa senhora, foi feio, a água cresceu<br />
<strong>da</strong> artura dessa teia, dessa artura, eu só dei uma<br />
caceta<strong>da</strong> assim no pacu, joguei ele peguei o remu<br />
e mandei pra baixo, não demoro já estando outro,<br />
falei vigi Maria o bicho fico bravo porque passei ali,<br />
há mais esse dia me deu medu pesca lá.
Ao olharmos as narrativas dos moradores <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de São Pedro,<br />
<strong>nos</strong>sas relações ficaram ca<strong>da</strong> vez mais próximas, algo peculiar dos moradores<br />
do Pantanal. Como <strong>nos</strong>sas entrevistas foram fotografa<strong>da</strong>s e grava<strong>da</strong>s em fita<br />
cassete, procuramos preservar gestos e o modo de falar dos entrevistados.<br />
Formas gramaticais não convencionais, cacoetes (“né”, “<strong>da</strong>í”, “é”), pronúncias<br />
típicas ou específicas de ca<strong>da</strong> narrador (“cum”, para dizer “com”; “cê”<br />
substituindo “você” etc), as concordâncias nominais e verbais foram manti<strong>da</strong>s.<br />
A omissão de sílabas e letras, como no uso do gerúndio. Exemplo; falamu,<br />
escrenu, falo, grito, an<strong>da</strong>mu, ou ausência do “s” nós vamu, falamu, pois são<br />
características <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, pois acreditamos que essas peculiari<strong>da</strong>des<br />
fariam diferenças, e de forma alguma iríamos prejudicar as pesquisas.<br />
Em <strong>nos</strong>sas longas peregrinações entre comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>, na sua<br />
facul<strong>da</strong>de de sentirem, pensarem e agirem, acumulamos experiências,<br />
incentivando talentos ocultos através <strong>da</strong>s artes, hábitos, condutas e técnicas. A<br />
humani<strong>da</strong>de deveria pensar de forma universal e subjetiva, ao buscarem<br />
melhorias de suas vi<strong>da</strong>s comparativas com as dos outros, pois sabedores<br />
somos que são ilusões ao pensarmos que apenas as teorizações científicas<br />
são capazes de resolverem os problemas de um povo.<br />
81
“O imaginário é esta encruzilha<strong>da</strong> antropológica que permite<br />
esclarecer um aspecto de uma determina<strong>da</strong> ciência humana por<br />
um outro aspecto de uma outra “<br />
Gilbert Durant/ 2002<br />
3.4 OS MISTÉRIOS DO PANTANAL<br />
Veremos aqui muitas narrativas, to<strong>da</strong>s tão encharca<strong>da</strong>s de mistérios,<br />
quanto à região, pois antes de tudo estão mergulha<strong>da</strong>s no saber pantaneiro.<br />
Desse saber, através <strong>da</strong>s interpretações, resgata-se <strong>mitos</strong>, <strong>ritos</strong> e g<strong>ritos</strong> caídos<br />
no esquecimento, como os lugares de suas origens, e peso de seus assombros,<br />
que geram sentimentos de medo. Lembranças de pessoas que de uma forma<br />
ou de outras, sofreram na própria pele as fantasias do mito, como as histórias<br />
de benzedeiros, que “benzem mordi<strong>da</strong>s de cobra em animais domésticos, a<br />
quilômetros de distância e o curou”.<br />
O Pai do Mato contou-<strong>nos</strong> episódios acontecidos e repletos de devaneios<br />
sobre misticismos, em destaque, os repertórios ouvidos através dos indivíduos<br />
que a eles também contaram por a<strong>nos</strong> a fio desde ain<strong>da</strong> menino. Os <strong>mitos</strong> lhe<br />
eram repassados com fortes tendências do sobrenatural e o naturalmente vivido<br />
por ca<strong>da</strong> um que se assombram no negritar <strong>da</strong>s noites, quando sós, e<br />
necessário se faz deslocarem-se entre comuni<strong>da</strong>des e forçosamente precisam<br />
atravessar as matas, a fantasia e o medo povoam suas mentes, revelando-os<br />
seres muitas <strong>da</strong>s vezes fictícios. Desvela-se que a natureza tem mais coisas<br />
que a vã razão podem <strong>nos</strong> <strong>da</strong>r contas de explicarem. Tudo que acontece no<br />
Pantanal vira causo, transformando em len<strong>da</strong> ao serem entrelaça<strong>da</strong>s para<br />
serem repassa<strong>da</strong>s como sendo ver<strong>da</strong>deiras. Mesmo sendo acontecimentos<br />
ver<strong>da</strong>deiros, quando a imaginação os recheia de fantasias, deixam de serem<br />
82
um “simples acontecimento”, passando a somar entre mistério, enriquecendo a<br />
mítica.<br />
Essas narrativas artesanais, despi<strong>da</strong>s de preconceitos, mas com muita<br />
imaginação e sabedoria, trazem muito do que é ser povo pantaneiro, do que é o<br />
Pantanal, abrangendo o misticismo, a fauna, flora e todo o seu ecossistema<br />
existente. As narrativas estão repletas de sematologia lingüísticas que são<br />
fáceis de serem compreendi<strong>da</strong>s. Mesmo sendo subjacentes e simples, são<br />
carrega<strong>da</strong>s de sotaques e modo de agir e do pensar pantaneiro, onde a<br />
criativi<strong>da</strong>de, o imaginário e a maneira do contar fazem a diferença.<br />
Fatos e contos de causos assumem importância dinâmica com tal<br />
proporcionali<strong>da</strong>de, que o indivíduo que o narra, como o que o ouve, compartilha<br />
dos momentos de euforias que ambos sentem no próprio corpo, como se<br />
estivessem vivenciando ou recriando aquele momento. Como afirma Paul<br />
Zumthor (1992, p. 142) “o corpo não é somente um agregado de membros que<br />
gesticulam sob <strong>nos</strong>sos olhos(...) é a <strong>nos</strong>sa maneira de ser no mundo, <strong>nos</strong>so<br />
modo de existir no tempo e no espaço”.<br />
Para que possamos canalizar para análises <strong>nos</strong>sas pesquisas teremos<br />
como apoio o filósofo e educador francês Gaston Bachelard, no caso <strong>da</strong> análise<br />
dos <strong>mitos</strong> <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. Um dos pontos consistentes de <strong>nos</strong>sa parti<strong>da</strong>, foi o<br />
desenvolvimento de metodologias gra<strong>da</strong>tivas desobrigando-<strong>nos</strong> a mantermos<br />
as amarras <strong>da</strong>s categorizações, e <strong>nos</strong> libertarmos para as aventuras <strong>da</strong>s<br />
plurali<strong>da</strong>de dos significados característicos dos imaginários.<br />
É sabido, que o contador de fatos jocosos, não é prisioneiro de um<br />
modelo inalterável, transfigurando em sua mente estruturas que o permitem<br />
apoderar-se do fictício já cristalizado pelo passar dos tempos ou pela tradição<br />
oral e, assim, sendo, como um artista, transforma sentimentos alheios em<br />
medos ao contar o mito, folcloriando ain<strong>da</strong> mais ao tentar repassar a sua<br />
83
maneira, <strong>da</strong>ndo veraci<strong>da</strong>de aos fatos meramente míticos. De maneira que<br />
deixa em suspense desequilíbrio a individuali<strong>da</strong>de de sentimentos, que é se<br />
não os únicos motivos <strong>da</strong> existência <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s. Na reali<strong>da</strong>de a ca<strong>da</strong> novo<br />
desempenho pela maneira de como foi conta<strong>da</strong> e o toque de como será<br />
reconta<strong>da</strong>, traz sinais evidentes de mutações do engenhoso artístico de ca<strong>da</strong><br />
narrador. As narrativas relata<strong>da</strong>s/grava<strong>da</strong>s são as ver<strong>da</strong>deiras expressões <strong>da</strong><br />
multiplici<strong>da</strong>de do viver pantaneiro, envolve emoções, sonhos, devaneios,<br />
aspirações, realizações, frustrações, idéias, encantos e desencantos. Enfim,<br />
to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> dividi<strong>da</strong> em floresta e água dessa planície mágica.<br />
As paisagens compostas e emoldura<strong>da</strong>s pelos rios e florestas significam<br />
para os habitantes <strong>da</strong> região seus alimentos e suas sobrevivências, seus<br />
medos e suas histórias, espaços de vi<strong>da</strong> e trabalhos, que para eles a<br />
existência de um cotidiano repetitivo, onde os elementos fantásticos são<br />
maravilhosos, fazem no dia a dia, as paisagens mu<strong>da</strong>rem aos seus olhos.<br />
84
ATO – IV – Interpretando o Mito<br />
Imagem 16: Divino Espírito Santo<br />
Fonte: Dolores Garcia<br />
Local: Mimoso<br />
Data: 07/2005<br />
A vi<strong>da</strong> é breve, a alma é vasta.<br />
(Fernando Pessoa)<br />
E penso com os olhos e com os ouvidos<br />
E com as mãos e com os pés<br />
E com o nariz e com a boca.<br />
O essencial é saber ver,<br />
Saber ver sem estar a pensar,<br />
Saber ver quando se vê,<br />
E nem pensar quando se vê<br />
Nem ver quando se pensa.<br />
Mas isso (tristes de nós, que<br />
trazemos a alma vesti<strong>da</strong>!),<br />
Isso exige um estudo profundo,<br />
Uma aprendizagem de desaprender.<br />
85
4. A ÁGUA MÍTICA E AS LENDAS NA EDUCAÇÃO<br />
AMBIENTAL<br />
As <strong>águas</strong> foram, e sempre serão personagens de grandes destaques no<br />
Pantanal, onde o mítico, e o imaginário estarão sempre presentes nas<br />
comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. A importância e o poder <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> residem também<br />
numa aura de mistérios, de segredos, de simbologias mágicas e psíquicas; de<br />
fluxos invisíveis, mas perfeitamente perceptíveis, mesmo para quem tem<br />
sensibili<strong>da</strong>des pouco sutis.<br />
O medo, ligado às <strong>águas</strong> profun<strong>da</strong>s sempre a imaginou cheia de<br />
monstros, um lugar por excelência recheado de medos e de monstros, sempre<br />
prontos para devorarem pessoas que ali por ventura vissem a passar. As <strong>águas</strong><br />
associa<strong>da</strong>s ao medo fazem materializarem-se monstros, <strong>da</strong>ndo-lhes formas<br />
como o Minhocão. Serpente de tamanho descomunal e voraz. São seres,<br />
obviamente criados no momento de um fato que gerou o medo,<br />
consequentemente o imaginário deu-lhe vi<strong>da</strong> e corpo, e o sentimento temos ou<br />
veneração com o passar dos tempos. O rio torna-se assim a própria serpente,<br />
engolindo embarcações e pessoas que não o respeita.<br />
A água, considera<strong>da</strong> substância volúvel e complacente nas misturas em<br />
seu estado líquido. Segundo os ribeirinhos, as <strong>águas</strong> <strong>pantaneiras</strong> pela sua<br />
doçura e encantos, a consideram feminina, por seu berçário vasto, guar<strong>da</strong>ndo<br />
em seu útero, vi<strong>da</strong>s diversifica<strong>da</strong>s, tendo os próprios movimentos de fluxos e<br />
refluxos de vi<strong>da</strong>, liga<strong>da</strong>s às fertili<strong>da</strong>des dos campos, simbolizando continuação<br />
de vi<strong>da</strong>s, sentimentos, emoções e perplexi<strong>da</strong>des inconscientes, que é conjunto<br />
de processos e fatos psíquicos que são exteriores ao âmbito <strong>da</strong> consciência e<br />
impossíveis de serem trazidos à memória, mas que podem manifestarem-se<br />
<strong>nos</strong> sonhos, em estados depressivos e neuróticos, quando a consciência não<br />
está desperta, e cujo principal teorizador é a própria devastação causa<strong>da</strong> pelo<br />
desacautelado homem. “Às vezes a penetração é tão profun<strong>da</strong>, tão íntima que,<br />
86
para a imaginação, o lago conserva em plena luz do dia um pouco dessa<br />
matéria noturna, um pouco dessa matéria noturna (...). torna-se um negro<br />
pântano onde vivem os pássaros monstruosos” (BACHELARD, 2003, p. 105).<br />
Outros a vêem como água próspera ou até mesmo como <strong>águas</strong><br />
enfa<strong>da</strong><strong>da</strong>s por desequilíbrios, mesmo assim, devaneiam em sonhos imaginários<br />
proporcionados pelos encantos pantaneiros que se transformam em palco de<br />
len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> folclóricos. Têm o poder de absorver para si, as fantasias <strong>da</strong>s<br />
forças naturais, presentes na maioria dos rituais folclóricos, satânicos,<br />
sagrados, profa<strong>nos</strong> e nas cerimônias religiosas de todo o mundo. As <strong>águas</strong> têm<br />
poderes magnéticos de possessivi<strong>da</strong>des capazes de atraírem forças sobre<br />
naturais visíveis ou invisivelmente mitiga<strong>da</strong>s. Quando expurga<strong>da</strong>s são<br />
benéficas, mas quando enxovalha<strong>da</strong>s trazem transtor<strong>nos</strong> para os ecos sistemas<br />
subtraindo vi<strong>da</strong>s.<br />
Essa água pode ser classifica<strong>da</strong> como água viva e água morta, onde une<br />
o sonho e sonhador e o faz devanear com todo o imaginário que o lugar<br />
proporciona, produzem dramas, inventa vi<strong>da</strong> nova, mente nova, onde coloca-<br />
<strong>nos</strong> um convite para abrirmos os olhos e a mente para vermos esses novos<br />
olhares (BACHELARD, 2002).<br />
As len<strong>da</strong>s ou os <strong>mitos</strong>, normalmente surgem ao caírem <strong>da</strong>s noites às<br />
margens de rios ou nas imensidões <strong>da</strong>s matas. Onde caboclos apanhados<br />
pelas bocas <strong>da</strong>s escuridões, passam a exalarem medo dos imaginários,<br />
tornando-os enfraquecidos de suas carapaças. Com isso, geram sentimento de<br />
pavores principalmente de vibrações sonoras vin<strong>da</strong>s de direções opostas às<br />
suas. Se adentrados nas matas, tornam-se vulneráveis aos sons <strong>da</strong>s noites ou<br />
se a beira <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, tomados de pavores e calafrios, relembrando ou<br />
confabulando histórias folclóricas, só lhes restam tomarem de fantasias<br />
movidos pelo oculto medo, gerando-os as suas próprias fábulas míticas ao<br />
levarem suas façanhas de terror e desespero aos ouvidos alheios.<br />
87
Pouco a pouco, no mundo imaginário começa a fluir, como o curso de um<br />
rio, o imaginário, seja ele: o sonho, devaneio, mito ou relato de imaginação. A<br />
noite o imaginário flui, na beira do lago ou rio <strong>nos</strong> traz um medo específico, uma<br />
espécie de medo úmido que penetra o sonhador e o faz estremecer. A água<br />
nunca está sozinha, mesmo as mais claras trazem obsessões. A água a noite<br />
dá um medo penetrante (BACHELARD, 2003).<br />
Os rios não estão imunes aos assombros, pois, confabulam com as<br />
mentes receosas, instigando o imaginário pantaneiro, fortalecidos pelo medo.<br />
Apesar de vi<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> rio ter, tantos outros são fantasiados como a água ferve e<br />
caso gritem, assobiem ou falem em tons elevados triplicando de volume e<br />
sobem inun<strong>da</strong>ndo pastos. Desdobram-se em seus rios, lagos e corixos<br />
encantados, onde vagam as almas, de afoga<strong>da</strong>s, em rios intransponíveis e<br />
temidos que enriqueçam as len<strong>da</strong>s.<br />
To<strong>da</strong> e qualquer socie<strong>da</strong>de, necessita dos <strong>mitos</strong>, eles encarnam suas<br />
quali<strong>da</strong>des e atributos, além de servirem de referencial à própria socie<strong>da</strong>de que<br />
os criou. De certa maneira, são elementos de ligação entre o humano e a<br />
natureza. Eles <strong>nos</strong> fazem ver o que não está claro, aju<strong>da</strong>-<strong>nos</strong> a entender uma<br />
cultura. Analisar um mito, vivemos em um mundo transfigurado e impregnado<br />
<strong>da</strong> presença de seres sobrenaturais.<br />
Esses seres sobrenaturais encontram-se por todo o Pantanal e no<br />
imaginário dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. Podem ser criados e<br />
imaginados <strong>nos</strong> rios, nas baias, <strong>nos</strong> corixos, nas <strong>águas</strong> e nas matas. Basta<br />
<strong>da</strong>rmos atenções aos encantamentos do Pantanal. Portanto, para que esses<br />
seres possam aju<strong>da</strong>r a preservarem os rios e as matas, precisam continuar a<br />
existirem e a terem vi<strong>da</strong>s longas. Temos que sensibilizar-<strong>nos</strong> e a todos, pois a<br />
<strong>educação</strong> produz cultura e transforma a natureza.<br />
88
Seria ingenui<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sa parte pensar na existência apenas uma<br />
versão dos <strong>mitos</strong>, o que não é ver<strong>da</strong>de, já que mítica expande por ramificações<br />
infinitas a ca<strong>da</strong> versão uma vez conta<strong>da</strong> e <strong>da</strong> maneira como ela é conta<strong>da</strong>, e<br />
tem mais, a diferenciação de i<strong>da</strong>de dos contadores, tem pesos marcantes nas<br />
controvérsias. A socie<strong>da</strong>de como um todo, acolhe para si, seu próprio mito, e<br />
dele faz a sua bandeira em favor <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> natureza, como também<br />
lhes dá vi<strong>da</strong>s, não raras são as vezes que o cultuam. Ca<strong>da</strong> versão é parte do<br />
mito, não existe o certo e o errado, o que há são interpretações diferentes, são<br />
olhares diferentes. Conforme Jozef “O mito é a maneira em que uma socie<strong>da</strong>de<br />
entende e ignora sua própria estrutura, revela sua presença mas também uma<br />
carência. Isso se deve a que o mito assimila os acontecimentos culturais e<br />
sociais” (1996, p. 117).<br />
Ca<strong>da</strong> povo, ca<strong>da</strong> raça, ca<strong>da</strong> etnia, ca<strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, contam suas<br />
histórias desde a origem dos surgimentos de seus próprios <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, na<br />
tentativa de resgatarem suas memórias as eternizando.<br />
O surgimento de um mito ocorre, quando é nutrido com relatos de<br />
dramatici<strong>da</strong>de de um povo, acrescido de fantasias amedrontadoras,<br />
provenientes de indivíduos cuja visão do oculto parte sempre <strong>da</strong> sua própria<br />
personali<strong>da</strong>de e a outrem incentiva o medo imposto pela sensibili<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />
indivíduo, podendo assumir diferentes facções e com gra<strong>da</strong>ções de cores,<br />
formatos, grandezas, espessuras, enfim... uma gama de metamorfoses, são<br />
tidos como inteligentes ao serem eruditos, e saberes, como aconselhar,<br />
proteger, castigar, assustar, presentear, anunciar ou pedir algo, mas sempre<br />
ensinam. Esse é o meio <strong>da</strong> população preservar conservar ou recuperar matas,<br />
rios e animais, respeitando seus espaços.<br />
As len<strong>da</strong>s são um dos caminhos para a sensibilização ambiental, pois<br />
por meio delas, é possível rever exemplos de como devemos ter cui<strong>da</strong>do com<br />
<strong>nos</strong>so meio ambiente. Em epígrafes <strong>da</strong>s moderni<strong>da</strong>des foram excluí<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s e<br />
89
qualquer coisa fora <strong>da</strong>s ciências. Rumo à busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, estudiosos ou<br />
filósofos traçaram pla<strong>nos</strong> à humani<strong>da</strong>de, projetando-os como saberes que<br />
explicavam os fenôme<strong>nos</strong> do mundo. Mas Shakespeare diria que “há mais<br />
mistérios do que supõem-se <strong>nos</strong>sas vãs filosofias”, e de fato outras formas de<br />
saberes foram impondo as necessi<strong>da</strong>des de abrirmos diálogos, recompondo-<br />
<strong>nos</strong> na tentativa de compreendermos o mundo. Ciente, porém, que não são<br />
apenas uma única ver<strong>da</strong>de científica, mas múltiplos campos de conhecimentos.<br />
No caso específico <strong>da</strong>s metodologias de tantas narrativas presentes <strong>nos</strong><br />
“causos e assombrações” do Pantanal, elas conservam as estreitas ligações<br />
“socie<strong>da</strong>de-ambiente”. Absur<strong>da</strong>s ou não, foram cria<strong>da</strong>s nas expressões étnicas<br />
de povos ou regiões, igual<strong>da</strong>des na tentativa de compreensão do mundo. Fitar<br />
o mundo fenomenologicamente no contexto <strong>da</strong> EA, não significa apenas<br />
compreendermos seus fenôme<strong>nos</strong>. Significa cui<strong>da</strong>rmos e zelarmos dos seus<br />
corações. Estes talvez sejam os sentidos mais profundos que façam emergirem<br />
as consistentes ligações entre <strong>mitos</strong> e a EA.<br />
As len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> são contribuintes para um processo que agrega<strong>da</strong>s<br />
aos ambientes, essas narrativas orais, componentes <strong>da</strong> cultura transmiti<strong>da</strong> por<br />
gerações são também, determina<strong>da</strong>s quanto aos avanços depre<strong>da</strong>ntes dos<br />
desenvolvimentos econômicos onde se observa os deterioramentos e os<br />
desfacelamentos de peculiari<strong>da</strong>des culturais de uma socie<strong>da</strong>de, comuni<strong>da</strong>de ou<br />
grupo determinado.<br />
90
A serpente é, em nós, um símbolo motor,<br />
um ser que não tem na<strong>da</strong>deira, nem pés, nem asas, um ser que<br />
não confiou suas capaci<strong>da</strong>des motoras<br />
a órgãos exter<strong>nos</strong>, a meios artificiais, mas que se fez o móvel<br />
intimo de todo seu movimento<br />
Bachelard, 2003<br />
4.1 A SERPENTE O IMAGINÁRIO<br />
A serpente é o animal que mais provocou interpretações míticas e<br />
simbólicas. Considerado um animal peçonhento, de estética estranha,<br />
rastejante, faz repercussões desde os primórdios dos tempos, representando<br />
len<strong>da</strong>s, fantasias folclóricas e símbolos dos mais horripilantes pecados e de<br />
todos os temores a ela designados. Por ser ambígua, está intimamente liga<strong>da</strong> a<br />
terra e a água, vivendo em defesa e preservação <strong>da</strong>s espécies em buracos<br />
escuros, no qual, para os antigos era o submundo. A serpente está liga<strong>da</strong> à<br />
chuva fertilizadora e a fertili<strong>da</strong>de. Para Bachelard, “A palavra serpente opera em<br />
múltiplos registros. Vai <strong>da</strong>s seduções murmura<strong>da</strong>s até as seduções irônicas <strong>da</strong>s<br />
doçuras lentas a um súbito silvo” (2003, p. 209). As len<strong>da</strong>s, fortaleci<strong>da</strong>s pela<br />
vontade alheia, a têm, como símbolo <strong>da</strong> sedução. Em crenças antigas<br />
acreditava-se que as cobras podiam engravi<strong>da</strong>r as mulheres. Pensava-se ain<strong>da</strong><br />
que a mordi<strong>da</strong> de uma cobra fosse responsável pela primeira menstruação de<br />
uma menina.<br />
A fenomenologia interpreta a aparição dos répteis e serpentes, que com<br />
o passar dos a<strong>nos</strong>, emergiram <strong>da</strong>s profundezas dos túneis subterrâneos,<br />
segundo a len<strong>da</strong>, descobrindo e dividindo rios e matas como seus novos<br />
habitares. Infinitas são as len<strong>da</strong>s, tantas quantas importantes para a<br />
conservação do meio ambiente, mas o Minhocão tem seu espaço reservado na<br />
mente dos ribeirinhos pantaneiros, como sendo um dos mais temidos pela sua<br />
sobrenaturali<strong>da</strong>de de tamanho e robustez, permanecendo, mesmo com o<br />
91
passar dos a<strong>nos</strong> desde a sua mitificação, persevera impoluto na imaginação<br />
<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>de ribeirinhas, alimentados pelos desconhecidos mundos<br />
obscuros <strong>da</strong>s profundezas subterrâneas, fazendo com que a imaginação<br />
fustiga<strong>da</strong> de fantasias tenebrosas, emaranha-se ain<strong>da</strong> mais <strong>nos</strong> labirintos <strong>da</strong><br />
mente.<br />
A fantasia do medo diz que: todo ser rastejante tem afini<strong>da</strong>de familiar<br />
com a serpente, tendo seu habitar natural nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, não<br />
importa se mares, ocea<strong>nos</strong>, rios, poços, lagoas, o que importa é que tenha<br />
água em abundância e seja profundo como o medo e o devaneio <strong>da</strong> mente.<br />
Onde a imaginação faz esse ser circular <strong>nos</strong> meandros dos labirintos, <strong>da</strong>ndo<br />
vi<strong>da</strong> a todo ser rastejante, que é aparentado com a serpente, esse ser habita<br />
baías profun<strong>da</strong>s aparecendo também em poços e lugares fundos<br />
(BACHELARD, 2003).<br />
Podemos citar a fala de como narrou-<strong>nos</strong> o senhor Curupira, contador de<br />
causos com uma boa dose de petas, como se lê:<br />
92<br />
Aquele cabelo vermelho, aquele cabelo cumpridu,<br />
eu fiquei assim até bobo de ver, eu agüentei a<br />
canoa, ele foi saindu no seco e saiu no seco, saiu<br />
no seco e tinha um canto poço, assim que <strong>da</strong>va<br />
pro outro lado no areião né, ele meteu pra lá, mas<br />
a carcun<strong>da</strong> dele tinha a largura dessa mesa<br />
(gesto). Aquele monstro de trem, lá era um poço<br />
feio né. Ah! Eu agüentei a canoa né. Ele saiu no<br />
seco e nem me olhou não fez na<strong>da</strong>, seguiu e<br />
desceu pra lá (gesto). Ai eu ain<strong>da</strong> imbiquei a canoa<br />
e falei eu vou olhar o rastro dele, (demonstrava<br />
com as mãos os movimentos <strong>da</strong> canoa) pra vê se<br />
é como de gado, e como que é. Num consigui vê.<br />
Cheguei ali só vi aquela unhara<strong>da</strong>. Eu acho que é<br />
esse que é o minhocão. Esse eu vi aí no rio que eu<br />
já vi na minha vi<strong>da</strong>. Ai na hora no rio, que eu fiquei<br />
assombrado com ele, foi este, um trem desse cai<br />
numa armadilha, nem rede <strong>da</strong> nesse ai,<br />
né...he.he.he.he”
Não foram poucas às vezes em que ficamos horas e horas ouvindo<br />
causos sentados em escola rodeados por contadores, geralmente pessoas<br />
idosas e moradores antigos <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e pessoas curiosas que se<br />
aproximavam para também ouvirem ou <strong>da</strong>rem suas “palhinhas”. As pessoas<br />
que a nós se achegavam, não envere<strong>da</strong>vam os pés, pois curiosos e atentos aos<br />
causos, formavam uma ro<strong>da</strong> de pessoas senta<strong>da</strong>s ao redor do contador, que<br />
<strong>nos</strong> faziam gargalhar vez por outra.<br />
Também tivemos o prazer de lermos muitas obras literárias de<br />
pesquisadores consagrados. Após lermos muito, e escutarmos muitas histórias,<br />
percebemos que nas narrativas a serpente às vezes é ti<strong>da</strong> como um arco-íris, e<br />
às vezes também é conheci<strong>da</strong> como espírito <strong>da</strong> água, às vezes é terrível em<br />
sua cólera, ela possui o poder <strong>da</strong> auto-renovação, por causa de sua habili<strong>da</strong>de<br />
de mu<strong>da</strong>r e renovar a sua pele.<br />
Os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, normalmente relembrados pelos contadores de<br />
histórias, de certa forma, acabam passando de gerações em gerações, mesmo<br />
sofrendo mutações de origens, acabam sendo imortalizados ao serem<br />
recrutados por poetas e historiadores, que dão vi<strong>da</strong>s e movimentos aos <strong>mitos</strong>.<br />
Este caráter mutante deu origem às crenças que atribuem o poder <strong>da</strong><br />
imortali<strong>da</strong>de. Seus movimentos fazem com que poetas imaginem e crie<br />
momentos mágicos nas suas poesias. Bachelard seduz-<strong>nos</strong> com sua fala<br />
(2003, p. 208), ”Fazendo a serpente mover-se em contracorrente no riacho, o<br />
poeta liberta a imagem tanto do reino <strong>da</strong> água quanto do reino do réptil (...) Ela<br />
é mesmo movimento sem matéria. Aqui ela é movimento puro”.<br />
Esta divin<strong>da</strong>de não é inspiradora, também é destruidora. Une o reino<br />
vegetal e o reino animal, como se a serpente fosse à ligação, o casamento<br />
perfeito. Com efeito, de maneira profun<strong>da</strong>, a morte e a destruição estão liga<strong>da</strong>s<br />
à vi<strong>da</strong> e ao nascimento. Bachelard (2003, p. 202) traz “A serpente é um dos<br />
arquétipos mais importantes <strong>da</strong> alma humana. É o mais terrestre dos animais. É<br />
93
ealmente a raiz animaliza<strong>da</strong> e, na ordem <strong>da</strong>s imagens, o traço de união entre o<br />
reino vegetal e o reino animal”.<br />
Os historiadores tentam intercalar a dimensão do significado simbólico e<br />
mitológico divisando o sentido mítico. O ser humano, por natureza, tem a<br />
virtude <strong>da</strong> atitude de simbolizar ca<strong>da</strong> len<strong>da</strong>, tendo em destaque quase que<br />
generalizado pela serpente. Buscar sentido, encontrar significado, <strong>nos</strong> remete<br />
à dimensão do simbólico, pois simbolizar significa descobrir o sentido. A atitude<br />
simbolizadora é constitutiva do ser humano. Bachelard (2003, p. 203) traz “se<br />
acrescentarmos que esse movimento fura a terra, perceberemos que, tanto<br />
para a imaginação dinâmica como a imaginação material, a serpente se mostra<br />
um arquétipo terrestre”. A função do imaginário é, pois, a de mediar<br />
simbolicamente, as <strong>nos</strong>sas relações; ele é um mapa com o qual lemos o<br />
mundo, pois é através dele que organizamos, recursivamente, o real.<br />
Essa água, geográfica, que só é pensável<br />
em vastas extensões oceânicas, esta água quase orgânica à<br />
força de ser espessa, a meio caminho entre o horror e o amor<br />
que inspira, é o próprio tipo <strong>da</strong> substância de uma imaginação<br />
noturna<br />
Durand, 1989<br />
4.2 MINHOCÃO DO PANTANAL<br />
Começamos o sub-titulo como Minhocão do Pantanal, porque existem<br />
dentro de <strong>nos</strong>sas fronteiras territoriais, histórias sobrenaturais semelhantes, e<br />
que viraram <strong>mitos</strong>, gerando len<strong>da</strong>s com o passar dos tempos. O Minhocão em<br />
destaque, escrita pela escritora mato-grossense Dunga Rodrigues (1997), para<br />
que pudéssemos ter uma fonte de consulta através de suas pesquisas e melhor<br />
compreensão <strong>da</strong>s diversificações narrativas:<br />
94
95<br />
Este rio tem história! Quando vir manso e silencioso,<br />
não se ilu<strong>da</strong> com ele. A minha avó me contava e eu<br />
mesma vi coisas de arrepiar e de <strong>da</strong>r carreira no<br />
homem mais valente aqui <strong>da</strong> povoação. Quantas<br />
vezes nós descíamos, em bando, às margens do<br />
Rio Cuiabá, com as trouxas de roupa na cabeça ou<br />
simplesmente uma bacia equilibrando-se na rodilha<br />
que amortecia o peso. Depois de um esvaziamento<br />
do rio, só vendo a algazarra quando o barranco<br />
escorregadio provocava até que<strong>da</strong>s acompanha<strong>da</strong>s<br />
de risa<strong>da</strong>s alegres e caçoa<strong>da</strong>s inofensivas”.<br />
(...) pois o Minhocão do Pari, assim chamado por ter<br />
o seu ninho nas praias <strong>da</strong>quela região, era uma<br />
espécie de serpente, longa e cabeçu<strong>da</strong>. Sua cor não<br />
se distinguia ao certo; deslizando em baixo do barro<br />
<strong>da</strong>s barrancas, vivia sempre coberto de terra<br />
deixando, ao passar, o chão solapado e cheio de<br />
socavões em forma de sua descomunal cabeça.<br />
Quando o Minhocão se zangava ou saia para catar<br />
alimentos, <strong>da</strong>va cambalhotas no rio. Devorava<br />
pescadores, virava canoas, mesmo embarcação<br />
pesa<strong>da</strong>, que, se de pequeno calado, não agüentava<br />
com ele.<br />
Foi numa dessas violentas rabana<strong>da</strong>s que alguém<br />
lhe divisou a cor preta e reluzente, retrocedendose<br />
no meio do rio.<br />
Mas, voltando ao assunto, minha Nossa Senhora do<br />
Muquém! Veja como eu me arrepio sé de lembrar do<br />
caso.<br />
(...)nesse dia, a roupa que Merém levava era em<br />
dobro, pois sua mãe, lavadeira <strong>da</strong> enfermaria do<br />
Quartel, estava com um estrepe no dedão que a<br />
impossibilitava de esfregar os lençóis(...) Os<br />
moleques que por ali apareciam ou iam co<strong>nos</strong>co<br />
sempre jogavam o anzol; e o peixe fácil e abun<strong>da</strong>nte<br />
logo ia chiar na panela para o <strong>nos</strong>so almoço, de<br />
modo que voltávamos só à tardinha.<br />
Nesse dia a peixa<strong>da</strong> foi arromba, embora só desse<br />
“sopro-fogo”; mas estavam gordinhos, uma<br />
gostosura, com molho de pimenta chumbinho verde,<br />
arroz sem sal e pirão de farinha de mandioca.<br />
(...) Apesar de lusco-fusco, pois ia anoitecer rápido,<br />
reconhecemos o vulto de Zé Timote em pé, na polpa<br />
<strong>da</strong> embarcação. Ele voltava de um frete que fizera.<br />
Os olhos de Merém se iluminaram (...)Seus<br />
pensamentos foram quebrados por um ruído<br />
estranho e medonho. E não vinha <strong>da</strong> terra, vinha <strong>da</strong><br />
água. Parece que a canoa guindou para um lado.<br />
Mas Zé Timote lá estava firme de pé. Esfregou o
96<br />
olho para ter certeza do que vira, mas novo e<br />
próximo ruído ecoou fortemente, ao mesmo tempo<br />
que uma laça<strong>da</strong> negra fez um oito no ar, afun<strong>da</strong>ndo<br />
com fragor e carregando para a profundezas do rio,<br />
canoeiro, remos, canoa e tudo, ain<strong>da</strong> salpicando<br />
água a muitos metros de distância.<br />
- Foi o Minhocão. Não havia dúvi<strong>da</strong>. Eu vi com<br />
esses olhos que a terra há de comer.<br />
(...) Foi assim que a Merenciana enlouqueceu e<br />
nunca mais sarou.<br />
Nas narrativas dos causos ouvimos falar muito de um monstro em forma<br />
às vezes de serpente, às vezes de minhoca que habita os rios do Pantanal.<br />
Muitos narradores o chamam de “encantu” ou “encantadu”, para se referir aos<br />
seres <strong>da</strong> natureza. Esse termo é utilizado como uma referência aos seres<br />
míticos do Pantanal, sua descrição varia desde uma serpente gigante, anta,<br />
jacá, batelão e até de cor vermelha e cabeludo, como relata Curupira<br />
Eu fui na beira do rio, nem poço eu tinha ain<strong>da</strong>, eu<br />
morava embaixo <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> do Limoeiro (lugar)...ai<br />
eu subi pra matar umas piranhas...<strong>da</strong>í tava meio<br />
dia, fora de hora. Eu fui parei lá tomei um guaraná<br />
com ele lá e tava um anzol lá na canoa, umas<br />
iscas e falei:”meu padrinho me dá essas iscas ai e<br />
um anzol, eu vou matar umas piranhas pra mim<br />
levar”. Ele falou:”filho está ai”. Peguei e fui lá pra<br />
cima, quando eu vi, rio dos barreiros. Eu pensei<br />
que fosse barranco vinha descenu um ta ta ta,<br />
aquele estrondo na água, né! E tem uma boca que<br />
chama que tinha desmoronado, né! Quando eu<br />
olho assim pra baixo vinha atravessanu aquele<br />
bicho vermelho, assim que joguei o anzol na<br />
canoa, pensei que fosse um veado, que caiu na<br />
água. Falei eu vou adiantar ele. Quando eu fui<br />
cheganu e tinha uma praia grande, assim do outro<br />
lado, né! Da ilha...Era monstro mesmo de trem,<br />
oia, ele tinha aquele bicão, assim desse tamanho<br />
(gesticula) do braço de um homem, dessa<br />
grossura. Eu acho que esse é o Minhocão. Aquele<br />
cabelo vermelho, aquele cabelo cumprido, eu<br />
fiquei assim até bobo de ver....
Fitando as barrancas dos rios sem matas ciliares poderemos entender o<br />
porquê de suas narrativas. Sob as <strong>águas</strong>, existem infinitas dissemelhanças<br />
lendárias de imagens ca<strong>da</strong> vez mais profun<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> vez mais tenazes, que<br />
levam nós leitores, ouvintes e huma<strong>nos</strong>, a sentirmos em <strong>nos</strong>sas próprias<br />
contemplações e meditações, uma simpatia ou impassibili<strong>da</strong>de apática por<br />
esses aprofun<strong>da</strong>mentos lendários, donde de <strong>nos</strong>sas imaginações surgem<br />
seres que a eles <strong>da</strong>mos formas saracoteando o leitor ao mundo imaginário.<br />
Nas narrações, percebemos que tudo é passível de veraci<strong>da</strong>de e que no<br />
mito, a atitude de um gesto forma em nós uma cadeia de ver<strong>da</strong>des, ou seja, os<br />
acontecimentos que ele, o contador narra, e a maneira como ele se expressa<br />
crava em <strong>nos</strong>sas mentes como fatos puramente verídicos. Quando os<br />
pantaneiros usam a expressão “tomei um guaraná”, significa que tomar um<br />
guaraná faz parte <strong>da</strong> cultura pantaneira, por ter em abundância na região a<br />
referi<strong>da</strong> fruta <strong>da</strong> qual extraem o guaraná. To<strong>da</strong>s as narrativas são incorpora<strong>da</strong>s<br />
com fatos de origens culturais, unindo-os ao sobrenatural. Dessa forma, as<br />
expressões narrativas podem ser convincentes e originais, pois ao relatarem<br />
tais passagens acrescentam coisas que fazem parte de suas rotinas diárias.<br />
97<br />
Para que uma cultura seja realmente ela mesma e<br />
esteja apta a produzir algo de original, a cultura e<br />
os membros têm de estarem convencidos <strong>da</strong> sua<br />
originali<strong>da</strong>de e em certa medi<strong>da</strong>, mesmo <strong>da</strong> sua<br />
superiori<strong>da</strong>de sobre os outros; é somente em<br />
condições de subcomunicação que ela pode<br />
produzir algo. Hoje em dia estamos ameaçados<br />
pelas perspectivas de sermos apenas<br />
consumidores, indivíduos capazes de consumir,<br />
seja o que for que venha de qualquer ponto do<br />
mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de<br />
qualquer grau de originali<strong>da</strong>de ( LEVI-STRAUSS<br />
1978, p. 34).<br />
Senhor Antônio, que por longas horas <strong>nos</strong> fez as honras com sua<br />
presença incansável por horas a fio, mergulhado no prazer de trazer a tona os<br />
<strong>mitos</strong> encorpados com os seus relatos, narrando fatos e acontecimentos.
Segundo ele, vividos pelos seus amigos e parentes, levando-<strong>nos</strong> a navegarmos<br />
nas incógnitas como se realmente tivesse acontecido algo sobrenatural com as<br />
pessoas insinua<strong>da</strong>s. Mediante contexto de pavor, age o subconsciente em favor<br />
<strong>da</strong> natureza. Por isto, existe constante necessi<strong>da</strong>de de se resgatar <strong>mitos</strong>,<br />
pontilhando a mente dos ribeiros na intenção de chamar-lhes a atenção para<br />
terem os devidos cui<strong>da</strong>dos que se devem ter com o mundo que os secam<br />
visando um melhor meio de vi<strong>da</strong>, caso contrário a degra<strong>da</strong>ção será inevitável,<br />
como diz a len<strong>da</strong> “quando o Minhocão derruba o barranco é para mostrar que<br />
tem que ser respeitado o meio ambiente”. Como conta o Pai do Mato<br />
98<br />
Ouvi falar que a canoa ia passando assim, (gestos)<br />
ele decostado na canoa assim, (gesto) maior que a<br />
canoa , aquele monstro de bicho, nado no fio <strong>da</strong><br />
água, ai ele deu uma ponta<strong>da</strong> remo, assim né, deu<br />
aquele salavanco nele que levou a canoa lá , ele<br />
endireitou e mando, já estava perto de casa, que ele<br />
chegou lá em casa dele, que imbicou a canoa lá no<br />
porto e saiu em terra já viu o barranco caindo,<br />
derrubando o barranco, trem brem brem, escutando<br />
na casa.<br />
Vivenciamos, além <strong>da</strong>s narrativas que as explicações do fato natural,<br />
entendemos que antecede ligações de ca<strong>da</strong> conto com o sobrenatural. O<br />
desmatamento e o descuido com as margens dos <strong>nos</strong>sos rios provocam o<br />
assoreamento, em conseqüência, causam ver<strong>da</strong>deiros estragos no meio<br />
ambiente. Em to<strong>da</strong>s as narrativas ouvi<strong>da</strong>s, pudemos perceber sem receio de<br />
generalizarmos que o Minhocão tem a índole de mal humorado, bravo e<br />
violento. O respeito do ser humano pelo meio ambiente e os <strong>mitos</strong> protege os<br />
recursos naturais, necessários à garantia de vi<strong>da</strong>. Induzindo os pantaneiros a<br />
retomarem consciências quanto às técnicas e saberes nas li<strong>da</strong>s sem afetarem<br />
tão drasticamente a natureza. As representações <strong>da</strong> natureza ora demonstram<br />
fúrias, impondo-se frente a humani<strong>da</strong>de, a qual conferem atitudes conciliares<br />
por meio de representações míticas, ora denunciam a ocupação por terceiros<br />
na região pantaneira. As personagens míticas são conheci<strong>da</strong>s através de suas
supostas façanhas de outrora gerando atitudes criadoras e de sacrali<strong>da</strong>des. Os<br />
<strong>mitos</strong> são desc<strong>ritos</strong> devidos às infinitas diversi<strong>da</strong>des de suas formas, forças,<br />
tamanho e profundeza tocante nas mentes (ELIADE, 1998).<br />
Tivemos também a honra de passarmos bons momentos com a Iara,<br />
pessoa humilde de traços castigados pela vi<strong>da</strong>, mas de um carisma cativante,<br />
que a nós, envolveu com o seu jeitinho peculiar de resgatar os <strong>mitos</strong> em seus<br />
contos. Tamanha desenvoltura na maneira de falar transparecia como se<br />
ver<strong>da</strong>de fosse ou estivéssemos vivendo naquele momento o fato histórico<br />
lendário ao tocar fundo em <strong>nos</strong>sos sentimentos já amedrontados ao negritar<br />
<strong>da</strong>s noites, que em silêncio profundos vozes e sons ouvíamos distantes,<br />
deixando-<strong>nos</strong> a mercê <strong>da</strong> imaginação. Olhando em seus olhos, sentíamos a<br />
felici<strong>da</strong>de e a satisfação estampa<strong>da</strong> em seu semblante por ali estarmos a<br />
confabular. Não deixou por me<strong>nos</strong>, querendo <strong>nos</strong> amedrontar mais do que já<br />
estávamos, resgatou com requinte imaginativo, um fato que havia acontecido<br />
há muito tempo. Com o passar dos a<strong>nos</strong>, caiu no esquecimento dos mais<br />
jovens, mas Iara sabia tim tim por tim:<br />
99<br />
Ele encurta a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, eu mesma tive um<br />
irmão... esse que morava lá pra baixo de Porto<br />
Cercado, ai ele veio todo ritruncudo com cara de<br />
pouco jeito, veio aqui pra cima. Sempre ele vinha<br />
qui em casa e falava: “Bastiana, ta feio o bicho<br />
cavucando”. Eu dizia pra ele... larga dele mano<br />
vei, num chucha cum ele, deixa ele cavuca, não<br />
meche cum ele, mas ele era demais de teimoso.<br />
Quando foi um dia ele chuchou o troço, ai ele veio<br />
pra cá meio assustado e falanu: “chuchei ele<br />
Bastiana, chuchei ele Bastiana, o troço é cascudo<br />
que nem lixa e fei”. Ai ele me disse todo<br />
apavorado: Eu vou casá e mudá <strong>da</strong>qui. Não<br />
demorou muito tempo, casô e, foi embora pra<br />
Cáceres, e <strong>da</strong>í um ano dispois ele morreu todo<br />
cascudo. Diz o benzedero que foi dele olhar pro<br />
lombo do bicho mau e cutucá, aí o bicho jogou<br />
mandinga nele. Agora não mexendo com ele, nois<br />
vê ele passando rio acima e pra baixo, mais ain<strong>da</strong><br />
eu não cheguei de ver ele, mais o povo que já viu
100<br />
ele, mais fala que o bicho é grande. Minha neta já<br />
viu, tem bastante gente que já viu ele, esse meu<br />
cumpadre, ele pescava, meia noite ele saia pra<br />
pesca, ele ia subindo na beira <strong>da</strong> praia e viu um<br />
galho de um lado do outro do rio, ai ele imbicava a<br />
canoa na praia, até o bicho sumi, outra vez ele<br />
incostou na canoa dele, e foi ro<strong>da</strong>ndo, até que ele<br />
largou <strong>da</strong> canoa dele, ele é assim minha filha.<br />
Em suma, os <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> ensinam que o mundo, o ser humano e a vi<strong>da</strong><br />
têm uma origem e uma história sobrenatural. Ambas significativamente<br />
preciosas e exemplares, fazendo do contador personagem importante ao<br />
resgatar fabulando míticas. . Os próprios pantaneiros visando a sobrevivência<br />
de seu povo, resgatam as len<strong>da</strong>s de maior repercussão e pavor sentimental,<br />
para que pessoas alheias aos seus meio ambientes, temam pela própria vi<strong>da</strong> e<br />
assim conseguem preservar o meio ambiente, este, repletos de seres lendários<br />
que castigam e matam os animais, destroem as florestas e rios. Essas<br />
correspondências <strong>da</strong>s imagens com a palavra são as correspondências<br />
realmente salutares, o imaginário e as imagens engendra<strong>da</strong>s nas palavras,<br />
mostra que uma imagem pode ser li<strong>da</strong> através de metáforas, essas<br />
correspondências são salutares, dizendo-<strong>nos</strong> que precisamos para se<br />
envere<strong>da</strong>r pelo exercício de uma ciência do imaginário (BACHELARD, 2002).<br />
Em <strong>nos</strong>sas pesquisas, a i<strong>da</strong>de não tinha peso, mas sim, o que o<br />
indivíduo sabia e pudesse <strong>nos</strong> repassar, com isso, caipora de 38 a<strong>nos</strong>,<br />
melodioso em suas palavras, trouxe a sua versão ao <strong>nos</strong> relatar a len<strong>da</strong> do<br />
Minhocão a sua maneira, fazendo-<strong>nos</strong> acreditar piamente em sua fala,<br />
chegando a induzir-<strong>nos</strong> a levitar para que pudéssemos viajar em pensamentos<br />
aos primórdios dias de sua existência desde a origem, como também deixava-<br />
<strong>nos</strong> dúvi<strong>da</strong>s quanto a sua existência. O Pai do Mato gesticulava<br />
incessantemente:
101<br />
Ele parece quase direto ele parece, ele tem mas a<br />
turma nunca foi capaz de firma ele, porque ele é<br />
incantadu, esse bichu é, porque ele parece de<br />
tu<strong>da</strong> maneira, ele parece tipo de tambor, ele<br />
parece tipo uma canoa assim, troço preto que vem<br />
no rio, ai logo desaparece, eu não sei o que<br />
acontece que a turma não é capaz de firma ele pra<br />
mostra pru povo, que existe esse Minhocão ai<br />
existe, bem aqui na frente eu vi ele, ele sempre<br />
acaba com a praia, num faiz dia ele acabou com<br />
aquela.<br />
Os métodos <strong>da</strong>s narrativas em forma de ascensões <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, como as<br />
do Minhocão, fortalecem as vi<strong>da</strong>s e as mortes do sensível para o inteligível,<br />
como métodos de deduções, instigados pelos imaginários que recebem<br />
facilmente as impressões ou sensações dos sentimentos pessoais de ca<strong>da</strong> um.<br />
Nutrindo imagens cria<strong>da</strong>s pela impressionabili<strong>da</strong>de do instinto imaginário dos<br />
ribeirinhos, onde vêem o mito Minhocão, também intitulado como “batelão”, que<br />
não deixa de ser o prodígio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, comparado às semelhanças descritas<br />
de aparências monstruosas. O batelão, nome <strong>da</strong>do a uma espécie exótica de<br />
canoa larga que se parece com um monstro <strong>da</strong>s profundezas, que quando<br />
necessitado de alimentar-se emerge imponente e vagarosa pela sua robustez.<br />
Considerado o batelão, instrumento de trabalho, sobrevivência e de carga, com<br />
a qual os ribeirinhos cruzam o Pantanal em todos os sentidos. O batelão torna-<br />
se antítese do monstro devorador. A possibili<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> diante <strong>da</strong> ameaça. O<br />
batelão virado ameaça de morte, refere-se ao minhocão. Batelão normal<br />
garantia de vi<strong>da</strong>, onde o pescador tira seu sustento, mais uma vez vi<strong>da</strong> e morte.<br />
Onde o natural e o sobrenatural aparecem de dia, de noite nas <strong>águas</strong> do medo,<br />
<strong>da</strong> morte e do desconhecido ( LEITE, 2005).<br />
Pai do Mato compara o dorso do lendário Minhocão, com um tambor de<br />
200 litros, para que possamos ter a noção de sua espessura, para se calcular o<br />
tamanho em comprimento, basta usarmos a simples equação do medo, que<br />
na<strong>da</strong> mais é o efeito causado por um estímulo vindo do exterior, provocando<br />
excitações sobre <strong>nos</strong>sas mentes ou em <strong>nos</strong>sos sentidos. Tendo o coeficiente
102<br />
igual ao Pânico. O Pai do Mato também fez a comparação do Minhocão com<br />
jacá de tamanho avantajado. Seus entrelaços de taquara mais parecem com<br />
um lombo cascudo, principalmente quando fica muito tempo imerso só com o<br />
dorso de fora e cheio de peixes, que ao se debaterem para tentar fugirem,<br />
acabam <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong> ao jacá, rebolando de um lado para o outro, como narra:<br />
“parece esse troço assim diferente é outras coisas diferentes que a gente nem<br />
conhece, às vezes parece jacá de casca grossa cheia de cabeças de prego<br />
fincado, pra engana e pega. Porque aí esse bicho d´água mesmo onde ele<br />
mora tem um encanto”.<br />
O jacá é um depósito de peixes, tem um formato de cesto<br />
comprido, é feito, geralmente, de taquara. Parte dele<br />
permanece dentro do rio, onde são colocados os peixes<br />
vivos, durante alguns dias, enquanto esperam para ser<br />
vendidos. Mais uma vez tem-se a ameaça de morte<br />
traduzi<strong>da</strong> em utensílio de sobrevivência e vi<strong>da</strong>. O símbolo<br />
de morte traduz-se em cotidiano (LEITE, 1995, p. 83).<br />
Justifica até certo ponto, a comparação do jacá com o Minhocão, pois o<br />
jacá, quando cheio de peixes em movimentos constantes, fazem com que se<br />
desloque a todo o instante, caso não esteja devi<strong>da</strong>mente amarrado e com isso,<br />
ao mexer-se, diz-se que está prenhe de peixes vivos, caracterizando com uma<br />
forma de dissimulação do monstro. O jacá, como mostra a figura 17, dizem os<br />
ribeirinhos que o Minhocão toma forma de jacá para poder apanhar as pessoas<br />
que não respeitam o ecossistema e a própria natureza.
Imagem: 17 jacá<br />
Fonte: Mário Frielander<br />
103<br />
A semelhança do Minhocão com classes de vertebrados tetrápodes ou<br />
ápodes, ovíparos ou ovovíparos, de sangue frio, com o corpo revestido de<br />
escamas e que respiram por pulmões, são tidos como animais fabulosos<br />
mitificados como sobrenaturais e tenebrosos. Para a humani<strong>da</strong>de, e em<br />
especial para os ribeirinhos, são apontados como bichos “encantados” ou<br />
“encantus”. Como narrou entusiasma<strong>da</strong> a senhora Ana, de i<strong>da</strong>de já avança<strong>da</strong> e<br />
que muito gentilmente dentro de sua simplici<strong>da</strong>de ribeirinha de visão profun<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de pantaneira e que segundo ela, não foram poucas às vezes que do<br />
“encantus” chegou até ela, histórias sobrenaturais <strong>da</strong> avidez de consumo do<br />
Minhocão. Apesar de sua i<strong>da</strong>de, com fala dificultosa e arrasta<strong>da</strong>,<br />
pausa<strong>da</strong>mente <strong>nos</strong> disse: “Eu não conheçu, veju, fala que bichus d`água é<br />
encantus”. Muitas pessoas têm medo inté de pronunciar o nome dus bichus por<br />
achar que pode chamar a atenção du “bichu” e ele subi na terra e invadi <strong>nos</strong>sa<br />
casa e cumê tudo que encontra, até as galinha ficam paralisa<strong>da</strong>s ou correm em<br />
direção a bocona du bichu quando ela olha no zói du bichu ”.<br />
Praticamente, se não a totali<strong>da</strong>de dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des<br />
ribeirinhas relatam seus ou de pessoas que tiveram os dissabores de
104<br />
encontros com os seres “encantados” ou até mesmo surpreendidos quando<br />
navegando em calmarias, repentinamente são surpreendidos por enormes<br />
on<strong>da</strong>s, provoca<strong>da</strong>s pelo deslocamento do “bichu” nas profundezas ou até<br />
mesmo formam redemoinhos ao chupar as embarcações que submergem<br />
rapi<strong>da</strong>mente, sem tempo para que os tripulantes possam tentar uma rota de<br />
fuga. Uma vez sugados os tripulantes, a embarcação é expeli<strong>da</strong> e joga<strong>da</strong><br />
distante às margens dos rios, como <strong>nos</strong> relata <strong>nos</strong> relata em outra entrevista o<br />
senhor Saci. Trêmulo, mas risonho por tudo que a vi<strong>da</strong> lhe proporcionou:<br />
Se as pessoa, se ta em uma canoa ele chupa a<br />
canoa e a pessoa, ele vai chupando, chupando, a<br />
canoa vai defianu, defianu, ai tem que apanhar a<br />
faca, se não tiver naquela hora é morte certa, mas<br />
se tiver uma faca e tem que ser rapidim, pois é a<br />
única maneira de conseguir fugir do bichu é fazer<br />
um riscu com a ponta <strong>da</strong> faca em forma de cruz na<br />
canoa e dispois enfiar a faca no centro <strong>da</strong> curz<br />
desenha<strong>da</strong> na canoa, <strong>da</strong>í ele sorta. Porque o<br />
símbolo <strong>da</strong> cruz com a faca enfia<strong>da</strong> forma a<br />
mandinga que cai sobre o bichu e ele sente<br />
imediatamente como se a faca estivesse sendo<br />
enfia<strong>da</strong> nele, coisa que você não consegui por<br />
causo dele ser grande e bravu. Assim que ele<br />
sorta imediatamente o bichu afun<strong>da</strong> e vai longe. Só<br />
assim pra ele sorta.<br />
A len<strong>da</strong> tem tanto peso emocional e sentimental que na sua maioria, os<br />
indivíduos que por necessi<strong>da</strong>des precisam cruzar os rios pantaneiros, levam<br />
embainha<strong>da</strong>s em suas cinturas, facas como talismã ou defesa pessoal contra<br />
os bichus Segundo a len<strong>da</strong>, o Minhocão pantaneiro, possui um gemido que lhe<br />
é peculiar e audível a distâncias incríveis. Dizem que iguala ao gemido de dores<br />
e sentimentos talvez de remorsos pelas almas que morreram afoga<strong>da</strong>s e por<br />
ele foram comi<strong>da</strong>s. Sua fúria, segundo <strong>nos</strong> narrou o senhor Lobisomem, é<br />
relacionado às tristezas pelos descasos com as <strong>águas</strong> <strong>pantaneiras</strong>:<br />
Se vocês ficarem em silêncio na beira do rio e<br />
prestarem bastante atenção, vão a senhora escuta<br />
os gemidos dele lá nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> do
105<br />
rio, mas cui<strong>da</strong>do ele não gosta de ser escutado.<br />
Mas que ele gemi duro, há! Isso ele geme. Esses<br />
gemidos são como as vozes <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> que fazem<br />
ecoarem distante. O Minhocão, eu num vi, mas<br />
meus cumpadres disseram que quando o viram<br />
novamente, estava bastante doente e furioso,<br />
porque as <strong>águas</strong> estão ficando dia pós dia ca<strong>da</strong><br />
vez mais pesa<strong>da</strong> e escura devido a poluição de<br />
tudo quanto há. Onde se não tivermos os devidos<br />
cui<strong>da</strong>dos essas <strong>nos</strong>sas <strong>águas</strong> vão morrerem mais<br />
rápi<strong>da</strong>s que nós huma<strong>nos</strong>, sem falarmos <strong>nos</strong><br />
bichus.<br />
Por isso, que o Minhocão com seus fúnebres murmúrios, continuará<br />
ecoando nas profundezas dos rios até que acabem com as destruições <strong>da</strong>s<br />
matas e as poluições. Dessa forma as <strong>águas</strong> continuaram a levar poetas a<br />
devanearem na beira dos rios, onde supostamente podem reencontrar os<br />
mortos, como sendo, um possível encontro com suas almas (BACHELARD,<br />
2002).<br />
Os hábitos pantaneiros fazem com que as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> permaneçam<br />
influenciando direta e indiretamente no eco sistemas do Pantanal, pois estão<br />
atribuídos, mensagens que possibilitam por a<strong>nos</strong> e a<strong>nos</strong> a fio a continuação<br />
dos, costumes de preservação dos mananciais, rios, matas ciliares, florestas,<br />
reservas e de todo o eco sistema. Amedrontados e temerosos desde os seus<br />
ancestrais com o chacoalhar <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, passaram, ain<strong>da</strong> <strong>nos</strong> dias de<br />
hoje a respeitarem certos horários e locais.<br />
Conforme consta em <strong>nos</strong>sas pesquisas, após incessantes procuras de<br />
dias e dias caminhando pelas margens ribeirinhas do Pantanal, tivemos a feliz<br />
oportuni<strong>da</strong>de de encontrarmos em sua casa construí<strong>da</strong> sobre palafitas à beira<br />
do rio, uma jovem senhora de nome Serpente Encanta<strong>da</strong> de 23 a<strong>nos</strong> no<br />
momento ela estava sozinha, pois seu marido estava pescando, com três filhos<br />
de 03, 05 e 07 a<strong>nos</strong>, que os sustentam do que tira <strong>da</strong> própria natureza somente<br />
o necessário para suas sobrevivências, inclusive cria em precárias condições.<br />
De sorriso largo, porém triste, devido às dificul<strong>da</strong>des ali encontra<strong>da</strong>s. Implantou
106<br />
na mente <strong>da</strong>s crianças a len<strong>da</strong> do Minhocão, no intuito de afastá-las dos rios,<br />
fazendo-os acreditarem e a temerem o “bichu”, como sendo coisas vin<strong>da</strong>s do<br />
desconhecido e <strong>da</strong>s profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>.<br />
Conforme o an<strong>da</strong>mento de <strong>nos</strong>sas pesquisas, pudemos perceber, que os<br />
<strong>mitos</strong> dentro <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas têm peso de sentimentos de pavor<br />
muito forte, capazes de fazerem com que os nativos ribeirinhos respeitem<br />
alguns dias considerados sagrados e os próprios locais. Muitas <strong>da</strong>s vezes nem<br />
sequer aventuram cruzarem os rios, mesmo tendo saído de suas casas por<br />
diversos motivos, só retornam no dia seguinte ao dia sagrado. Aconteça o que<br />
acontecer, mesmo em casos extremos, tomados de medos e pavores é incapaz<br />
de cruzarem os rios e matas repletos de superstições.<br />
Como de praxe e é constante, deparamos com um enorme tronco de<br />
árvore que descia sorrateiramente correnteza a baixo. Nisso, um dos ribeirinhos<br />
que estavam ao <strong>nos</strong>so lado, imediatamente disse que era o lombo do Minhocão<br />
e que ele estava com fome, por isso saiu a caçar. Refletindo sobre a sua<br />
reação, chegamos nós mesmos a imaginarmos ser uma imensa cobra, vista de<br />
relance. Dando-<strong>nos</strong> parâmetros <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> mente em querer que<br />
acreditássemos que fosse coisa fantasiosa, mas não era e sim um simples<br />
tronco.<br />
Dias depois, encontramos novamente a senhora Iara, mais solta e<br />
confiante com a <strong>nos</strong>sa presença, relatou-<strong>nos</strong> “Dentro <strong>da</strong>s profundezas <strong>da</strong>s<br />
<strong>águas</strong>, existem mais olhos vivos do que fios de cabelos soltos por sobre a<br />
terra”. Bastante povo fala isso. Que tem muitas coisas. Ela quis <strong>nos</strong> dizer com<br />
essa fala de que ela acredita, e de que seus antepassados acreditam nesses<br />
seres poderosos que habitam no fundo do rio, nessa água silenciosa, sombria,<br />
dormente, insondável que causa alucinações e morte.
107<br />
Interpelamos por momentos, quando em diálogos com um grupo de<br />
ribeirinho em uma ro<strong>da</strong> de ping pong (bate papo) sobre seus costumes e de que<br />
maneira e como suas vi<strong>da</strong>s estão liga<strong>da</strong>s às suas len<strong>da</strong>s, já que, conforme<br />
constatamos, praticamente estão paralelamente unidos a religiosi<strong>da</strong>des e ao<br />
imaginário. Não foi muito difícil obtermos uma resposta comparativa, mesmo<br />
porque, responderam quase que unanimemente ao mesmo tempo. Tendo como<br />
suporte anterior às crenças dos ancestrais que são passa<strong>da</strong>s e muitas <strong>da</strong>s<br />
vezes deturpa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de origens por gerações a gerações. Logo<br />
associam com os costumes dos mais velhos, como se aquele costume não<br />
fizesse parte <strong>da</strong> cultura deles Pé-de-Garrafa de 74 a<strong>nos</strong> <strong>nos</strong> disse que: “O povo<br />
mais velho fala que dentro <strong>da</strong> água...” Eles e elas usam a experiência, a fala de<br />
alguém mais idoso para <strong>da</strong>r veraci<strong>da</strong>de, valor a sua fala.<br />
Os moradores do pantanal convivem com a enchente ou cheia, vazante,<br />
seca e chuva, essas alterações acontecem de 6 em 6 meses. Nos meses de<br />
dezembro a março acontece o período <strong>da</strong> chuva. Onde todo o Pantanal vira<br />
água, onde antes era terra nessa época vira lagoa de vi<strong>da</strong>, de peixe de ser<br />
encantado, a espera de mais uma aventura. A água é que man<strong>da</strong> no Pantanal,<br />
é o sangue, é a vi<strong>da</strong>, é ela que modela to<strong>da</strong> a paisagem, que a leva para o seu<br />
destino, ou seja, na enchente à água invade os campos e na seca forma os<br />
corixos, onde se tornam ver<strong>da</strong>deiros berçários (BACHELARD, 2002).<br />
Começa o ciclo <strong>nos</strong> meses de abril a junho/julho a época <strong>da</strong> vazante,<br />
onde era lagoa de vi<strong>da</strong> passam a ser de fuga dos peixes, as lagoas secam e os<br />
peixes que foram até elas a procura de comi<strong>da</strong>, acabam presos no seco, alguns<br />
ain<strong>da</strong> conseguem se arrastar e se salvar, outros não possuem o mesmo<br />
destino, morrem. Muitos moradores ao irem ao campo presenciam os peixes<br />
uns tentando se salvar, outros agonizando e outros mortos. Esses peixes são<br />
encontrados a quilômetros de distância do rio, lago ou corixo, esse fato faz com<br />
que esses homens e mulheres criem, recriem imagens e len<strong>da</strong>s, tal qual foi dito<br />
anteriormente, fazem-<strong>nos</strong> acreditar que esses “peixes caem do céu”. Surge aí a
108<br />
len<strong>da</strong> do “Peixe-que-cai-do-céu”, não encontramos registro dessa len<strong>da</strong>, por<br />
isso iremos relatar somente o que Jorge de 63 a<strong>nos</strong> <strong>nos</strong> relatou.<br />
A len<strong>da</strong> que <strong>nos</strong> chamou muito a atenção, foi a do “Peixe que cai do<br />
céu”, muito difundi<strong>da</strong> pelos ribeirinhos e que acreditam nela, tendo influência<br />
direta o “Arco Íris”, que suga os peixes dos rios os levando para a nuvens e<br />
depois os devolve junto com as chuvas torrenciais que acontecem de dezembro<br />
a março, época <strong>da</strong>s cheias no Pantanal. Obviamente que são fantasias<br />
engendra<strong>da</strong>s pelas mentes fantasiosas dos ribeirinhos, para justificarem a<br />
grande quanti<strong>da</strong>de de peixes como Robalos, Traíras, Piaus, Bagres e tantos<br />
outros que aventuram nas épocas <strong>da</strong>s cheias a procura de alimentos que são<br />
fartos nestes períodos e também época de se acasalarem e desovarem.<br />
Imprudentes alguns peixes, se negam a abandonarem seus refúgios aos<br />
primeiros sinais <strong>da</strong>s vazantes compreendi<strong>da</strong>s de abril a julho, o que justifica a<br />
permanência e morte de muitos peixes, nas matas, <strong>nos</strong> pânta<strong>nos</strong>, nas lagoas,<br />
<strong>nos</strong> corixos, nas estra<strong>da</strong>s com sulcos inun<strong>da</strong><strong>da</strong>s posteriormente, nas trilhas e<br />
no próprio campo onde são facilmente encontrados a quilômetros de distâncias<br />
dos rios mais próximos, como se estivessem pastando que nem gado, mas que<br />
não tiveram a chance de chegarem novamente <strong>nos</strong> rios. Suas mortes começam<br />
a se agravarem com as fortes secas, que vão do início de agosto até finalzinho<br />
de novembro. Daí fantasiado pelos ribeirinhos surgiu a len<strong>da</strong> do “Peixe que caiu<br />
do céu”:<br />
Eu conheço, o peixe que cai bastante é o rubalo,<br />
traira, fala lobo também, mas tudo é um só, mas<br />
quando chuva grande a gente an<strong>da</strong> na beira <strong>da</strong><br />
estra<strong>da</strong> onde não tem água corrente nesse lugar a<br />
gente acha bastante rubalo assim na água <strong>da</strong><br />
chuva, não é to<strong>da</strong> veis, meu irmão saiu no campo<br />
e veio com ca<strong>da</strong> rubalo deste tamanho (mostrou)<br />
grandão mesmo tudo vivo, eu cortei ele pra<br />
cachorro, eu nunca comi, mais ele é igual aos<br />
outros memu, só tinha água <strong>da</strong> chuva e <strong>da</strong>í ele<br />
trouxe ele eu cortei ele, cozinhei e dei pro<br />
cachorro, acho na estra<strong>da</strong>, só tinha água <strong>da</strong>
109<br />
chuva, pois é e num foi uma veis só foi diversas<br />
vezes a gente acha ele assim, quando chove<br />
grande, eu acho que é o arco-íris que bebe ele e<br />
joga do outro lado, pelo me<strong>nos</strong> é assim que os<br />
antigos falam, o arco íris bebe a água e <strong>da</strong>í bem a<br />
chuva, e não é só eu que vi diversas gente já viu,<br />
num é que ele encontrou morto eu, ele trouxe vivo,<br />
eu vi esse ai brigandu assim ele acaba a água <strong>da</strong><br />
chuva ele morre, porque a água <strong>da</strong> chuva seca.<br />
Nos meses seguintes as <strong>águas</strong> diminuem ca<strong>da</strong> vez mais, inicia-se a fase<br />
<strong>da</strong> seca. Quando me<strong>nos</strong> se imagina o ciclo recomeça, vem a chuva, onde a<br />
terra começa a ficar cheia de água, <strong>da</strong>ndo início a vi<strong>da</strong>, esse é o momento de<br />
fertili<strong>da</strong>de, onde a terra e a chuva se entrelaçam, a água entra na terra<br />
fecun<strong>da</strong>ndo-a. Deixando-a prenhe de vi<strong>da</strong>, essa água segue o curso normal, cai<br />
sempre, acabando sempre em sua morte horizontal, onde leva a imaginação e<br />
a morte, ao sofrimento <strong>da</strong> água no infinito, pois ela está a procura do curso do<br />
rio (BACHELARD, 2002).<br />
Os ciclos <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s <strong>pantaneiras</strong> recomeçam ao caírem as primeiras<br />
gotas <strong>da</strong>s chuvas no período chuvoso, inun<strong>da</strong>ndo rapi<strong>da</strong>mente todo o vale, mas<br />
também traz o desconforto e a morte, pois na trilha <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, são arrastados<br />
det<strong>ritos</strong> Quando chega a primeira chuva sobre o solo, ela vem carrega<strong>da</strong> de<br />
matéria orgânicos que não foram decompostos durante o período <strong>da</strong>s secas,<br />
com isso, submersas provocam reações químicas de fermentação, turvando e<br />
apodrecendo as <strong>águas</strong>. Essa água cai sobre essa matéria, começa a<br />
decomposição <strong>da</strong> matéria orgânica, as conseqüências são estranhas, porque<br />
causa uma água escura, suja e podre. Recebe o nome de “diqua<strong>da</strong>” pelos<br />
moradores ribeirinhos do Pantanal, gerando len<strong>da</strong>s associa<strong>da</strong>s ao Minhocão,<br />
que revoltado com a degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente, revolve <strong>da</strong>s profundezas<br />
<strong>da</strong>s <strong>águas</strong> fazendo com que to<strong>da</strong> a lixara<strong>da</strong> venha a tona e permaneçam por<br />
quilômetros na superfície e muitas <strong>da</strong>s vezes sendo expelidos para as margens<br />
onde ficam presos entre galha<strong>da</strong>s. Essa água leva os moradores a fazerem<br />
associações e usar <strong>da</strong> imaginação.
110<br />
a água é a substância que melhor se oferece às<br />
misturas (...) vai turvar o lago em suas profundezas<br />
vai impregna-lo. (...) Às vezes a penetração é tão<br />
profun<strong>da</strong> tão íntima que, para a imaginação, o lago<br />
conserva em plena luz do dia um pouco dessa<br />
matéria noturna. (...) Torna-se o negro pântano<br />
onde vivem os pássaros (...) Deve-se reconhecer<br />
que a água lhes dá um centro em que elas<br />
convergem melhor, uma matéria em que elas<br />
convergem melhor, uma matéria em que elas<br />
perseveram por mais tempo. Em muitas narrativas,<br />
os lugares malditos têm em seu centro um lago de<br />
trevas e horrores (BACHELARD, 2002, p.105-106).<br />
Nessa água o oxigênio é roubado pela matéria orgânica e muitos peixes<br />
morrem por falta de oxigênio, as <strong>águas</strong> evocam os mortos com o seu cheiro;<br />
tornando-se essas <strong>águas</strong> mortas e dormentes (BACHELARD, 2002).Na len<strong>da</strong><br />
do Minhocão nós temos o seguinte comentário de Iara:<br />
É, a catinga dele é forte, num pega, eu que tava<br />
aqui um dia tava pensano eu e minha filha, vamu<br />
pescar, que ta pegando bastante sardinha.<br />
Pegamo a canoa e fomu, e eu remano, quando<br />
olhei do lado de lá, minha filha perguntou: “<br />
mamãe o que que é esse?” é um galho, quando<br />
eu olho minha filha, uma ro<strong>da</strong> desse tamanho<br />
(mostrou com os braços), bem preto, quando ele<br />
foi pra fror <strong>da</strong> água , os peixes fugindo, e eu fiquei<br />
olhando para ele, é não vi quando ele sumiu, um<br />
troço bonito assim oh, uma ro<strong>da</strong>.<br />
O fenômeno <strong>da</strong> “diqua<strong>da</strong>” acontece não só <strong>nos</strong> períodos chuvosos, como<br />
também nas épocas <strong>da</strong>s secas, enlameando ain<strong>da</strong> mais as <strong>águas</strong> empossa<strong>da</strong>s<br />
provoca<strong>da</strong>s também pelas evaporações. As <strong>águas</strong> começam novamente a<br />
fortalecerem as vi<strong>da</strong>s ao clarearem, tornando-as quase pura para o consumo<br />
humano. Até chegar num período em que a água fica clara e dessa forma<br />
podemos entrar num devaneio e sonhar, imaginar, adorar aquela pureza <strong>da</strong><br />
água verde e clara, a água torna-se assim pouco a pouco, uma contemplação<br />
que se afun<strong>da</strong> e se aprofun<strong>da</strong> numa contemplação materializante<br />
(BACHELARD, 2002).
111<br />
Na vazante, as <strong>águas</strong> são claras até chegar no outro período <strong>da</strong> seca,<br />
em que as <strong>águas</strong> ficam presas em corixos, onde justifica o porquê <strong>da</strong> água ser<br />
feminina e ser uma ver<strong>da</strong>deira materni<strong>da</strong>de, onde além de ter caráter feminino<br />
leva a imaginação poética. Onde vemos nascer, crescer e muitas vezes morrer,<br />
com poluições nas margens dos <strong>nos</strong>sos rios (BACHELARD, 2002).<br />
Através <strong>da</strong>s narrativas levanta<strong>da</strong>s, pudemos perceber que elas estão<br />
direciona<strong>da</strong>s e preocupa<strong>da</strong>s com o meio ambiente, elas têm também caráter<br />
preservacionista, mostram que seres sobrenaturais agem como protetores de<br />
certos lugares, impedindo que caçadores ajam de forma desequilibra<strong>da</strong> com o<br />
ambiente. No entanto, são seres que estão tendo seus espaços invadidos, seus<br />
lugares que antes eram sagrados já estão entrando em extinção, estão<br />
desaparecendo, isso em função do desequilíbrio ambiental provocado pela<br />
ação antrópica.<br />
Em <strong>nos</strong>sas an<strong>da</strong>nças pelas ribeirinhas do Pantanal, ouvimos relatos de<br />
que muitos moradores <strong>da</strong>s colônias conhecem ou tem na própria família,<br />
tragédias causa<strong>da</strong>s pelas on<strong>da</strong>s dos rios pantaneiros que chegam a um metro<br />
de altura ou mais, dependendo <strong>da</strong> época e que devido aos atrevidos barqueiros<br />
ou incautos barranqueiros foram apanhados e muitas <strong>da</strong>s vezes levados à<br />
morte. Nas <strong>nos</strong>sas coletas de <strong>da</strong>dos presenciamos alguém dizendo que perdeu<br />
um amigo ou parente <strong>nos</strong> rios pantaneiros, mas sabemos que algumas vezes<br />
ocorre do pescador ser incauto e com isso sofrem Culpando novamente o<br />
tempestuoso Minhocão, impondo-lhe culpas e fama de fazedor de almas, por<br />
ter sacudido o seu dorso e causado fatali<strong>da</strong>des, provoca<strong>da</strong>s pelas on<strong>da</strong>s, que<br />
dependendo <strong>da</strong> época chegam a levantar on<strong>da</strong>s com mais de 1 metro de altura,<br />
nessas horas os pescadores só conseguem ver o movimento do “minhocão” ao<br />
submergir. Como relatou-<strong>nos</strong> Pé-grande:<br />
Eu falei pra ele oia aqui tem um bichu que trabaia<br />
aqui ele não gosta de gritu de jogar pau nele<br />
quando ele ta trabaianu, ele foi e limpou uma terra
112<br />
grande pra planta batata, ai eu foi e falei pra ele,<br />
ele não acreditou, <strong>da</strong>í quando ele começou a jogar<br />
o barro, limpa joga o siscu no rio, o bichu<br />
embrabeceu, começou a trabalhar lá, ele ia lá<br />
panhava esses tocão e jogava no rio, cabou cum<br />
limpo dele pranta batata, e uma dessas horas que<br />
ele veio pra jogar um tocu, quase que ele foi, o<br />
barranco abriu como laje ia levar ele também, ele<br />
correu e pulo. Esse eu conto porque eu vi, ai eu<br />
falei pra ele, não falei pro senhor que o bicho<br />
trabaia aqui, o senhor vai <strong>da</strong> reiva pra ele, num<br />
mexe cum ninguém, larga mão dele, acabou com a<br />
terra dele pranta a batata.<br />
Os ribeirinhos dizem que o minhocão recebe esse nome, pelo fato de<br />
revirar e fuçar o barranco, como uma minhoca, mostra assim que ele tem um<br />
lado terrestre. Esses movimentos de furar a terra a serpente se mostra um ser<br />
terrestre, onde o bicho faz ali ser o local de trabalho (BACHELARD, 2002).<br />
Para muitos ribeirinhos o minhocão é um trabalhador, nesses exemplos,<br />
que podem se multiplicar, vemos a imaginação trabalhar embaixo <strong>da</strong> terra para<br />
uma valorização do horrível. Podemos afirmar que a reali<strong>da</strong>de aqui não importa,<br />
que o imaginário é mais importante para aquele momento (BACHELARD,<br />
2002).<br />
Em <strong>nos</strong>sas pesquisas ao cair <strong>da</strong> noite, a equipe chegou a recear por<br />
longos momentos em continuarmos os trabalhos. Não pelo cansaço estampado<br />
em <strong>nos</strong>sos rostos, mas sim, pelas histórias que <strong>nos</strong> deixavam completamente<br />
enfraqueci<strong>da</strong>s de coragens. Ficamos a <strong>nos</strong> imaginar dentro <strong>da</strong> pele dos<br />
pantaneiros que passam suas vi<strong>da</strong>s naquele lugar sem terem para onde irem.<br />
Muitos nem sequer conhecem além dos limites <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, quanto mais<br />
uma média ci<strong>da</strong>de onde se vivem completamente diferenciados dos moradores<br />
ribeirinhos, coisas que acontecem entre gerações e gerações.<br />
Boitatá é um exemplo vivo, nunca, jamais se afastou de suas terras,<br />
apesar de ter... como <strong>nos</strong> relatou, que numa madruga<strong>da</strong> chuvosa, sua
113<br />
plantação de batatas foram devora<strong>da</strong>s pelo Minhocão. Ao revirar a terra a<br />
procura de raízes como parte de suas dietas alimentares. Saciado voltou para o<br />
rio e bebeu boa quanti<strong>da</strong>de de água. Regozijando, em segui<strong>da</strong> turvou to<strong>da</strong> a<br />
água, provocando espumas mal cheirosas e borbulhantes, como se estivessem<br />
em efervescência, levando ao desespero de causo o ribeirinho. Mesmo assim,<br />
jamais quis abandonar suas terras, e <strong>nos</strong> disse mais... “morrerei aqui e <strong>da</strong>qui<br />
ninguém me tira”.<br />
Pensamentos invadem <strong>nos</strong>sa mente e novamente queremos saber o<br />
porquê dele revirar a terra, acreditamos que por ele ser <strong>da</strong> terra, necessita<br />
alimentar-se dela, e Bachelard (2003) aju<strong>da</strong>-<strong>nos</strong> a entender dizendo que: “para<br />
alimentar essa criatura nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra, que melhor alimento do que a própria<br />
terra? A serpente comerá a terra inteira, assimilará o lodo, até tornar-se o<br />
próprio lodo, até tornar-se a matéria prima de tudo. O minhocão ao comer a<br />
terra, assume um trabalho devorador, que no seu movimento faz a água<br />
espumar, turvar e ferver, levando os ribeirinhos ao temor e a devaneio.<br />
Conforme depoimento de Lobisomem de 38 a<strong>nos</strong>:<br />
“Quando cheguei na bera do barranco achei que<br />
era uma tora, olhei assim na água tava fervenu ai<br />
chamei o cumpadre e falei vamu tirar a canoa de lá,<br />
que o bicho já vai acaba com o barranco ai, tiremu a<br />
canoa, quando fez poca hora que tiramu a canoa<br />
que rodeamu ali, ele acabou com aquele mundo<br />
veio todo. Ele existe já fazuns treis a<strong>nos</strong>”.<br />
Em <strong>nos</strong>sas coletâneas deixou-<strong>nos</strong> claro que os sinais que a natureza<br />
tenta <strong>nos</strong> passar apesar de mu<strong>da</strong>, faz-<strong>nos</strong> entender através de suas belezas<br />
que estão sendo degra<strong>da</strong><strong>da</strong>s em processos continuados, mesmo alertados com<br />
as transformações <strong>da</strong>s intempéries do tempo, provocados pelas queima<strong>da</strong>s e<br />
poluições do ar atmosférico. A natureza tenta <strong>nos</strong> avisar por meio de<br />
mensagens de grandeza, beleza, perplexi<strong>da</strong>de, dor e força, para ser evitado<br />
alguma calami<strong>da</strong>de, basta o ser humano <strong>da</strong>r atenção aos <strong>ritos</strong>, <strong>mitos</strong> e g<strong>ritos</strong><br />
que a natureza <strong>nos</strong> passa. Temos que ser capazes de perceber que muitos
114<br />
sinais <strong>nos</strong> são passados como alerta, devemos levar em consideração, não<br />
desprezando esses avisos, mas respeitando, estu<strong>da</strong>ndo e valorizando,<br />
independente de fazer parte <strong>da</strong> sabedoria popular de um povo, esse povo sabe<br />
o que fala e acredita que se hoje estão sofrendo, por causa do descaso dessa<br />
socie<strong>da</strong>de, dessa socie<strong>da</strong>de dita organiza<strong>da</strong> e preconceituosa.<br />
4.3. PALAVRAS FINAIS<br />
Imagem18: árvore cabeça<br />
Fonte: Storm Thorgerson<br />
Quanto mais breve for a vi<strong>da</strong>, mais extensa será sua alma<br />
Dolores Garcia/ 2005<br />
Podemos dizer que a natureza é como esta imagem de uma cabeça,<br />
onde idéias surgem, mas que devemos aprender, a saber, usa-la. Poderá guiar-<br />
<strong>nos</strong> e dizer-<strong>nos</strong> quando e como poderíamos exercitar <strong>nos</strong>sas mentes, mas<br />
infelizmente não <strong>da</strong>mos os devidos valores a estes encantos <strong>da</strong> natureza ao<br />
desconsideramos o que não deveriam ser desconsiderados.
115<br />
A convivência com outros mundos, não relacionados aos <strong>nos</strong>sos no<br />
cotidiano, trouxe-<strong>nos</strong> aconchegos de espí<strong>ritos</strong>, principalmente por deixarmos<br />
por onde passamos amigos esperançosos de que um dia seja possível os<br />
governantes cientes <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de preservarem o meio ambiente, a eles<br />
esten<strong>da</strong>m os benefícios. Sem contarmos que ao <strong>nos</strong>so redor, ou seja, <strong>nos</strong><br />
arredores de <strong>nos</strong>sas ci<strong>da</strong>des existem culturas, <strong>mitos</strong>, len<strong>da</strong>s, fantasias<br />
folclóricas, tão incríveis que divergem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des.<br />
Chegamos ao final <strong>da</strong> viagem ao imaginário pantaneiro, onde passamos<br />
pela cultura, por lugares encantados e uma comuni<strong>da</strong>de calorosa. Buscamos<br />
efetuar uma síntese coerente de <strong>nos</strong>so navegar pela água pantaneira, len<strong>da</strong>s e<br />
<strong>mitos</strong>, <strong>ritos</strong> e g<strong>ritos</strong> e <strong>educação</strong> ambiental.<br />
Presenciamos o turvar <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> pós chuvas, o reviver de um eco<br />
sistema bastante saqueado por huma<strong>nos</strong> egoístas e egocêntricos, também<br />
tivemos a felici<strong>da</strong>de de fazermos amigos e deixarmos sau<strong>da</strong>des. Vimos como a<br />
água, desde os tempos antigos, estava impregna<strong>da</strong> de símbolos e de tentativas<br />
de domínio humano. Em <strong>nos</strong>sas peles vivenciamos com os ribeirinhos os<br />
sentimentos de medos dos obscuros, <strong>da</strong>s visões míticas, <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>s<br />
fábulas e <strong>da</strong>s próprias escuridões, onde o guia era na<strong>da</strong> mais na<strong>da</strong> me<strong>nos</strong> que<br />
o próprio rio, refletidos opacamente pelas negras nuvens, que de quando em<br />
vez faziam com que <strong>nos</strong>sos frágeis corpos achincalhavam <strong>nos</strong>sas resistências<br />
ao medo. Além de seu uso indispensável para sobrevivência, a água foi<br />
inspiradora de in<strong>da</strong>gações e motivo de veneração por diferentes culturas.<br />
Contudo, o ser humano se viu constantemente que a visão mítica foi o modelo<br />
interpretativo utilizado durante a maior parte <strong>da</strong> pesquisa e que ela é ignora<strong>da</strong><br />
por muitos. Desde os tempos remotos, a água, por ser um dos elementos vitais,<br />
era revesti<strong>da</strong> por um vasto conteúdo simbólico, demonstrando a sua<br />
importância na vi<strong>da</strong> dos seres huma<strong>nos</strong>. Diante de situações e desafios<br />
concretos e onde o domínio <strong>da</strong> água era perseguido, explorado, sendo que, a
116<br />
mesma deveria ser percebi<strong>da</strong>, entendi<strong>da</strong>, estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e pesquisa<strong>da</strong> por diferentes<br />
visões, mas jamais usa<strong>da</strong> de forma degra<strong>da</strong>nte, gritante.<br />
A água foi e será fonte de inspiração para muitos escritores sensíveis a<br />
reali<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sos tempos, pois em devaneios, através delas dão vi<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong><br />
partícula de sua formação, passando pelas profundezas terrestres, imensidões<br />
dos mares, dos ocea<strong>nos</strong>, e de tantos quantos forem os lugares em que ela se<br />
faça presente para reinar, pois ela é fonte inspiradora, onde a imaginação brota,<br />
brota como a água, foi dessa imaginação que a comuni<strong>da</strong>de pantaneira a criou<br />
seus <strong>mitos</strong> protetores.<br />
Os <strong>mitos</strong> existentes na face <strong>da</strong> terra não têm autor, muito me<strong>nos</strong> autores.<br />
São relíquias pertinentes às sabedorias triviais dos povos conservados e<br />
relembrados com o passar dos a<strong>nos</strong> pelas novas gerações que ouviram de<br />
seus antepassados. Dando às len<strong>da</strong>s, forma, cores, corpo, feroci<strong>da</strong>de, símbolos<br />
repletos de fantasias, inclusive em alguns casos inserem vestimentas<br />
espalhafatosamente colori<strong>da</strong>s e mascara<strong>da</strong>s pelo inconsciente coletivo sob a<br />
forma e grandes símbolos, de arquétipos e de figuras exemplares. A ca<strong>da</strong><br />
geração emerge na consciência sob mil rostos (BOFF, 2001).<br />
O que <strong>nos</strong> deixou profun<strong>da</strong>mente chocados, foi a constatação acelera<strong>da</strong><br />
do desaparecimento <strong>da</strong>s matas ciliares, com isso, os animais, a flora e to<strong>da</strong> a<br />
fauna, além de suas perseguições e degra<strong>da</strong>ções, acabam morrendo por falta<br />
de seu habitat natural, levando a extinção centenas de tesouros desta frágil<br />
natureza. Sem falarmos <strong>da</strong> própria degeneração dos seres huma<strong>nos</strong> com a<br />
falta d’água e de ar puro para se continuar a viver. Mas não para por aí,<br />
constatamos que as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, apesar de terem ain<strong>da</strong> peixes<br />
com certa abundância, sofrem problemas seríssimos no tocante a alimentação,<br />
frente de trabalho, <strong>educação</strong> ambiental e pessoal, saúde médica extremamente<br />
precária, habitação deprimente com a falta de saneamento básico, energia<br />
elétrica favorecendo quase que especificamente aos fazendeiros e os mais
117<br />
aquinhoados monetariamente. São observações fun<strong>da</strong>mentais, mas existem<br />
outras de igual peso para o bem estar <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. “O desaparecimento<br />
<strong>da</strong>s matas e de espécies animais, o aumento galopante <strong>da</strong> poluição e o<br />
acúmulo de lixo podendo resultar na derrota <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, se não hoje, nas<br />
próximas gerações, caso não se mude a forma de intervenção na natureza”<br />
(CINTRA & MUTIM, 2002, p. 92).<br />
Não os culpamos propriamente dito pelas degra<strong>da</strong>ções impostas pelas<br />
circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas sim, ao sistema governamental de distribuição de<br />
ren<strong>da</strong>s e poderes. Comparamos o Pantanal como sendo um palco de teatros <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> cotidiana pantaneira, onde os atores ribeirinhos exercitam seus cânticos,<br />
entoados em honra <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des as quais suplicam reflexões direciona<strong>da</strong>s ao<br />
povo ribeirinho, que apesar <strong>da</strong> EA se fazer presente, não é o suficiente para<br />
emanar sensibili<strong>da</strong>des de sustentação na maior atenção ao povo pantaneiro.<br />
Portanto, ao mesmo tempo em que são atores, são vítimas <strong>da</strong><br />
degra<strong>da</strong>ção ambiental e social a que estão expostos em seu cotidiano. A<br />
reflexão sobre as len<strong>da</strong>s e a EA <strong>nos</strong> leva a pensar a possibili<strong>da</strong>de de se atingir<br />
um novo patamar de desenvolvimento <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de humana, respeitando as<br />
diversi<strong>da</strong>des e biodiversi<strong>da</strong>des sócio-ambiental-cultural. Reforça a idéia de que<br />
deve ser vista não só a questão ecológica, fauna e flora, mas também a<br />
questão cultural, esse conhecimento não acadêmico, mas cheio de sabedoria.<br />
Esta pesquisa deve despertar no leitor a na leitora que a EA vai além <strong>da</strong><br />
paisagem, ela deve fazer-<strong>nos</strong> ter sensibili<strong>da</strong>de e preocupação com o que <strong>nos</strong><br />
rodeia.<br />
As len<strong>da</strong>s podem ajudá-los a preservar o Pantanal, mas não são<br />
ferramenta tão forte capazes de impedirem as ganâncias ca<strong>da</strong> vez mais<br />
subdividi<strong>da</strong>s entre posseiros, fazendeiros e novos adquirentes de terras, o que<br />
provoca diretamente o empobrecimento marcante dos ribeirinhos e <strong>da</strong>s próprias
118<br />
terras devasta<strong>da</strong>s, assolando rios, lagos, mares e até mesmo a própria vi<strong>da</strong> de<br />
todos nós.<br />
Acreditamos que os <strong>mitos</strong> têm peso marcante como invólucros <strong>da</strong><br />
conservação <strong>da</strong>s culturas <strong>pantaneiras</strong> e guar<strong>da</strong>m em suas simbologias, tudo o<br />
que essas culturas alcançaram desde os primórdios dos tempos. Atenuando o<br />
desaparecimento <strong>da</strong> cultura ambiental <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, se não<br />
tivéssemos o poder do imaginário, que é um componente importante para<br />
explicar a complexi<strong>da</strong>de do sentir do ser humano, não teríamos a consciência<br />
do que é deprimente. A diferença do saber e do sentir, só é percebi<strong>da</strong> quando<br />
nós sentimos na própria pele, pois na <strong>nos</strong>sa dói e nas dos outros passa.<br />
Estamos fazendo uma comparação relativa a reciproci<strong>da</strong>de entre pessoas ou<br />
coisas, para que possam entender a necessária conservação do eco sistema<br />
universal, mas em princípio relacionados ao Pantanal.<br />
Sendo o Brasil, um país extenso abrangendo diversi<strong>da</strong>des étnicas,<br />
raciais, culturais e de ideologias próprias, que ao se mesclarem, dificultam ser<br />
implementados o bem estar <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, principalmente expurgados<br />
socialmente ou de certa forma excluí<strong>da</strong>s por pressões econômicas ou<br />
fundiárias, dissipando suas histórias, consequentemente suas culturas e<br />
saberes que acabam caindo no esquecimento. Os deixando ain<strong>da</strong> mais<br />
vulneráveis ao considerarmos as características culturais e suas próprias<br />
sustentabili<strong>da</strong>des ambientais.<br />
.
4.4 BIBLIOGRAFIA CITADA<br />
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