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águas pantaneiras nos ritos, mitos e gritos da educação ... - UFMT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />

ÁREA EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE<br />

LINHA DE PESQUISA: “EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE”<br />

GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

ÁGUAS PANTANEIRAS NOS RITOS, MITOS E<br />

GRITOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

DOLORES APARECIDA GARCIA-WATANABE<br />

PROF.ª ORIENT. MICHÈLE SATO


Cuiabá/2005<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />

ÁREA EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE<br />

LINHA DE PESQUISA: “EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE”<br />

GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

ÁGUAS PANTANEIRAS NOS RITOS, MITOS E GRITOS DA<br />

EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

DOLORES APARECIDA GARCIA-WATANABE<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós-<br />

Graduação em Educação, do Instituto de Educação<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso, como parte<br />

dos requisitos para a obtenção de título de “Mestre<br />

em Educação”, na linha de pesquisa em Educação e<br />

Meio Ambiente, sob a orientação <strong>da</strong> PROF.ª DR.ª<br />

MICHÈLE SATO<br />

CUIABÁ – MT<br />

2005


G216a Garcia-Watanabe, Dolores Apareci<strong>da</strong><br />

Águas <strong>pantaneiras</strong> <strong>nos</strong> <strong>ritos</strong>, <strong>mitos</strong> e g<strong>ritos</strong> <strong>da</strong> <strong>educação</strong><br />

ambiental / Dolores Apareci<strong>da</strong> Garcia-Watanabe._ _ Cuiabá:<br />

<strong>UFMT</strong>/IE, 2006.<br />

xiii, 123 p.:il. color.<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós-Graduação em<br />

Educação, do Instituto de Educação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de<br />

Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do<br />

título de “Mestre em Educação”, na linha de pesquisa em<br />

Educação e Meio Ambiente, sob a orientação <strong>da</strong> Profª Drª<br />

Michèle Sato.<br />

Bibliografia: p. 122-123<br />

Índice para Catálogo Sistemático<br />

1. Educação Ambiental<br />

2. Mitos<br />

3. Len<strong>da</strong>s<br />

CDU – 37: 504


DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA <strong>UFMT</strong><br />

Professores Componentes <strong>da</strong> Banca Examinadora<br />

________________________________________________<br />

Prof.° Dr.Valdo Barcelos<br />

Examinador Externo<br />

________________________________________________<br />

Prof.° Dr. Luiz Augusto Passos<br />

Examinador Interno<br />

Prof.ª Dr.ª Michèle Sato<br />

Orientadora<br />

Cuiabá, 16 de dezembro de 2005


SÃO PEDRO DA JOSELÂNDIA<br />

Imagem 2: religiosi<strong>da</strong>de de São Pedro<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: São Pedro Joselândia<br />

Data: maio/2005<br />

iv


DEDICATÓRIA<br />

Tenho Tenho como como espelho espelho de de minhas minhas lutas, lutas, imputa<strong>da</strong>s imputa<strong>da</strong>s a a alcançar alcançar o o meu meu intento, intento, a<br />

a<br />

dedica<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong> e e incansável incansável Professora Professora Michèle Michèle Sato, Sato, no no papel papel de de orientadora. orientadora. Seu Seu incontestável incontestável incontestável e<br />

e<br />

profundo profundo conhecimento conhecimento na na área área de de Educação Educação Ambiental, Ambiental, proporcionou proporcionou-me proporcionou me me momentos momentos de<br />

reflexão, reflexão, orientando orientando-me orientando me me por por qual qual caminho caminho trilhar trilhar para para que que pudesse pudesse a a contento, contento, compartilhar<br />

compartilhar<br />

com com as as pesquisas pesquisas envere<strong>da</strong><strong>da</strong>s envere<strong>da</strong><strong>da</strong>s no no contexto contexto entre entre <strong>mitos</strong> <strong>mitos</strong> e e len<strong>da</strong>.<br />

len<strong>da</strong>.<br />

Tendo Tendo em em vista vista a a degra<strong>da</strong>ção degra<strong>da</strong>ção desenfrea<strong>da</strong> desenfrea<strong>da</strong> provoca<strong>da</strong> provoca<strong>da</strong> pelo pelo ser ser humano, humano, tenta<br />

tenta<br />

de de certa certa forma forma trazer trazer trazer a a tona tona len<strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s mitifica<strong>da</strong>s mitifica<strong>da</strong>s com com o o passar passar dos dos a<strong>nos</strong>. a<strong>nos</strong>. No No intuito intuito intuito de<br />

de<br />

gerarmos gerarmos avivamentos avivamentos de de medo medo para para que que tentássemos tentássemos imputar imputar respeitos respeitos à à natureza. natureza. Tendo<br />

Tendo<br />

como como foco foco primordial primordial as as <strong>águas</strong> <strong>águas</strong> e e seus seus entes entes míticos.<br />

míticos.<br />

Dedico Dedico principalmente principalmente aos aos meus meus pais pais Antônio Antônio e e Alice, Alice, que que tanto tan<br />

to to lutaram lutaram lutaram para para<br />

para<br />

<strong>da</strong>r <strong>da</strong>r-me <strong>da</strong>r<br />

me me <strong>educação</strong> <strong>educação</strong> e e estudos, estudos, sacrificando sacrificando seus seus próprios próprios benefícios benefícios e e prol prol do do meu meu futuro, futuro, para<br />

para<br />

que que conseguisse conseguisse chegar chegar onde onde cheguei cheguei até até o o presente presente momento, momento, sem sem os os quais, quais, creio creio não não ter-me ter<br />

me me<br />

sido sido sido possível.<br />

possível.<br />

Nem Nem mesmo mesmo tive tive tempo tempo tempo festivo festivo para para para comemor comemorar comemor comemorar<br />

ar minhas e e <strong>nos</strong>sas <strong>nos</strong>sas vitórias, vitórias, vitórias, pois<br />

pois<br />

meigamente meigamente impuseram impuseram-me impuseram me continuar continuar continuar sem sem medir medir esforços, esforços, esforços, estimulando estimulando-me estimulando me seguir em frente e<br />

a a a galgar galgar o o o flamular flamular de de novas novas bandeiras.<br />

bandeiras.<br />

Tenho Tenho reservado reservado também, também, com com carinho, carinho, um um cantinho cantinho especial especial em em meu meu coração<br />

coração<br />

à à à minha minha filha filha Pâmell Pâmella, Pâmell a, que soube entender entender-me entender<br />

me nas horas horas <strong>da</strong> minha ausência. Foi Foi e<br />

continuará continuará sendo sendo de de fun<strong>da</strong>mental fun<strong>da</strong>mental importância importância o o apoio apoio de de meus meus queridos queridos irmãos irmãos Márcia,<br />

Márcia,<br />

Fátima, Fátima, Leandro Leandro e e Paulo Paulo que que infelizmente infelizmente já já não não se se encontra encontra entre entre nós, nós, mas mas que que acudiam acudiam-me acudiam me<br />

nas nas horas horas de de de aflição, aflição, não permitindo permitindo-me permitindo<br />

me em nenhum momento renúncias.<br />

A A Comuni<strong>da</strong>de Comuni<strong>da</strong>de de de São São Pedro Pedro de de Joselândia Joselândia pelo pelo carinho carinho com com que que <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> receberam.<br />

receberam.<br />

Imagem Imagem 3: 3: Riozinho<br />

Riozinho<br />

Fonte Fonte : : Dolores Dolores Garcia<br />

Garcia<br />

Local: Local: Pantanal<br />

Pantanal<br />

Data: Data: Data: maio/2005<br />

maio/2005<br />

Aos Aos meus meus pais, pais, em em especial, especial, Alice Alice e e Antonio Antonio por por tterem<br />

t erem me proporcionado<br />

uma uma <strong>educação</strong> <strong>educação</strong> de de primeira primeira linha.<br />

linha.<br />

As As minhas minhas irmãs, irmãs, Márcia Márcia e e Fátima, Fátima, e e e aos aos meus meus irmãos, irmãos, Leandro Leandro que que me<br />

me<br />

acudia acudia nas nas horas horas de de aflição aflição e e ao ao meu meu irmão, irmão, Paulo, Paulo, que que já já não não está<br />

está<br />

mais mais aqui, aqui, mas mas tenho tenho tenho no no coração coração os os belos belos momentos.<br />

momentos.<br />

A A A minha minha filha filha Pâmella Pâmella que que soube soube me me entender entender nas nas horas horas <strong>da</strong> <strong>da</strong> ausência.<br />

ausência.<br />

v


AGRADECIMENTOS<br />

Para Para que que tenhamos tenhamos sucessos sucessos em em <strong>nos</strong>sos <strong>nos</strong>sos intentos, intentos, é é de de fun<strong>da</strong>mental<br />

fun<strong>da</strong>mental<br />

importância importância o o apoio apoio de de pessoas pessoas que que visem visem visem o o bem bem estar estar de de uma uma vitória,<br />

vitória,<br />

imputando imputando forças forças forças conjuntas. conjuntas. conjuntas. Pessoas Pessoas essas essas como: como: profess professores, profess ores, amigos,<br />

parentes, parentes, instituições instituições que que de de certa certa forma forma <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> proporcionaram proporcionaram conforto, conforto, e e o<br />

o<br />

próprio próprio meio meio ambiente ambiente em em que que vivemos, vivemos, que que <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> deu deu respaldo respaldo para para que<br />

que<br />

efetuássemos efetuássemos as as pesquisas.<br />

pesquisas.<br />

À À professora professora Michèle Michèle Sato, Sato, minha minha orientadora. orientadora. Sempre Sempre presente presente para para me<br />

me<br />

orientar rientar de forma forma sábia e afetuosa.<br />

Ao Ao professor professor Valdo Valdo Barcelos. Barcelos. Ao Ao Prfº Prfº Passos. Passos. Ao Ao prof° prof° Silas Silas pelas pelas valorosas<br />

valorosas<br />

contribuições contribuições que que aju<strong>da</strong>ram aju<strong>da</strong>ram a a reconstruir reconstruir esse esse trabalho.<br />

trabalho.<br />

À À instituição instituição <strong>UFMT</strong> <strong>UFMT</strong> e e to<strong>da</strong> to<strong>da</strong> equipe equipe <strong>da</strong> <strong>da</strong> Pós Pós-graduação Pós graduação do Instituto de<br />

Educação.<br />

Educação.<br />

A A todos todos os os professores professores e e professoras professoras do do mestrado, mestrado, pelas pelas contribuições contribuições para<br />

a a construção construção do do conhecimento, conhecimento, em em especial especial aos aos <strong>da</strong> <strong>da</strong> linha linha de de Educação Educação e<br />

e<br />

Meio Meio Ambiente: Ambiente: Profº Profº Drº Drº Germano Germano Guarim Guarim Neto, Neto, Profª Profª Drª Drª Suise<br />

Suise<br />

Monteiro Monteiro Monteiro Leon Leon Bordest Bordest e e e a a Prfª Prfª Prfª Drª Drª Miramy Miramy Macedo.<br />

Macedo.<br />

À À equipe equipe do do SESC SESC Pantanal Pantanal pelo pelo apoio apoio nas nas realizações realizações <strong>da</strong>s <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des ativi<strong>da</strong>des .Aos<br />

guar<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>s-parque, guar<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>s parque, e, e, com com com carinho carinho especial especial especial ao ao Manezinho Manezinho e e ao ao Cássio, Cássio, guias guias e<br />

e<br />

piloteiros piloteiros de de <strong>nos</strong>sa <strong>nos</strong>sa pequena pequena pequena equipe.<br />

equipe.<br />

Ao Ao CNPQ, CNPQ, Conselho Conselho Nacional Nacional de de Desenvolvimento Desenvolvimento Científico Científico e<br />

e<br />

Tecnológico<br />

Tecnológico<br />

Ao Ao motori motorista motori motorista<br />

sta Francisco, Francisco, carinhosamente carinhosamente chamado chamado de de Chico, Chico, <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>UFMT</strong> <strong>UFMT</strong> que<br />

que<br />

gentilmente gentilmente gentilmente <strong>nos</strong> levou até até até o local <strong>da</strong> <strong>da</strong> Pesquisa, Pesquisa, <strong>nos</strong> <strong>nos</strong> auxiliando.<br />

auxiliando.<br />

À À Roberta Roberta minha minha companheira companheira de de viagem viagem e e de de pesquisa.<br />

pesquisa.<br />

A A todos todos e e to<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as as colegas colegas do do mestrado, mestrado, particularmente, particularmente, Celso, Celso, Fernan<strong>da</strong>,<br />

Fernan<strong>da</strong>,<br />

João, João, João, Imara, Lika, Michele, Regina e Samuka.<br />

Às Às minhas minhas amigas amigas Carla, Carla, Edna, Edna, Glauce, Glauce, Giovana, Giovana, Lúcia, Lúcia, Márcia Márcia e e Rosana<br />

Rosana<br />

Ao Ao meu meu amigo amigo amigo Rosemar, Rosemar, Ferraz Ferraz e e Thiago. Thiago. E E em em especial especial ao ao meu meu amigo<br />

amigo<br />

Paulo, Paulo, amizade amizade que que se se fez fez virtualmente, virtualmente, pela pela leitura leitura e e a a contribuição<br />

contribuição<br />

carinhos carinhosa. carinhos a.<br />

Aos Aos meus meus pais, pais, Antonio Antonio e e Alice, Alice, minha minha filha, filha, Pâmella, Pâmella, minhas minhas irmãs, irmãs, Márcia<br />

Márcia<br />

e e Fátima, Fátima, meus meus irmãos, irmãos, irmãos, Mário, Mário, Paulo Paulo (in (in memoriam), memoriam), Leandro Leandro e e aos aos aos meus<br />

meus<br />

sobrinhos sobrinhos e e sobrinhas. sobrinhas. Em Em especial especial Marcos.<br />

Marcos.<br />

E E E finalmente, finalmente, finalmente, A A Deus Deus Senhor Senhor Senhor Supremo Supremo e e e Absoluto Absoluto, Absoluto Absoluto , por permitir permitir-me permitir me<br />

caminhar caminhar com com saúde saúde para para que que possa possa também também <strong>da</strong>r <strong>da</strong>r um um pouco pouco de de mim mim em<br />

em<br />

prol prol dos dos me<strong>nos</strong> me<strong>nos</strong> assistidos.<br />

assistidos.<br />

Imagem Imagem 4: 4: Pássaro Pássaro<br />

Pássaro<br />

Fonte: Fonte: Fonte: Dolores Dolores Dolores Garcia Garcia<br />

Garcia<br />

Local: Local: Local: Pantanal Pantanal<br />

Pantanal<br />

Data: Data: Data: maio/2005 maio/2005<br />

maio/2005<br />

vi


vii


Sumário<br />

PRÓLOGO – Cenários Inicias 01<br />

1.Paisagens Iniciais 03<br />

1.2 Caminhos trilhados 14<br />

1.3 A organização dos atos 16<br />

ATO – I – Revisão literária 19<br />

1. Aprendizagens Literárias 20<br />

1.1 Educação Ambiental 23<br />

1.2 Len<strong>da</strong>s e Mitos 29<br />

1.3 Comuni<strong>da</strong>de Pantaneira com seus Ritos e Mitos 38<br />

ATO – II – Esperança 44<br />

2. Meta 45<br />

2.1 Espaço do Pantaneiro 48<br />

2.2 Água 54<br />

2.3 Dimensões Míticas <strong>da</strong> água 57<br />

2.4 Pequeno Histórico do Processo de ocupação do Distrito de<br />

São Pedro <strong>da</strong> Joselândia<br />

2.5 Estância Ecológica SESC Pantanal e Reserva Preserva<strong>da</strong> do<br />

Patrimônio Natural - RPPN<br />

2.6 Pesquisa ecológica de Longa Duração – PELD 67<br />

2.7 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental - GPEA 68<br />

ATO – III - Metodologia 70<br />

3. Caminhos percorridos 71<br />

3.1 Pesquisa Qualitativa 72<br />

3.2 Fenomenologia 74<br />

3.3 Coleta de Dados 76<br />

3.4 Os Mistérios do Pantanal<br />

59<br />

64<br />

82<br />

viii


ATO – IV – Interpretando o mito 85<br />

4 A Água Mítica e as Len<strong>da</strong>s na Educação Ambiental 86<br />

4.1 A Serpente e o imaginário 91<br />

4.2 O Minhocão do Pantanal 94<br />

4.3 Palavras Finais 114<br />

4.4 Bibliografia Cita<strong>da</strong> 119<br />

4.4.1 Bibliografia Consulta<strong>da</strong> 122<br />

4.4.2 Webliografia 123<br />

ix


Imagem 1:<br />

Imagem 2:<br />

Imagem 3<br />

Imagem 4<br />

Imagem 5<br />

Imagem 6<br />

Imagem 7<br />

Imagem 8:<br />

Imagem 9:<br />

Imagem 10<br />

Imagem 11<br />

Imagem 12<br />

Imagem 13<br />

Imagem 14<br />

Imagem 15<br />

Imagem 16<br />

Imagem 17<br />

Imagem 18<br />

LISTA DE FIGURAS E FOTOS<br />

Ninhal cabeça-seca<br />

Religiosi<strong>da</strong>de de São Pedro<br />

Riozinho<br />

Pássaro<br />

A porta<br />

Igreja<br />

Mapa reserva<br />

In loco<br />

Altar <strong>da</strong>s Casas<br />

Céu cambará<br />

Tuiuiú<br />

Saboreando causos<br />

Loco Móvel<br />

Posto telefônico<br />

Ninhal<br />

Divino Espírito Santo<br />

Jacá<br />

Árvore cabeça<br />

I<br />

Iv<br />

v<br />

Vi<br />

01<br />

08<br />

10<br />

11<br />

12<br />

19<br />

44<br />

52<br />

53<br />

63<br />

70<br />

85<br />

103<br />

114<br />

x


EA Educação Ambiental<br />

LISTA DE ABREVIATURAS<br />

EESPC Estância Ecológica Sesc Porto Cercado<br />

GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental<br />

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />

PELD Programa de Ecologia de Longa Duração<br />

PIE Programa Integrado de Ecologia<br />

RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural<br />

SESC Serviço Nacional do Comercio<br />

<strong>UFMT</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso<br />

xi


Resumo<br />

Foi no Pantanal mato-grossense, numa região paradisíaca, onde o imaginário<br />

toma conta e invade <strong>nos</strong>sa alma, onde no mundo <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> surgem os <strong>mitos</strong> e<br />

len<strong>da</strong>s, que fazem parte do ambiente ribeirinho. Nesse contexto realizamos<br />

<strong>nos</strong>sa pesquisa nas comuni<strong>da</strong>des localiza<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> Reserva Particular<br />

de Patrimônio Natural, localiza<strong>da</strong> no Município de Barão de Melgaço – Mato<br />

Grosso, entre os rios Cuiabá e São Lourenço a 145 km <strong>da</strong> capital mato-<br />

grossense. Esse trabalho faz um registro cultural nas comuni<strong>da</strong>des<br />

<strong>pantaneiras</strong>, onde pesquisamos várias len<strong>da</strong>s com sabedorias e versões<br />

diferencia<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>s tendo como protagonistas os seres guardiões <strong>da</strong> natureza,<br />

mas para essa pesquisa <strong>nos</strong> delimitaremos em apenas duas len<strong>da</strong>s d’água, por<br />

considerar muito profundo o estudo, focalizaremos <strong>nos</strong>sa pesquisa na len<strong>da</strong> do<br />

Minhocão e do Peixe que cai do céu. A Educação Ambiental e as len<strong>da</strong>s e<br />

<strong>mitos</strong> <strong>da</strong> região foi o meio utilizado para sensibilizarmos as populações, quanto<br />

à necessi<strong>da</strong>de de preservar, conservar ou recuperar as matas, rios, animais e<br />

até mesmo os seres huma<strong>nos</strong>.<br />

Palavras-chave: Educação Ambiental;<strong>mitos</strong>; len<strong>da</strong>s.<br />

xii


Abstract<br />

It was in the Pantanal of Mato Grosso, in a paradise-like region, where the<br />

imaginary catches and invades our soul, where from the water world arise the<br />

myths and legends that are a part of the riparian environment. Within this<br />

context we conduced our research of the communities located in the<br />

neighborhoods of the Particular Reserve of the Natural Patrimony, in the<br />

Municipality of Barão de Melgaço – Mato Grosso, between the Cuiabá and São<br />

Lourenço rivers, in a distance of 145 km from the capital of Mato Grosso. This<br />

paper makes a cultural registration of the Pantaneiro communities, where we<br />

researched various legends with differentiated wisdoms and versions, all of<br />

them having as protagonists the guardian entities of Nature, but for this<br />

research we are going to delimit only two water-related legends, in<br />

consideration to the excessive depth of the study, focusing our research in the<br />

legends of the Minhocão (Big Worm) and the Fish Falling from the Sky. The<br />

Environmental Education, the legends and the myths of that region have been<br />

the means utilized to sensitize the population about the necessity to preserve,<br />

conserve or recuperate the forests, rivers, animals and even the Human being.<br />

Palavras-chave: Environmental Education; myths; legends; fenomenologia.<br />

xiii


Imagem 5: A Porta<br />

Fonte: Magritte<br />

PRÓLOGO – Cenários iniciais<br />

A PORTA<br />

Eu sou feita de madeira<br />

Madeira, matéria morta<br />

Mas não há coisa no mundo<br />

Mais viva do que uma porta.<br />

Eu abro devagarinho<br />

Pra passar o menininho<br />

Eu abro bem com cui<strong>da</strong>do<br />

Pra passar o namorado<br />

Eu abro bem prazenteira<br />

Pra passar a cozinheira<br />

Eu abro de sopetão<br />

Pra passar o capitão.<br />

Só não abro pra essa gente<br />

Que diz ( a mim bem me importa...)<br />

Que se uma pessoa é burra<br />

É burra como uma porta.<br />

Eu sou muito inteligente!<br />

Vinicius de Moraes<br />

1


A escolha <strong>da</strong> poesia - A PORTA – de Vinicius de Moraes representa<br />

metaforicamente à abertura para uma viagem ao imaginário pantaneiro, devido<br />

aos contorcionismos dos movimentos <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> dos rios, fantasia-se e<br />

assemelha-se como o movimento de um minhocão, onde uivos ou gargalha<strong>da</strong>s<br />

entendi<strong>da</strong>s como o cocorocar <strong>da</strong>s galinhas, levam-<strong>nos</strong> a turbilhar de<br />

imaginações amedrontadoras, como o mito do lobisomem, seu grito <strong>nos</strong> põe em<br />

pânico, assustador também é o pé-de-garrafa, pronto para atacar-<strong>nos</strong>, quando<br />

incautos e perversos seres agridem ou devastam as matas. Len<strong>da</strong>s, essas<br />

Mitológicas, que <strong>nos</strong> levam acreditar que as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, vivem ca<strong>da</strong> vez<br />

mais fortes no dia a dia dos pantaneiros, pois é nesse imaginário de encantos<br />

que conseguem preservar a fauna e a flora. Formando um conjunto de <strong>mitos</strong><br />

que se relacionam com doutrinas, dessa forma não deixando morrer o<br />

imaginário.<br />

No fundo, muitas <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, devemos respeitar como se fossem reais,<br />

compartilhando, alimentando, incentivando e as fortalecendo. Portanto, só<br />

conseguiremos enxergar mentalmente esses seres encantados e mitológicos,<br />

ao compartilhamos com o próprio coração, que aberto para os encantos <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>, sensibiliza-<strong>nos</strong> e capta a diversi<strong>da</strong>de de conhecimentos míticos e de<br />

novos saberes, povoando e fertilizando <strong>nos</strong>sas mentes, principalmente se<br />

estivermos em locais onde a penumbra chega mais cedo que a reali<strong>da</strong>de do<br />

tempo. Em <strong>nos</strong>sas an<strong>da</strong>nças, conhecemos pessoas que armazenam estudos<br />

mais profundos em suas pesquisas e que merecem todo o <strong>nos</strong>so respeito.<br />

2


1. PAISAGENS INICIAIS<br />

Há momentos, em <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s que <strong>nos</strong> induzem a conhecer e explorar<br />

a ci<strong>da</strong>de na qual nascemos e suas histórias. Muitos seriam os caminhos a<br />

trilhar, mas não querendo desvirtuar, escolhemos como tema <strong>da</strong> dissertação o<br />

Pantanal e suas len<strong>da</strong>s. Pesquisando entre renoma<strong>da</strong>s bibliografias que<br />

continham informações que puderam atuar como elo enriquecendo ain<strong>da</strong> mais<br />

<strong>nos</strong>sas pesquisas, que pouco a pouco foi <strong>nos</strong> envolvendo a tal ponto de <strong>nos</strong><br />

deixar insacia<strong>da</strong>s e entusiasma<strong>da</strong>s com as descobertas jamais imagina<strong>da</strong>s,<br />

mantendo assim, ca<strong>da</strong> vez mais acesa a chama do descobrir e do por vir, pois<br />

um sopro, provindo do interior do <strong>nos</strong>so ser, manteve acesas as chamas <strong>da</strong><br />

busca incessante. Existia, existe e existirá por tempos sem fim, compulsão e<br />

ansie<strong>da</strong>de por novas revelações e descobertas. Perguntas mal formula<strong>da</strong>s e<br />

respondi<strong>da</strong>s permanecem presentes como pa<strong>nos</strong> de fundo na <strong>nos</strong>sa<br />

consciência, vindo à tona, a in<strong>da</strong>gação:<br />

Onde estão os elos necessários para se estabelecer o contato entre as<br />

len<strong>da</strong>s e a Educação Ambiental? Foi então que reconhecemos estar diante de<br />

uma in<strong>da</strong>gação que iria exigir uma pesquisa mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> e detalha<strong>da</strong>,<br />

para que pudéssemos chegar a um consenso.<br />

À medi<strong>da</strong> que o ser humano desrespeitou a natureza e dela se afastou<br />

passou a vê-la não mais como lugar de possível vi<strong>da</strong>, mas como lugar de<br />

riquezas para poucos, transformando-a em lucro egoístico com as destruições<br />

devastadoras. Somos reféns de uma socie<strong>da</strong>de consumista, de uma civilização<br />

depre<strong>da</strong>dora, onde muitos estudiosos alertam-<strong>nos</strong> de que devemos mu<strong>da</strong>r os<br />

<strong>nos</strong>sos relacionamentos com a terra, ou vamos ao encontro do pior (BOFF,<br />

2003).<br />

3


Hoje se tem percebido com maior efetivi<strong>da</strong>de que o ser humano, e outras<br />

espécies, necessitam desse planeta para sobreviver, pois há alguns a<strong>nos</strong> não<br />

tinham consciência quanto ao futuro, pouco se falava e me<strong>nos</strong> ain<strong>da</strong> agiam,<br />

portanto, somente o ser humano tem essa consciência e pode usar <strong>da</strong><br />

sensibilização para tentar amenizar os malefícios causados pelo próprio ser<br />

humano na sua ânsia de poder. Nesse ínterim, necessita-se de uma reflexão<br />

sobre as relações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de/natureza e em <strong>nos</strong>sa forma de pensar a<br />

<strong>educação</strong> como um todo.<br />

Surgiu na déca<strong>da</strong> de 60 e 70 a <strong>educação</strong> ambiental, com o propósito de<br />

melhorar a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> não só dos animais como de nós seres huma<strong>nos</strong>.<br />

Assim sendo, acredita-se que a socie<strong>da</strong>de poderá ser mais participativa e<br />

comprometi<strong>da</strong> com o seu próprio bem estar.<br />

Através de <strong>nos</strong>sas pesquisas, não pretendemos fornecer receitas de<br />

como fazer Educação Ambiental, mas sim, fortalecer as reflexões em cima <strong>da</strong>s<br />

len<strong>da</strong>s quanto à forma em que estamos aproveitando do meio ambiente em que<br />

vivemos. Desta forma, tentaremos sensibilizar as pessoas e mostrar que<br />

através do levantamento <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, é possível conhecer pessoas preocupa<strong>da</strong>s<br />

com o seu meio.<br />

Com esta pesquisa pretendemos também fazer um registro cultural <strong>da</strong>s e<br />

nas comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>, onde catalogamos len<strong>da</strong>s concretiza<strong>da</strong>s com<br />

versões diferencia<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>s tendo como protagonistas folclóricos os seres<br />

guardiões <strong>da</strong> natureza. Tanto <strong>da</strong> água, quanto do mato, com isto, tivemos árdua<br />

tarefa em escolhermos as len<strong>da</strong>s que poderíamos dentro dos parâmetros<br />

interpretarmos. Difícil foi a escolha, mas delineando afazeres, optamos por<br />

duas, por considerarmos adequa<strong>da</strong>s ao que <strong>nos</strong> propusemos fazer.<br />

Procuraremos mostrar às pessoas a necessi<strong>da</strong>de e a importância de<br />

recuperarmos os mananciais, matas, encostas e tantos outros lugares que nós<br />

4


mesmos os poluímos e, dessa forma, cui<strong>da</strong>ndo dos que ain<strong>da</strong> não estão.<br />

Procurando harmonizar a <strong>nos</strong>sa pesquisa <strong>da</strong>remos ênfase as len<strong>da</strong>s<br />

“Minhocão” e um breve recorte do “Peixe que cai do céu”.<br />

Criado em 2002 o Projeto Pantanal, tendo como parcerias o SESC -<br />

Serviço Nacional do Comércio – Pantanal, o Programa de Ecologia de Longa<br />

Duração (PELD) e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental (GPEA),<br />

coordenados pela Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso (<strong>UFMT</strong>). Os recursos<br />

provenientes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e<br />

Tecnológico - CNPq gerou a principal fonte financiadora dos estudos realizados.<br />

As comuni<strong>da</strong>des pesquisa<strong>da</strong>s estão localiza<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> Reserva<br />

Particular de Patrimônio Natural (RPPN) –– SESC - Pantanal, localiza<strong>da</strong> no<br />

Município de Barão de Melgaço - MT, entre os rios Cuiabá e São Lourenço<br />

distante 145 km <strong>da</strong> capital, composta por uma área de 110 mil hectares. A<br />

pesquisa teve início em fevereiro de 2002, juntamente com pesquisadores e<br />

pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Educação, abrangendo na<br />

linha Educação e Meio Ambiente.<br />

O procedimento inicial <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa pesquisa foi delinear a área de estudo,<br />

para que pudéssemos abor<strong>da</strong>r a rica cultura regional com suas len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>.<br />

As entrevistas foram inicia<strong>da</strong>s primeiramente com os guar<strong>da</strong>s-parque <strong>da</strong> RPPN<br />

SESC Pantanal, ribeirinhos e moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des do entorno.<br />

Daremos ênfase às personagens <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa pesquisa, ora os chamando de<br />

ribeirinhos, ora de pantaneiros. De forma controversa, a população ribeirinha<br />

não é chama<strong>da</strong> de pantaneira. Atribui-se esta denominação aos fazendeiros e<br />

do<strong>nos</strong> de terra. Para as comuni<strong>da</strong>des, entretanto, que se sentem próximas a<br />

terra, com identi<strong>da</strong>des tradicionais do Pantanal, elas se sentem Pantaneiras.<br />

Em reconhecimento a esta biofilia, ou ao amor ao local pertencido proposto por<br />

Gaston Bachelard, estaremos tratando este universo estu<strong>da</strong>do, ora como<br />

ribeirinhos, ora como pantaneiros. Tivemos a liber<strong>da</strong>de de empregar esses dois<br />

termos como se fossem sinônimos, embora mesmo sabendo que não o são na<br />

5


visão dos estudos gramaticais. Iremos também, identificar <strong>nos</strong>sos<br />

colaboradores com nomes fictícios, por questões éticas.<br />

Segundo os narradores, entre 1960 a 1970 englobavam, dentro <strong>da</strong><br />

reserva, 16 fazen<strong>da</strong>s, com aproxima<strong>da</strong>mente 15 a 20 famílias, tendo em ca<strong>da</strong><br />

família, cerca de cinco pessoas. Teoricamente tem-se um total aproximado para<br />

mais ou para me<strong>nos</strong> de 160 pessoas, conforme pesquisas elabora<strong>da</strong>s pelo<br />

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.<br />

Os fazendeiros <strong>da</strong> região concentravam em suas fazen<strong>da</strong>s grandes<br />

concentrações de gado. Alguns deles, por razões adversas, venderam suas<br />

terras para pessoas desprepara<strong>da</strong>s para as manterem produtivas. Os novos,<br />

também despreparados, não souberam trabalhar com as próprias famílias e a<br />

dos seus colo<strong>nos</strong> na limpeza dos pastos. Introduziu-se então, máquinas.<br />

Tempos depois, chegaram à conclusão que não seria viável criar gado no<br />

Pantanal <strong>da</strong> maneira como pretendiam. Ain<strong>da</strong> hoje, desde 1980, existem locais<br />

na região pantaneira que não possuem gado e nenhum outro tipo de produção,<br />

nem mesmo agropecuária, a não ser a própria vegetação natural.<br />

Esses procedimentos levaram à diminuição drástica <strong>da</strong> população<br />

pantaneira. Muitos agricultores vindos do sul de <strong>nos</strong>so País, desfazendo de<br />

suas terras no intuito de imigrarem em massa na esperança do “Eldorado” na<br />

agricultura a ser implanta<strong>da</strong> no Pantanal, trazendo máquinas e novas<br />

tecnologias de ponta, que também não foram suficientes para mantê-los fixos<br />

no solo adquirido, fracassaram. Tentaram introduzir na região pastagem<br />

artificial, mas também não obtiveram êxito. Somente os pantaneiros de famílias<br />

tradicionais continuaram na região, por saberem respeitar o ciclo <strong>da</strong> seca e <strong>da</strong><br />

cheia no Pantanal, sem subestimarem a sábia natureza, que merece respeito e<br />

cui<strong>da</strong>dos. A biodiversi<strong>da</strong>de pantaneira hoje violenta<strong>da</strong>, tem tido muitos inimigos,<br />

começando pela violência e a expulsão permanente de homens e mulheres de<br />

suas terras que sempre as defenderam e que eram passa<strong>da</strong>s de gerações para<br />

6


gerações. Onde fazendeiros desorganizados e sem escrúpulos, sem a mínima<br />

preocupação ambiental têm devastado a região com agriculturas não orienta<strong>da</strong>s<br />

através de tecnologias, lançando resíduos químicos nas lavouras que através<br />

<strong>da</strong>s chuvas escorrem e se acumulam <strong>nos</strong> rios pantaneiros (SATO & PASSOS<br />

2002).<br />

Dezenas de pessoas de diferentes culturas, interesses e regiões<br />

compraram fazen<strong>da</strong>s e passaram a morar na região, Como isso, muitos<br />

ribeirinhos sentiram-se sufocados, acuados e, conseqüentemente, foram<br />

desaparecendo <strong>da</strong> região. O SESC apropriou-se de algumas dessas antigas<br />

fazen<strong>da</strong>s tornando-as produtivas, funcionando também, como posto de<br />

observação <strong>da</strong> RPPN. Em algumas fazen<strong>da</strong>s, foram construí<strong>da</strong>s igrejas, onde<br />

as pessoas se reuniam não só como religiosos, mas também para tratarem de<br />

assuntos políticos envolvendo a região e a comuni<strong>da</strong>de. Muitas delas, por falta<br />

de conservação e interesses, não suportaram as intempéries do tempo, se<br />

transformando em ruínas caindo no esquecimento, coberta por mato, como se<br />

no passado, não muito distante, não tivessem tido a menor importância para as<br />

pessoas <strong>da</strong> região, (figura 6).<br />

A reserva é considera<strong>da</strong> umas <strong>da</strong>s maiores do país, (fig.7), e dessa<br />

forma, vemos o quanto as comuni<strong>da</strong>des foram ficando separa<strong>da</strong>s, corta<strong>da</strong>s pela<br />

reserva, deixando um grande vazio na sua tradição, rompendo com o passado,<br />

como nessa igreja, (fig.6) hoje esqueci<strong>da</strong> por muitos e ignora<strong>da</strong> por todos que<br />

nela e dela dependeram um dia.<br />

7


imagem 6: Igreja<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: RPPN do SESC<br />

Data: julho/2004<br />

No entorno <strong>da</strong> RPPN existem dezenas de comuni<strong>da</strong>des que sofrem com<br />

a desigual<strong>da</strong>de social. Preocupados com a preservação e o futuro dos rios que<br />

alimentam o pantanal, os ribeirinhos, que vivem <strong>da</strong> pesca, admitem que várias<br />

espécies de peixes já não são mais encontrados com a mesma facili<strong>da</strong>de, os<br />

submetendo a pescas de subsistência, ou seja: sem muita opção de escolha<br />

por peixes mais nobres, acabando assim, por matarem qualquer um dos peixes<br />

que caem em suas redes ou anzóis.<br />

8


Figura 7: Reserva Preserva<strong>da</strong>-Sesc Pantanal<br />

Fonte: SESC<br />

9


Com isto, concluímos que não mais são boatos, mas sim, confirmados<br />

pelos ribeirinhos através de <strong>nos</strong>sa pesquisa in loco, que por unanimi<strong>da</strong>de<br />

disseram que: “os peixes estão sumindo”, e que para que tenham sucesso<br />

precisam submeter-se a ficar muito mais horas a disposição <strong>da</strong> pesca, às vezes<br />

levando um dia inteiro, e que também, não são raras as suas frustrações, após<br />

longas jorna<strong>da</strong>s. Quando de retorno e in<strong>da</strong>gados, falam de suas frustrações,<br />

niti<strong>da</strong>mente percebido em suas falas estorva<strong>da</strong>s de muita tristeza, pois já estão<br />

sentindo o efeito <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s ocupações desordena<strong>da</strong>s, provocando<br />

avalanches de lixos que acabam como tendo destino final os próprios rios que<br />

deles dependem e tiram os seus sustentos.<br />

Também constatamos em <strong>nos</strong>sas árduas pesquisas, que não foram<br />

poucas às vezes em que an<strong>da</strong>ndo de sol a sol, desbravando cau<strong>da</strong>losos rios,<br />

num vai e vem frenético, castigados pelos mosquitos, pela fome, sede, diversos<br />

foram os intempéries do tempo, que <strong>nos</strong> forçou a interromper por momentos,<br />

acarretando o prolongar dos <strong>nos</strong>sos trabalhos de pesquisas de campo.<br />

10


Imagem 8 : in loco<br />

Fonte: Fernan<strong>da</strong> Machado<br />

Local: Pantanal<br />

Data: julho de 2005<br />

Ficamos cientes que as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas estão sendo enxota<strong>da</strong>s<br />

<strong>da</strong>s margens dos rios demarca<strong>da</strong>s pelas reservas ambientais. Assim sendo,<br />

separando-as, desaparecendo to<strong>da</strong> uma cultura, essa que mantém viva a<br />

memória de um povo.<br />

O excesso de burocracia envolvido numa pesquisa de campo é<br />

realmente algo desmotivador. Mosquitos, pernilongos e muriçocas <strong>nos</strong> fazem<br />

de alimento colocando em dúvi<strong>da</strong> quem, de fato, ocupa o topo <strong>da</strong> cadeia<br />

alimentar. Adversi<strong>da</strong>des alheias as <strong>nos</strong>sas vontades põem em risco o tempo<br />

cronológico <strong>da</strong> finalização de um mestrado em 24 meses. Entretanto,<br />

transcendendo a avaliação do programa de pós, é inegável o prazer de se<br />

deliciar as aventuras de uma pesquisa empírica no Pantanal, (fig. 8).<br />

11


A adoção do “grupo pesquisador” no marco <strong>da</strong> sociopoética faz com que<br />

a sociabili<strong>da</strong>de, do grupo possibilite a amizade. E não há palavra que traduz o<br />

significado de se aprender através de coletivos – ambos educadores e amigos<br />

Aproveitando as reuniões festivas e religiosas nas comuni<strong>da</strong>des,<br />

reivindicavam constantemente seus direitos de ir e vir que foram tolhidos <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> reserva. Constatamos a presença marcante <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de<br />

na vi<strong>da</strong> dos pantaneiros E em suas casas, ao longo do rio Cuiabá, preservam<br />

hábito de cultivar pelo me<strong>nos</strong> um “nicho”, onde podem ser encontra<strong>da</strong>s uma<br />

vasta iconografia diversifica<strong>da</strong>s por cultos.<br />

A foto que mostramos a seguir, <strong>nos</strong> garante a reali<strong>da</strong>de do fato (imagem<br />

9) observamos que a idolatria religiosa é marcante nas comuni<strong>da</strong>des<br />

<strong>pantaneiras</strong>:<br />

Imagem 9: altar <strong>da</strong>s casas<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local São Pedro <strong>da</strong> Joselândia<br />

Data: julho de 2005<br />

No cenário vemos quadros, estátuas de Santos de devoção, velas,<br />

Santos impressos em papéis, bandeirolas, e também fotos <strong>da</strong> família e de<br />

amigos, para pedir proteção a todos. Nesta iconografia estão presentes<br />

12


imagens de pessoas famosas como: artistas, políticos, militares, cantores e<br />

tantos outros de que algumas formas comovem e mexem com os seus<br />

sentimentos. Sem esquecermos dos sonhos de consumo, como: barcos,<br />

aviões, roupas elegantes, pessoas bonitas, as mais diversifica<strong>da</strong>s orações,<br />

receitas e bulas de remédios, até mesmo radiografias constatando lesões<br />

traumáticas por acidentes e que com o passar dos tempos se sentiram curados<br />

por santos de suas religiosi<strong>da</strong>des e nelas colando.<br />

Podemos afirmar com to<strong>da</strong> certeza, ao presenciarmos as festas de<br />

santos na comuni<strong>da</strong>de de Pimenteira, que a cultura e o folclore dos ribeirinhos<br />

deixaram-<strong>nos</strong> fascinados, pois sentimos a força de um povo reunido e<br />

esperançoso na luta por uma vi<strong>da</strong> melhor. Viver no Pantanal se faz sentir a<br />

terra vibrante, captando conceitos e espí<strong>ritos</strong> folclóricos de ca<strong>da</strong> lugar, inseridos<br />

na história. Os pantaneiros que lá ain<strong>da</strong> vivem, apesar de escorraçados, se<br />

sentem prisioneiros, devido as marcantes vi<strong>da</strong>s de seus ancestrais,<br />

acostumados e conhecedores profundos <strong>da</strong> geografia pantaneira, como<br />

também <strong>da</strong> variação constante <strong>da</strong>s intempéries típicas do clima <strong>da</strong> região, com<br />

regime de chuvas e constantes ventos (BOFF, 2001).<br />

Dentre as comuni<strong>da</strong>des situa<strong>da</strong>s no entorno <strong>da</strong> RPPN, deu-se mais<br />

ênfase às entrevistas conduzi<strong>da</strong>s no distrito de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia,<br />

devido a uma maior aproximação de nós pesquisadoras com a comuni<strong>da</strong>de.<br />

13


1.2 CAMINHOS TRILHADOS<br />

14<br />

Se todo mundo olhasse<br />

Prestasse bem atenção<br />

No jeito que vive os bichos<br />

Na água, no ar e no chão<br />

O homem aprendia muito<br />

A respeitar seu irmão.<br />

Marly A. Serejo<br />

Em <strong>nos</strong>sas pesquisas conseguimos formar uma teia de informações<br />

obti<strong>da</strong>s através de entrevistas, que obedeceram aos critérios e procedimentos<br />

<strong>da</strong> pesquisa qualitativa, usando a metodologia fenomenológica, onde pudemos<br />

registrar os fatos. Esta metodologia <strong>nos</strong> deu suporte para as interpretações<br />

volta<strong>da</strong>s para a pesquisa a qual <strong>nos</strong> destinamos. Optando assim, pelas<br />

entrevistas semi-estrutura<strong>da</strong>s, levando em conta que estas técnicas<br />

reconhecem <strong>nos</strong>sas presenças ativas enquanto investigadoras e ao mesmo<br />

tempo não cerceavam, e nem inibiam os personagens investigados, abrindo<br />

espaços para liber<strong>da</strong>des e confianças mútuas com a espontanei<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

respostas dos <strong>nos</strong>sos participantes. Chamo-os de participante por<br />

considerarmos que sem as preciosas aju<strong>da</strong>s dessas vozes ribeirinhas e<br />

comuni<strong>da</strong>des, este trabalho de pesquisa não teria sido realizado.<br />

Compartilhamos e vivenciamos ca<strong>da</strong> fase com os narradores que<br />

souberam, com carinho, <strong>da</strong>r-<strong>nos</strong> a atenção devi<strong>da</strong>, pois, pacientemente<br />

mostraram-<strong>nos</strong> e <strong>nos</strong> acompanharam, conduzindo-<strong>nos</strong> entre caminhos, trilhas e<br />

rios, para que pudéssemos obter e <strong>nos</strong> aproximarmos o mais possível <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de e principalmente boa vontade <strong>nos</strong> fornecendo as informações<br />

necessárias.<br />

Algumas leituras se tornaram imprescindíveis para o entendimento de<br />

alguns aspectos, as quais foram como suporte para a pesquisa. Lemos e


elemos para que pudéssemos melhor interpretar e refletirmos, destacando<br />

pontos que <strong>nos</strong> respal<strong>da</strong>ram como objeto de estudo. Temos ciência, de que<br />

muito que conseguimos captar, muito mais <strong>nos</strong> passou despercebido, mas com<br />

o tempo retornaremos às novas pesquisas, sempre que necessário se faça para<br />

esclarecer dúvi<strong>da</strong>s que por ventura venham surgir.<br />

Esta pesquisa tem como pauta a Educação Ambiental dentro <strong>da</strong> cultura<br />

pantaneira junto às comuni<strong>da</strong>des, abor<strong>da</strong>ndo suas len<strong>da</strong>s e o imaginário<br />

histórico fictício. Tivemos como meta defini<strong>da</strong> a in<strong>da</strong>gação sobre como o<br />

registro <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural, mais especificamente as len<strong>da</strong>s, poderiam<br />

contribuir para a <strong>educação</strong> ambiental. Partimos <strong>da</strong> hipótese de que os<br />

conhecimentos <strong>da</strong>s práticas sociais, que orientam a formação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

servem como balizadores na reconstrução <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de dos indivíduos.<br />

Para esse devaneio ao imaginário, real ou fictício - propagaram um<br />

paradoxo, nas comuni<strong>da</strong>des do entorno <strong>da</strong> RPPN. Para que pudéssemos<br />

galgar êxitos em <strong>nos</strong>sas primeiras pesquisas, utilizamos barcos, entrevistamos<br />

guar<strong>da</strong>s-parque que se prontificaram a <strong>nos</strong> acompanharem até as comuni<strong>da</strong>des<br />

ribeirinhas do entorno. Por ser à época <strong>da</strong>s cheias muitos moradores deixaram<br />

de ser entrevistados por terem sidos expulsos de suas terras com a subi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

<strong>águas</strong>, abandonando suas casas e indo para a ci<strong>da</strong>de de Poconé e só retornam<br />

na época <strong>da</strong> vazante.<br />

Para irmos a São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, utilizamos o veículo cedido pelo<br />

PELD e também contamos com a gentileza simpática do motorista que tão bem<br />

conhece os caminhos que transpomos na época <strong>da</strong> seca. Para que<br />

pudéssemos manter em registro as entrevistas e depoimentos dos <strong>nos</strong>sos<br />

colaboradores fizemos o uso de um gravador, facilitando assim a transcrição e<br />

interpretação dos relatos com as devi<strong>da</strong>s respostas às <strong>nos</strong>sas perguntas semi-<br />

elabora<strong>da</strong>s, como também uma máquina fotográfica para o registro iconográfico<br />

<strong>da</strong>s imagens. Imagens estas e interpreta<strong>da</strong>s que compõem o corpo do trabalho<br />

15


escrito. O registro cultural, nesse contexto, é essencial para o despertar <strong>da</strong><br />

valorização do que lhe é próprio, e inerente à identi<strong>da</strong>de cultural pantaneira.<br />

O ser humano é o resultado do meio cultural, herdeiro do processo<br />

acumulado de conhecimentos e experiências adquiri<strong>da</strong>s pelas numerosas<br />

gerações que o antecederam (LARAIA, 2003). To<strong>da</strong>s as manifestações<br />

culturais são váli<strong>da</strong>s e deveriam ser respeita<strong>da</strong>s. As diversi<strong>da</strong>des – biológicas,<br />

culturais, religiosas, étnicas, ideológicas – são na ver<strong>da</strong>de as <strong>nos</strong>sas riquezas<br />

socioambientais, e hoje fazemos uso destes conhecimentos e experiências para<br />

realizarmos esta dissertação.<br />

Existem palavras que transportam idéias perenes.<br />

E, quando o que elas querem dizer começa a ser<br />

esquecido, ou começa a ser sepultado por outras<br />

palavras, então é o momento de voltar a elas.<br />

De recriá-las em ca<strong>da</strong> tempo.<br />

Carlos Rodrigues Brandão (2002)<br />

1.3 A ORGANIZAÇÃO DOS ATOS<br />

Na tentativa eficaz pós-moderna contra a exagera<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de<br />

científica, este trabalho se propõe a dividir os cenários em atos. Sem a<br />

arrogante pretensão de sermos dramaturgos Shakespearia<strong>nos</strong> ou literários,<br />

como Jorge Amado. Em <strong>nos</strong>sos panoramas encontramos uma gama muito<br />

grande de diversificações de caminhos, uns epistemo-metodológicos que<br />

merecem ser destacados individualmente, inclusive para melhor organização<br />

didática favorecendo a compreensão <strong>da</strong> pesquisa.<br />

A apresentação deste trabalho está dividi<strong>da</strong> em quatro atos “assim<br />

chamados”, por questões metodológicas. Classificamos em Atos pelo fato que a<br />

ca<strong>da</strong> tópico seria como se estivéssemos abrindo um cenário diferenciado em<br />

um palco como o <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Na abertura que antecede o primeiro ato, teremos em<br />

16


destaque “O O PRÓLOGO<br />

PRÓLOGO” PRÓLOGO<br />

como introdução ao <strong>nos</strong>so trabalho de pesquisa,<br />

recebendo o nome de “PAISAGEM PAISAGEM INICIAL INICIAL”, INICIAL com abor<strong>da</strong>gens amplas quase<br />

que generalizando um todo, onde se encontram peque<strong>nos</strong> recortes ilustrando a<br />

<strong>nos</strong>sa pesquisa, bem como, <strong>nos</strong>so objeto de investigação e a metodologia<br />

privilegia<strong>da</strong>:<br />

O O Primeiro Primeiro Ato Ato - Aprendizagens literárias -<br />

abor<strong>da</strong>ndo pequenas revisões dos principais aspectos <strong>da</strong>s pesquisas<br />

por nós realiza<strong>da</strong>s. Também destacamos tópicos de suma<br />

importância que <strong>nos</strong> deram conceitos, para sugerirmos sobre a<br />

importância <strong>da</strong> Educação Ambiental, entre len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> pertinentes<br />

às Comuni<strong>da</strong>des Pantaneiras.<br />

O O Segundo Segundo Ato Ato Ato – Esperança – trata-se do Objetivo <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa<br />

pesquisa, os espaços pantaneiro, <strong>águas</strong>, dimensões míticas <strong>da</strong>s<br />

<strong>águas</strong>, os contextos históricos <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong>des Pantaneiras de São<br />

Pedro de Joselândia, como parceiros <strong>da</strong>s pesquisas, temos o SESC,<br />

RPPN e PELD.<br />

O O Terceiro Terceiro Ato Ato - Caminhos Percorridos – De<br />

comum acordo, debatemos questões metodológicas dentro do<br />

contexto sugerido, buscando esclarecer a metodologia adota<strong>da</strong>.<br />

17


No No No Quarto Quarto Ato Ato – A vez e a hora dos <strong>mitos</strong> -<br />

compreende a pesquisa empírica propriamente dita, onde ca<strong>da</strong> ato<br />

leva-<strong>nos</strong> aos mistérios do Pantanal, em forma de narrativa.<br />

Procuramos retratar as histórias e len<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong>des<br />

Pantaneira, finalizando <strong>nos</strong>sa pesquisa, que apesar de árdua, tornou-<br />

se prazerosa, pelos conhecimentos adquiridos e pelas honrosas<br />

amizades que fizemos ao longo de <strong>nos</strong>sas pesquisas. Compartilhando<br />

com os/as companheiros (as) de equipe e colaboradores, que se nós<br />

pudéssemos escolher entre tantos temas, com muita honra faríamos<br />

tudo novamente.<br />

18


ATO - I – Revisão Literária<br />

QUERO QUE A LEITORA E O LEITOR SAIBAM DE MINHAS<br />

PEQUENAS SENSAÇÕES, POIS SÃO ELAS QUE ME FAZEM<br />

GRANDE - TALVEZ NÃO TANTO COMO O MAR, RIOS OU<br />

BAÍAS DO PANTANAL, MAS INTENSO NO SENTIDO DE<br />

ACREDITAR NA UTOPIA, DE QUERER MUDANÇAS E<br />

PROTAGONIZAR ESPERANÇAS.<br />

MICHÉLE SATO/2004<br />

Imagem 10: céu cambará<br />

Fonte Dolores Garcia<br />

Local: RPPN – SESC<br />

Data: julho/2005<br />

19


1. - APRENDIZAGENS LITERÁRIAS<br />

No quadro dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, é ca<strong>da</strong> vez<br />

mais comum falarmos em “interdisciplinari<strong>da</strong>de” e conceitos que traduzem<br />

modos de li<strong>da</strong>rmos com os objetos propostos para estudos mais aprofun<strong>da</strong>dos,<br />

como também com os pla<strong>nos</strong> teóricos e metodológicos. Os estudos <strong>da</strong>s<br />

relações comparativas entre Educação Ambiental e outros campos de<br />

investigação, buscam na medi<strong>da</strong> do possível a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

aproxima<strong>da</strong>, pois sabedores somos, que na<strong>da</strong> na face <strong>da</strong> terra ou em qualquer<br />

dimensão, chega-se a uma ver<strong>da</strong>de final, já que amanhã, novas pesquisas <strong>nos</strong><br />

levam a acreditar que seja definitivo aquele tema <strong>da</strong> nova descoberta e que<br />

também no amanhã do dia seguinte, seja novamente o mesmo tema definitivo.<br />

Sucessivamente, novas descobertas ocorrem com os mesmos temas<br />

que antes eram definitivos. Propomos discutirmos aceitando críticas ao<br />

criticarmos os modos de colaboração entre EA e outras áreas de estudo,<br />

especificamente relacionado ao tema que <strong>nos</strong> propomos defender na<br />

dissertação, que são as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> conhecidos e vividos pelas<br />

comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. A transversali<strong>da</strong>de e a disciplina não convencional<br />

são muitas vezes morosas, polêmicas e complexas (SATO, 2002.a).<br />

A <strong>educação</strong> Ambiental, por sua interdisciplinarie<strong>da</strong>de, tem um importante<br />

papel na reflexão e na construção de novos hábitos e conhecimentos, portanto<br />

propiciando as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas a participarem dos problemas locais.<br />

Temos na EA, teóricos preocupados com a <strong>educação</strong>, ca<strong>da</strong> um com<br />

diálogos entre as diferentes áreas do conhecimento. Tentaremos neste trabalho<br />

<strong>da</strong>r mais um passo na aproximação <strong>da</strong> EA, <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s. Isto é possível<br />

tendo em vista o uso de vastas bibliografias, que são elos que formam a<br />

interdisciplinarie<strong>da</strong>de. O levantamento cultural dos temas de pesquisa forma um<br />

contexto, que fortalecido se torna essencial para o despertar <strong>da</strong> consciência na<br />

20


valorização do que lhe propôs ser próprio e inerente à sua identi<strong>da</strong>de cultural<br />

resgata<strong>da</strong> de outrora, que não é somente uma resposta específica apresenta<strong>da</strong><br />

frente a desafios a nós impostos. Sabemos que necessita irmos mais além <strong>da</strong><br />

consciência ecológica que conseguimos através de <strong>nos</strong>sos estudos<br />

conhecermos.<br />

Sabemos também que a <strong>educação</strong> é a base para o desenvolvimento e a<br />

vi<strong>da</strong> civiliza<strong>da</strong>. Por meio dela, temos subsídios para exigir <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des<br />

competentes os <strong>nos</strong>sos direitos e o cumprimento dos mesmos. Portanto, em<br />

punhos cerrados amparados pela maioria que luta pela <strong>educação</strong> como um<br />

todo, fortalecidos teremos o importante papel de sermos ci<strong>da</strong>dãos de uma<br />

grande nação, como a que vivemos. Desta forma, nós os educadores,<br />

participamos ativamente em todos os sentidos e formas <strong>da</strong>s questões<br />

pertinentes à socie<strong>da</strong>de. Na vi<strong>da</strong>, por mais que tenhamos a certeza de<br />

estarmos imunes, mais ignorantes somos, por não conhecermos o dia seguinte.<br />

Pesquisas comprovam que o desleixo, o egoísmo, a displicência, o<br />

interesse pessoal, causam a degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente, permitindo o<br />

surgimento ca<strong>da</strong> vez me<strong>nos</strong> controlado de grandes programas de reflexão<br />

interdisciplinar, pondo em relevo críticos importantes questões de ordem<br />

epistemológica propícios a domínios diferenciados de <strong>educação</strong>, cultura e<br />

poder, na interação <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> terra, <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong><br />

natureza e <strong>da</strong>s ciências sociais. Apesar de uma abun<strong>da</strong>nte literatura no campo<br />

interdisciplinar, as respostas continuam sendo busca<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> que,<br />

paradoxalmente lapi<strong>da</strong>dos por grandes monopólios, tamanhos é a ina<strong>da</strong>ptação<br />

dos fun<strong>da</strong>mentos paradigmáticos na concepção tradicional <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

e <strong>da</strong> frágil natureza (PENA-VEGA, 2003).<br />

Para que pudéssemos compreender e chegarmos a um consenso na<br />

diferenciação <strong>da</strong>s expressões exigiu-<strong>nos</strong> um longo diálogo com interpretações<br />

de gestos e comportamentos em ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, por isto de comum acordo<br />

21


optamos: seguirmos a compreensão fenomenológica de Bachelard. Podemos<br />

dizer que as leituras realiza<strong>da</strong>s aju<strong>da</strong>ram-<strong>nos</strong> a interpretar as narrativas<br />

registra<strong>da</strong>s, principalmente as relaciona<strong>da</strong>s à água, essas são respeita<strong>da</strong>s e<br />

temi<strong>da</strong>s pelos moradores.<br />

Esse líquido tão precioso <strong>nos</strong> propõe ver<strong>da</strong>deiro devaneio ao mundo<br />

imaginário, onde olhamos e não vemos somente este ou aquele líquido,<br />

fornece-<strong>nos</strong> estudos e curiosi<strong>da</strong>des, abre um vasto leque de informações, uma<br />

dessas, com intermináveis respostas, colocou-se em suspense: O que poderia<br />

ser encontrado no fundo de um rio, mar ou até mesmo oceano? Ficará por<br />

infinitos a<strong>nos</strong> a pergunta, tanto quanto as infinitas respostas.<br />

A visão e a morfologia <strong>da</strong>s imagens capta<strong>da</strong>s pelos <strong>nos</strong>sos olhos,<br />

dialogam por si de forma harmônica, transformando-as em sinfonia fina, assim<br />

sendo, comparamos com simetrias mitológicas narrativas orais, que <strong>nos</strong><br />

mostram o quanto devemos <strong>nos</strong> preocupar com a EA, <strong>da</strong>ndo importância<br />

primordial para as <strong>águas</strong> que compõem o <strong>nos</strong>so eco sistema. O quanto tem que<br />

gritar sobre a importância <strong>da</strong> água hoje e no futuro, não podemos pensar<br />

somente no futuro temos que refletir e agir agora. Os rios do pantanal têm<br />

gritado por meio <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s.<br />

Deslumbrados ficam com o Minhocão, as <strong>águas</strong> que formaram o seu<br />

contorcionismos seduzem e <strong>nos</strong> encantam, afagando <strong>nos</strong>sas utopias e <strong>nos</strong><br />

levando para conceitos quiméricos. Portanto, devemos e temos que usufruir<br />

desses meios para que possamos sensibilizar autori<strong>da</strong>des, órgãos competentes<br />

e as próprias pessoas como um todo, dependentes, para que dela cuidem antes<br />

que falte, fazendo com que aos rios voltem devi<strong>da</strong>mente trata<strong>da</strong>s. Devemos ter<br />

cui<strong>da</strong>do com a <strong>nos</strong>sa água. “Se quero estu<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s imagens <strong>da</strong> água,<br />

preciso, portanto, devolver ao rio e as fontes de minha terra seu papel principal”<br />

(BACHELARD, 2002, p. 8).<br />

22


Tivemos como principal elo de apoio às <strong>nos</strong>sas pesquisas, as<br />

bibliografias do pensador francês Gaston Bachelard. Suas obras <strong>nos</strong> deram<br />

respaldo para que pudéssemos construir e defender também em tese, a <strong>nos</strong>sa<br />

dissertação, respal<strong>da</strong><strong>da</strong> em pesquisas, por ser ele, um dos intérpretes e<br />

conhecedor no campo de estudos do imaginário, facilitando a abertura em<br />

direção a EA e as len<strong>da</strong>s que são rechea<strong>da</strong>s de <strong>mitos</strong>, como um instrumento de<br />

sensibilização. E foi na beleza do imaginário desse extraordinário pesquisador<br />

que ilustrou seres <strong>da</strong>ndo-os vi<strong>da</strong>, influenciando de certa forma no alavancar <strong>da</strong><br />

EA. Proporcionando-<strong>nos</strong> prazeres diversificados para desenvolvermos esta<br />

pesquisa, e não apenas a obrigatorie<strong>da</strong>de para obtermos o título de mestre,<br />

mas, sobretudo, como dissemos no início desta dissertação, uma inquietação e<br />

uma angústia sentem na busca do conhecer e do saber, sobre as len<strong>da</strong>s e a<br />

EA.<br />

Consideramos que a Educação Ambiental deve gerar,<br />

com urgências, mu<strong>da</strong>nças na quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e maior<br />

consciência de conduta pessoal, assim como harmonia<br />

entre os seres huma<strong>nos</strong> e destes com outras formas e<br />

fontes de vi<strong>da</strong>. Tratado de Educação Ambiental para<br />

Socie<strong>da</strong>des Sustentáveis e Responsabili<strong>da</strong>de Global.<br />

Fórum Global / ECO 92<br />

1.1 - EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />

A EA apresentou como uma preocupação no âmbito <strong>da</strong> <strong>educação</strong> na<br />

déca<strong>da</strong> de 70, quando o meio ambiente deixou de ser notado somente pelos<br />

amantes <strong>da</strong> natureza e passou a se tornar preocupação como um todo, pois as<br />

pessoas estavam tendo um descontrole generalizado de desrespeito com a<br />

natureza. Num olhar radical, haverá aqueles que afirmam que i 1º impacto<br />

ambiental surge ain<strong>da</strong> no Paleolítico, quando o ser humano passa de nômade a<br />

agricultor. A aragem <strong>da</strong> terra, plantio e exaustão do solo podem ser a 1ª<br />

evidência deste impacto. Uma outra parte <strong>da</strong> literatura, em especial ao modelo<br />

23


ecologista mundial, ai usa a industrialização como causadora <strong>da</strong><strong>nos</strong>a dos<br />

dilemas ambientais. Estamos convictas de que o capital é 1º grande<br />

responsável pelas mu<strong>da</strong>nças, entretanto, convém sublinhar que mesmo <strong>nos</strong><br />

países do bloco socialista, os impactos ambientais existem. É fato, assim, que<br />

os problemas ambientais transcendem o espectro <strong>da</strong> direita e <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

“norte e sul”, ocidente e oriente, demonstrando que a complexi<strong>da</strong>de ambiental<br />

não enxerga fronteiras e que a terra é um só planeta sofrendo <strong>da</strong> catástrofe<br />

sócio-ambiental.<br />

Uma outra questão, muito discuti<strong>da</strong>, é que a EA não deveria ser uma<br />

disciplina. Ao contrário, deveria sim representar a contribuição de diversas<br />

disciplinas e experimentos educativos, acoplando ao conhecimento e<br />

compreensão do meio ambiente, assim como, à resolução dos seus problemas<br />

e gestões. O enfoque interdisciplinar poderia abrir para o mundo educações<br />

compartilha<strong>da</strong>s com as comuni<strong>da</strong>des, incitando seus coman<strong>da</strong>dos e<br />

coman<strong>da</strong>ntes à ação e não ficarem a mercê.<br />

A EA deve ter como meta, uma ação transformadora e incentivadora<br />

permanente, uma vez que está estreitamente vincula<strong>da</strong>, direciona<strong>da</strong> e a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong><br />

para o pleno exercício dos direitos e deveres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Podemos considerar<br />

que a EA, no Brasil, surge e se mantém ain<strong>da</strong> hoje desde as déca<strong>da</strong>s de 80/90,<br />

quando as lutas ecológicas e as afirmações dos direitos ambientais foram mais<br />

extensas e debati<strong>da</strong>s, o que antes eram considerados uma denúncia dos<br />

ambientalistas, hoje, por meio de fiscalizações e comunicações mais<br />

abrangentes e rápi<strong>da</strong>s, passou a ser divulga<strong>da</strong> quase que ao mesmo tempo de<br />

seu surgimento, causando sensibili<strong>da</strong>des entre as socie<strong>da</strong>des civis gerando<br />

opiniões públicas diversifica<strong>da</strong>s quanto à questão ambiental.<br />

24<br />

Ela não está vincula<strong>da</strong> simplesmente à transmissão<br />

de conhecimento sobre natureza, mas sim, à<br />

possibili<strong>da</strong>de de ampliação de participação política<br />

<strong>da</strong>s pessoas a medi<strong>da</strong> em que ela reivindica e


25<br />

prepara os ci<strong>da</strong>dãos para exigir justiça social,<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia nacional e planetária autorização e ética<br />

nas relações sociais e com a natureza (...) a melhor<br />

quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> para todos (...) a Educação<br />

Ambiental deve orientar-se para a comuni<strong>da</strong>de e<br />

procurar incentivar o indivíduo a participar<br />

ativamente (...) atuando nas suas comuni<strong>da</strong>des<br />

(REIGOTA 1994, p.10 e 58).<br />

A Educação Ambiental tem o intuito de informar e de dialogar com as<br />

linhas teóricas que se entrelaçam nessa rede, que costumamos chamar de EA,<br />

mas também, sobretudo, construirmos outras trilhas investigativas, que<br />

entendemos serem tão “pertencentes” a EA, como a água é para nós.<br />

Abor<strong>da</strong>remos não a história <strong>da</strong> EA, mas sim, o que representa, mediante<br />

levantamentos feitos pelos teóricos a respeito de sua importância em <strong>nos</strong>so<br />

meio. Voltaremos <strong>nos</strong>sa atenção para teóricos brasileiros, pois como disse<br />

Barcelos “A Educação Ambiental brasileira é uma <strong>da</strong>s mais criativas e<br />

diversifica<strong>da</strong>s do mundo” (2004, p.198).<br />

Apostamos neste diálogo entre as diferentes disciplinas e saberes que<br />

poderá levar-<strong>nos</strong> a construção de caminhos diferenciados em EA. Contudo,<br />

quando falamos em caminhos reafirmamos que não acreditamos em uma<br />

fórmula, ou metodologia única e salvadora para este e tantos outros desafios,<br />

mas sim em parcerias sóli<strong>da</strong>s, bem construí<strong>da</strong>s e com os mesmos interesses,<br />

pois mesmo aquelas ações que às vezes consideramos como sendo simples ou<br />

me<strong>nos</strong> abrangentes, podem vir a ser globais. A <strong>educação</strong> ambiental tem como<br />

base o respeito pela diversi<strong>da</strong>de natural e cultural, que inclui as especifici<strong>da</strong>des<br />

de classes, etnias e gêneros. Ao fazermos o estudo dos <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s,<br />

buscamos interpretar fenomenologicamente as possíveis contribuições para o<br />

entendimento <strong>da</strong>s questões ambientais no intuito de reunir subsídios<br />

(teóricos/epistemonológicos) para a construção de alternativas de EA. Nestas<br />

perspectivas as <strong>nos</strong>sas crenças, <strong>nos</strong>sos <strong>ritos</strong> e <strong>mitos</strong> são <strong>nos</strong>sos companheiros<br />

inseparáveis. Os <strong>mitos</strong> acompanham <strong>nos</strong>sas imaginações desde as mais<br />

remotas épocas (BARCELOS, 2001).


Para Freire (1977, p.75) a <strong>educação</strong> se define como um processo<br />

constante de libertação do ser humano. “A <strong>educação</strong> como prática, não é a<br />

transferência do saber nem <strong>da</strong> cultura; não é extensão de conhecimentos<br />

técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos <strong>nos</strong> educando. É um<br />

esforço através do qual, os homens decifram a si mesmos como homens”.<br />

A <strong>educação</strong> ambiental (EA) tem sido muito discuti<strong>da</strong> em diferentes<br />

contextos. Por isto vamos falar do compromisso que todos devem ter. A EA tem<br />

o compromisso de formar ci<strong>da</strong>dãos capazes e ambientalmente responsáveis<br />

para atuar na socie<strong>da</strong>de, mostrando forma e não a fórmula de educar para que<br />

possam exercer seus direitos e deveres. É necessário que esses conjuntos de<br />

práticas e experiências se apliquem, de maneira crítica construtiva, tendo o<br />

caráter social e educativo, onde devem promover o desenvolvimento e a<br />

socialização de todos os ci<strong>da</strong>dãos. A interdisciplinari<strong>da</strong>de e até a<br />

transdisciplinari<strong>da</strong>de vêm sendo constantemente menciona<strong>da</strong>s como enfoques<br />

teóricos, metodológicos e <strong>da</strong> <strong>educação</strong> (TRISTÃO, 2003).<br />

A sustentabili<strong>da</strong>de de um povo é coloca<strong>da</strong> em destaque, quando o saber<br />

tradicional em concordância com o saber acadêmico podem subsidiar decisões<br />

compartilha<strong>da</strong>s que visem o planejamento de um bem estar social, abrangendo<br />

o relacionamento humano e sua complexibili<strong>da</strong>de sócio cultural morfológica<br />

com o passar dos tempos, tratando <strong>da</strong> forma exterior dos organismos e suas<br />

transformações sociais, culturais e antropológica, pois, percebemos que as<br />

propostas educacionais ti<strong>da</strong>s como específicas para o meio ambiente têm, em<br />

geral, sido trata<strong>da</strong>s somente os aspectos técnicos e biológicos <strong>da</strong> questão<br />

ambiental. Significa que devemos ficar mais atentos aos problemas sócios<br />

culturais que mereceriam serem vistos com outros olhos, para que a própria<br />

humani<strong>da</strong>de desfrutasse de maneira contemplativa e participativa de<br />

conhecimentos esclarecedores. Compreensões equivoca<strong>da</strong>s dos problemas<br />

que merecem ser esclarecidos, a paixão, o prazer e o amor pelo conhecimento<br />

e pelas pessoas, fazem <strong>nos</strong> ter a necessi<strong>da</strong>de de pesquisarmos (SATO, 2000).<br />

26


A EA quando trabalha<strong>da</strong> em conjunto com as comuni<strong>da</strong>des sem <strong>nos</strong><br />

preocuparmos com patentes e desníveis sócio cultural ou social, vincula<strong>da</strong>s às<br />

questões humanas, partilharia responsabili<strong>da</strong>des éticas para o enfrentamento<br />

de desafios impactuados naturalmente com novas ações propostas. Além disso,<br />

temos a certeza necessária à efetivação <strong>da</strong> EA no transcurso <strong>da</strong> tentativa de<br />

melhorias <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> ambiental, mostra<strong>da</strong> em desigual<strong>da</strong>de com a<br />

comuni<strong>da</strong>de e seu meio. As len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> estão para a EA, assim como, o<br />

meio ambiente está à mercê <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de política defensoras do bem estar,<br />

entrevendo não necessariamente com a comuni<strong>da</strong>de. Desta forma, ao<br />

resgatarmos as conversas de raiz, significa inflar-mos historias cui<strong>da</strong>ndo de<br />

conseguir aviventar os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s que ain<strong>da</strong> afloram fortes em <strong>nos</strong>sos<br />

meios. Teremos com isso, uma certeza viva de melhor conhecermos as<br />

comuni<strong>da</strong>des e suas interações com o meio ambiente (PEDROSO-JUNIOR &<br />

SATO, 2003).<br />

Paulo Freire sempre lutou por uma <strong>educação</strong> crítica, que visa combater o<br />

comportamento mecânico, imitativo e dependente produzido por determina<strong>da</strong>s<br />

propostas e práticas pe<strong>da</strong>gógicas, ou práticas decorrentes do excesso de<br />

racionali<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>so tempo (FREIRE,1977).<br />

Para se adquirir uma sensibilização crítica sobre as questões ambientais,<br />

é preciso que todos se envolvam em um aprendizado constante, pois as<br />

transformações naturais também se dão de maneira continua<strong>da</strong>. Esse processo<br />

de aprendizagem envolve ações coletivas, entre a socie<strong>da</strong>de e indivíduos, onde<br />

todos possam participar <strong>da</strong> construção do seu conhecimento, favorecendo uma<br />

aprendizagem com a EA. Ana Maria Freire (2003, p. 18) comenta que “um<br />

mundo melhor significa não apenas a sobrevivência dos seres, mas o <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

saudável e feliz”.<br />

Para que possamos esclarecer o contexto, mostramos em evidência a<br />

real necessi<strong>da</strong>de de educarmos não só os futuros ci<strong>da</strong>dãos brasileiros e de<br />

27


outros países como empreendedores de modo responsável e sustentável do<br />

meio ambiente e <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s que <strong>nos</strong> cercam, pois a sensibilização não deve ser<br />

transmiti<strong>da</strong> e nem medi<strong>da</strong> somente nas escolas, mas sim, também, dentro de<br />

<strong>nos</strong>sos próprios lares. A <strong>educação</strong> ambiental não deve ser direciona<strong>da</strong> somente<br />

nas escolas, para alu<strong>nos</strong>, alunas, professores e professoras, mas a todos e a<br />

to<strong>da</strong>s, as crianças e a jovens que manifestam cui<strong>da</strong>dos ecológicos (SATO &<br />

PASSOS, 2002).<br />

A EA deve ser considera<strong>da</strong> como uma grande contribuição filosófica e<br />

metodológica à Educação em geral, ela tem um importante papel, não só na<br />

possibili<strong>da</strong>de de percepção do ser humano em seu meio. Ela possui um<br />

compromisso político de enorme envergadura. Para reivindicar este status,<br />

porém, necessita de um arcabouço teórico-metodológico que consiga cumprir<br />

seus compromissos de forma consistente. Isso não implica, entretanto, que ela<br />

seja desprovi<strong>da</strong> de uma alma, construí<strong>da</strong> também através dos afetos, <strong>da</strong><br />

emoção, do carinho e do desejo <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de humana. A <strong>educação</strong> ambiental<br />

tem, por premissa, que a reflexão sobre as ações individuais e coletivas e sua<br />

ação prática respondem pelo processo de aprendizagem (NAIME & GARCIA,<br />

2004, p. 80).<br />

28


Mito designa clichês ou crenças<br />

coletivas acerca de temas relevantes que circulam na<br />

cultura. [...] Constitui uma forma autônoma de<br />

pensamento; diferente <strong>da</strong> razão. É então legítima como<br />

qualquer outra. Constitui uma expressão <strong>da</strong> inteligência<br />

emocional, distinta <strong>da</strong> funcional.[...]<br />

O mito configura sempre representações <strong>da</strong> consciência coletiva, ditas e reditas em ca<strong>da</strong> geração.<br />

1.2 LENDAS E MITOS<br />

29<br />

Leonardo Boff.<br />

Neste tópico, proporemos viajarmos juntos através do inimaginável no<br />

intuito de mantermos viva a cultura de uma raça através dos <strong>mitos</strong>, len<strong>da</strong>s e<br />

vivência sócios cultural, para que não mergulhemos em vagas lembranças<br />

através dos tempos. Que fique clara a <strong>nos</strong>sa intenção, não queremos com isto<br />

que se assumem convivências de ares excursionistas e que muito me<strong>nos</strong><br />

vaguem em devaneios não contemplativos no resgate de uma cultura.<br />

Entregaremo-<strong>nos</strong> à leitura de corpo e alma, para que possamos viajar<br />

literalmente no intuito de descobrimos através <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de pessoal <strong>nos</strong>sas<br />

próprias paisagens míticas imagináveis. Deparando e comparando, o quanto a<br />

EA e os <strong>mitos</strong> podem vagar em on<strong>da</strong>s de interpretações pelos labirintos<br />

significativos de <strong>nos</strong>sas mentes.<br />

Os <strong>mitos</strong> constituem um gênero especial de literatura. Não são<br />

usualmente esc<strong>ritos</strong> ou criados por um ser individual, porque na reali<strong>da</strong>de são<br />

produtos de uma imaginação coletiva, são experiências de to<strong>da</strong> uma era, de<br />

to<strong>da</strong> uma cultura. Parece que eles se formam gra<strong>da</strong>tivamente quando certos<br />

motivos emergem; e são proposita<strong>da</strong>mente às vezes por interesses elaborados<br />

com requintes de detalhes. Uma vez lapi<strong>da</strong>dos, emergem com força e<br />

finalmente se perpetua, à medi<strong>da</strong> que as pessoas contam e recontam as<br />

histórias que sofrem severas metamorfoses com o passar dos tempos e que de<br />

uma forma ou de outra acabam prendendo a <strong>nos</strong>sa atenção e muitas <strong>da</strong>s vezes


<strong>nos</strong> amedrontam fortalecido pelo <strong>nos</strong>so inconsciente fragilizado devido aos<br />

<strong>nos</strong>sos imprevisíveis sentimentos. Deste modo, temas que são exatos e<br />

universais mantêm-se vivos, mesmo sofrendo impactos adversos nas<br />

socie<strong>da</strong>des, enquanto que aqueles que tendem aos elementos peculiares de<br />

alguns povos ou comuni<strong>da</strong>des estes desaparecem. Resgatados o são quando<br />

necessários o fazem trazer a tona para estudos do abalo psicológico ou moral<br />

causado por um acontecimento.<br />

Mitos, portanto, retratam acontecimentos, imagens coleta<strong>da</strong>s de alguma<br />

forma, e que mostram coisas que são ver<strong>da</strong>deiras e conheci<strong>da</strong>s por todos em<br />

um determinado grupo, comuni<strong>da</strong>de ou socie<strong>da</strong>de. Sentimentos estes que<br />

aparecem quando alcançamos o imaginário que os <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> trazem. Os <strong>mitos</strong><br />

são arcaicos e distantes <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong> por nós que vivemos afastados <strong>da</strong>s<br />

comuni<strong>da</strong>des carentes onde normalmente eles ganham corpo, mas se<br />

prestarmos bastante atenção e os encararmos com mais acui<strong>da</strong>de,<br />

começaremos por ouvi-los com mais serie<strong>da</strong>de e entender-lhes o significado.<br />

Estes saberes se caracterizam pela tentativa de responder muitas questões,<br />

que se encontram inacessíveis para uma “reali<strong>da</strong>de vigente e de outrora”<br />

concreta ao universo humano e existencial a exemplo de como o mundo<br />

surgiu? E quem o criou? Os <strong>mitos</strong> são narrativas que <strong>nos</strong> respondem em tese<br />

essas perguntas.<br />

Originou-se o mundo, que fomentou o ser humano, o seu estatuto, a sua<br />

sociabili<strong>da</strong>de e a sua sorte de luta na e pela natureza. Criaram-se crenças, as<br />

mais diversifica<strong>da</strong>s relaciona<strong>da</strong>s com os deuses e os espí<strong>ritos</strong> míticos. Mas os<br />

<strong>mitos</strong> não falam por si só de cosmos, não falam por si só de passagem ou<br />

miragens, muito me<strong>nos</strong> de naturezas cultua<strong>da</strong>s, mas também de tudo que<br />

concerne à identi<strong>da</strong>de de um passado ou de um povo passado para o futuro, do<br />

possível, e do impossível, e de tudo o que suscita as interrogações, e às<br />

curiosi<strong>da</strong>des. Assim como as necessi<strong>da</strong>des, as aspirações. Transformando as<br />

histórias <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. Fortalecidos os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, construíram-se,<br />

30


vilarejos os transformado em ci<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>ndo-lhes origens às diversificações de<br />

povos e crenças. “Torna-se lendária, e mais geralmente, tendem a desdobrar<br />

tudo que acontece no <strong>nos</strong>so mundo real e no mundo imaginário para ligá-los<br />

projetar juntos no mundo mitológico” (MORIN,1986, p. 150).<br />

Os <strong>mitos</strong> também tentam explicar costumes e rituais de uma determina<strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Além de fornecer explicações, são usados para justificar o modo de<br />

vi<strong>da</strong> que constituem como forma de entender a reali<strong>da</strong>de e de saber sobre o<br />

início <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. A narrativa lendária pertence à tradição<br />

cultural e oral de um povo que explica através do apelo sobrenatural, ao divino<br />

e ao misterioso a origem do universo, assim como, o funcionamento <strong>da</strong><br />

máquina natureza. Os <strong>mitos</strong> aju<strong>da</strong>m a captar a mensagem dos símbolos, pois o<br />

ser humano precisa e busca esclarecimentos, de modo que compreen<strong>da</strong> o<br />

sentido e significado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> morte, do eterno e principalmente do<br />

misterioso.<br />

O universo mitológico, para Morin (1986, p. 151) aparece como um<br />

universo, <strong>nos</strong> quais as características fun<strong>da</strong>mentais dos seres animados se<br />

encontram com coisas inanima<strong>da</strong>s “(...) nas mitologias antigas ou em mitologias<br />

contemporânea de outras civilizações (...) o universo é povoado de espí<strong>ritos</strong>,<br />

gênios, deuses”.<br />

Com uma <strong>educação</strong> volta<strong>da</strong> para a socie<strong>da</strong>de industrial à cultura é<br />

transforma<strong>da</strong>, disto, resulta que os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s vão sendo desqualificados<br />

<strong>da</strong>quilo que os legitimavam na origem. Os indivíduos, constituintes de memórias<br />

dinâmicas, estão relacionados com a natureza, essa que se modifica com o<br />

decorrer dos a<strong>nos</strong>, essa que corresponde a um passado de uma determina<strong>da</strong><br />

pessoa, autora, de sua própria história e pensamento, traz na sua narrativa a<br />

reali<strong>da</strong>de, como constata Merleau-Ponty (1996, p. 389), “O mito considera a<br />

essência na aparência, o fenômeno mítico não é uma representação, mas uma<br />

ver<strong>da</strong>deira presença”.<br />

31


São infinitamente diversifica<strong>da</strong>s as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, teorias surgem de<br />

maneiras adversas também <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de descrita trazendo contrastes e<br />

problemas que a humani<strong>da</strong>de não consegue absorver com facili<strong>da</strong>de através de<br />

atitudes impensa<strong>da</strong>s, ou de “interesses” mal elabora<strong>da</strong>s. Tanto é que <strong>da</strong><br />

mesma forma, <strong>mitos</strong> componentes advindos de relatos de experiências vivi<strong>da</strong>s<br />

ou vivencia<strong>da</strong>s adquirem importâncias específicas quando à natureza a que são<br />

agregados.<br />

Assim sendo, len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> são envolvidos na complexi<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />

ambiente oriundos <strong>da</strong> junção com a <strong>educação</strong> e a socie<strong>da</strong>de que se preocupam<br />

direta ou indiretamente com a conservação de suas mitici<strong>da</strong>des. A mítica é<br />

ain<strong>da</strong> mais representativa quando oriun<strong>da</strong>s fantasmagoricamente eleva<strong>da</strong>s ao<br />

inimaginário sentimental do adentrar nas profundezas <strong>da</strong>s florestas sombrias<br />

que estão no imaginário, cheias de entes sobrenaturais e amedrontadores que<br />

punem os que as destroem. Podemos citar entre tantas a “Caipora/Curupira”;<br />

“Mãe <strong>da</strong> Mata/Boitatá”; “Pé-de-Garrafa”, entre outros. Tendo como protetor dos<br />

animais que vivem e procriam nas matas o “Anhangá” Nas <strong>águas</strong>... Diz a len<strong>da</strong>,<br />

que a “Mãe d´água”, quando enfureci<strong>da</strong> com a matança indiscrimina<strong>da</strong> de<br />

peixes, vira as canoas dos. Pescadores que retiram peixes além de suas<br />

necessi<strong>da</strong>des, pondo-os em desperdícios (DIEGUES, 1998).<br />

O Minhocão, assim chamado pelo povo cuiabano, reside nas<br />

proximi<strong>da</strong>des do poço do Rio Cuiabá. Diz à len<strong>da</strong> que o "Minhocão", mito<br />

folclórico <strong>da</strong> terra, também conhecido culturalmente por ribeirinhos e<br />

pescadores freqüentadores dos rios do sul do país desde os primórdios os<br />

tempos coloniais. A mitologia diz que aterrorizava as pessoas e todos os seres<br />

vivos ao se apresentar altivo em forma de cobra em tamanho descomunal.<br />

Com isso, a mitologia perniciosa, provocava desabamentos de<br />

preconceitos de machismos medidos por forças de sentimentos de<br />

masculini<strong>da</strong>de, provocado pela fúria do Minhocão, que era capaz <strong>da</strong>s mais<br />

32


enfadonhas façanhas, quando sentia fome ou era proposita<strong>da</strong>mente despertado<br />

de sua hibernação alimentar, afun<strong>da</strong>ndo barcos, dizimando comuni<strong>da</strong>des<br />

inteiras ao destruir casas, roçados e alimentando-se dos animais domesticados.<br />

É um mito que se perpetua no imaginário do barranqueiro, sendo a len<strong>da</strong><br />

mais conheci<strong>da</strong> em todo o Estado do Mato Grosso. Alguns descrevem o<br />

Minhocão como uma serpente descomunal com olhos esbugalhados e<br />

lumi<strong>nos</strong>os. Diz a len<strong>da</strong>, que planava sobre as calmas <strong>águas</strong>, num silêncio<br />

profundo com sua cabeça alta parecendo à proa de um barco. Seus olhos<br />

pareciam dois faróis a luminar seus caminhos. O monstro ao encurralar sua<br />

presa soltava um gemido ensurdecedor e apavorante capaz de paralisar a<br />

preza por alguns instantes, tempo suficiente para saboreá-la. Tão logo saciado,<br />

saracoteava a cau<strong>da</strong> espanando as <strong>águas</strong> ou seu redor formando on<strong>da</strong>s<br />

gigantescas capazes de solaparem encostas, devastando margens.<br />

Boiúna é o nome <strong>da</strong>do ao Minhocão na Amazônia, que significa cobra<br />

grande, uma mito que aterroriza as crianças, as mulheres e muitos crédulos<br />

caboclos. Mesmo os mais destemidos homens, sentem-se incomo<strong>da</strong>dos em<br />

seus sentimentos de homens bravos e valentes, mas se inevitável for<br />

depararem-se frente a frente, tremerão com medo <strong>da</strong> terrível assombração que<br />

se apresenta de maneira imponente como o palco <strong>da</strong> imensa vastidão<br />

amazônica. As noites amazonenses são temerosas para os ribeirinhos que a<br />

ca<strong>da</strong> tempestade como guardiã <strong>da</strong> noite, aparecia camufla<strong>da</strong> sob os focos de<br />

luzes de seus olhos parecendo arco-íris. Acredita-se ain<strong>da</strong>, que é, por causos<br />

contados sobre a Sucuri, que correm to<strong>da</strong>s estas len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> que a<br />

imaginação temerosa teceu por a<strong>nos</strong> a fio.<br />

Não resta a menor dúvi<strong>da</strong> que na apuração <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s entre as várias<br />

serpentes do mundo a <strong>nos</strong>sa sucuri é uma <strong>da</strong>s maiores, podendo chegar,<br />

segundo as recentes estimativas há mais de 14 metros. Note-se que uma<br />

serpente com metade deste tamanho, pode asfixiar um homem ao apertá-lo.<br />

33


Conta-se também que em Goiás, uma gigantesca cobra Sucuri,<br />

encurralou um cavaleiro e sua montaria. Após várias tentativas de fuga, abatido<br />

e engolidos inteiros, tanto o homem como o seu cavalo. Dias depois, foi<br />

expelido apenas o arreio/cela, em perfeito estado como se na<strong>da</strong> tivesse<br />

acontecido.<br />

Mitos e len<strong>da</strong>s são muitos, mas a desobediência e o espírito de aventura<br />

podem acabar em tragédias. A serpente é o animal que mais provocou<br />

interpretações míticas e simbólicas. Animal muito estranho, rastejador, faz eco<br />

aos primórdios dos tempos, como fonte do pecado e de todos os terrores.<br />

Ambígua, masculina ou feminina, ela desafia suas contradições. É a expressão<br />

apavorante <strong>da</strong> noite, intimamente liga<strong>da</strong> a terra, vive em buracos escuros e<br />

sombrios.<br />

Fantasiosamente acredita-se que o minhocão possua o poder de auto-<br />

renovação, por causa de sua habili<strong>da</strong>de de renovar a sua pele. Este caráter deu<br />

origens às crenças e <strong>mitos</strong> que he atribuíram o poder <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de. Acredita-<br />

se que através <strong>da</strong> mente os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s <strong>nos</strong> mostram a abertura de<br />

<strong>nos</strong>sos sentimentos para enxergarmos o que queremos e o que <strong>nos</strong> contam<br />

mesmo sendo temerosos <strong>nos</strong> fazemos perceber frágeis. Também vinculados<br />

aos padrões sócio-econômicos <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, principalmente carentes, mal<br />

informa<strong>da</strong>s e com poucas instruções.<br />

Muitas <strong>da</strong>s vezes as conotações de crenças e de como são conta<strong>da</strong>s<br />

possibilitam-<strong>nos</strong> que compreen<strong>da</strong>mos a ca<strong>da</strong> conotação de medo. Situações<br />

estas, que <strong>nos</strong> dão respaldo dos conhecimentos e <strong>da</strong>s experiências vivi<strong>da</strong>s em<br />

<strong>nos</strong>sas pesquisas de campo, pois possuem significados diferenciados<br />

dependendo, entretanto, do rumo <strong>da</strong>do a ca<strong>da</strong> história e a ca<strong>da</strong> maneira de se<br />

interpreta.<br />

34


As respostas pesquisa<strong>da</strong>s dos <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> são forneci<strong>da</strong>s na<br />

individuali<strong>da</strong>de pela própria natureza que de alguma forma os gerou. De certa<br />

forma, tem como origem os animais, as plantas e o próprio ser humano que<br />

detém através do medo, inúmeras histórias relaciona<strong>da</strong>s aos seres<br />

sobrenaturais. Podemos até mesmo dizer que existe, e que os Entes<br />

Sobrenaturais desenvolveram muito uma atitude criadora no princípio (ELIADE,<br />

1996).<br />

Nos tempos Antes de Cristo, e ain<strong>da</strong> hoje, povos e seres huma<strong>nos</strong>,<br />

idolatram imagens e objetos inanimados como se fossem deuses, <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong><br />

às coisas abstratas, as qualificando abrangendo característica de força e poder.<br />

Quando decepcionados com a não satisfação de um desejo ou de um encanto,<br />

caem em desespero de consciência, refletindo sobre equívocos na sua vi<strong>da</strong>.<br />

Outros permanecem fieis aos seus deuses, mesmo sofrendo conseqüências<br />

malignas, ingenuamente personificam fenôme<strong>nos</strong> sobrenaturais, <strong>da</strong>ndo-os vi<strong>da</strong>,<br />

os transformando em <strong>mitos</strong>, que ao passar dos a<strong>nos</strong> tornam-se len<strong>da</strong>s.<br />

Os povos antigos que acreditavam em tudo que era obscuro e que<br />

pudessem trazer-lhes mal feitos ou assombros generalizados espalhavam que<br />

as pessoas tinham medo até mesmo de se olharem <strong>nos</strong> espelhos. Ain<strong>da</strong> hoje,<br />

quando o ser humano percebia quali<strong>da</strong>des e características humanas como<br />

pertencentes a objetos ou coisas inanima<strong>da</strong>s, essas quali<strong>da</strong>des e<br />

características não eram tão somente idéias arbitrárias, mas reflexão <strong>da</strong>s suas<br />

quali<strong>da</strong>des inconscientes. Encarava fenôme<strong>nos</strong> naturais, personificados, como<br />

<strong>nos</strong> <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, interpretava a natureza de acordo com sua representação<br />

<strong>da</strong> natureza. Compreender o mito não é acreditar no mito, é verificar o que ele<br />

quis dizer (MERLEAU-PONTY, 1996).<br />

Em <strong>mitos</strong> folclóricos pouco conhecidos de povos antigos encontram-se<br />

relíquias do pensar primitivo, estas, entretanto, não estão extintas, mas<br />

reaparecem hoje entre povos fervilhando no inconsciente, como forma de<br />

35


sonhos e fantasias amedrontadoras, muitos símbolos que se transformaram<br />

<strong>mitos</strong> fazendo parte do ser humano, quando comparados com as mais diversas<br />

espirituali<strong>da</strong>des que envolvem divin<strong>da</strong>des, como a religiosi<strong>da</strong>de significativa de<br />

uma socie<strong>da</strong>de que se busca sentido na captação <strong>da</strong>s mensagens dos <strong>mitos</strong> e<br />

len<strong>da</strong>s referen<strong>da</strong>ndo símbolos através dos tempos. O mito é formado com a<br />

representação do imaginário nem sempre social, onde as imagens mitifica<strong>da</strong>s<br />

passam de gerações arrastando-se <strong>nos</strong> tempos, causado pelo impacto <strong>da</strong><br />

simbologia forma<strong>da</strong> pelos <strong>nos</strong>sos inconscientes, passando de geração a<br />

geração (CAMPBELL, 1990).<br />

Ressaltamos a importância dos aspectos míticos dentro dos impactos<br />

causados pelas simbologias referentes a um determinado lugar ou coisa,<br />

sabedor se faz que o aspecto mítico possa exercer fortes influências nas várias<br />

categorias sócio culturais na vi<strong>da</strong> de comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas principalmente<br />

entre povos me<strong>nos</strong> aquinhoados e afastados <strong>da</strong> civilização.<br />

O termo mitologia remete ao imaginário alegórico, idéia em forma<br />

figura<strong>da</strong>, participando <strong>da</strong> construção de mundos, partindo <strong>da</strong> constatação de<br />

que o ser humano está indissociável em relação à natureza. A mitologia tenta<br />

explicar os cui<strong>da</strong>dos que se devem ter com os ambientes e através dos <strong>mitos</strong>,<br />

muitas <strong>da</strong>s vezes ignorados. Compreende-se que estes, não são milagrosos no<br />

sentido de solucionarem os problemas ambientais causados pelos seres<br />

huma<strong>nos</strong>, tentar-se ao contrário, é refletirmos sobre as relações que se<br />

estabelecem com os ambientes que <strong>nos</strong> propomos compartilhar.<br />

To<strong>da</strong> herança mítica, traz <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de, contribuições que contribuem<br />

para a sensibilização <strong>da</strong>s populações em relação e a necessi<strong>da</strong>de de se<br />

conhecer um pouco <strong>da</strong> história de seu surgimento e as preservarmos,<br />

conservando assim, através do medo ou até mesmo com forte probabili<strong>da</strong>de de<br />

recuperação de reservas florestais ou de matas isola<strong>da</strong>s, abrangendo os lagos,<br />

36


ios e animais, além de outros elementos <strong>da</strong> <strong>nos</strong>sa biodiversi<strong>da</strong>de (CINTRA &<br />

MUTIM, 2002).<br />

A len<strong>da</strong> é uma narrativa que contextualizaria o mito, situando-o, não é<br />

uma ficção, fábula ou romance, mas uma história que quando conta<strong>da</strong>, pode<br />

sofrer alterações na intencionali<strong>da</strong>de, onde é passível de forma de acordo com<br />

a relação que estabelece com o local e as relações existentes.<br />

Os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s são capazes de insinuar o que está visível<br />

aju<strong>da</strong>ndo a delinear a “alma” de um povo. Uma mesma versão pode apresentar<br />

diferentes possibili<strong>da</strong>des de interpretação de uma mesma reali<strong>da</strong>de e, ain<strong>da</strong><br />

assim, manter a essência <strong>da</strong> história perpetuando o mito. Isso contribui para a<br />

idéia de que o mito é vivo.<br />

Em determinados contextos ambientais as len<strong>da</strong>s foram altera<strong>da</strong>s no<br />

decorrer do tempo, deixando muitas vezes de existir, mas mesmos sendo<br />

fantasiosos, na<strong>da</strong> deve ser desqualificado, pois eles, muitas <strong>da</strong>s vezes,<br />

sinalizam a necessi<strong>da</strong>de de terem algum elo, que garanta o prosseguimento <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>. Esses entes possuem diferentes papéis, eles podem <strong>nos</strong> proteger, <strong>nos</strong><br />

castigarem, <strong>nos</strong> assustarem, <strong>nos</strong> presentearem, ou até mesmo <strong>nos</strong> anunciarem<br />

e <strong>nos</strong> pedirem algo quando a eles <strong>da</strong>mos vi<strong>da</strong>. Porém, possuem sempre algo a<br />

<strong>nos</strong> passarem, são esses os <strong>mitos</strong> que possuem regras de comportamentos<br />

sentimentais, preserva-los e respeitá-los, faz parte <strong>da</strong>s culturas, que como a<br />

natureza precisam ser respeitados e preservados (CINTRA & MUTIM 2002).<br />

Assim sendo, conseguimos comparar e separar valores que no fundo<br />

somam e compartilham com a consoli<strong>da</strong>ção do mito com o imaginário, que ao<br />

ser evocado instintivamente, estimulam diálogos com os sentimentos <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de de maneira a de reduzirmos o isolado e sombrio e misterioso<br />

consciente que existem dentro de nós. Bombardeados somos todos os dias<br />

com poluições visuais e auditivas, influenciando-<strong>nos</strong> aos resgates de<br />

37


lembranças afáveis ou não, enchendo-<strong>nos</strong> de palavras marca<strong>da</strong>s, as<br />

apeli<strong>da</strong>ndo-as.<br />

Porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de<br />

nós mesmos, Rodeados de distância e lembranças, é botando<br />

enchimento nas palavras. É botando<br />

apelidos, contando lorotas. É enfim, através<br />

<strong>da</strong>s validias palavras, ir alongando <strong>nos</strong>sos limites.<br />

(Manoel de Barros)<br />

1.3 COMUNIDADE PANTANEIRA COM SEUS RITOS E MITOS<br />

Mesmo hoje, através do uso sustentável com tecnologias avança<strong>da</strong>s e<br />

em nome <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> se tem mentali<strong>da</strong>des, e metodologias<br />

retrógra<strong>da</strong>s em relação ao meio ambiente que sofre com os desmatamentos<br />

controlados (dito controlados) e ambiciosos, que vem sendo, ao longo dos<br />

a<strong>nos</strong>, explorados de forma egoísta e errônea como são mostrados e<br />

bombardeados pela mídia a todo instante, sem que as autori<strong>da</strong>des<br />

competentes, que também tiram proveito, tomem as devi<strong>da</strong>s providências<br />

cabíveis para frear e interromper a morte do <strong>nos</strong>so ecossistema. Com isso os<br />

grandes contingentes <strong>da</strong> natureza encontram-se em falência de vi<strong>da</strong> por serem<br />

conseqüentemente explorados com intensa e descontrola<strong>da</strong> rapidez.<br />

Por isto, sentimos, diante <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de ribeirinha do Pantanal Mato-<br />

grossense a necessi<strong>da</strong>de de trabalharmos no contexto <strong>da</strong> parceria, para que<br />

pudéssemos ter perspectivas positivas no intuito de contribuirmos de forma<br />

responsável, e mantermos a todo custo a sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> formação<br />

planeja<strong>da</strong> dos ci<strong>da</strong>dãos pantaneiros e ribeirinhos, para que pudéssemos suprir<br />

de maneira cultural que seria o forte desejo globalizado <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des,<br />

contribuindo assim com equivalência, senão a extinção <strong>da</strong>s diferenças<br />

determinantes que envolvem as degra<strong>da</strong>ções do meio ambiente.<br />

38


Iniciamos <strong>nos</strong>sas pesquisas com caminha<strong>da</strong>s entre as comuni<strong>da</strong>des,<br />

buscando e conhecendo suas culturas e modos de vi<strong>da</strong>. Enaltecidos e<br />

glorificados com as descobertas que <strong>nos</strong> deixaram cientes <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des de<br />

serem compreendidos mostraram-<strong>nos</strong> através de seus olhos em súplicas, que<br />

enxerga a reali<strong>da</strong>de ao ufanar-se com a multiplici<strong>da</strong>de de formas ao mostrar-<br />

lhes semelhanças de se enxergar ao verem o mundo comparativo com outros<br />

mundos fora do seu ambiente natural, ou até mesmo levando a eles os outros<br />

mundos de interesses <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des que visam o seu próprio bem estarem<br />

e não a manterem a diferenciação de um povo entre culturas.<br />

Um mesmo espaço no Pantanal, por exemplo, pode ser percebido e<br />

utilizado de maneira diferencia<strong>da</strong>. Da mesma maneira o tempo é vivenciado de<br />

maneiras particulares por diferentes culturas; um pescador do pantanal observa<br />

o rio, o movimento <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, a fase <strong>da</strong> lua, as estações, eles entendem o seu<br />

lugar. Alguém que vive no campo sabe observar os sinais provenientes <strong>da</strong><br />

natureza, do comportamento dos animais, do céu, <strong>da</strong>s estrelas, <strong>da</strong> lua, enfim<br />

desenvolver um conhecimento extremamente refinado de seu meio para que<br />

possa planejar melhor suas ativi<strong>da</strong>des e tirar o maior proveito possível de suas<br />

ativi<strong>da</strong>des.<br />

39<br />

O que aprendem <strong>da</strong> natureza é necessariamente<br />

inferido para o mundo do conhecimento. Enquanto<br />

coletivi<strong>da</strong>de, eles são parte integrante viva e<br />

dinâmica <strong>da</strong> natureza que os recorta e define<br />

como parte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de circun<strong>da</strong>ntes. Seu corpo<br />

carrega simbolicamente os desejos, as<br />

necessi<strong>da</strong>des e o movimento geral que cerca o<br />

mundo que os apreende (SATO & PASSOS 2002,<br />

p. 25).<br />

Percebemos através de pesquisas por nós engendra<strong>da</strong>s que ca<strong>da</strong> vez<br />

mais os imaginários governam de maneira sustentável as <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s no<br />

cotidiano, organizando com planejamentos vitais para se viver política e<br />

socialmente em comuni<strong>da</strong>des. Comparamos os relatos supostamente


imaginários e míticos de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de por nós visita<strong>da</strong>s. Chegamos à<br />

conclusão de que o imaginário se desenvolve com mais pertinência nas<br />

comuni<strong>da</strong>des me<strong>nos</strong> desenvolvi<strong>da</strong>s, onde seus mundos parecem<br />

profun<strong>da</strong>mente imersos nas divergentes extensões que separam uma<br />

comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> outra dentro do pantanal.<br />

Como exemplos comparativos, temos a população de São Pedro <strong>da</strong><br />

Joselândia, onde em parte concentramos <strong>nos</strong>sos estudos, e onde existem duas<br />

estações de transição, onde a seca e a cheia são entremea<strong>da</strong>s por - a vazante<br />

que leva à seca e a enchente que leva às cheias transbor<strong>da</strong>ntes. São<br />

considera<strong>da</strong>s estações com níti<strong>da</strong>s diferenciações <strong>da</strong>s passagens do ciclo do<br />

tempo.<br />

Nas cheias, as comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong> ficam com seus povos<br />

aprisionados e encurralados, impossibilitados de se movimentarem livremente<br />

pelas trilhas e estra<strong>da</strong>s por causa <strong>da</strong> elevação <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. Perdendo com isso,<br />

o contato via terrestre com Cuiabá. Só sendo possível através de embarcações,<br />

tornando ain<strong>da</strong> mais distantes e isola<strong>da</strong>s as comuni<strong>da</strong>des. Os recados quando<br />

necessários se fazem para serem <strong>da</strong>dos a parentes que moram em Cuiabá, são<br />

utilizados rádios, no intuito de passarem os devidos recados. Por serem muitas<br />

<strong>da</strong>s vezes, comuni<strong>da</strong>des pequenas onde todos se conhecem e sempre existe<br />

um membro atento aos recados ouvidos através de seu radinho de pilha,<br />

existente em boa parte <strong>da</strong>s casas <strong>nos</strong> longínquos alagados do pantanal.<br />

O transir <strong>da</strong> cultura local, repassa<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s <strong>da</strong>nças como as do<br />

Siriri e a do Cururu, permanece através dos tempos, evidentes e marcantes,<br />

nas reuniões por ocasião <strong>da</strong>s festas de Santos, aniversários, casamento ou<br />

eventos culturais, onde os contos de “causos” se intensificam em peque<strong>nos</strong><br />

grupos, onde ferrenhas disputas proverbiais fazem-se o imaginário fluir<br />

livremente sem receios de represálias, pelo contrário, o sorriso faz parte <strong>da</strong><br />

festança. As junções de espirituali<strong>da</strong>des opostas fazem com que transcrevam<br />

40


decisões concebi<strong>da</strong>s em reuniões antes jamais imagina<strong>da</strong>s que pudessem<br />

acontecer na certeza manifesta, devido as divergência de idealismos inerentes<br />

a ca<strong>da</strong> culto.<br />

Nas paisagens <strong>da</strong> natureza, a presença do ser humano tem peso, tanto<br />

quanto as constantes mu<strong>da</strong>nças climáticas, sendo de relevante consideração a<br />

escassez de <strong>águas</strong>, que mortificam drasticamente a <strong>nos</strong>sa biosfera. O clima<br />

não está só, como causador <strong>da</strong> desertificação de áreas de <strong>nos</strong>sas terras, mas<br />

também culpamos os <strong>mitos</strong> e as len<strong>da</strong>s, que impõem culturas de povos<br />

extrativistas e que não contemplam a reposição na mesma proporção, achando<br />

que não fará falta uma árvore tomba<strong>da</strong>, mas se esquecem que milhões de vi<strong>da</strong>s<br />

dela dependem não só para seus próprios sustentos como de um povo. Com<br />

isso, os ciclos ecológicos sofrem também, restringindo ao quebrar as cadeias<br />

de renovações necessárias e fun<strong>da</strong>mentais para o crescimento <strong>da</strong> fauna e <strong>da</strong><br />

flora.<br />

A paisagem passa por modificações sucessivas que estão condiciona<strong>da</strong>s<br />

a presença ou ausência <strong>da</strong> água <strong>da</strong>s enchentes; os espaços passam por<br />

importantes modificações condiciona<strong>da</strong>s aos ciclos ecológicos, tais como a<br />

oferta e disponibili<strong>da</strong>de de recursos e /ou sua utilização, presença de animais<br />

migratórios e de pastagens. Assim, a paisagem em São Pedro é<br />

incessantemente modificável, nunca é a mesma; onde hoje é um caminho,<br />

amanhã pode não ser, o aspecto <strong>da</strong> vegetação obedece a este ritmo <strong>da</strong><br />

temporali<strong>da</strong>de e do cíclico, ou seja, é como se tudo parecesse como um círculo.<br />

Os cururueiros exaltam a grandeza <strong>da</strong> festa aderindo ao miticismo<br />

folclórico pertinente ao santo festivo ou protetor, que geralmente é obrigatório<br />

em certos cultos o levantamento do mastro com uma bandeira ilustrando o<br />

santo festivo <strong>da</strong> época. Dando exaltação sentimental aos cururus, os siriris e a<br />

diversi<strong>da</strong>de de comi<strong>da</strong>s típicas. O ponto alto <strong>da</strong> festa é o momento em que os<br />

devotos prestam suas homenagens ao santo, cantando e <strong>da</strong>nçando. Num <strong>da</strong>do<br />

41


momento, quando estão <strong>da</strong>nçando em ro<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s mulheres dirige-se ao<br />

centro e saracoteia em <strong>da</strong>nças e requebrados, segurando com louvores e<br />

glórias a imagem do santo festivo sobre a cabeça.<br />

Os cururueiros manifestam-se em constantes duelos musicais que o<br />

fazem tocam ao lado ou à frente do altar, que é considera<strong>da</strong> como a presença<br />

viva desse santo "violeiro", cuja imagem é representa<strong>da</strong>, em Mato Grosso,<br />

carregando uma viola de cocho. Como não poderíamos deixar de citar, a festa<br />

gira varando a madruga<strong>da</strong> ao som do Cururu que, tem como tema central, o<br />

santo "cururueiros", vinculados a ele os seus milagres.<br />

Os santos cururueiros têm também a função indireta de reunir pessoas e<br />

o de incentivar os reencontros entre parentes, que distantes uns dos outros,<br />

muitas <strong>da</strong>s vezes só se vêem de ano em ano, como sendo também uma forma<br />

de trocarem olhares ao procurarem um sonho de união, de descontração em<br />

<strong>da</strong>nças envolventes e a renovação de valores e significados dos grupos.<br />

As festas locais considera<strong>da</strong>s tradicionais sofrem fatores de identi<strong>da</strong>de e<br />

expressões constitucionais coletiva. A religiosi<strong>da</strong>de entre pessoas, está<br />

diretamente proporcional liga<strong>da</strong> a satisfações pessoas que pedem proteção ao<br />

santo de sua devoção. O pantanal, com a sua furtivi<strong>da</strong>de mística, <strong>nos</strong> mostrou<br />

sua espirituali<strong>da</strong>de onde agrega uma gama de fantasias sem limites de<br />

extensão e compreensão para os pantaneiros e <strong>pantaneiras</strong>. Deram-<strong>nos</strong> a<br />

entender que a crença e a espirituali<strong>da</strong>de, dão-<strong>nos</strong> sugestões complexas de<br />

podermos compreender alguns fenôme<strong>nos</strong> sobrenaturais e não corriqueiros que<br />

acontecem com as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas dentro do Pantanal. Considerando<br />

os intrínsecos elos, que fazem as ligações entre o místico e o mítico,<br />

alavancados pela percepção de um povo. A diferença entre mítico e místico é o<br />

próprio mito que não tem e nunca teve vi<strong>da</strong> real, enquanto místico relaciona-se<br />

a divin<strong>da</strong>de de coisas espirituais idolatra<strong>da</strong>s religiosamente.<br />

42


Quando se devasta uma área pantaneira os moradores dela dizem que<br />

estão invadindo a mora<strong>da</strong> do “encantado”. Ele habita um lugar de divin<strong>da</strong>de e<br />

de espirituali<strong>da</strong>de. O pantanal é amplo, cheio de surpresa. Sua longa extensão<br />

de terras, com moradias distantes, proporciona certo distanciamento entre as<br />

pessoas, porém nas festas religiosas, casamento, competições esportivas,<br />

música, <strong>da</strong>nça e as comilanças, torna-se pequena à distância <strong>da</strong>s pessoas <strong>da</strong>s<br />

comuni<strong>da</strong>des do entorno, elas vão participar por vários dias, com muita carne e<br />

bebi<strong>da</strong>, cantando e <strong>da</strong>nçando o Cururu e o Siriri.<br />

A espirituali<strong>da</strong>de do homem/mulher e a espirituali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza são<br />

gêmeas e mantém uma uni<strong>da</strong>de no Pantanal. Eles formam o tripé <strong>da</strong> existência<br />

do próprio Pantanal. Tudo está ligado à natureza e à razão de ser <strong>da</strong> mesma<br />

natureza. Os fenôme<strong>nos</strong> naturais do Pantanal transformam-se nas linguagens<br />

do mistério, e por esse olhar vemos algo a mais, algo que não víamos com um<br />

simples olhar, os fenôme<strong>nos</strong> são as leis que orientam os que vivem neste<br />

mundo.<br />

As pessoas devem se preocupar mais com o pantanal, com os rios e as<br />

matas do <strong>nos</strong>so Pantanal. O homem pantaneiro e a mulher pantaneira como<br />

conhecem a natureza e o meio ambiente obedecem ao ritmo de vi<strong>da</strong>, sabe que<br />

uma atitude impensa<strong>da</strong> pode levar o extermínio do viver e <strong>da</strong> beleza natural,<br />

patrimônio inerente a este espaço natural em que vivem.<br />

43


ATO - II- ESPERANÇA<br />

O rio não precisa ser<br />

<strong>nos</strong>so; a água não<br />

precisa ser <strong>nos</strong>sa. A<br />

água anônima<br />

conhece todos os<br />

segredos. E a mesma<br />

lembrança jorra de<br />

ca<strong>da</strong> fonte. GASTON<br />

BACHELARD<br />

Imagem 11: Tuiuiu<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: Riozinho - RPPN<br />

Data: 07/ 2005<br />

44


2. META<br />

A meta <strong>da</strong> pesquisa foi compreender as len<strong>da</strong>s e os <strong>mitos</strong> pantaneiros do<br />

entorno <strong>da</strong> RPPN, mostrando a relação desses seres com a EA, e a real<br />

necessi<strong>da</strong>de de preservarmos, conservando as matas, os lagos, os rios, os<br />

animais e o próprio ser humano, desta forma, também, estaríamos resgatando<br />

memórias culturais dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des visita<strong>da</strong>s.<br />

Estabelecemos paralelos entre as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> com os devidos<br />

cui<strong>da</strong>dos para que não desvirtuássemos a procedência <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> len<strong>da</strong> ou<br />

mito e com os seres em geral, respeitando os limites do uso do <strong>nos</strong>so<br />

patrimônio ambiental, que muitas <strong>da</strong>s vezes em <strong>nos</strong>sas caminha<strong>da</strong>s,<br />

constatamos explorações estarrecedoras e fora de controle. Vinculados a EA,<br />

tem-se a consciência vital <strong>da</strong> importância comparativa através <strong>da</strong>s pesquisas<br />

narrativas obti<strong>da</strong>s junto aos ribeirinhos, como sendo o instrumento vital <strong>da</strong><br />

possibili<strong>da</strong>de de se manter discussões ininterruptas <strong>da</strong>s partes em prol de um<br />

todo. Porém, constatamos que as populações ribeirinhas podem apresentar<br />

conhecimentos diferenciados e refinados dependendo do ambiente em que<br />

vivem e <strong>da</strong> maneira em que são estimulados culturalmente.<br />

Os motivos que <strong>nos</strong> levaram a pesquisarmos as len<strong>da</strong>s, os mito e<br />

paralelamente a EA, foi o de mostrarmos que caminha visando o mesmo<br />

objetivo, o de formarem e perpetuarem fenôme<strong>nos</strong> que manifestem os espí<strong>ritos</strong>.<br />

Necessário se faz deixarmos os espí<strong>ritos</strong> se manifestarem, para que possam<br />

fluir idéias e conceitos que estão dentro de ca<strong>da</strong> um, por isso é necessário ter-<br />

se um contador, que transcen<strong>da</strong> os relatos a sua maneira, resgatando os<br />

folclores através de seus conhecimentos e que compartilhem nas ro<strong>da</strong>s de<br />

conversas <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong> ao seu imaginário, fortalecendo fantasias que ao serem<br />

resgata<strong>da</strong>s trazem o medo. Assim sendo, prenderá a atenção de todos.<br />

45


Em to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, existe e sempre existirão, pessoas que se destacam<br />

e cativam outras através de um bom papo e carisma, fazendo-se se sentir<br />

admira<strong>da</strong>, principalmente quando acoberta<strong>da</strong> de conhecimentos amplos que as<br />

possibilitem deliberarem com rapidez de raciocínio as resoluções suscitas de<br />

interesses mútuos, e também os alheio circunstanciais concernentes a um<br />

indivíduo ou a própria comuni<strong>da</strong>de. “E possibili<strong>da</strong>des de pensar e resolver<br />

situações e de momentos <strong>nos</strong> quais possam alcançar a plenitude ao envolver o<br />

bem-estar coletivo como parte de si mesmas” (CINTRA & MUTIM, 2002, p. 18).<br />

Em <strong>nos</strong>sas pesquisas, quando em descanso, sentávamos às margens do<br />

rio, sob frondosa sombra provoca<strong>da</strong> pela copa de espessas árvores. Em<br />

silêncio, imposto por nós mesmo sem esboçarmos uma única palavra, para que<br />

pudéssemos contemplar a sabedoria <strong>da</strong> natureza e tentar entendê-la,<br />

decifrando momentos por momento de sua mutação, provoca<strong>da</strong> pelas<br />

intempéries climáticas e o soprar dos ventos entrementes. Sublime se faz<br />

embevecido de encantos entre uivos ao forçar passagens entre galhos e folhas.<br />

De repente, robusto e valente se fez impor respeito, desfolhando árvores<br />

com voraz tenaci<strong>da</strong>de jamais vista por nós. Pós calmaria, por meio dos<br />

sentidos, aperfeiçoamos ain<strong>da</strong> mais <strong>nos</strong>sos conhecimentos, chegando à<br />

seguinte consideração: infinitos foram os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, que através dos<br />

ventos surgiram. Nós, os pesquisadores, protegidos entre árvores, notamos que<br />

folhas mais espessas passavam raspando em nós, e muitas <strong>da</strong>s vezes se<br />

chocavam nas árvores que delas fizemos <strong>nos</strong>sos escudos, fazendo barulhos<br />

amedrontadores, com isso, <strong>nos</strong>sos sentimentos atemorizados deixavam fluir<br />

com certas facili<strong>da</strong>des a adrenalina do pavor. Chegamos até mesmo quase que<br />

por unanimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>rmos corpo e alma a uma folha mais afoita que adentrou<br />

pelo mato em veloci<strong>da</strong>de descomunal, batendo em um galho, dividiu-se caindo<br />

em mergulho no mato desaparecendo.<br />

46


Ao retratarmos como se fosse algo enviado pelo além. Daí, as <strong>nos</strong>sas<br />

suspeitas de que como nós, talvez outras pessoas, também tenham enfrentado<br />

situações semelhantes e que o medo pelo e do desconhecido tenha tomado<br />

outras conotações, que interpreta<strong>da</strong>s viraram <strong>mitos</strong>, acrescidos de símbolos,<br />

personagens ou qualquer outra coisa que a eles foram-lhes <strong>da</strong>ndo os devidos<br />

nomes, acrescidos de histórias fantasiosas, sendo eles, fonte inesgotável de<br />

sabedoria. Para essa sabedoria contamos com a colaboração de contadores,<br />

moradores do Pantanal.<br />

O contador, por sua vez, compartilha nas suas ro<strong>da</strong>s de conversa, tendo<br />

como pano de fundo sua sabedoria, <strong>nos</strong> seduz com as palavras, gestos e com<br />

as expressões visíveis em sua face. Descreve a mesma passagem inúmeras<br />

vezes, fundindo lembranças de outrem, trocando palavras, adicionando<br />

personagens. Pelos caminhos trilhados, os contadores de pulhas talvez<br />

soubessem que não haveria a possibili<strong>da</strong>de de buscas interpretações<br />

universais. Como subterfúgios reflexivos e exagerados <strong>da</strong>s histórias narra<strong>da</strong>s<br />

com as emoções dos contadores acresci<strong>da</strong> de vestimentas maltrapilhas em<br />

frangalhos, como se tivessem sido atacados por um ser fantasioso ou vestidos<br />

à mo<strong>da</strong> de uma época festiva, onde em ro<strong>da</strong>s de Cururu, a imaginação corria<br />

solta no mundo místico, vagando na crença <strong>da</strong> existência do ocultismo.<br />

47


No Pantanal ninguém pode passar a régua. Sobretudo<br />

quando chove. A régua é existidura de limites e o<br />

Pantanal não tem limites ( Manoel de Barros)<br />

2.1 ESPAÇO PANTANEIRO<br />

Como introdução a este tópico, na<strong>da</strong> melhor do que citarmos Manoel de<br />

Barros, poeta mato-grossense, que muito se preocupa com o pantanal, deixou<br />

isto bem claro nas suas poesias. As preocupações com o pantanal são temas<br />

constantes de poesias, dissertações, teses. Temos no Pantanal além dos<br />

ribeirinhos e pantaneiros mais de 10 etnias indígenas. Resguar<strong>da</strong>mos-<strong>nos</strong> em<br />

falarmos do povo indígena localizado no Pantanal, assunto que trataremos<br />

oportunamente.<br />

Tantos os índios como os ribeirinhos, não só enfrentam problemas com<br />

as intempéries climáticas, como também com a alavanca<strong>da</strong> pesca pre<strong>da</strong>tória,<br />

em todo o Pantanal Mato-grossense, como também com o turismo<br />

desordenado. O que mais afeta todo o sistema pantaneiro são a discriminação<br />

e o descaso do poder público. Nos corixos, considerados os berços <strong>da</strong><br />

renovação <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, estão sofrendo com a pesca pre<strong>da</strong>tória, pois são<br />

nessas materni<strong>da</strong>des que os pescadores pre<strong>da</strong>dores estão invadindo, sem um<br />

mínimo de respeito.<br />

Já os pantaneiros, conhecedores <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> renovação de vi<strong>da</strong>s,<br />

acostumados com os ciclos <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, respeitam piamente o espaço onde<br />

vivem, conhecedores inclusive dos intricados caminhos que as <strong>águas</strong> delineiam<br />

na época <strong>da</strong>s cheias. As curvas dos rios desaparecem embaixo de um mar de<br />

<strong>águas</strong>, peixes circulam livremente pelos pânta<strong>nos</strong> formados, na vazante, muitos<br />

ficam presos em pequenas poças d´água, onde a fábula diz: esses são os<br />

“peixes que caíram do céu”. Len<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> região, pois não são<br />

poucos os ribeirinhos que deles se alimentam, mas também baseado no mítico<br />

por medo de comerem os preparam para <strong>da</strong>rem de comer aos seus cachorros,<br />

48


pois acreditam segundo a len<strong>da</strong>, que os arco-íris após as cheias, devolvem os<br />

peixes, que sugaram dos rios nas épocas de seca, os depositando <strong>nos</strong> lagos<br />

para morrerem a mingua, quando <strong>da</strong> vazante <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>.<br />

As populações ribeirinhas são forma<strong>da</strong>s por uma mescla de índios,<br />

brancos, negros, bugres e mamelucos, <strong>da</strong>í surgiram, contradições de<br />

tempestuosi<strong>da</strong>de e meiguice entre pessoas nas comuni<strong>da</strong>des pantaneira. Desta<br />

forma, com as constantes transições de culturas entre diferentes pessoas e de<br />

i<strong>da</strong>des, tendem provocar a disseminação de culturas folclóricas tradicionais.<br />

Podemos observar os traços dos pantaneiros através do seu modo de vi<strong>da</strong>.<br />

Normalmente gostam de tomarem banhos <strong>nos</strong> rios, dormirem nas redes,<br />

an<strong>da</strong>rem sobre montarias, tanto a cavalos, como sobre búfalos, mas também<br />

não dispensam as canoas, mantendo o lamentável hábito <strong>da</strong>s queima<strong>da</strong>s.<br />

Quando <strong>nos</strong> referimos aos pantaneiros, vemos pessoas que valorizam<br />

suas liber<strong>da</strong>des e seus hábitos, falam com cadência, normalmente são<br />

hospitaleiros, conhecem os remédios <strong>da</strong> flora medicinal, gostam de uma boa<br />

prosa, de contar e ouvir “causos” de assombração, <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s her<strong>da</strong><strong>da</strong>s ou de<br />

fatos do dia-a-dia. Talvez isso ocorra influenciado pelo lugar e provavelmente<br />

pelo pequeno isolamento ou talvez por ser um lugar encantado, que faz fluir as<br />

inspirações.<br />

A baixa declivi<strong>da</strong>de faz com que o pantanal se comporte como uma<br />

esponja, retendo a água que chega pelos rios <strong>da</strong> Bacia do Alto Paraguai,<br />

liberando-a lentamente para a parte sul. A bacia está localiza<strong>da</strong> no centro <strong>da</strong><br />

América do Sul, tem uma área de cerca de 360 mil quilômetros quadrados.<br />

O clima é quente e úmido no verão, considera<strong>da</strong> baixa para a região.<br />

Ninguém deve ficar espantado se encontrar uma lareira nas casas <strong>pantaneiras</strong><br />

porque podem ocorrer gea<strong>da</strong>s. De junho a outubro é a época de seca e o<br />

49


período <strong>da</strong>s cheias vai de novembro a maio. As chuvas se concentram <strong>nos</strong><br />

meses de dezembro e janeiro.<br />

A penúria do Pantanal está liga<strong>da</strong> diretamente com a política não<br />

ambiental de preservação, onde a mítica reali<strong>da</strong>de faz histórias. As políticas<br />

públicas de sustentação an<strong>da</strong>m paralelamente de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com a EA nas<br />

formações de consciências e de participações em comitês que tratam dos<br />

estudos <strong>da</strong>s bacias hidrográficas. Como também, no aproveitamento <strong>da</strong><br />

produção intelectual e de materiais educativos para o desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />

pesquisas visando alternativas renova<strong>da</strong>s de metodologias <strong>da</strong> pesquisas<br />

científicas direciona<strong>da</strong>s para linguagens compreensíveis visando a capaci<strong>da</strong>de<br />

pe<strong>da</strong>gógica como um elo de defesas <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de.<br />

A baixa declivi<strong>da</strong>de do terreno provoca as cheias. E no ciclo <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />

rege a vi<strong>da</strong> do pantaneiro: em época de cheia, os peões são obrigados a<br />

levarem o gado para as terras mais altas. É mais fácil ver as aves, pois se<br />

alojam na copa <strong>da</strong>s árvores, enquanto os mamíferos, por exemplo, se<br />

escondem <strong>nos</strong> capões e cordilheiras - trechos de vegetação mais altos -<br />

esperando as <strong>águas</strong> baixarem. Mas ninguém consegue dizer o que é mais<br />

bonito: o Pantanal coberto de água ou quando está seco.<br />

50<br />

Basicamente, distinguem-se no Pantanal três<br />

zonas: uma permanentemente alaga<strong>da</strong>, chama<strong>da</strong><br />

aquática; outra alagável temporariamente,<br />

denomina<strong>da</strong> hidrófila; e a mesófila, sempre a salvo<br />

<strong>da</strong>s inun<strong>da</strong>ções. Observe-se que essas divisões e<br />

terminologia estão em correspondência, e se<br />

definem, a partir <strong>da</strong>s relações do espaço com a<br />

água (LEITE, 2003, p. 37).<br />

Ao lado <strong>da</strong> pesca, ain<strong>da</strong> hoje a pecuária extensiva de corte representa a<br />

mais importante ativi<strong>da</strong>de regional - com mais de dez milhões de cabeças - e<br />

tem se mostrado compatível com a preservação/conservação do Pantanal. O


sistema de criação de livre pastoreio em pastagens nativas, sem nenhuma<br />

seleção, forjou um tipo de gado a<strong>da</strong>ptado às condições adversas <strong>da</strong> região.<br />

Nos últimos 50 a<strong>nos</strong> deu-se a explosão de ven<strong>da</strong>s de terras, passando a<br />

serem ocupa<strong>da</strong>s por sulistas, mineiros, cariocas, paulistas, que insaciáveis e<br />

sem nenhuma ou quase pouco formação agropecuária compraram fazen<strong>da</strong>s e<br />

suas terras foram subdividi<strong>da</strong>s, modificando as técnicas de manejo de livre<br />

pastoreio, passando para o confinamento. Com isto, ocorreram fortes<br />

mu<strong>da</strong>nças <strong>nos</strong> hábitos e principalmente <strong>nos</strong> valores.<br />

Algumas comuni<strong>da</strong>des do extenso Pantanal as conversas, os Cururus e<br />

as ro<strong>da</strong> de fogueira não estão ocorrendo com a mesma assidui<strong>da</strong>de como<br />

<strong>da</strong>ntes, legitimando a culpabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> modernização e a forças impostas pelos<br />

aparelhos de televisões que hoje tem volumes expressivos. Como em to<strong>da</strong><br />

regra existem exceções, algumas comuni<strong>da</strong>des por falta de energia elétrica<br />

presenciar pessoas se reunindo para contar causos de assombração,<br />

independente de faixa etária, onde podemos observar idosos e jovens nessa<br />

ro<strong>da</strong> de causos (imagem 12)<br />

.<br />

51


Imagem12: saboreando os causos<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: Escola São Pedro Joselândia<br />

Data; 07/2004<br />

Através de <strong>nos</strong>sas pesquisas, entre outros fatos, presenciamos<br />

alterações comportamentais dos peões pantaneiros, que estão sentindo na<br />

própria pele, as novas normas com distribuição de funções, adequa<strong>da</strong>s às<br />

novas técnicas impostas pelos grandes latifundiários dentro do conglomerado<br />

pantaneiro. Proprietários estes, que estão enfrentando a falta de mão de obra<br />

especializa<strong>da</strong>, e ao tentarem impor suas técnicas estão propiciando e<br />

incentivando o êxodo rural dos pantaneiros que praticamente de gerações em<br />

gerações, ali criaram suas famílias. Poucas ou quase nenhuma, são as<br />

comitivas contrata<strong>da</strong>s que continuam tirando o gado <strong>da</strong>s áreas alaga<strong>da</strong>s e as<br />

levando para as áreas mais altas do pantanal. Com o passar dos tempos, foram<br />

substituí<strong>da</strong>s por comboios de caminhões, restringindo o espaço de tempo gasto<br />

em mais de três quartos, reduzindo a mortali<strong>da</strong>de e o desgaste dos animais e<br />

dos próprios boiadeiros.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 1970, fazendeiros paulistas compraram terras no<br />

Pantanal, desconhecendo os ciclos <strong>da</strong> chuva e <strong>da</strong> seca, ou seja, seis meses de<br />

52


chuva e seis meses de seca, trouxeram de São Paulo uma loco móvel (imagem<br />

13), uma locomotiva movi<strong>da</strong> à lenha para puxar a água do rio São Lourenço e<br />

irrigar o pantanal. Tamanho despreparo e desconhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

climática e do próprio solo fizeram tamanho descalabro com a própria natureza,<br />

devastando matas, fazendo lenhas, para sustentarem a famigera<strong>da</strong> locomotiva<br />

que trabalhava dias e dias ininterruptos para “irrigar o Pantanal”. Após 35 a<strong>nos</strong>,<br />

essa geringonça encontra-se no mesmo lugar, encoberta por matos e sujeiras.<br />

Virando um ver<strong>da</strong>deiro mausoléu, contribuindo com a poluição do Pantanal. Isto<br />

é a prova de que pessoas gananciosas e sem o mínimo de conhecimento<br />

geológico e histórico a respeito <strong>da</strong> região. Fazendo do Pantanal seus<br />

laboratórios particulares de desastres ecológicos, atingindo no alvo o<br />

ecossistema em contraparti<strong>da</strong> a todos nós.<br />

Imagem 13: Loco móvel<br />

Fonte: João Carlos Gomes<br />

Local: RPPN – Rio São Lourenço<br />

Data: 07/2004<br />

53


As <strong>águas</strong> risonhas,os riachos irônicos,<br />

as cascatas ruidosamente alegres encontram-se nas mais<br />

varia<strong>da</strong>s paisagens literárias. Esses risos, esses chilreios<br />

são, ao que parece, a linguagem pueril <strong>da</strong> Natureza. No<br />

riacho quem fala é a natureza criança<br />

GASTON BACHELARD<br />

2.2 A ÁGUA<br />

Ao submergirmos nas <strong>águas</strong> do Pantanal, muito temos que aprender<br />

com os <strong>mitos</strong> e <strong>ritos</strong> para que possamos interpretá-los, caso a caso de seu<br />

surgimento. A água é de fun<strong>da</strong>mental importância, presente e em to<strong>da</strong>s as<br />

vi<strong>da</strong>s existentes na face <strong>da</strong> terra, mas que muitas <strong>da</strong>s vezes passa-<strong>nos</strong><br />

despercebidos a sua importância.<br />

São temas para diferentes teses, dissertações e tantos outros estudos<br />

que surgem com o intuito de <strong>nos</strong> alertarem sobre o futuro deste líquido, que é<br />

de responsabili<strong>da</strong>de de todos nós.<br />

A ausência de tão precioso líquido <strong>nos</strong> assombra tanto quanto os<br />

caminhos dos <strong>mitos</strong> e os <strong>da</strong>s ciências, que tendem para um ponto comum. “O<br />

mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos” (CASSINER,<br />

1992). A água está no princípio de to<strong>da</strong>s as coisas, ao <strong>da</strong>rmos uma olha<strong>da</strong> para<br />

trás veremos que ela existe desde que o mundo é mundo, esculpindo, saciando<br />

e inspirando. A água <strong>nos</strong> envolve a todos: répteis, aves e mamíferos, ela é<br />

versátil, serve para tantas e com diversifica<strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des.<br />

O fun<strong>da</strong>mento desta proposta se centrou na idéia de que a participação<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des é um elemento chave para o êxito dos programas de comitês<br />

de Bacias hidrográficas, por isso, a mobilização de diversos grupos e a<br />

possibili<strong>da</strong>de de que tenham acessos às informações sobre o tema,<br />

constituindo-se em um fator importante para as promoções de ações concretas<br />

54


nestes campos. Assim sendo, fica consagrado o dia 22 de março, como sendo<br />

o dia Mundial <strong>da</strong> água, durante a conferência <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s sobre Meio<br />

Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) promovido no Rio de Janeiro.<br />

O Pantanal, pela sua beleza impar, está sendo invadido também pelos<br />

turistas e pescadores, de final de semana, pre<strong>da</strong>dores, pois quem tira férias<br />

quer um lugar que tenha água, sejam em forma de rios, lagos, baias,<br />

cachoeiras, praias e afins, mas infelizmente muitos visitantes não se preocupam<br />

com o lugar que a eles não pertencem. Quando de retorno para seus lares,<br />

abandonam nas matas e rios tonela<strong>da</strong>s de lixos, dessa forma resulta em<br />

degra<strong>da</strong>ções e poluições, ca<strong>da</strong> vez mais constantes <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e matas,<br />

destruindo também as espécies que fazem parte dos ecossistemas que<br />

dependem também <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. A repetição periódica <strong>da</strong> poluição <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />

exterminam espécies fun<strong>da</strong>mentais de seres vivos que proporcionam o<br />

equilíbrio ambiental. Portanto, para termos a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e seu<br />

potencial é importante que haja uma sensibilização e <strong>educação</strong> ambiental, e<br />

nesse trabalho propomos que por meio dos <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s <strong>águas</strong><br />

possamos atingir o maior número de pessoas e sensibiliza-las com as<br />

preocupações que <strong>nos</strong> afligem a falta d’ água, que poderá vir a ser o principal<br />

motivo de disputas sangrentas entre nações.<br />

Inúmeros fatores contribuíram para que as <strong>nos</strong>sas preocupações com as<br />

<strong>águas</strong>, pudessem <strong>nos</strong> trazer tantos desconfortos, principalmente com o<br />

crescimento populacional desordenado que desestrutura qualquer planejamento<br />

sócio ambiental e de impacto na natureza, discernindo ca<strong>da</strong> vez mais<br />

assustadores as famigera<strong>da</strong>s poluições por falta de saneamentos básicos, os<br />

desmatamentos, as construções de hidrelétricas mesmo com estudos de<br />

impactos ambientais não são precisos e capazes a mu<strong>da</strong>rem os cursos<br />

originais dos rios. Junto com os desperdícios, geram fatores de estudos<br />

específicos e qualificados, o que não é a <strong>nos</strong>sa meta de estudos dentro <strong>da</strong>quilo<br />

que planejamos, mas sim, <strong>da</strong>ndo ênfase.<br />

55


Sabemos que o Brasil, num futuro não muito distante, será alvo de<br />

cobiça por termos em sua extensão enormes mananciais de estoques de<br />

<strong>águas</strong>, como a Amazônia, considera<strong>da</strong>s a maior bacia hidrográfica do mundo e<br />

no Pantanal, temos uma <strong>da</strong>s maiores áreas úmi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> face <strong>da</strong> terra, onde seu<br />

ecossistema vem sofrendo com a expansão <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> soja, que avançou<br />

rapi<strong>da</strong>mente, tomando espaço <strong>da</strong> pecuária extensiva, tradicional <strong>da</strong> região e<br />

vem encurtando as áreas ain<strong>da</strong> preserva<strong>da</strong>s do Pantanal.<br />

Percebemos também, que o desmatamento nas barrancas dos rios e<br />

lagos, conheci<strong>da</strong>s como matas ciliares ou matas de galerias que tem a função<br />

de aju<strong>da</strong>r a reter as margens dos rios e as erosões para que não desbarranque,<br />

o que torna ca<strong>da</strong> vez mais debilitado pelo próprio homem com a destruição <strong>da</strong>s<br />

matas e suas vegetações rasteiras. Podemos dizer com to<strong>da</strong> a certeza <strong>da</strong><br />

importância viva <strong>da</strong>s “vi<strong>da</strong>s dos rios”.<br />

É possível, através de estudos mais apurados, podemos regular e<br />

controlar o fluxo de água no canal, através <strong>da</strong> sustentação <strong>da</strong>s margens. que<br />

nas cheia ou <strong>nos</strong> períodos chuvosos, seriam impedidos pelas <strong>águas</strong> correntes e<br />

aos ventos, de serem levados para os leitos dos rios. Com isso, os solos<br />

ficariam exposto à chuva e ao vento, sem sofrerem tanto com o arrastar <strong>da</strong>s<br />

<strong>águas</strong>, que arrastam tudo que encontram pelo caminho depositam no fundo dos<br />

rios, acumulando ca<strong>da</strong> vez mais resíduos, causando o assoreamento, um<br />

fenômeno que faz com que o rio fique mais raso consequentemente com me<strong>nos</strong><br />

capaci<strong>da</strong>de de escoamento, sem falar nas grandes barragens que modificam<br />

<strong>nos</strong>so ecossistema, trazendo inúmeras conseqüências desfavoráveis e de peso<br />

comparados com a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />

56


A vi<strong>da</strong> é uma viagem experimental feita<br />

involuntariamente.<br />

É uma viagem do espírito através <strong>da</strong> matéria<br />

e como é o espírito que viaja, é nele que se vive<br />

Fernando Pessoa<br />

.2.3 DIMENSÕES MÍTICAS DA ÁGUA<br />

Inúmeras e distintas são as características relaciona<strong>da</strong>s ás <strong>águas</strong> como:<br />

berço <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, na religiosi<strong>da</strong>de é ti<strong>da</strong> como purificadora dos pecados do mundo,<br />

e assim por diante As <strong>águas</strong> propiciaram as origens <strong>da</strong>s civilizações, que<br />

conglomeraram às margens dos rios e mares, <strong>da</strong>ndo força fertilizadora.<br />

Contribuiu para que se tornasse um símbolo de vastos e complexos significados<br />

nas mais diferentes culturas, estando presente <strong>nos</strong> seus <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s.<br />

Para entendermos de onde provém a água, torna-se necessário<br />

relembrarmos os estados em que ela se encontra. Existe na natureza a água no<br />

estado gasoso em suspensão na atmosfera, provenientes <strong>da</strong>s evaporações<br />

causa<strong>da</strong>s por to<strong>da</strong>s as superfícies úmi<strong>da</strong>s existentes – rios, lagos, mares,<br />

ocea<strong>nos</strong> em estado líquido, como sendo os maiores tanques de depósitos de<br />

água do planeta, e no subsolo, constituindo os chamados lençóis freáticos; e<br />

em estado sólido, nas regiões frias do planeta. Da atmosfera, a água se<br />

precipita em estado líquido, como chuva, orvalho ou nevoeiro, ou até mesmo<br />

em estado sólido, como neve ou granizo. To<strong>da</strong>s estas formas de água são<br />

intercambiáveis e representam o Ciclo <strong>da</strong> Água ou Ciclo Hidrológico.<br />

As primordiais civilizações que antecederam a propagação de <strong>nos</strong>sas<br />

espécies trazem incógnitas do surgimento e formação <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> no planeta,<br />

alimentando o imaginário dão força aos <strong>mitos</strong> <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> e a eles credenciam<br />

mé<strong>ritos</strong>, como os animais que habitam as profundezas. Sem a água, fica<br />

57


impossibilitado de se ter vi<strong>da</strong> ao redor, mas também, o líquido precioso como<br />

sendo a fonte de vi<strong>da</strong>, transforma-se em vil, quando não respeita<strong>da</strong><br />

transformando-se em monstro mortífero.<br />

Dentre infinitos <strong>mitos</strong>, podemos citar de origem grega o mito relacionado<br />

ao jovem Narciso, de beleza estonteante que provocavam nas mulheres<br />

independentes de classes sociais, quando para ele direcionava os olhos,<br />

paixões alucinógenas, até que um dia, uma delas decepciona<strong>da</strong>, humilha<strong>da</strong> e<br />

escorraça<strong>da</strong> por ele, antes de se afastar de seu convívio, lançou-lhe a maldição<br />

<strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>da</strong> razão momentânea aonde ele iria apaixonar-se por si mesmo e não<br />

seria correspondido.<br />

Assim diz a len<strong>da</strong> e assim aconteceu ao debruçar-se às margens de um<br />

rio para beber água, Narciso, o homem encantador se viu encantado com a<br />

própria imagem refleti<strong>da</strong> nas <strong>águas</strong>. A paixão por si mesmo, o alucinou,<br />

cegando-o para a reali<strong>da</strong>de a ponto de atirar-se ao rio na tentativa de abraçar a<br />

sua própria imagem refleti<strong>da</strong>, que o levou a morte. No lugar do término de sua<br />

existência, como sábia a natureza, frondosa e exuberante nasceu uma flor de<br />

suas lágrimas que recebeu o nome de Narciso.<br />

A água presente em <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s necessita ser cui<strong>da</strong>dosamente<br />

preserva<strong>da</strong> e respeita<strong>da</strong>. Desta forma, através de estudos de diferentes<br />

dimensões, poderemos <strong>da</strong>r ênfase a real necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> grande importância<br />

que temos que <strong>da</strong>r às <strong>águas</strong> em prol <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s. A água<br />

está para <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s, como os <strong>mitos</strong> a ela intricado, gerando crenças<br />

adversas, tanto quanto doenças, fontes de energias e abastecimentos, meios<br />

de transporte, opções de lazeres e alimentos. Tantos são os mé<strong>ritos</strong> e razões<br />

de preservarmos tão precioso e mítico líquido, que <strong>nos</strong> leva acompanhar suas<br />

trajetórias contorcionistas entre curvas de cau<strong>da</strong>losos rios para que possamos<br />

refletir no intuito de preservarmos <strong>nos</strong>sas vi<strong>da</strong>s, antes que caiamos no<br />

imaginário de um dia ali as <strong>águas</strong> passaram trilhando caminhos.<br />

58


A mitologia diz que as <strong>águas</strong>, dos ocea<strong>nos</strong>, armazena<strong>da</strong>s em um imenso<br />

tanque a céu aberto, são reservas de vi<strong>da</strong> do universo, e é sem dúvi<strong>da</strong> seu<br />

maior, símbolo, ocultando segredos ain<strong>da</strong> não decifrados pela própria ciência,<br />

quando revolto, sua fúria a todos nós, nas mais varia<strong>da</strong>s formas, apavoram-<strong>nos</strong><br />

ao ligarmos com a evocação dos elementos míticos em <strong>nos</strong>sas mentes.<br />

Ao contemplarmos um rio, tanto cau<strong>da</strong>loso como em aparente remanso<br />

(de calmaria), traz-<strong>nos</strong> sentimentalmente lembranças ouvi<strong>da</strong>s de <strong>mitos</strong> a ele<br />

atribuídos. Nós, os seres huma<strong>nos</strong>, deparamos com situações e desafios ca<strong>da</strong><br />

vez mais complexos, os quais com sabedoria que temos <strong>nos</strong> safarmos, visto<br />

que desde a gênese <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s civilizações os domínios <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> foram e<br />

serão sempre perseguidos por povos ca<strong>da</strong> vez mais cobiçantes. Os deuses<br />

podiam simbolizar a admiração pelas <strong>águas</strong>, como a comparando também, com<br />

os grandes fenôme<strong>nos</strong> provocados pelas destruições causa<strong>da</strong>s pelas<br />

sismologias naturais.<br />

O homem é o resultado do meio cultural<br />

em que foi socializado. Ele é um herdeiro de<br />

um longo processo acumulativo, que reflete o<br />

conhecimento e a experiência adquiri<strong>da</strong>s pelas<br />

numerosas gerações que o antecederam.<br />

Laraia, 2003<br />

2.4 PEQUENO HISTÓRICO DO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO<br />

DISTRITO DE SÃO PEDRO DA JOSELÂNDIA<br />

No município de Barão de Melgaço, encontra-se localizado o distrito de<br />

São Pedro de Joselândia com uma população estima<strong>da</strong> de 1.500 habitantes, e<br />

estatisticamente considerados aptos a votos totalizam 780 eleitores. As<br />

comuni<strong>da</strong>des fronteiriças que limitam as extensões territoriais e formam um<br />

59


conglomerado de pequenas colônias são: as comuni<strong>da</strong>des de: Colônia Santa<br />

Isabel, Colônia Pimenteira, Colônia <strong>da</strong> Lagoa de Algodão, Colônia do Brejo<br />

Grande, Colônia do Retiro de Brandão, Colônia do Porto Bocaiuval e Colônia do<br />

Porto Limoeiro; como também as fazen<strong>da</strong>s Santa Maria e Espírito Santo, de<br />

proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> RPPN-SESC .<br />

Segundo os historiadores e <strong>da</strong>dos levantados junto aos cartórios, a Comuni<strong>da</strong>de<br />

conheci<strong>da</strong> como Macacos, vinculado a grande quanti<strong>da</strong>de de primatas existentes nas<br />

matas e que hoje, tendo o nome trocado para distrito de São Pedro de Joselândia, onde<br />

os pioneiros Sabino Brandão, José Ferreira <strong>da</strong> Silva, José Dias de Moura e os irmãos<br />

Antônio José <strong>da</strong> Silva e Lourenço Xavier <strong>da</strong> Silva, deram início ao processo de<br />

povoamento <strong>da</strong> região, formando comuni<strong>da</strong>des que hoje se orgulham de intitularem-se<br />

como ci<strong>da</strong>des.<br />

Os moradores do distrito de São Pedro de Joselândia contam em<br />

divergentes conversas e controverti<strong>da</strong>s certezas sobre como e de que maneira<br />

iniciou-se a ocupação <strong>da</strong> colônia. A história diz, que dois negros fugitivos <strong>da</strong><br />

Usina Flexas lá fixaram moradia, contribuindo no aumento <strong>da</strong> contingência<br />

populacional <strong>da</strong> região.<br />

A Em 1931 fundou-se a Igreja de São Pedro, localiza<strong>da</strong> no Município de<br />

São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1931. Sob as lideranças de Fernando<br />

<strong>da</strong> Costa Leite, mais conhecido como raizeiro, teve como mestra do<br />

bramanismo e conselheira e líder espiritual de visão direciona<strong>da</strong> para o local a<br />

ser destinado à construção <strong>da</strong> igreja de São Pedro, Doninha de Caeté que, por<br />

sua vez, o incumbiu de construir a igreja na comuni<strong>da</strong>de. Doninha, ou Senhora<br />

Laurin<strong>da</strong> Lacer<strong>da</strong> Cintra, nasci<strong>da</strong> em 1931, moradora do povoado de Tanque<br />

Novo – comuni<strong>da</strong>de localiza<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> colônia de Poconé. Curandeira<br />

conheci<strong>da</strong>, Doninha, tinha em sua bagagem profundos conhecimentos de curas<br />

provenientes <strong>da</strong>s plantas medicinais, com as quais curava pessoas<br />

manipulando ervas e pelo intermédio <strong>da</strong> fé que remove montanhas, mas<br />

60


também tinha o dom de fazer previsão futurísticas. Concluí<strong>da</strong> a construção <strong>da</strong><br />

Igreja de São Pedro, em plebiscito comunitário com a unanimi<strong>da</strong>de dos votos<br />

dos eleitorados acrescentou-se ao nome São Pedro o de Joselândia. Assim<br />

sendo, aos 29 dias do mês de junho no ano de 1932, foi realiza<strong>da</strong> a primeira<br />

missa e festa de São Pedro.<br />

Comuni<strong>da</strong>de crescente, com políticos influentes como Alfredo <strong>da</strong> Costa<br />

Marques, prefeito de Santo Antônio de Leverger, comuni<strong>da</strong>de vizinha, fundou a<br />

primeira escola em 1949. A ci<strong>da</strong>de passou a ser chama<strong>da</strong>, após a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

igreja, de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia. Com o tempo, outras escolas e igrejas<br />

católicas e evangélicas foram se instalando, formando uma comuni<strong>da</strong>de<br />

fortaleci<strong>da</strong> pelas divergentes crenças. Em tempos de festas espirituais,<br />

casamentos, ou quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> nas casas dos festeiros a concentração de<br />

pessoas tem seu número em quanti<strong>da</strong>des eleva<strong>da</strong> devido à aproximação <strong>da</strong>s<br />

outras colônias de moradores, que muitas <strong>da</strong>s vezes fazem <strong>da</strong> praça central<br />

ponto de referência, concentração e acampamentos por dias durante as<br />

festivi<strong>da</strong>des. Onde se alimentam e <strong>da</strong>nçam o Siriri, mais ao entardecer de ca<strong>da</strong><br />

dia festivo, dirigem-se às casas de bailes.<br />

Normalmente participam <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des na maioria os moradores<br />

carentes e necessitados em infinitos aspectos, e que procuram nas festivi<strong>da</strong>des<br />

uma oportuni<strong>da</strong>de de emprego, vinculando protestos pelo descaso no sistema<br />

de tratamento de água <strong>da</strong>do pelas autori<strong>da</strong>des, que fazem do palanque festivo,<br />

seu próprio palanque político, no intuito de angariar votos nas próximas eleições<br />

prometendo mundos e fundos sem na<strong>da</strong> concretizarem. Não são poucas as<br />

crianças <strong>da</strong>s escolas comunitárias que adoecem após ingerirem a água a elas<br />

forneci<strong>da</strong> sem um mísero tratamento bacteriológico ou higiênico plausível e<br />

aceitável conforme normas <strong>da</strong> Secretaria de Saúde Pública.<br />

Os moradores de São Pedro <strong>da</strong> Joselândia, conforme <strong>nos</strong> relatou Carlos,<br />

com a explosão demográfica, passou a sofrerem discriminações devido às<br />

61


desigual<strong>da</strong>des sociais, trazendo-os desconfortos e dificul<strong>da</strong>des financeiras, uma<br />

vez pobres, mas felizes, hoje explorados pelos latifundiários, assemelham suas<br />

tristes sinas aos maus políticos.<br />

Carlos, morador antigo de São Pedro, cabisbaixo, lamentava a crescente<br />

transformação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, não conseguíamos fixar uma resposta<br />

convincente que pudéssemos fazer âncora, pois imediatamente rebatia,<br />

acusando veementemente o descaso com o povo <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e porque <strong>da</strong><br />

discriminação ao caírem no esquecimento dos governantes que deles só<br />

precisam na hora do voto, oferecendo bugigangas fortaleci<strong>da</strong>s com promessas<br />

de ilusões. Revoltado em suas palavras, segundo ele, nenhum político<br />

manifestou-se ou teve interesses pela comuni<strong>da</strong>de, a não ser em disputas para<br />

angariar votos de seus eleitorados, que não tinham outra opção a não ser<br />

continuarem aceitando promessas e mais promessas e na<strong>da</strong> mais que<br />

promessas políticas. Seu semblante de uma tristeza profun<strong>da</strong> não mediu<br />

sentimentos em suas palavras.<br />

62<br />

Nós já passamos uma tempora<strong>da</strong> ruim, sem<br />

conforto de saúde...mas nós <strong>da</strong>qui, não temos meio<br />

de transporte, aqui só funciona uns três caminhos<br />

você vai na carroceria......na seca..de avião .e de<br />

barco.Antes não tinha nem estra<strong>da</strong>....nós<br />

atravessamos do outro lado.(...)Como eu mesmo,<br />

eu estou sofrendo, tem dia, sorte que meu filho tem<br />

um que acompanha aqui que a gente tira água aí do<br />

poço um... que deixa que nós passa o dia, né, mas<br />

é um perigo também<br />

Entre as ativi<strong>da</strong>des, destacam-se a agricultura de subsistência com o<br />

cultivo de arroz, mandioca, milho e feijão. O comércio local é movimentado pelo<br />

salário dos aposentados e dos funcionários públicos. Na comuni<strong>da</strong>de não há<br />

saneamento básico e nem energia elétrica. A comuni<strong>da</strong>de conta com um<br />

orelhão movido por energia solar, (imagem, 14) um campo de futebol, um


cemitério, um cartório, um posto de saúde, um auxiliar de enfermagem, um<br />

tabelião e um juiz de paz.<br />

Imagem 14: Posto telefônico<br />

Fonte:Dolores Garcia<br />

Local: São Pedro de Joselândia<br />

Data: 07/2005<br />

O acesso à comuni<strong>da</strong>de é dificultado em períodos de chuvas, onde<br />

somente se tem acesso através do rio Cuiabá via barco ou canoa. Dentre os<br />

lazeres, os pantaneiros optam pela reza na igreja, pelo futebol, pela pareia de<br />

cavalos, pelas festas de santos e pelos bailes à luz de velas ou lampiões, som<br />

mecânico alimentado por baterias cansa<strong>da</strong>s e de pouca duração, que são<br />

63


constantemente troca<strong>da</strong>s por outra carrega<strong>da</strong>, atrapalhando os casais que<br />

estão curtindo o embalo do som.<br />

Viver em uma socie<strong>da</strong>de sem poesia<br />

seria como viver em uma socie<strong>da</strong>de sem palavras.<br />

sem palavras <strong>nos</strong>so diálogo<br />

certamente se empobreceria em muito<br />

Barcelos, 2003<br />

2.5 ESTÂNCIA ECOLÓGICA SESC PANTANAL E RESERVA<br />

PRESERVADA DO PATRINÔNIO NATURAL<br />

A Estância Ecológica SESC Pantanal é uma organização que atua como<br />

hotel favorecendo e incrementando o turismo local. Estabelecendo parcerias<br />

para desenvolvimento de projetos em diversos estudos e pesquisas sobre a<br />

fauna, flora, recursos hídricos, solos, clima, turismo, organização social, meio<br />

ambiente e <strong>educação</strong> ambiental (SESC).<br />

O gerente de Infra-estrutura do SESC, <strong>nos</strong> relatou <strong>da</strong>dos sobre como a<br />

RPPN é subdividi<strong>da</strong>, sendo que a maior parte cabe RPPN SESC – Pantanal,<br />

caracteriza<strong>da</strong> como Zona Primitiva e de preservação ambiental, onde pouca ou<br />

quase nenhuma ocorrência ocasionou a invasão humana a ponto de intervir na<br />

cadeia natural de preservação ambiental, mesmo com a formulação de<br />

pastagens artificiais que somam não mais que 5%, implanta<strong>da</strong>s pelos antigos<br />

fazendeiros, que abandonaram as áreas que com o passar dos tempos,<br />

começam a se restaurarem naturalmente, aju<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos animais e aves que<br />

ao deixarem seus excrementos, trazem com sigo sementes que germinam<br />

reformulando o ciclo de vi<strong>da</strong>.<br />

64


Considerado como Posto de Proteção Ambiental, o SESC Pantanal, tem<br />

demarcado, zonas de uso especial, designados especificamente para a<br />

manutenção <strong>da</strong> administração, onde devi<strong>da</strong>mente através de estudos de<br />

impacto ambiental, são instala<strong>da</strong>s as briga<strong>da</strong>s de incêndio e defesa, conheci<strong>da</strong>s<br />

como Casas dos Guar<strong>da</strong>s Parques, oficina e posto de observação dos<br />

pesquisadores <strong>da</strong> fauna, flora e to<strong>da</strong> a biodiversi<strong>da</strong>de sob e sobre solo. Paralela<br />

a área demarca<strong>da</strong> para pesquisas, foram demarca<strong>da</strong>s outras áreas para a<br />

recreação, e palco com expressivas belezas naturais, no intuito de<br />

desempenhar o papel de escola, visando à <strong>educação</strong> ambiental para todos que<br />

do Pantanal fazem passagem de lazer ou dele dependem de sua sobrevivência.<br />

Com isso, ensina-se o respeito que devemos ter e compreender a natureza,<br />

para que no futuro possamos inúmeras vezes contemplar as mesmas<br />

paisagens, caminhando entre matas e trilhas com as mesmas admirações e<br />

vislumbramentos.<br />

O Complexo do Pantanal, com 186,5 mil ha., é um exuberante exemplo<br />

de áreas alaga<strong>da</strong>s abrangendo o Parque Nacional do Pantanal Mato-<br />

grossense. O Pantanal representa a maior planície de água doce alaga<strong>da</strong> do<br />

mundo, concentrando as maiores e mais espetaculares populações <strong>da</strong> fauna<br />

silvestre neotropical. A vegetação é um prolongamento do Cerrado brasileiro e<br />

ao norte sofre influência <strong>da</strong> região amazônica, possuindo características de<br />

ambos os ecossistemas. Exatamente por isso, guar<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s faunas mais<br />

varia<strong>da</strong>s do planeta.<br />

No obstante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, constata<strong>da</strong> por <strong>nos</strong>sa equipe, conseguimos<br />

entender do porquê do êxodo pantaneiro. Os colo<strong>nos</strong>, mal orientados,<br />

aceleraram o processo de degra<strong>da</strong>ção de algumas reservas, com a exploração<br />

inadequa<strong>da</strong>, com isso, enfraqueci<strong>da</strong> a terra a desertam, deixando a mercê <strong>da</strong>s<br />

próprias intempéries <strong>da</strong> natureza em se regenerarem. Outros ribeirinhos,<br />

mesmo em conflito com o seu bem estar, permanecem nas terras onde sempre<br />

viveram, só que, com maiores dificul<strong>da</strong>des do que <strong>da</strong>ntes. Como a Comuni<strong>da</strong>de<br />

65


de Pimenteira que faz divisa com a RPPN. Desabafava para a <strong>nos</strong>sa equipe,<br />

uma jovem moradora <strong>da</strong> colônia, em tons ríspidos e ofensivos a nós dirigidos.<br />

Imaginando que fôssemos funcionários do SESC Pantanal. Esclarecidos os<br />

equívocos, <strong>nos</strong> identificando como sendo pesquisadores <strong>da</strong> <strong>UFMT</strong>, e que<br />

estávamos defendendo uma dissertação, para conclusão de <strong>nos</strong>sos estudos e<br />

graduação, mesmo assim, ain<strong>da</strong> bastante abala<strong>da</strong> e revolta<strong>da</strong> com a<br />

construção <strong>da</strong> reserva RPPN. Sua instalação trouxe agravos generalizando<br />

discordâncias entre os ribeirinhos, exaltando ain<strong>da</strong> mais com os problemas<br />

sociais existentes dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que com o tempo, tomou proporções<br />

desfavoráveis para o bem estar geral <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Pimenteira.<br />

Os povos ali antes existentes inibiam a invasão de pre<strong>da</strong>dores huma<strong>nos</strong><br />

que não tinham e nem se importavam com a necessi<strong>da</strong>de de preservarem<br />

absolutamente na<strong>da</strong>, apostamente, queriam sim, gananciosamente usarem<br />

todos os subterfúgios possíveis para alimentarem suas ambições de ganhos<br />

monetários, embora tivessem ciências <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se evitarem a<br />

devastação e o extermínio de boa parte de <strong>nos</strong>sa fauna e flora.<br />

Os ribeirinhos sempre trouxeram harmonias mútuas com a natureza,<br />

postergando benefícios próprios, visando sempre o bem estar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e<br />

em prol de todos. Infelizmente não deparamos com essas reali<strong>da</strong>des,<br />

principalmente por terem sido tolhidos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de ir e vir, na ver<strong>da</strong>de seus<br />

passos são rigorosamente monitorados pela RPPN, como se fossem animais.<br />

Nem mesmo a pesca de sustento de suas famílias pode ser livre, devendo <strong>da</strong>r<br />

satisfações a quem de direito, caso contrário o transtorno será eminente. Isso<br />

influencia sem a menor sombra de dúvi<strong>da</strong>s, podendo cair no esquecimento boa<br />

parte de alguns <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s pertinentes às <strong>águas</strong>, o que seria lastimável<br />

para as culturas ribeirinhas e para o próprio meio ambiente, que seria<br />

desbravado pelos homens sem receios <strong>da</strong>s lendárias assombrações<br />

imaginárias mitiga<strong>da</strong>s.<br />

66


Ao matizarem os espaços <strong>da</strong>s reservas <strong>pantaneiras</strong>, por razões<br />

supostamente científicas, inibem espécies <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, a se reproduzirem<br />

livremente. Com isso, muitas <strong>da</strong>s espécies de animais e vegetais tendem a<br />

desaparecer devido às manipulações indevi<strong>da</strong>s e inadequa<strong>da</strong>s. Embora<br />

tenhamos em mente, a certeza, que a natureza tem sons mudos, ouve e fala<br />

em suplícios ao <strong>nos</strong> exibir majestosamente encantadora, para que possamos<br />

compreendê-la e respeitá-la, a preservando para futuros distantes de nós hoje<br />

presentes, pois as poesias <strong>da</strong>s matas ditam versos, que <strong>nos</strong> encantam. O que<br />

seria de nós se não houvesse os diálogos, obviamente que seria um mundo<br />

sem sonhos, sem beleza, sem digni<strong>da</strong>de e o pior sem razão de viver<br />

(BARCELOS, 2003).<br />

67<br />

Uma <strong>da</strong>s bonitezas de <strong>nos</strong>sa maneira de estar<br />

No mundo e com o mundo como<br />

Seres históricos, é a capaci<strong>da</strong>de de,<br />

intervindo no mundo, conhecer o mundo.<br />

Freire, 1996<br />

2.6 PESQUISA ECOLÓGICA DE LONGA DURAÇÃO – PELD<br />

Em decorrência dos estudos preliminares <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de parcerias,<br />

as áreas “core” do Site Pantanal Norte é a RPPN SESC - Pantanal, que fazem<br />

parte <strong>da</strong> Estância Ecológica SESC - Pantanal. A rede nacional forma o<br />

Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), do CNPq. O<br />

PELD é um subprograma do Programa Integrado de Ecologia – PIE. Destina-se<br />

a estruturar e programar redes de pesquisas ecológicas de longa duração e a<br />

promoverem suportes a um conjunto de áreas destina<strong>da</strong>s às pesquisas<br />

representativas dos biomas brasileiros, mediantes editais dirigidos às<br />

instituições responsáveis pelas programações científicas, tecnológicas e de<br />

manutenções <strong>da</strong>s áreas pré demarca<strong>da</strong>s.


O programa PELD visa permitir o desenvolvimento de estudos ecológicos<br />

de longa duração, segundo uma agen<strong>da</strong> comum de pesquisas garanti<strong>da</strong>s por<br />

linhas especiais de financiamentos que contemplam alguns temas como a<br />

conservação <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, padrões e controles <strong>da</strong>s produtivi<strong>da</strong>des<br />

primárias e secundárias, dinâmicas de populações e organizações de<br />

comuni<strong>da</strong>des e ecossistemas.<br />

Dinâmicas de nutrientes e efeitos de perturbações naturais e impactos de<br />

ativi<strong>da</strong>des antrópicas. Através <strong>da</strong>s parcerias constituí<strong>da</strong>s entre a RPPN do<br />

SESC/PANTANAL, estas Instituições tiveram acessos as áreas ecologicamente<br />

preserva<strong>da</strong>s, possibilitando estudos ecológicos, que serviriam de subsídios na<br />

concorrência nacional do Programa Ecológico de Longa Duração (PELD) do<br />

CNPq. Foi elaborado e aprovado pelo CNPq um grande projeto Multidisciplinar,<br />

envolvendo 20 grupos de pesquisas de diversas áreas com a cooperação <strong>da</strong><br />

<strong>UFMT</strong>. Para que as pesquisas alcancem objetivos favoráveis e contemplativos,<br />

é fun<strong>da</strong>mental que a EA desenvolva projetos, que ensejam a construção <strong>da</strong><br />

consciência global sobre as questões diretamente relaciona<strong>da</strong>s com o bem<br />

estar, <strong>da</strong>ndo-lhes conforto e esperança de vi<strong>da</strong>s melhores.<br />

A Educação Ambiental deve ser desenvolvi<strong>da</strong> com os<br />

objetivos de auxiliaros alu<strong>nos</strong> a construírem uma<br />

consciência global <strong>da</strong>s questões relativas ao meio, para<br />

que possam assumir posições afina<strong>da</strong>s com valores<br />

referentes à vi<strong>da</strong>.<br />

Michèle Sato<br />

2.7 GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL - GPEA<br />

A <strong>UFMT</strong>, junto ao seu corpo docente, forma Grupos de Pesquisadores<br />

em Educação Ambiental - GPEA, com títulos de graduação e pós graduação<br />

68


abrangendo projetos relacionados com a Educação Ambiental, com finali<strong>da</strong>des<br />

de promoverem diálogos com e entre comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, para que<br />

possam definir metas que gerem o bem estar social e apazigúem<br />

harmoniosamente com a biodiversi<strong>da</strong>de, preservando a formação de totali<strong>da</strong>de<br />

dos circuitos e dispositivos de comutação que permitam as ligações entre as<br />

enti<strong>da</strong>des nacional ou internacionais, com metas específicas de reordenar<br />

critérios que possam garantirem programas específicos que aten<strong>da</strong>m dentro<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des a Educação Ambiental.<br />

Tivemos incluídos em <strong>nos</strong>sas bagagens de pesquisas, a oportuni<strong>da</strong>de de<br />

compartilharmos de uma forma ou de outra, contribuindo sistematicamente para<br />

uma melhor formação dos membros <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des visita<strong>da</strong>s por <strong>nos</strong>sa<br />

equipe. Varia<strong>da</strong>s foram as formas e temas, com complexi<strong>da</strong>des pertinentes de<br />

caso a caso, relacionados com os conjuntos de indivíduos unidos por<br />

características somáticas, culturais e lingüísticas comuns às comuni<strong>da</strong>des.<br />

O fato de sermos pesquisadoras causou-<strong>nos</strong> entusiasmos múltiplos, ao<br />

sermos lisonjea<strong>da</strong>s com elogios, por fazermos parte de um grupo de pessoas<br />

que não só se preocupam com o bem estar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de ribeirinha e entorno<br />

como também, promovemos debates com a participação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

comunitária sobre assuntos diversos, diag<strong>nos</strong>ticando o potencial do turismo<br />

rural, que deve ter primordial controle físico e cultural. Assim sendo,<br />

colaboramos com os resgates de <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s. Concretizamos em <strong>nos</strong>so<br />

cenário mato-grossense de pesquisas, resultados plausíveis de orgulho de<br />

<strong>nos</strong>sa equipe que <strong>nos</strong> honrou ao desenvolvermos pesquisas direciona<strong>da</strong>s a EA,<br />

fortalecendo <strong>nos</strong>sos currículos acadêmicos, definidos e acrescentados pelas<br />

in<strong>da</strong>gações minuciosas promovi<strong>da</strong>s pelo grupo, junto às comuni<strong>da</strong>des, com<br />

diversi<strong>da</strong>des de dificul<strong>da</strong>des.<br />

69


ATO - III – METODOLOGIA<br />

Imagem 15: ninhal<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: Pantanal – RPPN<br />

Data: 07/2004<br />

Esta não é minha voz, mas de muitas <strong>águas</strong>, aqui<br />

não se organiza simplesmente um texto, aqui se<br />

fala de encantamentos.<br />

Lya Luft (2002)<br />

70


3. CAMINHOS PERCORRIDOS<br />

As dificul<strong>da</strong>des inicialmente falando, foram ínfimas em comparação ao<br />

que vimos na prática, principalmente ao enfrentarmos desconfianças e receios<br />

mútuos quando <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem para coletarmos informações pertinentes a<br />

<strong>nos</strong>sa pesquisa. Para que pudéssemos evoluir, tivemos que <strong>nos</strong> respeitarmos,<br />

formando ligações de amizades ou dependência moral, com simpatias mútuas<br />

entre pesquisadores e narradores. Com isso, descobrimos valores ocultos aos<br />

ouvidos do povo, ao depararmos com indivíduos que só conseguem se<br />

expressar poetizando, o que <strong>nos</strong> deixou encantados, que deverá ser um<br />

método e não uma pesquisa metodológica, diferenciando métodos novos a<br />

serem construídos, de métodos de conhecimentos construídos e ultrapassados.<br />

Formando pesquisadores capazes de discernir junto às comuni<strong>da</strong>des,<br />

propostas sociais, mesmo que não as transformem em reali<strong>da</strong>des <strong>nos</strong>sas<br />

propostas, mas consequentemente passarão a permanecerem em pauta para<br />

cobranças futuras, já que <strong>nos</strong>so grupo de pesquisas detectou afazeres,<br />

capazes de gerar conceitos e bem estar comunitário, consequentemente<br />

resgatando <strong>mitos</strong>. Este propósito é concretizado através <strong>da</strong> formação do<br />

grupo-pesquisador. As pessoas que compõem os sujeitos <strong>da</strong> pesquisa são<br />

transforma<strong>da</strong>s em co-pesquisadores, enquanto os pesquisadores oficiais se<br />

tornam os facilitadores <strong>da</strong> investigação. Assim, o conhecimento produzido na<br />

pesquisa emerge do grupo-pesquisador como todo. O método do grupo-<br />

pesquisador é o <strong>da</strong> sóciopoética. A transformação <strong>da</strong>s pessoas pesquisa<strong>da</strong>s<br />

em grupo-pesquisador é uma exigência ética e política fun<strong>da</strong>mental<br />

(GAUTHIER, 1999).<br />

Apesar de a Sóciopoética tratar-se essencialmente de um meio de<br />

pesquisa e conseqüentemente, de in<strong>da</strong>gação e não de transformação explícita<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, o pesquisador oficial pode incorrer na tentação de tentar<br />

transformar os co-pesquisadores, ao invés de escutá-los e aprender com os<br />

71


mesmos. Queremos também alertar, primordialmente sobre o respeito que<br />

temos que ter com as diferencia<strong>da</strong>s cultura e seus valores, principalmente<br />

quando abortados para entrevistas.<br />

Realmente não creio, porque não concebo que possa<br />

vir um dia em que a ciência esteja completa e acaba<strong>da</strong>.<br />

Haverá sempre novos problemas, e, ao mesmo<br />

tempo ritmo com que a ciência foi capaz de resolver<br />

problemas que se consideravam filosóficos há uma dúzia<br />

de a<strong>nos</strong> ou há um século, voltarão a aparecer novos<br />

problemas que não haviam sido apercebidos como tais.<br />

Claude Levi-Strauss/1978<br />

3.1 PESQUISA QUALITATIVA<br />

As pesquisas por nós elabora<strong>da</strong>s são essencialmente qualitativas e<br />

instrutivas, pois quando <strong>da</strong> elaboração do conteúdo, trouxemos conhecimentos<br />

e interpretações diversifica<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s descrições por nós observa<strong>da</strong>s entre<br />

entrevistas e vivências, elas foram primordiais para nós em todos os sentidos.<br />

Fun<strong>da</strong>mentalmente como base foi consequentemente a <strong>nos</strong>sa<br />

persistência para que pudéssemos conseguir chegarmos o mais perto possível<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de uma evidência focaliza<strong>da</strong>. Por isto, tivemos como ponto alto, a<br />

quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações hipoteticamente defini<strong>da</strong>, mesmo porque,<br />

andávamos de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com o abstrato num universo de significados, pelas<br />

inspirações fortaleci<strong>da</strong>s pelas crenças.<br />

A <strong>nos</strong>sa pesquisa se conteve qualificativamente na busca de objetivos,<br />

<strong>da</strong>ndo-lhes formas e quali<strong>da</strong>des genuínas <strong>da</strong>s coisas <strong>nos</strong> exatos momentos de<br />

suas essências de sentido, conotando sentimentos as experiências e<br />

descobertas através dos <strong>nos</strong>sos olhares. Compreendermos os significados de<br />

acordo com a teoria <strong>da</strong> alma. Concebi<strong>da</strong> como origem <strong>da</strong> alma individual, às<br />

imagens ancestrais e simbólicas materializa<strong>da</strong>s e existentes nas len<strong>da</strong>s e <strong>nos</strong><br />

72


<strong>mitos</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de constitui os inconscientes coletivos que revelam <strong>nos</strong><br />

indivíduos através dos sonhos, delírios, perturbações e em alguns, despertam<br />

manifestações artísticas jamais imagina<strong>da</strong>s pelo indivíduo, que passam a<br />

contribuir instintivamente com a EA.<br />

As entrevistas elabora<strong>da</strong>s por nós abrangeram várias pessoas,<br />

seleciona<strong>da</strong>s entre moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas do Pantanal Mato-<br />

grossense. As pessoas, com diversificação de i<strong>da</strong>des, tempo de moradia na<br />

região, sexo, religião, idolatria, cultura para que pudéssemos obter informações<br />

não generaliza<strong>da</strong>s, mas sim, com interpretações pessoais, que muito <strong>nos</strong><br />

surpreenderam com a diversi<strong>da</strong>de de informações.<br />

Tivemos o cui<strong>da</strong>do de ao entrevistarmos, usarmos de metodologias<br />

direciona<strong>da</strong>s com a interação social, sem a qual esta pesquisa, provavelmente<br />

poderia sofrer desvirtuações significativas e tumultua<strong>da</strong>s. Ao tentarmos resgatar<br />

a reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> símbolo, a sua interação com a ciência, com a fisionologia,<br />

com a maturi<strong>da</strong>de de sua existência e procedência.<br />

73<br />

...resgatamos conversas, histórias <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de e,<br />

através de seus <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, buscamos<br />

conhecer a população através <strong>da</strong> interação<br />

simbólica que então se estabelece. O<br />

conhecimento científico dos símbolos, se<br />

realmente existe, dependerá <strong>da</strong> articulação de<br />

to<strong>da</strong>s as demais ciências (SATO & PASSOS,<br />

2002, p. 03).<br />

Temos em mente, que o imaginário se torna popular, quando se vê ou se<br />

depara com sentimentos de perigo e isolamento, forçando a mente ver coisas<br />

que a transformem em reais seres e a elas dão vi<strong>da</strong>s, poderes, corpo,<br />

tamanhos vinculados aos fenôme<strong>nos</strong>, subjetivando ramificações míticas,<br />

gera<strong>da</strong>s pelo olhar humano. É impossível uma vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de sem que haja<br />

uma rede simbólica de sustentação de uma reali<strong>da</strong>de polissêmica relaciona<strong>da</strong> a<br />

um mito.


Falar na fenomenologia é falar de uma perspectiva<br />

Do olhar humano por sobre<br />

Uma reali<strong>da</strong>de polissêmica, é de alguma maneira ver<br />

o mundo a partir de um sujeito que o acolhe, luta,<br />

se contrapõe, distingue, ama, recusa.<br />

Passos/1998<br />

3.2. FENOMENOLOGIA<br />

Para descrever, meditar para interpretar a percepção e os fenôme<strong>nos</strong><br />

sobrenaturais e fora do cotidiano, mas vividos por comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas,<br />

contamos com os estudos <strong>da</strong> fenomenologia que busca interpretações, a<br />

fenomenologia é aquilo que <strong>nos</strong>sas mentes imaginária deixou gerar como foco<br />

de um fato, ou seja: deu vi<strong>da</strong> ao imaginário, gerando um corpo presente com<br />

múltiplas formas e feroci<strong>da</strong>des distintas a ca<strong>da</strong> ser mitificado. É muito fácil<br />

contar uma história acrescentando heroísmos, muito mais fácil ain<strong>da</strong> é gerar um<br />

monstro construído do imaginário e ao mundo mostrar-lhes com vi<strong>da</strong>.<br />

O espaço do medo que dá vi<strong>da</strong> ao medo e <strong>nos</strong> protege sem o qual,<br />

seríamos afoitos e destemidos, sendo assim, poucos de <strong>nos</strong> conseguiríamos<br />

viver nesse mundo mítico, impulsionado por desafios.<br />

A fenomenologia é a essência do estudo de um fato mitológico, que<br />

busca na origem, espaços para se resgatar <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s alienáveis a ca<strong>da</strong><br />

acontecimento, e cujo esforço contenta-se em encontrar parâmetros plausíveis<br />

de sustentação. Promovendo a busca <strong>da</strong> pureza enquanto permanece como<br />

fenôme<strong>nos</strong> de essências e referências, filtrando componentes incômo<strong>da</strong>s a<br />

natureza histórica do fato.<br />

Considera<strong>da</strong> pela fenomenologia, quando o brilho perde a sonori<strong>da</strong>de de<br />

um contexto, iguala-se ao precipício de um eclipse gerando histórias e coisas<br />

74


tangíveis provenientes dos fenôme<strong>nos</strong> que rapi<strong>da</strong>mente geram manifestos pela<br />

interpretações, que antes de serem mitificados, deveriam ser considera<strong>da</strong>s as<br />

manifestações perceptivas, significando secun<strong>da</strong>riamente as subjacências que<br />

uma história proporciona quando <strong>da</strong> posição de linhas que divergem ao se<br />

afastarem progressivamente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de do fato <strong>da</strong> além <strong>da</strong> acepção em que<br />

é emprega<strong>da</strong>.<br />

Por mais que ouça sobre teoria <strong>da</strong> fenomenologia, por diversos teóricos,<br />

não posso deixar de citar Merleau-Ponty, pois é para nós um dos grandes<br />

teóricos sobre fenomenologia. A ver<strong>da</strong>deira filosofia de <strong>nos</strong>sos estudos e<br />

pesquisas <strong>nos</strong> fortalece ao captarmos o mundo místico, com isto,<br />

reaprendemos a respeitar as len<strong>da</strong>s, sentir e compartilhar de uma história<br />

elabora<strong>da</strong> e narra<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo-<strong>nos</strong> a oportuni<strong>da</strong>de de certificarmos <strong>da</strong><br />

profundi<strong>da</strong>de filosófica miticamente estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. As reflexões de <strong>nos</strong>sos<br />

sentimentos <strong>nos</strong> responsabilizam pelos <strong>nos</strong>sos desti<strong>nos</strong>. “Nós tomamos em<br />

<strong>nos</strong>sas mãos o <strong>nos</strong>so destino, tornamo-<strong>nos</strong> responsáveis pela reflexão em que<br />

empenhamos <strong>nos</strong>sa vi<strong>da</strong>” (MERLEAU-PONTY, 1980, p. 71).<br />

A fenomenologia mostra os parâmetros conscienciosos de todos os<br />

indivíduos, sejam eles adultos, crianças ou idosos, gerando métodos e<br />

diretrizes de investigações mais apura<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> ciência interpretativa dos<br />

fenôme<strong>nos</strong> que causa choque, impactuados com os sentimentos de defesa, ou<br />

seja, o que se mostra para si a própria relação. Defesa e conceito ao ser<br />

amedrontado pela maneira e procedência do relato a ele imposto. E em si<br />

mesmo tal como é. Desta feita, “...as investigações fenomenológicas mostram a<br />

consciência do sujeito, através dos relatos de suas experiências internas, e<br />

trata de viver em sua consciência – por empatia – os fenôme<strong>nos</strong> relatados pelo<br />

outro” (ASTI-VERA, 1980, p. 71).<br />

Bacherlad (2002) em seu livro “A água e os sonhos’ completou a chave<br />

para uma leitura possível, através de sua filosofia poética do sonho e <strong>da</strong><br />

75


fenomenologia do cotidiano, sobretudo nas simbologias e imagens relativas à<br />

água. Seu livro traz uma definição atraente a respeito <strong>da</strong> imaginação que<br />

somente pode ser esclareci<strong>da</strong> pelos poemas que ele inspira: ”A imaginação<br />

inventa mais que coisas e dramas; inventa vi<strong>da</strong> nova, inventa mente nova; abre<br />

olhos que têm novos tipos de visão” (p. 18).<br />

De tudo que se escreve, aprecio somente o que alguém<br />

escreve com seu próprio sangue e aprenderás que o<br />

sangue é espírito - (NIETZSCHE)<br />

3.3 PRODUÇÃO DOS DADOS<br />

Ao sairmos a campo, percebemos que a situação não seria tão fácil, pois<br />

para tudo tínhamos que ter a autorização do SESC e do próprio PELD, pois<br />

dependíamos de barco, hospe<strong>da</strong>gem, alimentação, carro e motorista. Muitas<br />

<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>sas viagens acabavam sendo cancela<strong>da</strong>s por não conseguirmos<br />

autorizações pertinentes a <strong>nos</strong>sa locomoção ou motivos adversos aos <strong>nos</strong>sos<br />

desejos.<br />

Registramos em <strong>nos</strong>sas pesquisas, uma infini<strong>da</strong>de de fatos que geraram<br />

len<strong>da</strong>s direciona<strong>da</strong>s às comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. Cui<strong>da</strong>dosamente<br />

assemelha<strong>da</strong>s com sua origem, e de versões diferencia<strong>da</strong>s, como em uma<br />

peça teatral, com seus protagonistas os seres guardiões <strong>da</strong> natureza. Apesar<br />

<strong>da</strong> varia<strong>da</strong> gama de <strong>mitos</strong>, destacamos em epígrafe apenas duas len<strong>da</strong>s<br />

d’água, por considerarmos serem necessários estudos mais profundos. Tendo<br />

por mérito a pesquisa fortaleci<strong>da</strong> pela len<strong>da</strong> do “Minhocão” com comentários<br />

breves não me<strong>nos</strong> desprezíveis <strong>da</strong> len<strong>da</strong> do “Peixe que cai do céu”.<br />

Quanto às entrevistas, procuramos son<strong>da</strong>r o cotidiano dos moradores,<br />

com isso, fluía com mais naturali<strong>da</strong>de por parte dos <strong>nos</strong>sos colaboradores<br />

76


visitados no decorrer do dia varando noites em conversas de fogueiras. Os<br />

pantaneiros têm por hábito, no período de 10 <strong>da</strong> manhã até às 15:00 horas,<br />

tirarem uma “cesta”, devido ao sol resplandecente e de clari<strong>da</strong>de intensa o que<br />

estimula não só a uma soneca, como muitos a não saírem de suas casas nesse<br />

período. Em to<strong>da</strong>s as entrevistas, sempre havia aqueles que se mostravam<br />

resistentes quanto ao assunto. Achavam que estávamos ali para debochar de<br />

suas crendices, como disse Curupira.<br />

Deparamos também com entrevistados que nem sequer conheciam os<br />

<strong>mitos</strong> de sua comuni<strong>da</strong>de, chegando a <strong>nos</strong> dizer que jamais haviam visto falar<br />

do minhocão.<br />

77<br />

Nunca o vi, apesar de constantemente cruzar o rio<br />

em todos os seus sentidos. Inúmeras foi às vezes<br />

que adormeci dentro do barco, o deixando a deriva<br />

ou ancorado às margens. Acho que se ele existe,<br />

tem medo de mim. Todo mundo diz que ele existe,<br />

e eu particularmente acho que ele também existe.<br />

Se existiu no passado ele tem que existir agora, só<br />

que ninguém mais o viu. Dizem os amigos de meu<br />

pai que ele está hibernando desde que se<br />

alimentou com uma porção de gente do barco que<br />

ele pôs a pique. Se existia no passado, porque não<br />

agora, apesar de ninguém ter conseguido chegar<br />

nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> de <strong>nos</strong>so Pantanal<br />

onde ele se acomo<strong>da</strong> em sua caverna.<br />

Portanto, muitos até acostumarem com a <strong>nos</strong>sa presença, omitiam<br />

informações, mas com o passar do tempo, após algumas conversas se<br />

sentiram bem à vontade, e dessa forma fluíam os causos com naturali<strong>da</strong>de.<br />

Dando-<strong>nos</strong> rescaldo para continuarmos <strong>nos</strong>sas pesquisas, com isso,<br />

aproveitamos to<strong>da</strong>s as insinuações e gestos de ca<strong>da</strong> um para que pudéssemos<br />

somar esforços.


Utilizamos como instrumento o auxílio de um gravador, para facilitar a<br />

transcrição e análise dos relatos; e ain<strong>da</strong> uma máquina fotográfica para o<br />

registro iconográfico <strong>da</strong>s imagens. Não causamos nenhum constrangimento<br />

com os <strong>nos</strong>sos entrevistados, pelo contrário, na primeira visita ao registrarmos<br />

as fotos, os mesmos pediram que retornássemos lá para levar as fotos tira<strong>da</strong>s<br />

deles, pois eles disseram que muitos pesquisadores iam ate lá tiravam foto e<br />

informações deles, mas que não voltavam para levar o relato e nem as fotos. O<br />

que <strong>nos</strong> comprometemos tão logo fosse possível a eles mostraríamos o<br />

compartilhamento de <strong>nos</strong>sas pesquisas.<br />

Nas visitas subseqüentes, mais precisamente na segun<strong>da</strong>, honrados <strong>nos</strong><br />

sentimos gloriosos em poder cumprir o que havíamos prometido. A todos eles,<br />

mostramos as fotos aos colaboradores, e a ca<strong>da</strong> um fizemos questão de<br />

entregar-lhes um exemplar a eles. Gesto simples que <strong>nos</strong> deu sensatez de<br />

confiança mútua, abrindo portas para futuros pesquisadores, com isso,<br />

pudemos observar a alegria contagiante em seus olhares, causando sorrisos e<br />

comentários.<br />

Para preservarmos a identi<strong>da</strong>de e a intimi<strong>da</strong>de dos <strong>nos</strong>sos<br />

cooperadores, reportaremos a eles com nomes fictícios. Acreditamos não<br />

serem necessários às identificações pelos nomes verídicos. Durante as<br />

pesquisas de campo não privilegiamos a i<strong>da</strong>de, nem o sexo, nem a<br />

religiosi<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sos colaboradores entre 12 a<strong>nos</strong>, até pessoas com i<strong>da</strong>des<br />

mais avança<strong>da</strong>s próximas aos 86 a<strong>nos</strong>. Os entrevistados <strong>nos</strong> encantaram com<br />

o jeito mágico dos sons <strong>da</strong>s suas palavras, divertindo-<strong>nos</strong> com os movimentos<br />

de seus gestos, expressões e onomatopéias que na<strong>da</strong> mais é, que a formação<br />

de uma palavra cujo som tenta imitar ou reproduzir o que significa e isso <strong>nos</strong><br />

levou a sorrisos desconcertantes, trazendo-<strong>nos</strong> conforto de espírito e presenças<br />

satisfatórias dentro <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, com a quais compartilhamos dias e dias<br />

de prazerosas entrevistas.<br />

78


A liber<strong>da</strong>de e satisfação mútua proporcionaram-<strong>nos</strong> a ouvirmos o contar<br />

repetitivo dos fatos inúmeras vezes, mas a ca<strong>da</strong> relato, acrescentavam-se<br />

novas informações hora análoga, ora divergente relacionado ao mesmo mito.<br />

Estes levantamentos permitiram uma relação lendária do passado, basea<strong>da</strong> no<br />

tempo e na sua origem até o momento presente. Pelas interpretações<br />

memoriais em relação ao passado, misturando-se com as percepções<br />

imediatas, ativas, latentes e penetrantes, ocultamente invasora.<br />

A fala pantaneira mol<strong>da</strong> <strong>nos</strong>sos ouvidos, como se o som fosse uma<br />

melodia, os pantaneiros imprimem sentidos nas suas falas, <strong>nos</strong> contagiando. As<br />

onomatopéias criam, fazendo com que o ouvinte seja levado para o momento<br />

<strong>da</strong> ação. Por exemplo: Iara relatou-<strong>nos</strong> a len<strong>da</strong> do Minhocão <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

“Eu morava lá pra baixo onde tem aquela volta, eu morava ali, ai de fronte era<br />

uma fauna, você escutava o barranco fazer assim; ruc, ruc, ruc, ruc, de repente<br />

caia o barranco, eu tenho medo do bicho, eu já andei de canoa, aqui em Piraim,<br />

onde estava desta altura de espuma” (Mostrava). Os efeitos sonoros e visuais<br />

de suas falas fazem-<strong>nos</strong> vivenciarmos os momentos imaginários, como se lá<br />

tivéssemos tido antes, tornando-se quase que realista suas narrativas.<br />

Os contadores de causos, independentes <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, fazem<br />

harmoniosamente entre gesto e a onomatopéia, o sentido de vi<strong>da</strong>, deixando<br />

<strong>nos</strong>sas mentes vagarem livremente, pois um bom narrador utiliza desses<br />

recursos para prender a atenção de quem está apreciando sua narrativa,<br />

porque não basta narrar, é preciso <strong>da</strong>r vi<strong>da</strong> às palavras. A voz pantaneira é<br />

poética e melodiosa.“A voz poética assume a função coesiva e estabilizante,<br />

sem a qual, o grupo social não poderia sobreviver (...) o espelho mágico do qual<br />

a imagem não se apaga mesmo que eles tenham passado” (ZUMTHOR, 1993,<br />

p. 139).<br />

As variações lingüísticas existentes no Pantanal são peculiares à região,<br />

mol<strong>da</strong>m <strong>nos</strong>sos ouvidos, como se suas falas fossem sinfonias. Os termos<br />

79


egionais chamam-<strong>nos</strong> à atenção, pelas maneiras narrativas, que ao <strong>nos</strong>so ver<br />

eram algo mágico. Os olhares, a pausas <strong>da</strong><strong>da</strong>s nas horas convenientes, os<br />

gestos, as entonações, os movimentos, todos esses ingredientes <strong>nos</strong> faziam<br />

ficarmos embriagados e envolventes ao ouvirmos os causos com profun<strong>da</strong><br />

atenção. Compreendemos que não basta ouvirmos as narrações, é<br />

fun<strong>da</strong>mental termos a precisão do sentido, <strong>da</strong>ndo graças e serie<strong>da</strong>des às<br />

palavras ditas. Como relatou-<strong>nos</strong> o Pai do mato:<br />

80<br />

Sim, mais as crianças não gosta que eu saio, mas<br />

quando eu chequei num riozinho chamado Sopé,<br />

que deságua no rio Cuiabá mesmo, eu ia indo, vi<br />

aquele negócio num lugar de poço fosfosco<br />

escumando de um lado pro outro, ficou nessa<br />

artura ,(mostrou-<strong>nos</strong> com gestos de sua mão a<br />

altura) ai eu ia remando assim, assim,<br />

assim,(mostrou-<strong>nos</strong> como) bem na beiradinha do<br />

barranco, assim onde era a barranqueira, meio<br />

parado, eu vi fundo um trocinho assim, (gesto)<br />

que foi afun<strong>da</strong>ndo, afun<strong>da</strong>ndo, afun<strong>da</strong>ndo, assim,<br />

eu vi falei né, pensei cá comigo o que será que é,<br />

quem sabe é a aba de alguma arraia e ele foi<br />

fazendo um friozinho assim um borbulha<br />

cumpriduuu, eu passei e ain<strong>da</strong> fico esse<br />

borbulhadinho <strong>da</strong> água né, aí peguei o anzó e fui<br />

numa distancinha assim (gesto) e joguei o anzó, foi<br />

só que joguei o anzó eu vi tava boianu que tava,<br />

até ferveu, ai eu joguei o anzó quando acabei de<br />

jogar a linha estirou, eu ferrei era um pacu, um<br />

pacu desse bom assim,(gesto) aí eu puxei ele,<br />

peguei na linha suspendi aqui na canoa, a hora eu<br />

suspendi o pacu, o rabinho do anzó rebentou e o<br />

pacu caiu na canoa e começou corcovano,<br />

corcovano, corcovano e eu carquei ele nessa<br />

hora, a hora que eu tava carcanu ele assim, eu já<br />

tinha pegadu o cacete, como <strong>da</strong>qui ali naquele<br />

com barzinho assim, mais dispencou um trecho de<br />

barranco. Nossa senhora, foi feio, a água cresceu<br />

<strong>da</strong> artura dessa teia, dessa artura, eu só dei uma<br />

caceta<strong>da</strong> assim no pacu, joguei ele peguei o remu<br />

e mandei pra baixo, não demoro já estando outro,<br />

falei vigi Maria o bicho fico bravo porque passei ali,<br />

há mais esse dia me deu medu pesca lá.


Ao olharmos as narrativas dos moradores <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de São Pedro,<br />

<strong>nos</strong>sas relações ficaram ca<strong>da</strong> vez mais próximas, algo peculiar dos moradores<br />

do Pantanal. Como <strong>nos</strong>sas entrevistas foram fotografa<strong>da</strong>s e grava<strong>da</strong>s em fita<br />

cassete, procuramos preservar gestos e o modo de falar dos entrevistados.<br />

Formas gramaticais não convencionais, cacoetes (“né”, “<strong>da</strong>í”, “é”), pronúncias<br />

típicas ou específicas de ca<strong>da</strong> narrador (“cum”, para dizer “com”; “cê”<br />

substituindo “você” etc), as concordâncias nominais e verbais foram manti<strong>da</strong>s.<br />

A omissão de sílabas e letras, como no uso do gerúndio. Exemplo; falamu,<br />

escrenu, falo, grito, an<strong>da</strong>mu, ou ausência do “s” nós vamu, falamu, pois são<br />

características <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, pois acreditamos que essas peculiari<strong>da</strong>des<br />

fariam diferenças, e de forma alguma iríamos prejudicar as pesquisas.<br />

Em <strong>nos</strong>sas longas peregrinações entre comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>, na sua<br />

facul<strong>da</strong>de de sentirem, pensarem e agirem, acumulamos experiências,<br />

incentivando talentos ocultos através <strong>da</strong>s artes, hábitos, condutas e técnicas. A<br />

humani<strong>da</strong>de deveria pensar de forma universal e subjetiva, ao buscarem<br />

melhorias de suas vi<strong>da</strong>s comparativas com as dos outros, pois sabedores<br />

somos que são ilusões ao pensarmos que apenas as teorizações científicas<br />

são capazes de resolverem os problemas de um povo.<br />

81


“O imaginário é esta encruzilha<strong>da</strong> antropológica que permite<br />

esclarecer um aspecto de uma determina<strong>da</strong> ciência humana por<br />

um outro aspecto de uma outra “<br />

Gilbert Durant/ 2002<br />

3.4 OS MISTÉRIOS DO PANTANAL<br />

Veremos aqui muitas narrativas, to<strong>da</strong>s tão encharca<strong>da</strong>s de mistérios,<br />

quanto à região, pois antes de tudo estão mergulha<strong>da</strong>s no saber pantaneiro.<br />

Desse saber, através <strong>da</strong>s interpretações, resgata-se <strong>mitos</strong>, <strong>ritos</strong> e g<strong>ritos</strong> caídos<br />

no esquecimento, como os lugares de suas origens, e peso de seus assombros,<br />

que geram sentimentos de medo. Lembranças de pessoas que de uma forma<br />

ou de outras, sofreram na própria pele as fantasias do mito, como as histórias<br />

de benzedeiros, que “benzem mordi<strong>da</strong>s de cobra em animais domésticos, a<br />

quilômetros de distância e o curou”.<br />

O Pai do Mato contou-<strong>nos</strong> episódios acontecidos e repletos de devaneios<br />

sobre misticismos, em destaque, os repertórios ouvidos através dos indivíduos<br />

que a eles também contaram por a<strong>nos</strong> a fio desde ain<strong>da</strong> menino. Os <strong>mitos</strong> lhe<br />

eram repassados com fortes tendências do sobrenatural e o naturalmente vivido<br />

por ca<strong>da</strong> um que se assombram no negritar <strong>da</strong>s noites, quando sós, e<br />

necessário se faz deslocarem-se entre comuni<strong>da</strong>des e forçosamente precisam<br />

atravessar as matas, a fantasia e o medo povoam suas mentes, revelando-os<br />

seres muitas <strong>da</strong>s vezes fictícios. Desvela-se que a natureza tem mais coisas<br />

que a vã razão podem <strong>nos</strong> <strong>da</strong>r contas de explicarem. Tudo que acontece no<br />

Pantanal vira causo, transformando em len<strong>da</strong> ao serem entrelaça<strong>da</strong>s para<br />

serem repassa<strong>da</strong>s como sendo ver<strong>da</strong>deiras. Mesmo sendo acontecimentos<br />

ver<strong>da</strong>deiros, quando a imaginação os recheia de fantasias, deixam de serem<br />

82


um “simples acontecimento”, passando a somar entre mistério, enriquecendo a<br />

mítica.<br />

Essas narrativas artesanais, despi<strong>da</strong>s de preconceitos, mas com muita<br />

imaginação e sabedoria, trazem muito do que é ser povo pantaneiro, do que é o<br />

Pantanal, abrangendo o misticismo, a fauna, flora e todo o seu ecossistema<br />

existente. As narrativas estão repletas de sematologia lingüísticas que são<br />

fáceis de serem compreendi<strong>da</strong>s. Mesmo sendo subjacentes e simples, são<br />

carrega<strong>da</strong>s de sotaques e modo de agir e do pensar pantaneiro, onde a<br />

criativi<strong>da</strong>de, o imaginário e a maneira do contar fazem a diferença.<br />

Fatos e contos de causos assumem importância dinâmica com tal<br />

proporcionali<strong>da</strong>de, que o indivíduo que o narra, como o que o ouve, compartilha<br />

dos momentos de euforias que ambos sentem no próprio corpo, como se<br />

estivessem vivenciando ou recriando aquele momento. Como afirma Paul<br />

Zumthor (1992, p. 142) “o corpo não é somente um agregado de membros que<br />

gesticulam sob <strong>nos</strong>sos olhos(...) é a <strong>nos</strong>sa maneira de ser no mundo, <strong>nos</strong>so<br />

modo de existir no tempo e no espaço”.<br />

Para que possamos canalizar para análises <strong>nos</strong>sas pesquisas teremos<br />

como apoio o filósofo e educador francês Gaston Bachelard, no caso <strong>da</strong> análise<br />

dos <strong>mitos</strong> <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>. Um dos pontos consistentes de <strong>nos</strong>sa parti<strong>da</strong>, foi o<br />

desenvolvimento de metodologias gra<strong>da</strong>tivas desobrigando-<strong>nos</strong> a mantermos<br />

as amarras <strong>da</strong>s categorizações, e <strong>nos</strong> libertarmos para as aventuras <strong>da</strong>s<br />

plurali<strong>da</strong>de dos significados característicos dos imaginários.<br />

É sabido, que o contador de fatos jocosos, não é prisioneiro de um<br />

modelo inalterável, transfigurando em sua mente estruturas que o permitem<br />

apoderar-se do fictício já cristalizado pelo passar dos tempos ou pela tradição<br />

oral e, assim, sendo, como um artista, transforma sentimentos alheios em<br />

medos ao contar o mito, folcloriando ain<strong>da</strong> mais ao tentar repassar a sua<br />

83


maneira, <strong>da</strong>ndo veraci<strong>da</strong>de aos fatos meramente míticos. De maneira que<br />

deixa em suspense desequilíbrio a individuali<strong>da</strong>de de sentimentos, que é se<br />

não os únicos motivos <strong>da</strong> existência <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s. Na reali<strong>da</strong>de a ca<strong>da</strong> novo<br />

desempenho pela maneira de como foi conta<strong>da</strong> e o toque de como será<br />

reconta<strong>da</strong>, traz sinais evidentes de mutações do engenhoso artístico de ca<strong>da</strong><br />

narrador. As narrativas relata<strong>da</strong>s/grava<strong>da</strong>s são as ver<strong>da</strong>deiras expressões <strong>da</strong><br />

multiplici<strong>da</strong>de do viver pantaneiro, envolve emoções, sonhos, devaneios,<br />

aspirações, realizações, frustrações, idéias, encantos e desencantos. Enfim,<br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> dividi<strong>da</strong> em floresta e água dessa planície mágica.<br />

As paisagens compostas e emoldura<strong>da</strong>s pelos rios e florestas significam<br />

para os habitantes <strong>da</strong> região seus alimentos e suas sobrevivências, seus<br />

medos e suas histórias, espaços de vi<strong>da</strong> e trabalhos, que para eles a<br />

existência de um cotidiano repetitivo, onde os elementos fantásticos são<br />

maravilhosos, fazem no dia a dia, as paisagens mu<strong>da</strong>rem aos seus olhos.<br />

84


ATO – IV – Interpretando o Mito<br />

Imagem 16: Divino Espírito Santo<br />

Fonte: Dolores Garcia<br />

Local: Mimoso<br />

Data: 07/2005<br />

A vi<strong>da</strong> é breve, a alma é vasta.<br />

(Fernando Pessoa)<br />

E penso com os olhos e com os ouvidos<br />

E com as mãos e com os pés<br />

E com o nariz e com a boca.<br />

O essencial é saber ver,<br />

Saber ver sem estar a pensar,<br />

Saber ver quando se vê,<br />

E nem pensar quando se vê<br />

Nem ver quando se pensa.<br />

Mas isso (tristes de nós, que<br />

trazemos a alma vesti<strong>da</strong>!),<br />

Isso exige um estudo profundo,<br />

Uma aprendizagem de desaprender.<br />

85


4. A ÁGUA MÍTICA E AS LENDAS NA EDUCAÇÃO<br />

AMBIENTAL<br />

As <strong>águas</strong> foram, e sempre serão personagens de grandes destaques no<br />

Pantanal, onde o mítico, e o imaginário estarão sempre presentes nas<br />

comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. A importância e o poder <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> residem também<br />

numa aura de mistérios, de segredos, de simbologias mágicas e psíquicas; de<br />

fluxos invisíveis, mas perfeitamente perceptíveis, mesmo para quem tem<br />

sensibili<strong>da</strong>des pouco sutis.<br />

O medo, ligado às <strong>águas</strong> profun<strong>da</strong>s sempre a imaginou cheia de<br />

monstros, um lugar por excelência recheado de medos e de monstros, sempre<br />

prontos para devorarem pessoas que ali por ventura vissem a passar. As <strong>águas</strong><br />

associa<strong>da</strong>s ao medo fazem materializarem-se monstros, <strong>da</strong>ndo-lhes formas<br />

como o Minhocão. Serpente de tamanho descomunal e voraz. São seres,<br />

obviamente criados no momento de um fato que gerou o medo,<br />

consequentemente o imaginário deu-lhe vi<strong>da</strong> e corpo, e o sentimento temos ou<br />

veneração com o passar dos tempos. O rio torna-se assim a própria serpente,<br />

engolindo embarcações e pessoas que não o respeita.<br />

A água, considera<strong>da</strong> substância volúvel e complacente nas misturas em<br />

seu estado líquido. Segundo os ribeirinhos, as <strong>águas</strong> <strong>pantaneiras</strong> pela sua<br />

doçura e encantos, a consideram feminina, por seu berçário vasto, guar<strong>da</strong>ndo<br />

em seu útero, vi<strong>da</strong>s diversifica<strong>da</strong>s, tendo os próprios movimentos de fluxos e<br />

refluxos de vi<strong>da</strong>, liga<strong>da</strong>s às fertili<strong>da</strong>des dos campos, simbolizando continuação<br />

de vi<strong>da</strong>s, sentimentos, emoções e perplexi<strong>da</strong>des inconscientes, que é conjunto<br />

de processos e fatos psíquicos que são exteriores ao âmbito <strong>da</strong> consciência e<br />

impossíveis de serem trazidos à memória, mas que podem manifestarem-se<br />

<strong>nos</strong> sonhos, em estados depressivos e neuróticos, quando a consciência não<br />

está desperta, e cujo principal teorizador é a própria devastação causa<strong>da</strong> pelo<br />

desacautelado homem. “Às vezes a penetração é tão profun<strong>da</strong>, tão íntima que,<br />

86


para a imaginação, o lago conserva em plena luz do dia um pouco dessa<br />

matéria noturna, um pouco dessa matéria noturna (...). torna-se um negro<br />

pântano onde vivem os pássaros monstruosos” (BACHELARD, 2003, p. 105).<br />

Outros a vêem como água próspera ou até mesmo como <strong>águas</strong><br />

enfa<strong>da</strong><strong>da</strong>s por desequilíbrios, mesmo assim, devaneiam em sonhos imaginários<br />

proporcionados pelos encantos pantaneiros que se transformam em palco de<br />

len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> folclóricos. Têm o poder de absorver para si, as fantasias <strong>da</strong>s<br />

forças naturais, presentes na maioria dos rituais folclóricos, satânicos,<br />

sagrados, profa<strong>nos</strong> e nas cerimônias religiosas de todo o mundo. As <strong>águas</strong> têm<br />

poderes magnéticos de possessivi<strong>da</strong>des capazes de atraírem forças sobre<br />

naturais visíveis ou invisivelmente mitiga<strong>da</strong>s. Quando expurga<strong>da</strong>s são<br />

benéficas, mas quando enxovalha<strong>da</strong>s trazem transtor<strong>nos</strong> para os ecos sistemas<br />

subtraindo vi<strong>da</strong>s.<br />

Essa água pode ser classifica<strong>da</strong> como água viva e água morta, onde une<br />

o sonho e sonhador e o faz devanear com todo o imaginário que o lugar<br />

proporciona, produzem dramas, inventa vi<strong>da</strong> nova, mente nova, onde coloca-<br />

<strong>nos</strong> um convite para abrirmos os olhos e a mente para vermos esses novos<br />

olhares (BACHELARD, 2002).<br />

As len<strong>da</strong>s ou os <strong>mitos</strong>, normalmente surgem ao caírem <strong>da</strong>s noites às<br />

margens de rios ou nas imensidões <strong>da</strong>s matas. Onde caboclos apanhados<br />

pelas bocas <strong>da</strong>s escuridões, passam a exalarem medo dos imaginários,<br />

tornando-os enfraquecidos de suas carapaças. Com isso, geram sentimento de<br />

pavores principalmente de vibrações sonoras vin<strong>da</strong>s de direções opostas às<br />

suas. Se adentrados nas matas, tornam-se vulneráveis aos sons <strong>da</strong>s noites ou<br />

se a beira <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, tomados de pavores e calafrios, relembrando ou<br />

confabulando histórias folclóricas, só lhes restam tomarem de fantasias<br />

movidos pelo oculto medo, gerando-os as suas próprias fábulas míticas ao<br />

levarem suas façanhas de terror e desespero aos ouvidos alheios.<br />

87


Pouco a pouco, no mundo imaginário começa a fluir, como o curso de um<br />

rio, o imaginário, seja ele: o sonho, devaneio, mito ou relato de imaginação. A<br />

noite o imaginário flui, na beira do lago ou rio <strong>nos</strong> traz um medo específico, uma<br />

espécie de medo úmido que penetra o sonhador e o faz estremecer. A água<br />

nunca está sozinha, mesmo as mais claras trazem obsessões. A água a noite<br />

dá um medo penetrante (BACHELARD, 2003).<br />

Os rios não estão imunes aos assombros, pois, confabulam com as<br />

mentes receosas, instigando o imaginário pantaneiro, fortalecidos pelo medo.<br />

Apesar de vi<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> rio ter, tantos outros são fantasiados como a água ferve e<br />

caso gritem, assobiem ou falem em tons elevados triplicando de volume e<br />

sobem inun<strong>da</strong>ndo pastos. Desdobram-se em seus rios, lagos e corixos<br />

encantados, onde vagam as almas, de afoga<strong>da</strong>s, em rios intransponíveis e<br />

temidos que enriqueçam as len<strong>da</strong>s.<br />

To<strong>da</strong> e qualquer socie<strong>da</strong>de, necessita dos <strong>mitos</strong>, eles encarnam suas<br />

quali<strong>da</strong>des e atributos, além de servirem de referencial à própria socie<strong>da</strong>de que<br />

os criou. De certa maneira, são elementos de ligação entre o humano e a<br />

natureza. Eles <strong>nos</strong> fazem ver o que não está claro, aju<strong>da</strong>-<strong>nos</strong> a entender uma<br />

cultura. Analisar um mito, vivemos em um mundo transfigurado e impregnado<br />

<strong>da</strong> presença de seres sobrenaturais.<br />

Esses seres sobrenaturais encontram-se por todo o Pantanal e no<br />

imaginário dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des <strong>pantaneiras</strong>. Podem ser criados e<br />

imaginados <strong>nos</strong> rios, nas baias, <strong>nos</strong> corixos, nas <strong>águas</strong> e nas matas. Basta<br />

<strong>da</strong>rmos atenções aos encantamentos do Pantanal. Portanto, para que esses<br />

seres possam aju<strong>da</strong>r a preservarem os rios e as matas, precisam continuar a<br />

existirem e a terem vi<strong>da</strong>s longas. Temos que sensibilizar-<strong>nos</strong> e a todos, pois a<br />

<strong>educação</strong> produz cultura e transforma a natureza.<br />

88


Seria ingenui<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sa parte pensar na existência apenas uma<br />

versão dos <strong>mitos</strong>, o que não é ver<strong>da</strong>de, já que mítica expande por ramificações<br />

infinitas a ca<strong>da</strong> versão uma vez conta<strong>da</strong> e <strong>da</strong> maneira como ela é conta<strong>da</strong>, e<br />

tem mais, a diferenciação de i<strong>da</strong>de dos contadores, tem pesos marcantes nas<br />

controvérsias. A socie<strong>da</strong>de como um todo, acolhe para si, seu próprio mito, e<br />

dele faz a sua bandeira em favor <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> natureza, como também<br />

lhes dá vi<strong>da</strong>s, não raras são as vezes que o cultuam. Ca<strong>da</strong> versão é parte do<br />

mito, não existe o certo e o errado, o que há são interpretações diferentes, são<br />

olhares diferentes. Conforme Jozef “O mito é a maneira em que uma socie<strong>da</strong>de<br />

entende e ignora sua própria estrutura, revela sua presença mas também uma<br />

carência. Isso se deve a que o mito assimila os acontecimentos culturais e<br />

sociais” (1996, p. 117).<br />

Ca<strong>da</strong> povo, ca<strong>da</strong> raça, ca<strong>da</strong> etnia, ca<strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, contam suas<br />

histórias desde a origem dos surgimentos de seus próprios <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, na<br />

tentativa de resgatarem suas memórias as eternizando.<br />

O surgimento de um mito ocorre, quando é nutrido com relatos de<br />

dramatici<strong>da</strong>de de um povo, acrescido de fantasias amedrontadoras,<br />

provenientes de indivíduos cuja visão do oculto parte sempre <strong>da</strong> sua própria<br />

personali<strong>da</strong>de e a outrem incentiva o medo imposto pela sensibili<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />

indivíduo, podendo assumir diferentes facções e com gra<strong>da</strong>ções de cores,<br />

formatos, grandezas, espessuras, enfim... uma gama de metamorfoses, são<br />

tidos como inteligentes ao serem eruditos, e saberes, como aconselhar,<br />

proteger, castigar, assustar, presentear, anunciar ou pedir algo, mas sempre<br />

ensinam. Esse é o meio <strong>da</strong> população preservar conservar ou recuperar matas,<br />

rios e animais, respeitando seus espaços.<br />

As len<strong>da</strong>s são um dos caminhos para a sensibilização ambiental, pois<br />

por meio delas, é possível rever exemplos de como devemos ter cui<strong>da</strong>do com<br />

<strong>nos</strong>so meio ambiente. Em epígrafes <strong>da</strong>s moderni<strong>da</strong>des foram excluí<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s e<br />

89


qualquer coisa fora <strong>da</strong>s ciências. Rumo à busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, estudiosos ou<br />

filósofos traçaram pla<strong>nos</strong> à humani<strong>da</strong>de, projetando-os como saberes que<br />

explicavam os fenôme<strong>nos</strong> do mundo. Mas Shakespeare diria que “há mais<br />

mistérios do que supõem-se <strong>nos</strong>sas vãs filosofias”, e de fato outras formas de<br />

saberes foram impondo as necessi<strong>da</strong>des de abrirmos diálogos, recompondo-<br />

<strong>nos</strong> na tentativa de compreendermos o mundo. Ciente, porém, que não são<br />

apenas uma única ver<strong>da</strong>de científica, mas múltiplos campos de conhecimentos.<br />

No caso específico <strong>da</strong>s metodologias de tantas narrativas presentes <strong>nos</strong><br />

“causos e assombrações” do Pantanal, elas conservam as estreitas ligações<br />

“socie<strong>da</strong>de-ambiente”. Absur<strong>da</strong>s ou não, foram cria<strong>da</strong>s nas expressões étnicas<br />

de povos ou regiões, igual<strong>da</strong>des na tentativa de compreensão do mundo. Fitar<br />

o mundo fenomenologicamente no contexto <strong>da</strong> EA, não significa apenas<br />

compreendermos seus fenôme<strong>nos</strong>. Significa cui<strong>da</strong>rmos e zelarmos dos seus<br />

corações. Estes talvez sejam os sentidos mais profundos que façam emergirem<br />

as consistentes ligações entre <strong>mitos</strong> e a EA.<br />

As len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> são contribuintes para um processo que agrega<strong>da</strong>s<br />

aos ambientes, essas narrativas orais, componentes <strong>da</strong> cultura transmiti<strong>da</strong> por<br />

gerações são também, determina<strong>da</strong>s quanto aos avanços depre<strong>da</strong>ntes dos<br />

desenvolvimentos econômicos onde se observa os deterioramentos e os<br />

desfacelamentos de peculiari<strong>da</strong>des culturais de uma socie<strong>da</strong>de, comuni<strong>da</strong>de ou<br />

grupo determinado.<br />

90


A serpente é, em nós, um símbolo motor,<br />

um ser que não tem na<strong>da</strong>deira, nem pés, nem asas, um ser que<br />

não confiou suas capaci<strong>da</strong>des motoras<br />

a órgãos exter<strong>nos</strong>, a meios artificiais, mas que se fez o móvel<br />

intimo de todo seu movimento<br />

Bachelard, 2003<br />

4.1 A SERPENTE O IMAGINÁRIO<br />

A serpente é o animal que mais provocou interpretações míticas e<br />

simbólicas. Considerado um animal peçonhento, de estética estranha,<br />

rastejante, faz repercussões desde os primórdios dos tempos, representando<br />

len<strong>da</strong>s, fantasias folclóricas e símbolos dos mais horripilantes pecados e de<br />

todos os temores a ela designados. Por ser ambígua, está intimamente liga<strong>da</strong> a<br />

terra e a água, vivendo em defesa e preservação <strong>da</strong>s espécies em buracos<br />

escuros, no qual, para os antigos era o submundo. A serpente está liga<strong>da</strong> à<br />

chuva fertilizadora e a fertili<strong>da</strong>de. Para Bachelard, “A palavra serpente opera em<br />

múltiplos registros. Vai <strong>da</strong>s seduções murmura<strong>da</strong>s até as seduções irônicas <strong>da</strong>s<br />

doçuras lentas a um súbito silvo” (2003, p. 209). As len<strong>da</strong>s, fortaleci<strong>da</strong>s pela<br />

vontade alheia, a têm, como símbolo <strong>da</strong> sedução. Em crenças antigas<br />

acreditava-se que as cobras podiam engravi<strong>da</strong>r as mulheres. Pensava-se ain<strong>da</strong><br />

que a mordi<strong>da</strong> de uma cobra fosse responsável pela primeira menstruação de<br />

uma menina.<br />

A fenomenologia interpreta a aparição dos répteis e serpentes, que com<br />

o passar dos a<strong>nos</strong>, emergiram <strong>da</strong>s profundezas dos túneis subterrâneos,<br />

segundo a len<strong>da</strong>, descobrindo e dividindo rios e matas como seus novos<br />

habitares. Infinitas são as len<strong>da</strong>s, tantas quantas importantes para a<br />

conservação do meio ambiente, mas o Minhocão tem seu espaço reservado na<br />

mente dos ribeirinhos pantaneiros, como sendo um dos mais temidos pela sua<br />

sobrenaturali<strong>da</strong>de de tamanho e robustez, permanecendo, mesmo com o<br />

91


passar dos a<strong>nos</strong> desde a sua mitificação, persevera impoluto na imaginação<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>de ribeirinhas, alimentados pelos desconhecidos mundos<br />

obscuros <strong>da</strong>s profundezas subterrâneas, fazendo com que a imaginação<br />

fustiga<strong>da</strong> de fantasias tenebrosas, emaranha-se ain<strong>da</strong> mais <strong>nos</strong> labirintos <strong>da</strong><br />

mente.<br />

A fantasia do medo diz que: todo ser rastejante tem afini<strong>da</strong>de familiar<br />

com a serpente, tendo seu habitar natural nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, não<br />

importa se mares, ocea<strong>nos</strong>, rios, poços, lagoas, o que importa é que tenha<br />

água em abundância e seja profundo como o medo e o devaneio <strong>da</strong> mente.<br />

Onde a imaginação faz esse ser circular <strong>nos</strong> meandros dos labirintos, <strong>da</strong>ndo<br />

vi<strong>da</strong> a todo ser rastejante, que é aparentado com a serpente, esse ser habita<br />

baías profun<strong>da</strong>s aparecendo também em poços e lugares fundos<br />

(BACHELARD, 2003).<br />

Podemos citar a fala de como narrou-<strong>nos</strong> o senhor Curupira, contador de<br />

causos com uma boa dose de petas, como se lê:<br />

92<br />

Aquele cabelo vermelho, aquele cabelo cumpridu,<br />

eu fiquei assim até bobo de ver, eu agüentei a<br />

canoa, ele foi saindu no seco e saiu no seco, saiu<br />

no seco e tinha um canto poço, assim que <strong>da</strong>va<br />

pro outro lado no areião né, ele meteu pra lá, mas<br />

a carcun<strong>da</strong> dele tinha a largura dessa mesa<br />

(gesto). Aquele monstro de trem, lá era um poço<br />

feio né. Ah! Eu agüentei a canoa né. Ele saiu no<br />

seco e nem me olhou não fez na<strong>da</strong>, seguiu e<br />

desceu pra lá (gesto). Ai eu ain<strong>da</strong> imbiquei a canoa<br />

e falei eu vou olhar o rastro dele, (demonstrava<br />

com as mãos os movimentos <strong>da</strong> canoa) pra vê se<br />

é como de gado, e como que é. Num consigui vê.<br />

Cheguei ali só vi aquela unhara<strong>da</strong>. Eu acho que é<br />

esse que é o minhocão. Esse eu vi aí no rio que eu<br />

já vi na minha vi<strong>da</strong>. Ai na hora no rio, que eu fiquei<br />

assombrado com ele, foi este, um trem desse cai<br />

numa armadilha, nem rede <strong>da</strong> nesse ai,<br />

né...he.he.he.he”


Não foram poucas às vezes em que ficamos horas e horas ouvindo<br />

causos sentados em escola rodeados por contadores, geralmente pessoas<br />

idosas e moradores antigos <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e pessoas curiosas que se<br />

aproximavam para também ouvirem ou <strong>da</strong>rem suas “palhinhas”. As pessoas<br />

que a nós se achegavam, não envere<strong>da</strong>vam os pés, pois curiosos e atentos aos<br />

causos, formavam uma ro<strong>da</strong> de pessoas senta<strong>da</strong>s ao redor do contador, que<br />

<strong>nos</strong> faziam gargalhar vez por outra.<br />

Também tivemos o prazer de lermos muitas obras literárias de<br />

pesquisadores consagrados. Após lermos muito, e escutarmos muitas histórias,<br />

percebemos que nas narrativas a serpente às vezes é ti<strong>da</strong> como um arco-íris, e<br />

às vezes também é conheci<strong>da</strong> como espírito <strong>da</strong> água, às vezes é terrível em<br />

sua cólera, ela possui o poder <strong>da</strong> auto-renovação, por causa de sua habili<strong>da</strong>de<br />

de mu<strong>da</strong>r e renovar a sua pele.<br />

Os <strong>mitos</strong> e len<strong>da</strong>s, normalmente relembrados pelos contadores de<br />

histórias, de certa forma, acabam passando de gerações em gerações, mesmo<br />

sofrendo mutações de origens, acabam sendo imortalizados ao serem<br />

recrutados por poetas e historiadores, que dão vi<strong>da</strong>s e movimentos aos <strong>mitos</strong>.<br />

Este caráter mutante deu origem às crenças que atribuem o poder <strong>da</strong><br />

imortali<strong>da</strong>de. Seus movimentos fazem com que poetas imaginem e crie<br />

momentos mágicos nas suas poesias. Bachelard seduz-<strong>nos</strong> com sua fala<br />

(2003, p. 208), ”Fazendo a serpente mover-se em contracorrente no riacho, o<br />

poeta liberta a imagem tanto do reino <strong>da</strong> água quanto do reino do réptil (...) Ela<br />

é mesmo movimento sem matéria. Aqui ela é movimento puro”.<br />

Esta divin<strong>da</strong>de não é inspiradora, também é destruidora. Une o reino<br />

vegetal e o reino animal, como se a serpente fosse à ligação, o casamento<br />

perfeito. Com efeito, de maneira profun<strong>da</strong>, a morte e a destruição estão liga<strong>da</strong>s<br />

à vi<strong>da</strong> e ao nascimento. Bachelard (2003, p. 202) traz “A serpente é um dos<br />

arquétipos mais importantes <strong>da</strong> alma humana. É o mais terrestre dos animais. É<br />

93


ealmente a raiz animaliza<strong>da</strong> e, na ordem <strong>da</strong>s imagens, o traço de união entre o<br />

reino vegetal e o reino animal”.<br />

Os historiadores tentam intercalar a dimensão do significado simbólico e<br />

mitológico divisando o sentido mítico. O ser humano, por natureza, tem a<br />

virtude <strong>da</strong> atitude de simbolizar ca<strong>da</strong> len<strong>da</strong>, tendo em destaque quase que<br />

generalizado pela serpente. Buscar sentido, encontrar significado, <strong>nos</strong> remete<br />

à dimensão do simbólico, pois simbolizar significa descobrir o sentido. A atitude<br />

simbolizadora é constitutiva do ser humano. Bachelard (2003, p. 203) traz “se<br />

acrescentarmos que esse movimento fura a terra, perceberemos que, tanto<br />

para a imaginação dinâmica como a imaginação material, a serpente se mostra<br />

um arquétipo terrestre”. A função do imaginário é, pois, a de mediar<br />

simbolicamente, as <strong>nos</strong>sas relações; ele é um mapa com o qual lemos o<br />

mundo, pois é através dele que organizamos, recursivamente, o real.<br />

Essa água, geográfica, que só é pensável<br />

em vastas extensões oceânicas, esta água quase orgânica à<br />

força de ser espessa, a meio caminho entre o horror e o amor<br />

que inspira, é o próprio tipo <strong>da</strong> substância de uma imaginação<br />

noturna<br />

Durand, 1989<br />

4.2 MINHOCÃO DO PANTANAL<br />

Começamos o sub-titulo como Minhocão do Pantanal, porque existem<br />

dentro de <strong>nos</strong>sas fronteiras territoriais, histórias sobrenaturais semelhantes, e<br />

que viraram <strong>mitos</strong>, gerando len<strong>da</strong>s com o passar dos tempos. O Minhocão em<br />

destaque, escrita pela escritora mato-grossense Dunga Rodrigues (1997), para<br />

que pudéssemos ter uma fonte de consulta através de suas pesquisas e melhor<br />

compreensão <strong>da</strong>s diversificações narrativas:<br />

94


95<br />

Este rio tem história! Quando vir manso e silencioso,<br />

não se ilu<strong>da</strong> com ele. A minha avó me contava e eu<br />

mesma vi coisas de arrepiar e de <strong>da</strong>r carreira no<br />

homem mais valente aqui <strong>da</strong> povoação. Quantas<br />

vezes nós descíamos, em bando, às margens do<br />

Rio Cuiabá, com as trouxas de roupa na cabeça ou<br />

simplesmente uma bacia equilibrando-se na rodilha<br />

que amortecia o peso. Depois de um esvaziamento<br />

do rio, só vendo a algazarra quando o barranco<br />

escorregadio provocava até que<strong>da</strong>s acompanha<strong>da</strong>s<br />

de risa<strong>da</strong>s alegres e caçoa<strong>da</strong>s inofensivas”.<br />

(...) pois o Minhocão do Pari, assim chamado por ter<br />

o seu ninho nas praias <strong>da</strong>quela região, era uma<br />

espécie de serpente, longa e cabeçu<strong>da</strong>. Sua cor não<br />

se distinguia ao certo; deslizando em baixo do barro<br />

<strong>da</strong>s barrancas, vivia sempre coberto de terra<br />

deixando, ao passar, o chão solapado e cheio de<br />

socavões em forma de sua descomunal cabeça.<br />

Quando o Minhocão se zangava ou saia para catar<br />

alimentos, <strong>da</strong>va cambalhotas no rio. Devorava<br />

pescadores, virava canoas, mesmo embarcação<br />

pesa<strong>da</strong>, que, se de pequeno calado, não agüentava<br />

com ele.<br />

Foi numa dessas violentas rabana<strong>da</strong>s que alguém<br />

lhe divisou a cor preta e reluzente, retrocedendose<br />

no meio do rio.<br />

Mas, voltando ao assunto, minha Nossa Senhora do<br />

Muquém! Veja como eu me arrepio sé de lembrar do<br />

caso.<br />

(...)nesse dia, a roupa que Merém levava era em<br />

dobro, pois sua mãe, lavadeira <strong>da</strong> enfermaria do<br />

Quartel, estava com um estrepe no dedão que a<br />

impossibilitava de esfregar os lençóis(...) Os<br />

moleques que por ali apareciam ou iam co<strong>nos</strong>co<br />

sempre jogavam o anzol; e o peixe fácil e abun<strong>da</strong>nte<br />

logo ia chiar na panela para o <strong>nos</strong>so almoço, de<br />

modo que voltávamos só à tardinha.<br />

Nesse dia a peixa<strong>da</strong> foi arromba, embora só desse<br />

“sopro-fogo”; mas estavam gordinhos, uma<br />

gostosura, com molho de pimenta chumbinho verde,<br />

arroz sem sal e pirão de farinha de mandioca.<br />

(...) Apesar de lusco-fusco, pois ia anoitecer rápido,<br />

reconhecemos o vulto de Zé Timote em pé, na polpa<br />

<strong>da</strong> embarcação. Ele voltava de um frete que fizera.<br />

Os olhos de Merém se iluminaram (...)Seus<br />

pensamentos foram quebrados por um ruído<br />

estranho e medonho. E não vinha <strong>da</strong> terra, vinha <strong>da</strong><br />

água. Parece que a canoa guindou para um lado.<br />

Mas Zé Timote lá estava firme de pé. Esfregou o


96<br />

olho para ter certeza do que vira, mas novo e<br />

próximo ruído ecoou fortemente, ao mesmo tempo<br />

que uma laça<strong>da</strong> negra fez um oito no ar, afun<strong>da</strong>ndo<br />

com fragor e carregando para a profundezas do rio,<br />

canoeiro, remos, canoa e tudo, ain<strong>da</strong> salpicando<br />

água a muitos metros de distância.<br />

- Foi o Minhocão. Não havia dúvi<strong>da</strong>. Eu vi com<br />

esses olhos que a terra há de comer.<br />

(...) Foi assim que a Merenciana enlouqueceu e<br />

nunca mais sarou.<br />

Nas narrativas dos causos ouvimos falar muito de um monstro em forma<br />

às vezes de serpente, às vezes de minhoca que habita os rios do Pantanal.<br />

Muitos narradores o chamam de “encantu” ou “encantadu”, para se referir aos<br />

seres <strong>da</strong> natureza. Esse termo é utilizado como uma referência aos seres<br />

míticos do Pantanal, sua descrição varia desde uma serpente gigante, anta,<br />

jacá, batelão e até de cor vermelha e cabeludo, como relata Curupira<br />

Eu fui na beira do rio, nem poço eu tinha ain<strong>da</strong>, eu<br />

morava embaixo <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> do Limoeiro (lugar)...ai<br />

eu subi pra matar umas piranhas...<strong>da</strong>í tava meio<br />

dia, fora de hora. Eu fui parei lá tomei um guaraná<br />

com ele lá e tava um anzol lá na canoa, umas<br />

iscas e falei:”meu padrinho me dá essas iscas ai e<br />

um anzol, eu vou matar umas piranhas pra mim<br />

levar”. Ele falou:”filho está ai”. Peguei e fui lá pra<br />

cima, quando eu vi, rio dos barreiros. Eu pensei<br />

que fosse barranco vinha descenu um ta ta ta,<br />

aquele estrondo na água, né! E tem uma boca que<br />

chama que tinha desmoronado, né! Quando eu<br />

olho assim pra baixo vinha atravessanu aquele<br />

bicho vermelho, assim que joguei o anzol na<br />

canoa, pensei que fosse um veado, que caiu na<br />

água. Falei eu vou adiantar ele. Quando eu fui<br />

cheganu e tinha uma praia grande, assim do outro<br />

lado, né! Da ilha...Era monstro mesmo de trem,<br />

oia, ele tinha aquele bicão, assim desse tamanho<br />

(gesticula) do braço de um homem, dessa<br />

grossura. Eu acho que esse é o Minhocão. Aquele<br />

cabelo vermelho, aquele cabelo cumprido, eu<br />

fiquei assim até bobo de ver....


Fitando as barrancas dos rios sem matas ciliares poderemos entender o<br />

porquê de suas narrativas. Sob as <strong>águas</strong>, existem infinitas dissemelhanças<br />

lendárias de imagens ca<strong>da</strong> vez mais profun<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> vez mais tenazes, que<br />

levam nós leitores, ouvintes e huma<strong>nos</strong>, a sentirmos em <strong>nos</strong>sas próprias<br />

contemplações e meditações, uma simpatia ou impassibili<strong>da</strong>de apática por<br />

esses aprofun<strong>da</strong>mentos lendários, donde de <strong>nos</strong>sas imaginações surgem<br />

seres que a eles <strong>da</strong>mos formas saracoteando o leitor ao mundo imaginário.<br />

Nas narrações, percebemos que tudo é passível de veraci<strong>da</strong>de e que no<br />

mito, a atitude de um gesto forma em nós uma cadeia de ver<strong>da</strong>des, ou seja, os<br />

acontecimentos que ele, o contador narra, e a maneira como ele se expressa<br />

crava em <strong>nos</strong>sas mentes como fatos puramente verídicos. Quando os<br />

pantaneiros usam a expressão “tomei um guaraná”, significa que tomar um<br />

guaraná faz parte <strong>da</strong> cultura pantaneira, por ter em abundância na região a<br />

referi<strong>da</strong> fruta <strong>da</strong> qual extraem o guaraná. To<strong>da</strong>s as narrativas são incorpora<strong>da</strong>s<br />

com fatos de origens culturais, unindo-os ao sobrenatural. Dessa forma, as<br />

expressões narrativas podem ser convincentes e originais, pois ao relatarem<br />

tais passagens acrescentam coisas que fazem parte de suas rotinas diárias.<br />

97<br />

Para que uma cultura seja realmente ela mesma e<br />

esteja apta a produzir algo de original, a cultura e<br />

os membros têm de estarem convencidos <strong>da</strong> sua<br />

originali<strong>da</strong>de e em certa medi<strong>da</strong>, mesmo <strong>da</strong> sua<br />

superiori<strong>da</strong>de sobre os outros; é somente em<br />

condições de subcomunicação que ela pode<br />

produzir algo. Hoje em dia estamos ameaçados<br />

pelas perspectivas de sermos apenas<br />

consumidores, indivíduos capazes de consumir,<br />

seja o que for que venha de qualquer ponto do<br />

mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de<br />

qualquer grau de originali<strong>da</strong>de ( LEVI-STRAUSS<br />

1978, p. 34).<br />

Senhor Antônio, que por longas horas <strong>nos</strong> fez as honras com sua<br />

presença incansável por horas a fio, mergulhado no prazer de trazer a tona os<br />

<strong>mitos</strong> encorpados com os seus relatos, narrando fatos e acontecimentos.


Segundo ele, vividos pelos seus amigos e parentes, levando-<strong>nos</strong> a navegarmos<br />

nas incógnitas como se realmente tivesse acontecido algo sobrenatural com as<br />

pessoas insinua<strong>da</strong>s. Mediante contexto de pavor, age o subconsciente em favor<br />

<strong>da</strong> natureza. Por isto, existe constante necessi<strong>da</strong>de de se resgatar <strong>mitos</strong>,<br />

pontilhando a mente dos ribeiros na intenção de chamar-lhes a atenção para<br />

terem os devidos cui<strong>da</strong>dos que se devem ter com o mundo que os secam<br />

visando um melhor meio de vi<strong>da</strong>, caso contrário a degra<strong>da</strong>ção será inevitável,<br />

como diz a len<strong>da</strong> “quando o Minhocão derruba o barranco é para mostrar que<br />

tem que ser respeitado o meio ambiente”. Como conta o Pai do Mato<br />

98<br />

Ouvi falar que a canoa ia passando assim, (gestos)<br />

ele decostado na canoa assim, (gesto) maior que a<br />

canoa , aquele monstro de bicho, nado no fio <strong>da</strong><br />

água, ai ele deu uma ponta<strong>da</strong> remo, assim né, deu<br />

aquele salavanco nele que levou a canoa lá , ele<br />

endireitou e mando, já estava perto de casa, que ele<br />

chegou lá em casa dele, que imbicou a canoa lá no<br />

porto e saiu em terra já viu o barranco caindo,<br />

derrubando o barranco, trem brem brem, escutando<br />

na casa.<br />

Vivenciamos, além <strong>da</strong>s narrativas que as explicações do fato natural,<br />

entendemos que antecede ligações de ca<strong>da</strong> conto com o sobrenatural. O<br />

desmatamento e o descuido com as margens dos <strong>nos</strong>sos rios provocam o<br />

assoreamento, em conseqüência, causam ver<strong>da</strong>deiros estragos no meio<br />

ambiente. Em to<strong>da</strong>s as narrativas ouvi<strong>da</strong>s, pudemos perceber sem receio de<br />

generalizarmos que o Minhocão tem a índole de mal humorado, bravo e<br />

violento. O respeito do ser humano pelo meio ambiente e os <strong>mitos</strong> protege os<br />

recursos naturais, necessários à garantia de vi<strong>da</strong>. Induzindo os pantaneiros a<br />

retomarem consciências quanto às técnicas e saberes nas li<strong>da</strong>s sem afetarem<br />

tão drasticamente a natureza. As representações <strong>da</strong> natureza ora demonstram<br />

fúrias, impondo-se frente a humani<strong>da</strong>de, a qual conferem atitudes conciliares<br />

por meio de representações míticas, ora denunciam a ocupação por terceiros<br />

na região pantaneira. As personagens míticas são conheci<strong>da</strong>s através de suas


supostas façanhas de outrora gerando atitudes criadoras e de sacrali<strong>da</strong>des. Os<br />

<strong>mitos</strong> são desc<strong>ritos</strong> devidos às infinitas diversi<strong>da</strong>des de suas formas, forças,<br />

tamanho e profundeza tocante nas mentes (ELIADE, 1998).<br />

Tivemos também a honra de passarmos bons momentos com a Iara,<br />

pessoa humilde de traços castigados pela vi<strong>da</strong>, mas de um carisma cativante,<br />

que a nós, envolveu com o seu jeitinho peculiar de resgatar os <strong>mitos</strong> em seus<br />

contos. Tamanha desenvoltura na maneira de falar transparecia como se<br />

ver<strong>da</strong>de fosse ou estivéssemos vivendo naquele momento o fato histórico<br />

lendário ao tocar fundo em <strong>nos</strong>sos sentimentos já amedrontados ao negritar<br />

<strong>da</strong>s noites, que em silêncio profundos vozes e sons ouvíamos distantes,<br />

deixando-<strong>nos</strong> a mercê <strong>da</strong> imaginação. Olhando em seus olhos, sentíamos a<br />

felici<strong>da</strong>de e a satisfação estampa<strong>da</strong> em seu semblante por ali estarmos a<br />

confabular. Não deixou por me<strong>nos</strong>, querendo <strong>nos</strong> amedrontar mais do que já<br />

estávamos, resgatou com requinte imaginativo, um fato que havia acontecido<br />

há muito tempo. Com o passar dos a<strong>nos</strong>, caiu no esquecimento dos mais<br />

jovens, mas Iara sabia tim tim por tim:<br />

99<br />

Ele encurta a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, eu mesma tive um<br />

irmão... esse que morava lá pra baixo de Porto<br />

Cercado, ai ele veio todo ritruncudo com cara de<br />

pouco jeito, veio aqui pra cima. Sempre ele vinha<br />

qui em casa e falava: “Bastiana, ta feio o bicho<br />

cavucando”. Eu dizia pra ele... larga dele mano<br />

vei, num chucha cum ele, deixa ele cavuca, não<br />

meche cum ele, mas ele era demais de teimoso.<br />

Quando foi um dia ele chuchou o troço, ai ele veio<br />

pra cá meio assustado e falanu: “chuchei ele<br />

Bastiana, chuchei ele Bastiana, o troço é cascudo<br />

que nem lixa e fei”. Ai ele me disse todo<br />

apavorado: Eu vou casá e mudá <strong>da</strong>qui. Não<br />

demorou muito tempo, casô e, foi embora pra<br />

Cáceres, e <strong>da</strong>í um ano dispois ele morreu todo<br />

cascudo. Diz o benzedero que foi dele olhar pro<br />

lombo do bicho mau e cutucá, aí o bicho jogou<br />

mandinga nele. Agora não mexendo com ele, nois<br />

vê ele passando rio acima e pra baixo, mais ain<strong>da</strong><br />

eu não cheguei de ver ele, mais o povo que já viu


100<br />

ele, mais fala que o bicho é grande. Minha neta já<br />

viu, tem bastante gente que já viu ele, esse meu<br />

cumpadre, ele pescava, meia noite ele saia pra<br />

pesca, ele ia subindo na beira <strong>da</strong> praia e viu um<br />

galho de um lado do outro do rio, ai ele imbicava a<br />

canoa na praia, até o bicho sumi, outra vez ele<br />

incostou na canoa dele, e foi ro<strong>da</strong>ndo, até que ele<br />

largou <strong>da</strong> canoa dele, ele é assim minha filha.<br />

Em suma, os <strong>mitos</strong> <strong>nos</strong> ensinam que o mundo, o ser humano e a vi<strong>da</strong><br />

têm uma origem e uma história sobrenatural. Ambas significativamente<br />

preciosas e exemplares, fazendo do contador personagem importante ao<br />

resgatar fabulando míticas. . Os próprios pantaneiros visando a sobrevivência<br />

de seu povo, resgatam as len<strong>da</strong>s de maior repercussão e pavor sentimental,<br />

para que pessoas alheias aos seus meio ambientes, temam pela própria vi<strong>da</strong> e<br />

assim conseguem preservar o meio ambiente, este, repletos de seres lendários<br />

que castigam e matam os animais, destroem as florestas e rios. Essas<br />

correspondências <strong>da</strong>s imagens com a palavra são as correspondências<br />

realmente salutares, o imaginário e as imagens engendra<strong>da</strong>s nas palavras,<br />

mostra que uma imagem pode ser li<strong>da</strong> através de metáforas, essas<br />

correspondências são salutares, dizendo-<strong>nos</strong> que precisamos para se<br />

envere<strong>da</strong>r pelo exercício de uma ciência do imaginário (BACHELARD, 2002).<br />

Em <strong>nos</strong>sas pesquisas, a i<strong>da</strong>de não tinha peso, mas sim, o que o<br />

indivíduo sabia e pudesse <strong>nos</strong> repassar, com isso, caipora de 38 a<strong>nos</strong>,<br />

melodioso em suas palavras, trouxe a sua versão ao <strong>nos</strong> relatar a len<strong>da</strong> do<br />

Minhocão a sua maneira, fazendo-<strong>nos</strong> acreditar piamente em sua fala,<br />

chegando a induzir-<strong>nos</strong> a levitar para que pudéssemos viajar em pensamentos<br />

aos primórdios dias de sua existência desde a origem, como também deixava-<br />

<strong>nos</strong> dúvi<strong>da</strong>s quanto a sua existência. O Pai do Mato gesticulava<br />

incessantemente:


101<br />

Ele parece quase direto ele parece, ele tem mas a<br />

turma nunca foi capaz de firma ele, porque ele é<br />

incantadu, esse bichu é, porque ele parece de<br />

tu<strong>da</strong> maneira, ele parece tipo de tambor, ele<br />

parece tipo uma canoa assim, troço preto que vem<br />

no rio, ai logo desaparece, eu não sei o que<br />

acontece que a turma não é capaz de firma ele pra<br />

mostra pru povo, que existe esse Minhocão ai<br />

existe, bem aqui na frente eu vi ele, ele sempre<br />

acaba com a praia, num faiz dia ele acabou com<br />

aquela.<br />

Os métodos <strong>da</strong>s narrativas em forma de ascensões <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, como as<br />

do Minhocão, fortalecem as vi<strong>da</strong>s e as mortes do sensível para o inteligível,<br />

como métodos de deduções, instigados pelos imaginários que recebem<br />

facilmente as impressões ou sensações dos sentimentos pessoais de ca<strong>da</strong> um.<br />

Nutrindo imagens cria<strong>da</strong>s pela impressionabili<strong>da</strong>de do instinto imaginário dos<br />

ribeirinhos, onde vêem o mito Minhocão, também intitulado como “batelão”, que<br />

não deixa de ser o prodígio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, comparado às semelhanças descritas<br />

de aparências monstruosas. O batelão, nome <strong>da</strong>do a uma espécie exótica de<br />

canoa larga que se parece com um monstro <strong>da</strong>s profundezas, que quando<br />

necessitado de alimentar-se emerge imponente e vagarosa pela sua robustez.<br />

Considerado o batelão, instrumento de trabalho, sobrevivência e de carga, com<br />

a qual os ribeirinhos cruzam o Pantanal em todos os sentidos. O batelão torna-<br />

se antítese do monstro devorador. A possibili<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> diante <strong>da</strong> ameaça. O<br />

batelão virado ameaça de morte, refere-se ao minhocão. Batelão normal<br />

garantia de vi<strong>da</strong>, onde o pescador tira seu sustento, mais uma vez vi<strong>da</strong> e morte.<br />

Onde o natural e o sobrenatural aparecem de dia, de noite nas <strong>águas</strong> do medo,<br />

<strong>da</strong> morte e do desconhecido ( LEITE, 2005).<br />

Pai do Mato compara o dorso do lendário Minhocão, com um tambor de<br />

200 litros, para que possamos ter a noção de sua espessura, para se calcular o<br />

tamanho em comprimento, basta usarmos a simples equação do medo, que<br />

na<strong>da</strong> mais é o efeito causado por um estímulo vindo do exterior, provocando<br />

excitações sobre <strong>nos</strong>sas mentes ou em <strong>nos</strong>sos sentidos. Tendo o coeficiente


102<br />

igual ao Pânico. O Pai do Mato também fez a comparação do Minhocão com<br />

jacá de tamanho avantajado. Seus entrelaços de taquara mais parecem com<br />

um lombo cascudo, principalmente quando fica muito tempo imerso só com o<br />

dorso de fora e cheio de peixes, que ao se debaterem para tentar fugirem,<br />

acabam <strong>da</strong>ndo vi<strong>da</strong> ao jacá, rebolando de um lado para o outro, como narra:<br />

“parece esse troço assim diferente é outras coisas diferentes que a gente nem<br />

conhece, às vezes parece jacá de casca grossa cheia de cabeças de prego<br />

fincado, pra engana e pega. Porque aí esse bicho d´água mesmo onde ele<br />

mora tem um encanto”.<br />

O jacá é um depósito de peixes, tem um formato de cesto<br />

comprido, é feito, geralmente, de taquara. Parte dele<br />

permanece dentro do rio, onde são colocados os peixes<br />

vivos, durante alguns dias, enquanto esperam para ser<br />

vendidos. Mais uma vez tem-se a ameaça de morte<br />

traduzi<strong>da</strong> em utensílio de sobrevivência e vi<strong>da</strong>. O símbolo<br />

de morte traduz-se em cotidiano (LEITE, 1995, p. 83).<br />

Justifica até certo ponto, a comparação do jacá com o Minhocão, pois o<br />

jacá, quando cheio de peixes em movimentos constantes, fazem com que se<br />

desloque a todo o instante, caso não esteja devi<strong>da</strong>mente amarrado e com isso,<br />

ao mexer-se, diz-se que está prenhe de peixes vivos, caracterizando com uma<br />

forma de dissimulação do monstro. O jacá, como mostra a figura 17, dizem os<br />

ribeirinhos que o Minhocão toma forma de jacá para poder apanhar as pessoas<br />

que não respeitam o ecossistema e a própria natureza.


Imagem: 17 jacá<br />

Fonte: Mário Frielander<br />

103<br />

A semelhança do Minhocão com classes de vertebrados tetrápodes ou<br />

ápodes, ovíparos ou ovovíparos, de sangue frio, com o corpo revestido de<br />

escamas e que respiram por pulmões, são tidos como animais fabulosos<br />

mitificados como sobrenaturais e tenebrosos. Para a humani<strong>da</strong>de, e em<br />

especial para os ribeirinhos, são apontados como bichos “encantados” ou<br />

“encantus”. Como narrou entusiasma<strong>da</strong> a senhora Ana, de i<strong>da</strong>de já avança<strong>da</strong> e<br />

que muito gentilmente dentro de sua simplici<strong>da</strong>de ribeirinha de visão profun<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de pantaneira e que segundo ela, não foram poucas às vezes que do<br />

“encantus” chegou até ela, histórias sobrenaturais <strong>da</strong> avidez de consumo do<br />

Minhocão. Apesar de sua i<strong>da</strong>de, com fala dificultosa e arrasta<strong>da</strong>,<br />

pausa<strong>da</strong>mente <strong>nos</strong> disse: “Eu não conheçu, veju, fala que bichus d`água é<br />

encantus”. Muitas pessoas têm medo inté de pronunciar o nome dus bichus por<br />

achar que pode chamar a atenção du “bichu” e ele subi na terra e invadi <strong>nos</strong>sa<br />

casa e cumê tudo que encontra, até as galinha ficam paralisa<strong>da</strong>s ou correm em<br />

direção a bocona du bichu quando ela olha no zói du bichu ”.<br />

Praticamente, se não a totali<strong>da</strong>de dos moradores <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des<br />

ribeirinhas relatam seus ou de pessoas que tiveram os dissabores de


104<br />

encontros com os seres “encantados” ou até mesmo surpreendidos quando<br />

navegando em calmarias, repentinamente são surpreendidos por enormes<br />

on<strong>da</strong>s, provoca<strong>da</strong>s pelo deslocamento do “bichu” nas profundezas ou até<br />

mesmo formam redemoinhos ao chupar as embarcações que submergem<br />

rapi<strong>da</strong>mente, sem tempo para que os tripulantes possam tentar uma rota de<br />

fuga. Uma vez sugados os tripulantes, a embarcação é expeli<strong>da</strong> e joga<strong>da</strong><br />

distante às margens dos rios, como <strong>nos</strong> relata <strong>nos</strong> relata em outra entrevista o<br />

senhor Saci. Trêmulo, mas risonho por tudo que a vi<strong>da</strong> lhe proporcionou:<br />

Se as pessoa, se ta em uma canoa ele chupa a<br />

canoa e a pessoa, ele vai chupando, chupando, a<br />

canoa vai defianu, defianu, ai tem que apanhar a<br />

faca, se não tiver naquela hora é morte certa, mas<br />

se tiver uma faca e tem que ser rapidim, pois é a<br />

única maneira de conseguir fugir do bichu é fazer<br />

um riscu com a ponta <strong>da</strong> faca em forma de cruz na<br />

canoa e dispois enfiar a faca no centro <strong>da</strong> curz<br />

desenha<strong>da</strong> na canoa, <strong>da</strong>í ele sorta. Porque o<br />

símbolo <strong>da</strong> cruz com a faca enfia<strong>da</strong> forma a<br />

mandinga que cai sobre o bichu e ele sente<br />

imediatamente como se a faca estivesse sendo<br />

enfia<strong>da</strong> nele, coisa que você não consegui por<br />

causo dele ser grande e bravu. Assim que ele<br />

sorta imediatamente o bichu afun<strong>da</strong> e vai longe. Só<br />

assim pra ele sorta.<br />

A len<strong>da</strong> tem tanto peso emocional e sentimental que na sua maioria, os<br />

indivíduos que por necessi<strong>da</strong>des precisam cruzar os rios pantaneiros, levam<br />

embainha<strong>da</strong>s em suas cinturas, facas como talismã ou defesa pessoal contra<br />

os bichus Segundo a len<strong>da</strong>, o Minhocão pantaneiro, possui um gemido que lhe<br />

é peculiar e audível a distâncias incríveis. Dizem que iguala ao gemido de dores<br />

e sentimentos talvez de remorsos pelas almas que morreram afoga<strong>da</strong>s e por<br />

ele foram comi<strong>da</strong>s. Sua fúria, segundo <strong>nos</strong> narrou o senhor Lobisomem, é<br />

relacionado às tristezas pelos descasos com as <strong>águas</strong> <strong>pantaneiras</strong>:<br />

Se vocês ficarem em silêncio na beira do rio e<br />

prestarem bastante atenção, vão a senhora escuta<br />

os gemidos dele lá nas profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> do


105<br />

rio, mas cui<strong>da</strong>do ele não gosta de ser escutado.<br />

Mas que ele gemi duro, há! Isso ele geme. Esses<br />

gemidos são como as vozes <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> que fazem<br />

ecoarem distante. O Minhocão, eu num vi, mas<br />

meus cumpadres disseram que quando o viram<br />

novamente, estava bastante doente e furioso,<br />

porque as <strong>águas</strong> estão ficando dia pós dia ca<strong>da</strong><br />

vez mais pesa<strong>da</strong> e escura devido a poluição de<br />

tudo quanto há. Onde se não tivermos os devidos<br />

cui<strong>da</strong>dos essas <strong>nos</strong>sas <strong>águas</strong> vão morrerem mais<br />

rápi<strong>da</strong>s que nós huma<strong>nos</strong>, sem falarmos <strong>nos</strong><br />

bichus.<br />

Por isso, que o Minhocão com seus fúnebres murmúrios, continuará<br />

ecoando nas profundezas dos rios até que acabem com as destruições <strong>da</strong>s<br />

matas e as poluições. Dessa forma as <strong>águas</strong> continuaram a levar poetas a<br />

devanearem na beira dos rios, onde supostamente podem reencontrar os<br />

mortos, como sendo, um possível encontro com suas almas (BACHELARD,<br />

2002).<br />

Os hábitos pantaneiros fazem com que as len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong> permaneçam<br />

influenciando direta e indiretamente no eco sistemas do Pantanal, pois estão<br />

atribuídos, mensagens que possibilitam por a<strong>nos</strong> e a<strong>nos</strong> a fio a continuação<br />

dos, costumes de preservação dos mananciais, rios, matas ciliares, florestas,<br />

reservas e de todo o eco sistema. Amedrontados e temerosos desde os seus<br />

ancestrais com o chacoalhar <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s e <strong>mitos</strong>, passaram, ain<strong>da</strong> <strong>nos</strong> dias de<br />

hoje a respeitarem certos horários e locais.<br />

Conforme consta em <strong>nos</strong>sas pesquisas, após incessantes procuras de<br />

dias e dias caminhando pelas margens ribeirinhas do Pantanal, tivemos a feliz<br />

oportuni<strong>da</strong>de de encontrarmos em sua casa construí<strong>da</strong> sobre palafitas à beira<br />

do rio, uma jovem senhora de nome Serpente Encanta<strong>da</strong> de 23 a<strong>nos</strong> no<br />

momento ela estava sozinha, pois seu marido estava pescando, com três filhos<br />

de 03, 05 e 07 a<strong>nos</strong>, que os sustentam do que tira <strong>da</strong> própria natureza somente<br />

o necessário para suas sobrevivências, inclusive cria em precárias condições.<br />

De sorriso largo, porém triste, devido às dificul<strong>da</strong>des ali encontra<strong>da</strong>s. Implantou


106<br />

na mente <strong>da</strong>s crianças a len<strong>da</strong> do Minhocão, no intuito de afastá-las dos rios,<br />

fazendo-os acreditarem e a temerem o “bichu”, como sendo coisas vin<strong>da</strong>s do<br />

desconhecido e <strong>da</strong>s profundezas <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>.<br />

Conforme o an<strong>da</strong>mento de <strong>nos</strong>sas pesquisas, pudemos perceber, que os<br />

<strong>mitos</strong> dentro <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas têm peso de sentimentos de pavor<br />

muito forte, capazes de fazerem com que os nativos ribeirinhos respeitem<br />

alguns dias considerados sagrados e os próprios locais. Muitas <strong>da</strong>s vezes nem<br />

sequer aventuram cruzarem os rios, mesmo tendo saído de suas casas por<br />

diversos motivos, só retornam no dia seguinte ao dia sagrado. Aconteça o que<br />

acontecer, mesmo em casos extremos, tomados de medos e pavores é incapaz<br />

de cruzarem os rios e matas repletos de superstições.<br />

Como de praxe e é constante, deparamos com um enorme tronco de<br />

árvore que descia sorrateiramente correnteza a baixo. Nisso, um dos ribeirinhos<br />

que estavam ao <strong>nos</strong>so lado, imediatamente disse que era o lombo do Minhocão<br />

e que ele estava com fome, por isso saiu a caçar. Refletindo sobre a sua<br />

reação, chegamos nós mesmos a imaginarmos ser uma imensa cobra, vista de<br />

relance. Dando-<strong>nos</strong> parâmetros <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> mente em querer que<br />

acreditássemos que fosse coisa fantasiosa, mas não era e sim um simples<br />

tronco.<br />

Dias depois, encontramos novamente a senhora Iara, mais solta e<br />

confiante com a <strong>nos</strong>sa presença, relatou-<strong>nos</strong> “Dentro <strong>da</strong>s profundezas <strong>da</strong>s<br />

<strong>águas</strong>, existem mais olhos vivos do que fios de cabelos soltos por sobre a<br />

terra”. Bastante povo fala isso. Que tem muitas coisas. Ela quis <strong>nos</strong> dizer com<br />

essa fala de que ela acredita, e de que seus antepassados acreditam nesses<br />

seres poderosos que habitam no fundo do rio, nessa água silenciosa, sombria,<br />

dormente, insondável que causa alucinações e morte.


107<br />

Interpelamos por momentos, quando em diálogos com um grupo de<br />

ribeirinho em uma ro<strong>da</strong> de ping pong (bate papo) sobre seus costumes e de que<br />

maneira e como suas vi<strong>da</strong>s estão liga<strong>da</strong>s às suas len<strong>da</strong>s, já que, conforme<br />

constatamos, praticamente estão paralelamente unidos a religiosi<strong>da</strong>des e ao<br />

imaginário. Não foi muito difícil obtermos uma resposta comparativa, mesmo<br />

porque, responderam quase que unanimemente ao mesmo tempo. Tendo como<br />

suporte anterior às crenças dos ancestrais que são passa<strong>da</strong>s e muitas <strong>da</strong>s<br />

vezes deturpa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de origens por gerações a gerações. Logo<br />

associam com os costumes dos mais velhos, como se aquele costume não<br />

fizesse parte <strong>da</strong> cultura deles Pé-de-Garrafa de 74 a<strong>nos</strong> <strong>nos</strong> disse que: “O povo<br />

mais velho fala que dentro <strong>da</strong> água...” Eles e elas usam a experiência, a fala de<br />

alguém mais idoso para <strong>da</strong>r veraci<strong>da</strong>de, valor a sua fala.<br />

Os moradores do pantanal convivem com a enchente ou cheia, vazante,<br />

seca e chuva, essas alterações acontecem de 6 em 6 meses. Nos meses de<br />

dezembro a março acontece o período <strong>da</strong> chuva. Onde todo o Pantanal vira<br />

água, onde antes era terra nessa época vira lagoa de vi<strong>da</strong>, de peixe de ser<br />

encantado, a espera de mais uma aventura. A água é que man<strong>da</strong> no Pantanal,<br />

é o sangue, é a vi<strong>da</strong>, é ela que modela to<strong>da</strong> a paisagem, que a leva para o seu<br />

destino, ou seja, na enchente à água invade os campos e na seca forma os<br />

corixos, onde se tornam ver<strong>da</strong>deiros berçários (BACHELARD, 2002).<br />

Começa o ciclo <strong>nos</strong> meses de abril a junho/julho a época <strong>da</strong> vazante,<br />

onde era lagoa de vi<strong>da</strong> passam a ser de fuga dos peixes, as lagoas secam e os<br />

peixes que foram até elas a procura de comi<strong>da</strong>, acabam presos no seco, alguns<br />

ain<strong>da</strong> conseguem se arrastar e se salvar, outros não possuem o mesmo<br />

destino, morrem. Muitos moradores ao irem ao campo presenciam os peixes<br />

uns tentando se salvar, outros agonizando e outros mortos. Esses peixes são<br />

encontrados a quilômetros de distância do rio, lago ou corixo, esse fato faz com<br />

que esses homens e mulheres criem, recriem imagens e len<strong>da</strong>s, tal qual foi dito<br />

anteriormente, fazem-<strong>nos</strong> acreditar que esses “peixes caem do céu”. Surge aí a


108<br />

len<strong>da</strong> do “Peixe-que-cai-do-céu”, não encontramos registro dessa len<strong>da</strong>, por<br />

isso iremos relatar somente o que Jorge de 63 a<strong>nos</strong> <strong>nos</strong> relatou.<br />

A len<strong>da</strong> que <strong>nos</strong> chamou muito a atenção, foi a do “Peixe que cai do<br />

céu”, muito difundi<strong>da</strong> pelos ribeirinhos e que acreditam nela, tendo influência<br />

direta o “Arco Íris”, que suga os peixes dos rios os levando para a nuvens e<br />

depois os devolve junto com as chuvas torrenciais que acontecem de dezembro<br />

a março, época <strong>da</strong>s cheias no Pantanal. Obviamente que são fantasias<br />

engendra<strong>da</strong>s pelas mentes fantasiosas dos ribeirinhos, para justificarem a<br />

grande quanti<strong>da</strong>de de peixes como Robalos, Traíras, Piaus, Bagres e tantos<br />

outros que aventuram nas épocas <strong>da</strong>s cheias a procura de alimentos que são<br />

fartos nestes períodos e também época de se acasalarem e desovarem.<br />

Imprudentes alguns peixes, se negam a abandonarem seus refúgios aos<br />

primeiros sinais <strong>da</strong>s vazantes compreendi<strong>da</strong>s de abril a julho, o que justifica a<br />

permanência e morte de muitos peixes, nas matas, <strong>nos</strong> pânta<strong>nos</strong>, nas lagoas,<br />

<strong>nos</strong> corixos, nas estra<strong>da</strong>s com sulcos inun<strong>da</strong><strong>da</strong>s posteriormente, nas trilhas e<br />

no próprio campo onde são facilmente encontrados a quilômetros de distâncias<br />

dos rios mais próximos, como se estivessem pastando que nem gado, mas que<br />

não tiveram a chance de chegarem novamente <strong>nos</strong> rios. Suas mortes começam<br />

a se agravarem com as fortes secas, que vão do início de agosto até finalzinho<br />

de novembro. Daí fantasiado pelos ribeirinhos surgiu a len<strong>da</strong> do “Peixe que caiu<br />

do céu”:<br />

Eu conheço, o peixe que cai bastante é o rubalo,<br />

traira, fala lobo também, mas tudo é um só, mas<br />

quando chuva grande a gente an<strong>da</strong> na beira <strong>da</strong><br />

estra<strong>da</strong> onde não tem água corrente nesse lugar a<br />

gente acha bastante rubalo assim na água <strong>da</strong><br />

chuva, não é to<strong>da</strong> veis, meu irmão saiu no campo<br />

e veio com ca<strong>da</strong> rubalo deste tamanho (mostrou)<br />

grandão mesmo tudo vivo, eu cortei ele pra<br />

cachorro, eu nunca comi, mais ele é igual aos<br />

outros memu, só tinha água <strong>da</strong> chuva e <strong>da</strong>í ele<br />

trouxe ele eu cortei ele, cozinhei e dei pro<br />

cachorro, acho na estra<strong>da</strong>, só tinha água <strong>da</strong>


109<br />

chuva, pois é e num foi uma veis só foi diversas<br />

vezes a gente acha ele assim, quando chove<br />

grande, eu acho que é o arco-íris que bebe ele e<br />

joga do outro lado, pelo me<strong>nos</strong> é assim que os<br />

antigos falam, o arco íris bebe a água e <strong>da</strong>í bem a<br />

chuva, e não é só eu que vi diversas gente já viu,<br />

num é que ele encontrou morto eu, ele trouxe vivo,<br />

eu vi esse ai brigandu assim ele acaba a água <strong>da</strong><br />

chuva ele morre, porque a água <strong>da</strong> chuva seca.<br />

Nos meses seguintes as <strong>águas</strong> diminuem ca<strong>da</strong> vez mais, inicia-se a fase<br />

<strong>da</strong> seca. Quando me<strong>nos</strong> se imagina o ciclo recomeça, vem a chuva, onde a<br />

terra começa a ficar cheia de água, <strong>da</strong>ndo início a vi<strong>da</strong>, esse é o momento de<br />

fertili<strong>da</strong>de, onde a terra e a chuva se entrelaçam, a água entra na terra<br />

fecun<strong>da</strong>ndo-a. Deixando-a prenhe de vi<strong>da</strong>, essa água segue o curso normal, cai<br />

sempre, acabando sempre em sua morte horizontal, onde leva a imaginação e<br />

a morte, ao sofrimento <strong>da</strong> água no infinito, pois ela está a procura do curso do<br />

rio (BACHELARD, 2002).<br />

Os ciclos <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s <strong>pantaneiras</strong> recomeçam ao caírem as primeiras<br />

gotas <strong>da</strong>s chuvas no período chuvoso, inun<strong>da</strong>ndo rapi<strong>da</strong>mente todo o vale, mas<br />

também traz o desconforto e a morte, pois na trilha <strong>da</strong>s <strong>águas</strong>, são arrastados<br />

det<strong>ritos</strong> Quando chega a primeira chuva sobre o solo, ela vem carrega<strong>da</strong> de<br />

matéria orgânicos que não foram decompostos durante o período <strong>da</strong>s secas,<br />

com isso, submersas provocam reações químicas de fermentação, turvando e<br />

apodrecendo as <strong>águas</strong>. Essa água cai sobre essa matéria, começa a<br />

decomposição <strong>da</strong> matéria orgânica, as conseqüências são estranhas, porque<br />

causa uma água escura, suja e podre. Recebe o nome de “diqua<strong>da</strong>” pelos<br />

moradores ribeirinhos do Pantanal, gerando len<strong>da</strong>s associa<strong>da</strong>s ao Minhocão,<br />

que revoltado com a degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente, revolve <strong>da</strong>s profundezas<br />

<strong>da</strong>s <strong>águas</strong> fazendo com que to<strong>da</strong> a lixara<strong>da</strong> venha a tona e permaneçam por<br />

quilômetros na superfície e muitas <strong>da</strong>s vezes sendo expelidos para as margens<br />

onde ficam presos entre galha<strong>da</strong>s. Essa água leva os moradores a fazerem<br />

associações e usar <strong>da</strong> imaginação.


110<br />

a água é a substância que melhor se oferece às<br />

misturas (...) vai turvar o lago em suas profundezas<br />

vai impregna-lo. (...) Às vezes a penetração é tão<br />

profun<strong>da</strong> tão íntima que, para a imaginação, o lago<br />

conserva em plena luz do dia um pouco dessa<br />

matéria noturna. (...) Torna-se o negro pântano<br />

onde vivem os pássaros (...) Deve-se reconhecer<br />

que a água lhes dá um centro em que elas<br />

convergem melhor, uma matéria em que elas<br />

convergem melhor, uma matéria em que elas<br />

perseveram por mais tempo. Em muitas narrativas,<br />

os lugares malditos têm em seu centro um lago de<br />

trevas e horrores (BACHELARD, 2002, p.105-106).<br />

Nessa água o oxigênio é roubado pela matéria orgânica e muitos peixes<br />

morrem por falta de oxigênio, as <strong>águas</strong> evocam os mortos com o seu cheiro;<br />

tornando-se essas <strong>águas</strong> mortas e dormentes (BACHELARD, 2002).Na len<strong>da</strong><br />

do Minhocão nós temos o seguinte comentário de Iara:<br />

É, a catinga dele é forte, num pega, eu que tava<br />

aqui um dia tava pensano eu e minha filha, vamu<br />

pescar, que ta pegando bastante sardinha.<br />

Pegamo a canoa e fomu, e eu remano, quando<br />

olhei do lado de lá, minha filha perguntou: “<br />

mamãe o que que é esse?” é um galho, quando<br />

eu olho minha filha, uma ro<strong>da</strong> desse tamanho<br />

(mostrou com os braços), bem preto, quando ele<br />

foi pra fror <strong>da</strong> água , os peixes fugindo, e eu fiquei<br />

olhando para ele, é não vi quando ele sumiu, um<br />

troço bonito assim oh, uma ro<strong>da</strong>.<br />

O fenômeno <strong>da</strong> “diqua<strong>da</strong>” acontece não só <strong>nos</strong> períodos chuvosos, como<br />

também nas épocas <strong>da</strong>s secas, enlameando ain<strong>da</strong> mais as <strong>águas</strong> empossa<strong>da</strong>s<br />

provoca<strong>da</strong>s também pelas evaporações. As <strong>águas</strong> começam novamente a<br />

fortalecerem as vi<strong>da</strong>s ao clarearem, tornando-as quase pura para o consumo<br />

humano. Até chegar num período em que a água fica clara e dessa forma<br />

podemos entrar num devaneio e sonhar, imaginar, adorar aquela pureza <strong>da</strong><br />

água verde e clara, a água torna-se assim pouco a pouco, uma contemplação<br />

que se afun<strong>da</strong> e se aprofun<strong>da</strong> numa contemplação materializante<br />

(BACHELARD, 2002).


111<br />

Na vazante, as <strong>águas</strong> são claras até chegar no outro período <strong>da</strong> seca,<br />

em que as <strong>águas</strong> ficam presas em corixos, onde justifica o porquê <strong>da</strong> água ser<br />

feminina e ser uma ver<strong>da</strong>deira materni<strong>da</strong>de, onde além de ter caráter feminino<br />

leva a imaginação poética. Onde vemos nascer, crescer e muitas vezes morrer,<br />

com poluições nas margens dos <strong>nos</strong>sos rios (BACHELARD, 2002).<br />

Através <strong>da</strong>s narrativas levanta<strong>da</strong>s, pudemos perceber que elas estão<br />

direciona<strong>da</strong>s e preocupa<strong>da</strong>s com o meio ambiente, elas têm também caráter<br />

preservacionista, mostram que seres sobrenaturais agem como protetores de<br />

certos lugares, impedindo que caçadores ajam de forma desequilibra<strong>da</strong> com o<br />

ambiente. No entanto, são seres que estão tendo seus espaços invadidos, seus<br />

lugares que antes eram sagrados já estão entrando em extinção, estão<br />

desaparecendo, isso em função do desequilíbrio ambiental provocado pela<br />

ação antrópica.<br />

Em <strong>nos</strong>sas an<strong>da</strong>nças pelas ribeirinhas do Pantanal, ouvimos relatos de<br />

que muitos moradores <strong>da</strong>s colônias conhecem ou tem na própria família,<br />

tragédias causa<strong>da</strong>s pelas on<strong>da</strong>s dos rios pantaneiros que chegam a um metro<br />

de altura ou mais, dependendo <strong>da</strong> época e que devido aos atrevidos barqueiros<br />

ou incautos barranqueiros foram apanhados e muitas <strong>da</strong>s vezes levados à<br />

morte. Nas <strong>nos</strong>sas coletas de <strong>da</strong>dos presenciamos alguém dizendo que perdeu<br />

um amigo ou parente <strong>nos</strong> rios pantaneiros, mas sabemos que algumas vezes<br />

ocorre do pescador ser incauto e com isso sofrem Culpando novamente o<br />

tempestuoso Minhocão, impondo-lhe culpas e fama de fazedor de almas, por<br />

ter sacudido o seu dorso e causado fatali<strong>da</strong>des, provoca<strong>da</strong>s pelas on<strong>da</strong>s, que<br />

dependendo <strong>da</strong> época chegam a levantar on<strong>da</strong>s com mais de 1 metro de altura,<br />

nessas horas os pescadores só conseguem ver o movimento do “minhocão” ao<br />

submergir. Como relatou-<strong>nos</strong> Pé-grande:<br />

Eu falei pra ele oia aqui tem um bichu que trabaia<br />

aqui ele não gosta de gritu de jogar pau nele<br />

quando ele ta trabaianu, ele foi e limpou uma terra


112<br />

grande pra planta batata, ai eu foi e falei pra ele,<br />

ele não acreditou, <strong>da</strong>í quando ele começou a jogar<br />

o barro, limpa joga o siscu no rio, o bichu<br />

embrabeceu, começou a trabalhar lá, ele ia lá<br />

panhava esses tocão e jogava no rio, cabou cum<br />

limpo dele pranta batata, e uma dessas horas que<br />

ele veio pra jogar um tocu, quase que ele foi, o<br />

barranco abriu como laje ia levar ele também, ele<br />

correu e pulo. Esse eu conto porque eu vi, ai eu<br />

falei pra ele, não falei pro senhor que o bicho<br />

trabaia aqui, o senhor vai <strong>da</strong> reiva pra ele, num<br />

mexe cum ninguém, larga mão dele, acabou com a<br />

terra dele pranta a batata.<br />

Os ribeirinhos dizem que o minhocão recebe esse nome, pelo fato de<br />

revirar e fuçar o barranco, como uma minhoca, mostra assim que ele tem um<br />

lado terrestre. Esses movimentos de furar a terra a serpente se mostra um ser<br />

terrestre, onde o bicho faz ali ser o local de trabalho (BACHELARD, 2002).<br />

Para muitos ribeirinhos o minhocão é um trabalhador, nesses exemplos,<br />

que podem se multiplicar, vemos a imaginação trabalhar embaixo <strong>da</strong> terra para<br />

uma valorização do horrível. Podemos afirmar que a reali<strong>da</strong>de aqui não importa,<br />

que o imaginário é mais importante para aquele momento (BACHELARD,<br />

2002).<br />

Em <strong>nos</strong>sas pesquisas ao cair <strong>da</strong> noite, a equipe chegou a recear por<br />

longos momentos em continuarmos os trabalhos. Não pelo cansaço estampado<br />

em <strong>nos</strong>sos rostos, mas sim, pelas histórias que <strong>nos</strong> deixavam completamente<br />

enfraqueci<strong>da</strong>s de coragens. Ficamos a <strong>nos</strong> imaginar dentro <strong>da</strong> pele dos<br />

pantaneiros que passam suas vi<strong>da</strong>s naquele lugar sem terem para onde irem.<br />

Muitos nem sequer conhecem além dos limites <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, quanto mais<br />

uma média ci<strong>da</strong>de onde se vivem completamente diferenciados dos moradores<br />

ribeirinhos, coisas que acontecem entre gerações e gerações.<br />

Boitatá é um exemplo vivo, nunca, jamais se afastou de suas terras,<br />

apesar de ter... como <strong>nos</strong> relatou, que numa madruga<strong>da</strong> chuvosa, sua


113<br />

plantação de batatas foram devora<strong>da</strong>s pelo Minhocão. Ao revirar a terra a<br />

procura de raízes como parte de suas dietas alimentares. Saciado voltou para o<br />

rio e bebeu boa quanti<strong>da</strong>de de água. Regozijando, em segui<strong>da</strong> turvou to<strong>da</strong> a<br />

água, provocando espumas mal cheirosas e borbulhantes, como se estivessem<br />

em efervescência, levando ao desespero de causo o ribeirinho. Mesmo assim,<br />

jamais quis abandonar suas terras, e <strong>nos</strong> disse mais... “morrerei aqui e <strong>da</strong>qui<br />

ninguém me tira”.<br />

Pensamentos invadem <strong>nos</strong>sa mente e novamente queremos saber o<br />

porquê dele revirar a terra, acreditamos que por ele ser <strong>da</strong> terra, necessita<br />

alimentar-se dela, e Bachelard (2003) aju<strong>da</strong>-<strong>nos</strong> a entender dizendo que: “para<br />

alimentar essa criatura nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra, que melhor alimento do que a própria<br />

terra? A serpente comerá a terra inteira, assimilará o lodo, até tornar-se o<br />

próprio lodo, até tornar-se a matéria prima de tudo. O minhocão ao comer a<br />

terra, assume um trabalho devorador, que no seu movimento faz a água<br />

espumar, turvar e ferver, levando os ribeirinhos ao temor e a devaneio.<br />

Conforme depoimento de Lobisomem de 38 a<strong>nos</strong>:<br />

“Quando cheguei na bera do barranco achei que<br />

era uma tora, olhei assim na água tava fervenu ai<br />

chamei o cumpadre e falei vamu tirar a canoa de lá,<br />

que o bicho já vai acaba com o barranco ai, tiremu a<br />

canoa, quando fez poca hora que tiramu a canoa<br />

que rodeamu ali, ele acabou com aquele mundo<br />

veio todo. Ele existe já fazuns treis a<strong>nos</strong>”.<br />

Em <strong>nos</strong>sas coletâneas deixou-<strong>nos</strong> claro que os sinais que a natureza<br />

tenta <strong>nos</strong> passar apesar de mu<strong>da</strong>, faz-<strong>nos</strong> entender através de suas belezas<br />

que estão sendo degra<strong>da</strong><strong>da</strong>s em processos continuados, mesmo alertados com<br />

as transformações <strong>da</strong>s intempéries do tempo, provocados pelas queima<strong>da</strong>s e<br />

poluições do ar atmosférico. A natureza tenta <strong>nos</strong> avisar por meio de<br />

mensagens de grandeza, beleza, perplexi<strong>da</strong>de, dor e força, para ser evitado<br />

alguma calami<strong>da</strong>de, basta o ser humano <strong>da</strong>r atenção aos <strong>ritos</strong>, <strong>mitos</strong> e g<strong>ritos</strong><br />

que a natureza <strong>nos</strong> passa. Temos que ser capazes de perceber que muitos


114<br />

sinais <strong>nos</strong> são passados como alerta, devemos levar em consideração, não<br />

desprezando esses avisos, mas respeitando, estu<strong>da</strong>ndo e valorizando,<br />

independente de fazer parte <strong>da</strong> sabedoria popular de um povo, esse povo sabe<br />

o que fala e acredita que se hoje estão sofrendo, por causa do descaso dessa<br />

socie<strong>da</strong>de, dessa socie<strong>da</strong>de dita organiza<strong>da</strong> e preconceituosa.<br />

4.3. PALAVRAS FINAIS<br />

Imagem18: árvore cabeça<br />

Fonte: Storm Thorgerson<br />

Quanto mais breve for a vi<strong>da</strong>, mais extensa será sua alma<br />

Dolores Garcia/ 2005<br />

Podemos dizer que a natureza é como esta imagem de uma cabeça,<br />

onde idéias surgem, mas que devemos aprender, a saber, usa-la. Poderá guiar-<br />

<strong>nos</strong> e dizer-<strong>nos</strong> quando e como poderíamos exercitar <strong>nos</strong>sas mentes, mas<br />

infelizmente não <strong>da</strong>mos os devidos valores a estes encantos <strong>da</strong> natureza ao<br />

desconsideramos o que não deveriam ser desconsiderados.


115<br />

A convivência com outros mundos, não relacionados aos <strong>nos</strong>sos no<br />

cotidiano, trouxe-<strong>nos</strong> aconchegos de espí<strong>ritos</strong>, principalmente por deixarmos<br />

por onde passamos amigos esperançosos de que um dia seja possível os<br />

governantes cientes <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de preservarem o meio ambiente, a eles<br />

esten<strong>da</strong>m os benefícios. Sem contarmos que ao <strong>nos</strong>so redor, ou seja, <strong>nos</strong><br />

arredores de <strong>nos</strong>sas ci<strong>da</strong>des existem culturas, <strong>mitos</strong>, len<strong>da</strong>s, fantasias<br />

folclóricas, tão incríveis que divergem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des.<br />

Chegamos ao final <strong>da</strong> viagem ao imaginário pantaneiro, onde passamos<br />

pela cultura, por lugares encantados e uma comuni<strong>da</strong>de calorosa. Buscamos<br />

efetuar uma síntese coerente de <strong>nos</strong>so navegar pela água pantaneira, len<strong>da</strong>s e<br />

<strong>mitos</strong>, <strong>ritos</strong> e g<strong>ritos</strong> e <strong>educação</strong> ambiental.<br />

Presenciamos o turvar <strong>da</strong>s <strong>águas</strong> pós chuvas, o reviver de um eco<br />

sistema bastante saqueado por huma<strong>nos</strong> egoístas e egocêntricos, também<br />

tivemos a felici<strong>da</strong>de de fazermos amigos e deixarmos sau<strong>da</strong>des. Vimos como a<br />

água, desde os tempos antigos, estava impregna<strong>da</strong> de símbolos e de tentativas<br />

de domínio humano. Em <strong>nos</strong>sas peles vivenciamos com os ribeirinhos os<br />

sentimentos de medos dos obscuros, <strong>da</strong>s visões míticas, <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>s<br />

fábulas e <strong>da</strong>s próprias escuridões, onde o guia era na<strong>da</strong> mais na<strong>da</strong> me<strong>nos</strong> que<br />

o próprio rio, refletidos opacamente pelas negras nuvens, que de quando em<br />

vez faziam com que <strong>nos</strong>sos frágeis corpos achincalhavam <strong>nos</strong>sas resistências<br />

ao medo. Além de seu uso indispensável para sobrevivência, a água foi<br />

inspiradora de in<strong>da</strong>gações e motivo de veneração por diferentes culturas.<br />

Contudo, o ser humano se viu constantemente que a visão mítica foi o modelo<br />

interpretativo utilizado durante a maior parte <strong>da</strong> pesquisa e que ela é ignora<strong>da</strong><br />

por muitos. Desde os tempos remotos, a água, por ser um dos elementos vitais,<br />

era revesti<strong>da</strong> por um vasto conteúdo simbólico, demonstrando a sua<br />

importância na vi<strong>da</strong> dos seres huma<strong>nos</strong>. Diante de situações e desafios<br />

concretos e onde o domínio <strong>da</strong> água era perseguido, explorado, sendo que, a


116<br />

mesma deveria ser percebi<strong>da</strong>, entendi<strong>da</strong>, estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e pesquisa<strong>da</strong> por diferentes<br />

visões, mas jamais usa<strong>da</strong> de forma degra<strong>da</strong>nte, gritante.<br />

A água foi e será fonte de inspiração para muitos escritores sensíveis a<br />

reali<strong>da</strong>de de <strong>nos</strong>sos tempos, pois em devaneios, através delas dão vi<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong><br />

partícula de sua formação, passando pelas profundezas terrestres, imensidões<br />

dos mares, dos ocea<strong>nos</strong>, e de tantos quantos forem os lugares em que ela se<br />

faça presente para reinar, pois ela é fonte inspiradora, onde a imaginação brota,<br />

brota como a água, foi dessa imaginação que a comuni<strong>da</strong>de pantaneira a criou<br />

seus <strong>mitos</strong> protetores.<br />

Os <strong>mitos</strong> existentes na face <strong>da</strong> terra não têm autor, muito me<strong>nos</strong> autores.<br />

São relíquias pertinentes às sabedorias triviais dos povos conservados e<br />

relembrados com o passar dos a<strong>nos</strong> pelas novas gerações que ouviram de<br />

seus antepassados. Dando às len<strong>da</strong>s, forma, cores, corpo, feroci<strong>da</strong>de, símbolos<br />

repletos de fantasias, inclusive em alguns casos inserem vestimentas<br />

espalhafatosamente colori<strong>da</strong>s e mascara<strong>da</strong>s pelo inconsciente coletivo sob a<br />

forma e grandes símbolos, de arquétipos e de figuras exemplares. A ca<strong>da</strong><br />

geração emerge na consciência sob mil rostos (BOFF, 2001).<br />

O que <strong>nos</strong> deixou profun<strong>da</strong>mente chocados, foi a constatação acelera<strong>da</strong><br />

do desaparecimento <strong>da</strong>s matas ciliares, com isso, os animais, a flora e to<strong>da</strong> a<br />

fauna, além de suas perseguições e degra<strong>da</strong>ções, acabam morrendo por falta<br />

de seu habitat natural, levando a extinção centenas de tesouros desta frágil<br />

natureza. Sem falarmos <strong>da</strong> própria degeneração dos seres huma<strong>nos</strong> com a<br />

falta d’água e de ar puro para se continuar a viver. Mas não para por aí,<br />

constatamos que as comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, apesar de terem ain<strong>da</strong> peixes<br />

com certa abundância, sofrem problemas seríssimos no tocante a alimentação,<br />

frente de trabalho, <strong>educação</strong> ambiental e pessoal, saúde médica extremamente<br />

precária, habitação deprimente com a falta de saneamento básico, energia<br />

elétrica favorecendo quase que especificamente aos fazendeiros e os mais


117<br />

aquinhoados monetariamente. São observações fun<strong>da</strong>mentais, mas existem<br />

outras de igual peso para o bem estar <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. “O desaparecimento<br />

<strong>da</strong>s matas e de espécies animais, o aumento galopante <strong>da</strong> poluição e o<br />

acúmulo de lixo podendo resultar na derrota <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, se não hoje, nas<br />

próximas gerações, caso não se mude a forma de intervenção na natureza”<br />

(CINTRA & MUTIM, 2002, p. 92).<br />

Não os culpamos propriamente dito pelas degra<strong>da</strong>ções impostas pelas<br />

circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas sim, ao sistema governamental de distribuição de<br />

ren<strong>da</strong>s e poderes. Comparamos o Pantanal como sendo um palco de teatros <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> cotidiana pantaneira, onde os atores ribeirinhos exercitam seus cânticos,<br />

entoados em honra <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des as quais suplicam reflexões direciona<strong>da</strong>s ao<br />

povo ribeirinho, que apesar <strong>da</strong> EA se fazer presente, não é o suficiente para<br />

emanar sensibili<strong>da</strong>des de sustentação na maior atenção ao povo pantaneiro.<br />

Portanto, ao mesmo tempo em que são atores, são vítimas <strong>da</strong><br />

degra<strong>da</strong>ção ambiental e social a que estão expostos em seu cotidiano. A<br />

reflexão sobre as len<strong>da</strong>s e a EA <strong>nos</strong> leva a pensar a possibili<strong>da</strong>de de se atingir<br />

um novo patamar de desenvolvimento <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de humana, respeitando as<br />

diversi<strong>da</strong>des e biodiversi<strong>da</strong>des sócio-ambiental-cultural. Reforça a idéia de que<br />

deve ser vista não só a questão ecológica, fauna e flora, mas também a<br />

questão cultural, esse conhecimento não acadêmico, mas cheio de sabedoria.<br />

Esta pesquisa deve despertar no leitor a na leitora que a EA vai além <strong>da</strong><br />

paisagem, ela deve fazer-<strong>nos</strong> ter sensibili<strong>da</strong>de e preocupação com o que <strong>nos</strong><br />

rodeia.<br />

As len<strong>da</strong>s podem ajudá-los a preservar o Pantanal, mas não são<br />

ferramenta tão forte capazes de impedirem as ganâncias ca<strong>da</strong> vez mais<br />

subdividi<strong>da</strong>s entre posseiros, fazendeiros e novos adquirentes de terras, o que<br />

provoca diretamente o empobrecimento marcante dos ribeirinhos e <strong>da</strong>s próprias


118<br />

terras devasta<strong>da</strong>s, assolando rios, lagos, mares e até mesmo a própria vi<strong>da</strong> de<br />

todos nós.<br />

Acreditamos que os <strong>mitos</strong> têm peso marcante como invólucros <strong>da</strong><br />

conservação <strong>da</strong>s culturas <strong>pantaneiras</strong> e guar<strong>da</strong>m em suas simbologias, tudo o<br />

que essas culturas alcançaram desde os primórdios dos tempos. Atenuando o<br />

desaparecimento <strong>da</strong> cultura ambiental <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des ribeirinhas, se não<br />

tivéssemos o poder do imaginário, que é um componente importante para<br />

explicar a complexi<strong>da</strong>de do sentir do ser humano, não teríamos a consciência<br />

do que é deprimente. A diferença do saber e do sentir, só é percebi<strong>da</strong> quando<br />

nós sentimos na própria pele, pois na <strong>nos</strong>sa dói e nas dos outros passa.<br />

Estamos fazendo uma comparação relativa a reciproci<strong>da</strong>de entre pessoas ou<br />

coisas, para que possam entender a necessária conservação do eco sistema<br />

universal, mas em princípio relacionados ao Pantanal.<br />

Sendo o Brasil, um país extenso abrangendo diversi<strong>da</strong>des étnicas,<br />

raciais, culturais e de ideologias próprias, que ao se mesclarem, dificultam ser<br />

implementados o bem estar <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, principalmente expurgados<br />

socialmente ou de certa forma excluí<strong>da</strong>s por pressões econômicas ou<br />

fundiárias, dissipando suas histórias, consequentemente suas culturas e<br />

saberes que acabam caindo no esquecimento. Os deixando ain<strong>da</strong> mais<br />

vulneráveis ao considerarmos as características culturais e suas próprias<br />

sustentabili<strong>da</strong>des ambientais.<br />

.


4.4 BIBLIOGRAFIA CITADA<br />

119<br />

A natureza humaniza<strong>da</strong> é sempre uma natureza<br />

Encanta<strong>da</strong> e sobrenatural,<br />

Ao mesmo tempo<br />

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www2.opopular.com.br/almanaque


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